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Christian Edward Cyril Lynch: Bolsonaro expõe autoritarismo de neoliberais e nova 'jornada de otários' de liberais

Cientista político analisa distinções de duas vertentes do liberalismo na história brasileira

Professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), é autor de ‘Da Monarquia à Oligarquia: História Institucional e Pensamento Político Brasileiro (1822-1930)’ (ed. Alameda), entre outros livros

[resumo] A adesão e o repúdio ao autoritarismo conservador de Jair Bolsonaro demonstram com clareza as distinções históricas de duas correntes do liberalismo no país, diz cientista político. Embora ambos tenham sido acometidos em períodos de crise pela tentação do golpismo, os liberais democratas têm como princípio central a defesa das liberdades individuais e políticas, o que pode trazer no bojo também a econômica, enquanto os neoliberais veem no livre mercado a razão de ser da ordem social, mesmo que às custas do desgaste do Estado de Direito.



O tema do neoliberalismo está em voga desde a década de 1980, quando a crise da social-democracia europeia trouxe a crítica do planejamento econômico pelo Estado e a defesa do liberalismo econômico como fórmula capaz de superar a estagnação.

Nos últimos dez anos, seu prestígio cresceu e seus partidários aderiram à chamada "nova direita", parte da qual viria a apoiar o governo Bolsonaro. O debate público sobre o conceito de liberalismo é intenso. Hoje, o tema guarda grande atualidade, tendo em vista o referido endosso de Paulo Guedes e de maioria dos neoliberais brasileiros às tendências conservadoras e autoritárias de Jair Bolsonaro.

Entre os pretendentes dessa ideologia política, a querela gira em torno de um liberalismo democrático inimigo do autoritarismo político (a vertente liberal democrata), que mantém relações pragmáticas com a economia, e um outro, para quem a liberdade política depende essencialmente da econômica, ponto de vista segundo o qual o verdadeiro autoritarismo seria a intervenção do Estado na economia (a vertente neoliberal).

Os neoliberais se apresentam como “liberais”, ou como sendo os “autênticos liberais”, alinhando-se, todavia, a pautas reconhecidamente conservadoras em sua dimensão política. Tentam, assim, conciliar em abstrato a distinção histórica entre conservadorismo e liberalismo, sem deixar de aderir a uma coalizão de vocação autoritária, que conta com conservadores reacionários (olavistas) e estatistas (militares).

Eles enfrentam sempre a oposição de outros “liberais”, que se pretendem progressistas e negam a compatibilidade entre liberalismo e conservadorismo ou autoritarismo político.

na xilogravura, uma mão de titereiro (ou bonequeiro) segura as hastes com fios usadas para  manipulação de bonecos (ou títeres)
Arte: Alexandre Teles

Vários estudiosos conferiram grande importância à questão das chamadas famílias, tradições ou linhagens do pensamento político brasileiro. Esse tipo de classificação tem entre suas vantagens a capacidade de servir de anteparo ao presentismo: a tentação de ver os problemas do momento atual como puramente inéditos. Assim, podemos revisitar a tradição do liberalismo brasileiro, buscando suas regularidades no tempo.

Desde o começo do século 19, os liberais associaram o suposto atraso brasileiro a um problema de origem. A baixa capacidade de os portugueses estabelecerem as bases de uma civilização moderna nos trópicos, a influência da Igreja Católica, a concentração da grande propriedade agrária e a escravidão teriam produzido uma sociedade civicamente egoísta, indiferente à ciência, dependente de um Estado autoritário e patrimonial, avessa ao indivíduo autônomo e incapaz de cooperação —como descrito, por exemplo, por Raymundo Faoro em “Os Donos do Poder” (1958).

Para além do transplante de instituições anglo-saxãs, o programa liberal inspirado por Stuart Mill tem se pautado por políticas públicas voltadas para a abertura comercial e cultural, para a descentralização político-administrativa, desregulação econômica e redução da burocracia.

Do ponto de vista político, o liberalismo brasileiro de tendência democrática manifesta um certo centrismo. O mais destacado intelectual liberal brasileiro do período pós-independência, Evaristo da Veiga, já celebrava a moderação como a virtude política por excelência. Essa postura confere aos liberais um dinamismo de se deslocar para a direita ou para a esquerda, conforme percebam a ameaça autoritária vindo de um dos lados opostos, socialista ou conservador.

No governo, o liberalismo democrático brasileiro tende a ser mais cauteloso, hesitando a respeito da conveniência e do ritmo da expansão dos direitos sociais e políticos. Acreditando que a colonização teria conformado uma sociedade inclinada a soluções políticas messiânicas, populistas e estatistas, os liberais acabam por não confiar no “bom senso” das massas. Daí a tendência a um excesso de moderação que conduz ao elitismo, ou seja, a circunscrever o centro decisório a uma minoria homogênea de cidadãos em termos de renda e cultura.

Desde que a democratização começou a surgir no horizonte, a partir da Campanha Abolicionista com Joaquim Nabuco e, depois, com a Campanha Civilista de Rui Barbosa, a classe média entrou no radar dos liberais. Como segmento social, exprimiria as qualidades da sociedade civil, por sua sensibilidade a temas como participação política, liberdade, mérito e moralidade.

Entretanto, por vezes, os liberais democráticos se perceberam em um clima de polarização entre a esquerda e a direita radicais que reduzia o seu espaço de atuação em defesa das liberdades públicas e inclinava o país para o autoritarismo. A sociedade brasileira parecia não se adequar à pedagogia dos valores cosmopolitas liberais.

Inoculada nas massas, a hostilidade a esses valores inclinaram-nas à tutela de um líder carismático; daí a fortuna de um conceito controverso como o de “populismo” tanto entre liberais quanto entre socialistas cosmopolitas. Tal diagnóstico leva muitos liberais democráticos a periodicamente advogarem mecanismos institucionais como o parlamentarismo e o judiciarismo.

Este último é uma velha aspiração que data da queda da Monarquia e encontrou seus grandes defensores em Rui Barbosa e Pedro Lessa, para quem a República transferira para o Supremo Tribunal a função arbitral exercida antes pelo Poder Moderador.

Somente na Nova República, todavia, com a retirada de cena do Exército, o judiciarismo se tornou hegemônico, auxiliado pelo desenho institucional da Constituição de 1988. No começo do século 21, voltou a ser apresentado como um remédio para as tendências corruptoras e oligárquicas da representação política.

Em épocas de polarização e crise aguda do Estado de Direito, quando as instituições constitucionais parecem indiferentes ou hostis à cultura do liberalismo, nasceu frequentemente entre os liberais democratas brasileiros a tentação do golpismo.

Desde 1889, o liberalismo nacional tendeu a encarar esse recurso como legítimo em momentos críticos para salvar a liberdade contra seus inimigos percebidos como autoritários. Quem melhor representou essa ambiguidade foi o próprio Rui Barbosa. O temor de um eventual reinado reacionário da princesa Isabel o fez embarcar no golpe militar e a se tornar ministro da ditadura republicana, interpretada por ele como um autoritarismo transitório que preparava um Estado de Direito mais sólido, conforme o figurino estadunidense.

Depois de combater o militarismo dos presidentes Floriano Peixoto e Hermes da Fonseca, Rui voltou a cogitar a intervenção do Exército no começo dos anos 1920, quando lhe pareceu que a República marchava de novo para o autoritarismo.

O golpe de 1964 também foi apoiado por liberais democratas, a exemplo de Afonso Arinos e Carlos Lacerda, como um breve período de exceção destinado a afastar o risco de ameaça comunista. Na prática, em todas essas ocasiões, os liberais brasileiros só participaram de uma “jornada de otários”, que precipitou o advento de um autoritarismo de direita que terminou por voltar-se contra eles e persegui-los como subversivos.

Embora se imagine sempre uma correlação automática entre liberalismo econômico e político, essa relação, ao longo dos últimos três séculos, é mais complexa e nem sempre de fácil distinção. Se a liberdade de mercado é parte das liberdades modernas, o foco sobre a liberdade política, aquela plasmada na forma dos direitos e das garantias constitucionais, distingue o liberalismo democrático daquele que via no livre mercado o objetivo principal de uma ordem liberal.

A esta última vertente poderíamos chamar de libertarianismo econômico, ou neoliberalismo. Surgido pelas mãos de Herbert Spencer por volta de 1880 como reação ao processo de democratização política, impulsionado pelo socialismo e pelo alargamento do sufrágio, o neoliberalismo consiste em um híbrido de liberalismo e conservadorismo: ao mesmo tempo em que apresenta características liberais, como o individualismo, eleva o mercado à condição de gerador e ordenador da vida social, intangível porque produto de forças extra-humanas —uma suposta “ordem espontânea” do universo social fruto da interação não planificada entre os indivíduos.

Os neoliberais apresentam seus argumentos em uma roupagem supostamente “técnica” ou “científica”, defendendo suas posições como as únicas “realistas”, não capturadas pela tentação idealista e normativa da mentalidade planificadora e maximizadora do Estado que teria marcado as ideologias democráticas desde o século 18, como se notaria tanto nos liberais quanto nos socialistas.

Na ideologia neoliberal, a função do Estado é essencialmente a preservação das condições de competição dos indivíduos no mercado. A justiça social é produto das leis do mercado, cujo livre funcionamento por parte de empresários “empreendedores” e criativos, em um contexto de população tecnicamente educada, geraria de forma mais ou menos automática riqueza pública e emprego, através de sucessivos ganhos de produtividade.

Para os neoliberais, o Brasil estaria sempre patinando entre a barbárie e a estupidez, carecendo constantemente de abertura comercial e financeira para o mercado exterior. Aqui, empreender teria muito mais obstáculos a enfrentar devido à ausência de uma cultura moderna, ou seja, capitalista. Em contraste, os países do Atlântico Norte costumam ser referenciados como modelares.

O cosmopolitismo neoliberal demonstra, coerentemente, grande apreço a organismos internacionais —mas não os de caráter político, como a Liga das Nações ou a ONU, enaltecidas pelos liberais democratas, e sim os financeiros, como o FMI, bancos e empresas multinacionais.

E se é verdade que ambas as tradições liberais podem ter uma aproximação instrumental com o autoritarismo, no caso dos neoliberais essa dimensão é muito mais acentuada. De todo esse diagnóstico negativo dos libertários econômicos sobre a situação do Brasil resultava um descompromisso ainda maior com a democracia.

A necessidade de um choque civilizador de capitalismo vindo de fora justificava métodos autoritários. A marca acentuadamente demofóbica já estava presente nos fundadores libertários da República, como os irmãos Alberto e Campos Sales, que ajudaram a urdir o golpe de 1889 contra os liberais e defendiam a toda força o presidencialismo, na crença de que só um governo forte e enérgico poderia enfrentar o “socialismo”.

No século 20, Eugênio Gudin e Roberto Campos demonstraram idêntico descaso com o regime democrático. Diziam que as constituições de 1946 e 1988, por não corresponderem às suas doutrinas, eram produtos da ignorância e da utopia. Como nenhuma delas resolvia os problemas do país, duravam pouco e mereciam, por isso, o desprezo geral.

Muitas tensões marcaram a convivência dos dois liberalismos, o democrático e o neoliberal, em nosso país. Para Rui Barbosa, o presidente Campos Sales era o grande artífice do conservadorismo da Primeira República. Ele acusava Sales de autoritário, oligarca e corruptor, assim como via na política neoliberal de seu ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, uma cortina de fumaça doutrinária destinada a favorecer os interesses internacionais. Já Sales e Murtinho chamavam Rui de subversivo e tendente ao socialismo, criticando sua política econômica.

Quando o regime militar impôs a Constituição de 1967, o liberal democrata Afonso Arinos também se queixou de que a nova Carta continha “excessivo liberalismo econômico em contraste com o autoritarismo político”. Em defesa dela, os neoliberais Gudin e Roberto Campos justificaram o fortalecimento do Executivo pela necessidade de passar as reformas modernizadoras de corte libertário.

Roberto Campos também se estranhou publicamente com Carlos Lacerda, quando este atacou sua política neoliberal como própria de tecnocratas e defendeu uma abordagem pragmática da economia. No livro “Brasil entre a Verdade e a Mentira” (1965), Lacerda invocou em seu apoio a autoridade de Rui Barbosa, cuja obra defendeu contra Murtinho e Campos.

Apoiador de primeira hora do golpe militar, Lacerda acabou preso após o AI-5 e teve seus direitos políticos cassados. Também para ele, a adesão ao golpismo resultou numa “jornada de otários”. A história se repetiu recentemente, com a adesão dos liberais democratas ao lavajatismo como método de deposição da esquerda. Ao invés de chegarem ao reino da liberdade republicana, esquentaram a cama para Jair Bolsonaro se deitar.

Depois de 1990, os liberais democratas recuperariam o discurso do liberalismo econômico, voltando a apresentar um ponto de contato com os neoliberais. Nem por isso se tornariam a mesma coisa. Em suas memórias, “A Lanterna na Popa” (1994), Roberto Campos lamentou as brigas com Arinos e Lacerda: “Foi tudo um grande desencontro...”. Ele estava errado. Embora aparentados do ponto de vista “macro ideológico”, o liberalismo democrático e o neoliberalismo, como já se percebia então, são ideologias distintas.

O liberalismo democrático, que representa o tronco principal da linhagem, na segunda metade do século 19 já havia, por meio de Stuart Mill, renunciado a aspectos secundários da doutrina, como o voto censitário e o liberalismo econômico, vinculados ao governo oligárquico e plutocrático.

O neoliberalismo, ao contrário, surgiu como uma reação conservadora à adaptação do liberalismo ao ambiente democrático, destinado a preservar a dimensão oligárquica e plutocrática do Estado de Direito. Onde os liberais viam democracia, os neoliberais passaram a ver socialismo. Longe de preservar o liberalismo oitocentista, os neoliberais deliberadamente o reformularam, modificando seus fundamentos, para se concentrar, quase que exclusivamente, na defesa do Estado mínimo.

O atual contencioso em torno do autoritarismo conservador de Bolsonaro demonstra com clareza a distinção de neoliberais e liberais democratas. A adesão de Paulo Guedes e seus admiradores ao bolsonarismo representa somente a manifestação, nos dias de hoje, do genótipo característico dos neoliberais brasileiros, de natureza plutocrática e oligárquica.

Basta lembrar que no passado apoiaram as ditaduras dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, a oligárquica República Velha e o regime militar de 1964 durante pelo menos dez anos. Como diz o Eclesiastes, não há nada de novo sob o sol...



A quem tiver o interesse de se aprofundar no assunto, recomendo a leitura deste artigo que escrevi sobre a trajetória do neoliberalismo no Brasil.


Folha de S. Paulo: Economistas, banqueiros e empresários cobram medidas efetivas contra a pandemia

Mais de 500 assinaturas endossam carta que pede políticas públicas capazes de deter fase explosiva de contágios e mortes

Isabela Bolzani, Folha de S. Paulo

Mais de 500 economistas, banqueiros e empresários do país assinaram e divulgaram, neste domingo (21), uma carta aberta em que pedem medidas mais eficazes para o combate à pandemia do novo coronavírus. Em um texto com vários dados, o grupo chama a atenção para o atual momento crítico da pandemia e de seus riscos para o país, e também detalha medidas que podem contribuir para aliviar o que consideram um grave cenário.

A carta é a primeira manifestação de peso de representantes da área econômica no atual pico de contágios e mortes. Nos últimos meses, alguns economistas e acadêmicos começaram a fazer críticas pontuais sobre o combate à Covid-19, mas a maioria não havia se posicionado publicamente até então.

“Estamos no limiar de uma fase explosiva da pandemia e é fundamental que a partir de agora as políticas públicas sejam alicerçadas em dados, informações confiáveis e evidência científica. Não há mais tempo para perder em debates estéreis e notícias falsas. Precisamos nos guiar pelas experiências bem-sucedidas, por ações de baixo custo e alto impacto, por iniciativas que possam reverter de fato a situação sem precedentes que o país vive”, afirmaram.

Sem citar o nome do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o documento afirma que a postura adotada por líderes políticos pode fazer diferença tanto para o bem quanto para o mal e, dependendo, reforçar normas antissociais, dificultar a adesão da população a comportamentos responsáveis, ampliar o número de infectados e de mortes e aumentar os custos que o país incorre.

"O desdenho à ciência, o apelo a tratamentos sem evidência de eficácia, o estímulo à aglomeração e o flerte com o movimento antivacina, caracterizou a liderança política maior no país", afirmam.

O texto diz ainda que a situação econômica e social trazida pelo agravamento da pandemia é desoladora, e pode insurgir uma nova contração da atividade no primeiro trimestre deste ano.

“Essa recessão [...] não será superada enquanto a pandemia não for controlada por uma atuação competente do governo federal. Este subutiliza e utiliza mal os recursos de que dispõe, inclusive por ignorar ou negligenciar a evidência científica no desenho das ações para lidar com a pandemia”, dizem.

O documento aponta que é falso o dilema entre salvar vidas e garantir o sustento da população vulnerável e que dados preliminares de óbitos e desempenho econômico sugerem que os países com pior desempenho econômico tiveram mais mortes de Covid-19, como mostrou reportagem da Folha.

Entre as quatro medidas citadas na carta como indispensáveis para o combate à pandemia, estão a aceleração do ritmo de vacinação, o incentivo ao uso de máscaras –tanto com distribuição gratuita quanto com orientação educativa–, a implementação de medidas de distanciamento social e a criação de um mecanismo de coordenação do combate à pandemia em âmbito nacional, orientado por uma comissão de cientistas e especialistas.

Segundo o economista Marco Bonomo, que participou da redação do texto, há um senso de urgência em relação ao problema. A expectativa era que a carta fosse encaminhada aos representantes dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) ainda neste domingo.

A mobilização chama a atenção não apenas pelo grande número de adeptos, mas também pela diversidade dos apoiadores.

Entre os economistas, por exemplo, estão Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, Laura Carvalho, professora da Faculdade de Economia da USP, Sandra Rios, diretora no Cindes (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento), Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, e Elena Landau, economista, advogada e presidente do Conselho Acadêmico do Livres.

"O comentário que eu mais ouvi das pessoas hoje foi que a sociedade está se movendo. E isso precisa acontecer rápido. Não é possível que você não possa avançar com proteção social. [Essa carta] vem para enfatizar coisas que a ciência e os médicos de todo o mundo já falam há algum tempo. Não há discurso entre salvar vidas e salvar a economia. E a carta vem de economistas, exatamente para ficar claro que não existe esse dilema", disse Elena Landau.

A carta tem também a chancela de Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, co-presidentes do conselho de administração do Itaú Unibanco, sinalizando que a mensagem tem eco em outros segmentos da economia.

Setubal e Moreira Salles estão entre as famílias mais ricas do Brasil e detêm o controle de grandes companhias. Os Setubal, por exemplo, têm participação acionária na Itaúsa, que controla empresas como Duratex. Os Moreira Salles têm o fundo Cambuhy que, junto com Itáusa, está no bloco de controle da Alpargatas, e também controlam empresas como a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), a Revista Piauí e o Instituto Moreira Salles.

Também há representantes diretamente ligados ao setor produtivo, entre eles Pedro Parente, presidente do conselho de administração da BRF, que detém as marcas Sadia e Perdigão, e Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo e hoje presidente-executivo da Ibá (entidade que representa a cadeia produtiva de árvores, papel e celulose).

Entre os investidores que endossam a mensagem estão Luis Stuhlberger, sócio da Verde Asset, que administra um dos fundos mais rentáveis da história do Brasil, e Fersen Lambranho, presidente do conselho de administração da GP Investments, que tem mais de US$ 5 bilhões (R$ 27,5 bilhões) aplicados em 17 setores.

Economistas ligados ao banco Credit Suisse são outro destaque. Assinam a carta o presidente da instituição, José Olympio Pereira, o presidente do conselho de administração e também ex-presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, e a economista-chefe do banco, Solange Srour, que é colunista da Folha.

Ainda prestam apoio à mensagem outros ex-presidentes do Banco Central, como Armínio Fraga, Affonso Celso Pastore, Gustavo Loyola, bem como ex-ministros da Fazenda, como Pedro Malan, Marcílio Marques Moreira e Rubens Ricupero.

A ideia de criar a carta surgiu em um grupo de WhatsApp no qual se reúnem mais de 200 economistas, criado em 2015. Diante do agravamento da pandemia, os participantes começaram a pensar em uma manifestação mais formal sobre quais os problemas a serem enfrentados. Para redigir a carta foram escolhidos cinco relatores.

"A pandemia é um tema de primeira ordem na discussão nacional, e a ideia [da carta] é ser uma contribuição propositiva, com a nossa visão sobre o tema. Existem questões complexas que precisam ser melhor atendidas. Nem tudo o que está no documento é do acordo de todos os economistas do grupo, mas um número representativo assinou a carta que, agora, também ganhou assinatura de economistas de outras esferas", afirmou Flávio Ataliba, economista e secretário-executivo de Planejamento e Orçamento da Seplag (Secretaria do Planejamento e Gestão do Ceará).

Além do ritmo lento e da insuficiência das vacinas no país diante do risco de surgimento de novas cepas do vírus, a carta também traz ponderações sobre a necessidade de limitação da mobilidade e sobre o custo que a pandemia já teve para o Brasil.

"A falta de vacinas é o principal gargalo. Impressiona a negligência com as aquisições, dado que, desde o início da pandemia, foram desembolsados R$ 528,3 bilhões em medidas de combate à pandemia", diz o documento.

O cálculo mostra que a consequente redução da atividade pela demora em adotar políticas públicas mais adequadas custou uma perda tributária de R$ 58 bilhões só no âmbito federal, enquanto o atraso da vacinação irá custar R$ 131,4 bilhões aos cofres públicos em 2021 em termos de produto ou renda não gerada e supondo uma recuperação retardatária em dois trimestres.


Leia a carta na íntegra.



CARTA ABERTA À SOCIEDADE REFERENTE A MEDIDAS DE COMBATE À PANDEMIA

O Brasil é hoje o epicentro mundial da Covid-19, com a maior média móvel de novos casos.

Enquanto caminhamos para atingir a marca tétrica de 3 mil mortes por dia e um total de mortes acumuladas de 300 mil ainda esse mês, o quadro fica ainda mais alarmante com o esgotamento dos recursos de saúde na grande maioria de estados, com insuficiente número de leitos de UTI, respiradores e profissionais de saúde. Essa situação tem levado a mortes de pacientes na espera pelo atendimento, contribuindo para uma maior letalidade da doença.

A situação econômica e social é desoladora. O PIB encolheu 4,1% em 2020 e provavelmente observaremos uma contração no nível de atividade no primeiro trimestre deste ano. A taxa de desemprego, por volta de 14%, é a mais elevada da série histórica, e subestima o aumento do desemprego, pois a pandemia fez com que muitos trabalhadores deixassem de procurar emprego, levando a uma queda da força de trabalho entre fevereiro e dezembro de 5,5 milhões de pessoas.

A contração da economia afetou desproporcionalmente trabalhadores mais pobres e vulneráveis, com uma queda de 10,5% no número de trabalhadores informais empregados, aproximadamente duas vezes a queda proporcional no número de trabalhadores formais empregados.

Esta recessão, assim como suas consequências sociais nefastas, foi causada pela pandemia e não será superada enquanto a pandemia não for controlada por uma atuação competente do governo federal. Este subutiliza ou utiliza mal os recursos de que dispõe, inclusive por ignorar ou negligenciar a evidência científica no desenho das ações para lidar com a pandemia. Sabemos que a saída definitiva da crise requer a vacinação em massa da população. Infelizmente, estamos atrasados. Em torno de 5% da população recebeu ao menos uma dose de vacina, o que nos coloca na 45ª posição no ranking mundial de doses aplicadas por habitante.

O ritmo de vacinação no país é insuficiente para vacinar os grupos prioritários do Plano Nacional de Imunização (PNI) no 1º semestre de 2021, o que amplia o horizonte de vacinação para toda a população para meados de 2022.

As consequências são inomináveis. No momento, o Brasil passa por escassez de doses de vacina, com recorrentes atrasos no calendário de entregas e revisões para baixo na previsão de disponibilidade de doses a cada mês. Na semana iniciada em 8 de março foram aplicadas, em média, apenas 177 mil doses por dia.

No ritmo atual, levaríamos mais de 3 anos para vacinar toda a população. O surgimento de novas cepas no país (em especial a P.1) comprovadamente mais transmissíveis e potencialmente mais agressivas, torna a vacinação ainda mais urgente. A disseminação em larga escala do vírus, além de magnificar o número de doentes e mortos, aumenta a probabilidade de surgirem novas variantes com potencial de diminuir a eficácia das vacinas atuais.

Vacinas são relativamente baratas face ao custo que a pandemia impõe à sociedade. Os recursos federais para compra de vacinas somam R$ 22 bilhões, uma pequena fração dos R$ 327 bilhões desembolsados nos programas de auxílio emergencial e manutenção do emprego no ano de 2020.

Vacinas têm um benefício privado e social elevado, e um custo total comparativamente baixo. Poderíamos estar em melhor situação, o Brasil tem infraestrutura para isso. Em 1992, conseguimos vacinar 48 milhões de crianças contra o sarampo em apenas um mês.

Na campanha contra a Covid-19, se estivéssemos vacinando tão rápido quanto a Turquia, teríamos alcançado uma proporção da população duas vezes maior, e se tanto quanto o Chile, dez vezes maior. A falta de vacinas é o principal gargalo. Impressiona a negligência com as aquisições, dado que, desde o início da pandemia, foram desembolsados R$ 528,3 bilhões em medidas de combate à pandemia,

incluindo os custos adicionais de saúde e gastos para mitigação da deteriorada situação econômica. A redução do nível da atividade nos custou uma perda de arrecadação tributária apenas no âmbito federal de 6,9%, aproximadamente R$ 58 bilhões, e o atraso na vacinação irá custar em termos de produto ou renda não gerada nada menos do que estimados R$ 131,4 bilhões em 2021, supondo uma recuperação retardatária em 2 trimestres.

Nesta perspectiva, a relação benefício custo da vacina é da ordem de seis vezes para cada real gasto na sua aquisição e aplicação. A insuficiente oferta de vacinas no país não se deve ao seu elevado custo, nem à falta de recursos orçamentários, mas à falta de prioridade atribuída à vacinação.

O quadro atual ainda poderá deteriorar-se muito se não houver esforços efetivos de coordenação nacional no apoio a governadores e prefeitos para limitação de mobilidade. Enquanto se busca encurtar os tempos e aumentar o número de doses de vacina disponíveis, é urgente o reforço de medidas de distanciamento social. Da mesma forma é essencial a introdução de incentivos e políticas públicas para uso de máscaras mais eficientes, em linha com os esforços observados na União Europeia e nos Estados Unidos.

A controvérsia em torno dos impactos econômicos do distanciamento social reflete o falso dilema entre salvar vidas e garantir o sustento da população vulnerável. Na realidade, dados preliminares de óbitos e desempenho econômico sugerem que os países com pior desempenho econômico tiveram mais óbitos de Covid-19. A experiência mostrou que mesmo países que optaram inicialmente por evitar o lockdown terminaram por adotá-lo, em formas variadas, diante do agravamento da pandemia – é o caso do Reino Unido, por exemplo. Estudos mostraram que diante da aceleração de novos casos, a população responde ficando mais avessa ao risco sanitário, aumentando o isolamento voluntário e levando à queda no consumo das famílias mesmo antes ou sem que medidas restritivas formais sejam adotadas.15 A recuperação econômica, por sua vez, é lenta e depende da retomada de confiança e maior previsibilidade da situação de saúde no país.

Logo, não é razoável esperar a recuperação da atividade econômica em uma epidemia descontrolada.

O efeito devastador da pandemia sobre a economia tornou evidente a precariedade do nosso sistema de proteção social. Em particular, os trabalhadores informais, que constituem mais de 40% da força de trabalho, não têm proteção contra o desemprego. No ano passado, o auxílio emergencial foi fundamental para assistir esses trabalhadores mais vulneráveis que perderam seus empregos, e levou a uma redução da pobreza, evidenciando a necessidade de melhoria do nosso sistema de proteção social. Enquanto a pandemia perdurar, medidas que apoiem os mais vulneráveis, como o auxílio emergencial, se fazem necessárias. Em paralelo, não devemos adiar mais o encaminhamento de uma reforma no sistema de proteção social, visando aprimorar a atual rede de assistência social e prover seguro aos informais. Uma proposta nesses moldes é o programa de Responsabilidade Social, patrocinado pelo Centro de Debate de Políticas Públicas, encaminhado para o Congresso no final do ano passado.

Outras medidas de apoio às pequenas e médias empresas também se fazem necessárias. A experiência internacional com programas de aval público para financiamento privado voltado para pequenos empreendedores durante um choque negativo foi bem-sucedida na manutenção de emprego, gerando um benefício líquido positivo à sociedade.

O aumento em 34,7% do endividamento dos pequenos negócios durante a pandemia amplifica essa necessidade. A retomada de linhas avalizadas pelo Fundo Garantidor para Investimentos e Fundo de Garantia de Operações é uma medida importante de transição entre a segunda onda e o pós-crise.

Estamos no limiar de uma fase explosiva da pandemia e é fundamental que a partir de agora as políticas públicas sejam alicerçadas em dados, informações confiáveis e evidência científica. Não há mais tempo para perder em debates estéreis e notícias falsas. Precisamos nos guiar pelas experiências bem-sucedidas, por ações de baixo custo e alto impacto, por iniciativas que possam reverter de fato a situação sem precedentes que o país vive.

Medidas indispensáveis de combate à pandemia: a vacinação em massa é condição sine qua non para a recuperação econômica e redução dos óbitos.

1. Acelerar o ritmo da vacinação. O maior gargalo para aumentar o ritmo da vacinação é a escassez de vacinas disponíveis. Deve-se, portanto, aumentar a oferta de vacinas de forma urgente. A estratégia de depender da capacidade de produção local limitou a disponibilidade de doses ante a alternativa de pré-contratar doses prontas, como fez o Chile e outros países. Perdeu-se um tempo precioso e a assinatura de novos contratos agora não garante oferta de vacinas em prazo curto. É imperativo negociar com todos os laboratórios que dispõem de vacinas já aprovadas por agências de vigilância internacionais relevantes e buscar antecipação de entrega do maior número possível de doses. Tendo em vista a escassez de oferta no mercado internacional, é fundamental usar a política externa – desidratada de ideologia ou alinhamentos automáticos – para apoiar a obtenção de vacinas, seja nos grandes países produtores seja nos países que têm ou terão excedentes em breve.

A vacinação é uma corrida contra o surgimento de novas variantes que podem escapar da imunidade de infecções passadas e de vacinas antigas. As novas variantes surgidas no Brasil tornam o controle da pandemia mais desafiador, dada a maior transmissibilidade.

Com o descontrole da pandemia é questão de tempo até emergirem novas variantes. O Brasil precisa ampliar suas capacidades de sequenciamento genômico em tempo real, de compartilhar dados com a comunidade internacional e de testar a eficácia das vacinas contra outras variantes com máxima agilidade. Falhas e atrasos nesse processo podem colocar em risco toda a população brasileira, e também de outros países.

2. Incentivar o uso de máscaras tanto com distribuição gratuita quanto com orientação educativa. Economistas estimaram que se os Estados Unidos tivessem adotado regras de uso de máscaras no início da pandemia poderiam ter reduzido de forma expressiva o número de óbitos. Mesmo se um usuário de máscara for infectado pelo vírus, a máscara pode reduzir a gravidade dos sintomas, pois reduz a carga viral inicial que o usuário é exposto. Países da União Europeia e os Estados Unidos passaram a recomendar o uso de máscaras mais eficientes – máscaras cirúrgicas e padrão PFF2/N95 – como resposta às novas variantes. O Brasil poderia fazer o mesmo, distribuindo máscaras melhores à população de baixa renda, xplicando a importância do seu uso na prevenção da transmissão da Covid.

Máscaras com filtragem adequada têm preços a partir de R$ 3 a unidade. A distribuição gratuita direcionada para pessoas sem condições de comprá-las, acompanhada de instrução correta de reuso, teria um baixo custo frente aos benefícios de contenção da Covid-1923. Considerando o público do auxílio emergencial, de 68 milhões de pessoas, por exemplo, e cinco reusos da máscara, tal como recomenda o Center for Disease Control do EUA, chegaríamos a um custo mensal de R$ 1 bilhão. Isto é, 2% do gasto estimado mensal com o auxílio emergencial. Embora leis de uso de máscara ajudem, informar corretamente a população e as lideranças darem o exemplo também é importante, e tem impacto na trajetória da epidemia. Inversamente, estudos mostram que mensagens contrárias às medidas de prevenção afetam a sua adoção pela população, levando ao aumento do contágio.

3. Implementar medidas de distanciamento social no âmbito local com coordenação nacional. O termo “distanciamento social” abriga uma série de medidas distintas, que incluem a proibição de aglomeração em locais públicos, o estímulo ao trabalho a distância, o fechamento de estabelecimentos comerciais, esportivos, entre outros, e – no limite – escolas e creches. Cada uma dessas medidas tem impactos sociais e setoriais distintos. A melhor combinação é aquela que maximize os benefícios em termos de redução da transmissão do vírus e minimize seus efeitos econômicos, e depende das características da geografia e da economia de cada região ou cidade. Isso sugere que as decisões quanto a essas medidas devem ser de responsabilidade das autoridades locais.

Com o agravamento da pandemia e esgotamento dos recursos de saúde, muitos estados não tiveram alternativa senão adotar medidas mais drásticas, como fechamento de todas as atividades não-essenciais e o toque de recolher à noite. Os gestores estaduais e municipais têm enfrentado campanhas contrárias por parte do governo federal e dos seus apoiadores. Para maximizar a efetividade das medidas tomadas, é indispensável que elas sejam apoiadas, em especial pelos órgãos federais. Em particular, é imprescindível uma coordenação em âmbito nacional que permita a adoção de medidas de caráter nacional, regional ou estadual, caso se avalie que é necessário cercear a mobilidade entre as cidades e/ou estados ou mesmo a entrada de estrangeiros no país.

A necessidade de adotar um lockdown nacional ou regional deveria ser avaliado. É urgente que os diferentes níveis de governo estejam preparados para implementar um lockdown emergencial, definindo critérios para a sua adoção em termos de escopo, abrangência das atividades cobertas, cronograma de implementação e duração.

Ademais, é necessário levar em consideração que o acréscimo de adesão ao distanciamento social entre os mais vulneráveis depende crucialmente do auxílio emergencial. Há sólida evidência de que programas de amparo socioeconômico durante a pandemia aumentaram o respeito às regras de isolamento social dos beneficiários. É, portanto, não só mais justo como mais eficiente focalizar a assistência nas populações de baixa renda, que são mais expostas nas suas atividades de trabalho e mais vulneráveis financeiramente.

Dentre a combinação de medidas possíveis, a questão do funcionamento das escolas merece atenção especial. Há estudos mostrando que não há correlação entre aumento de casos de infecção e reabertura de escolas no mundo26. Há também informações sobre o nível relativamente reduzido de contágio nas escolas de São Paulo após sua abertura.

As funções da escola, principalmente nos anos do ensino fundamental, vão além da transmissão do conhecimento, incluindo cuidados e acesso à alimentação de crianças, liberando os pais – principalmente as mães – para o trabalho. O fechamento de escolas no Brasil atingiu de forma mais dura as crianças mais pobres e suas mães. A evidência mostra que alunos de baixa renda, com menor acesso às ferramentas digitais, enfrentam maiores dificuldade de completar as atividades educativas, ampliando a desigualdade da formação de capital humano entre os estudantes28.

Portanto, as escolas devem ser as últimas a fechar e as primeiras a reabrir em um esquema de distanciamento social. Há aqui um papel fundamental para o Ministério da Educação em cooperação com o Ministério da Saúde na definição e comunicação de procedimentos que contribuam para a minimização dos riscos de contágio nas escolas, além do uso de ferramentas comportamentais para retenção da evasão escolar, como o uso de mensagens de celular como estímulo para motivar os estudantes, conforme adotado em São Paulo e Goiás.

4. Criar mecanismo de coordenação do combate à pandemia em âmbito nacional – preferencialmente pelo Ministério da Saúde e, na sua ausência, por consórcio de governadores – orientada por uma comissão de cientistas e especialistas, se tornou urgente. Diretrizes nacionais são ainda mais necessárias com a escassez de vacinas e logo a necessidade de definição de grupos prioritários; com as tentativas e erros no distanciamento social; a limitada compreensão por muitos dos pilares da prevenção, particularmente da importância do uso de máscara, e outras medidas no âmbito do relacionamento social.

Na ausência de coordenação federal, é essencial a concertação entre os entes subnacionais, consórcio para a compra de vacinas e para a adoção de medidas de supressão.

O papel de liderança: Apesar do negacionismo de alguns poucos, praticamente todos os líderes da comunidade internacional tomaram a frente no combate ao Covid-19 desde março de 2020, quando a OMS declarou o caráter pandêmico da crise sanitária. Informando, notando a gravidade de uma crise sem precedentes em 100 anos, guiando a ação dos indivíduos e influenciado o comportamento social.

Líderes políticos, com acesso à mídia e às redes, recursos de Estado, e comandando atenção, fazem a diferença: para o bem e para o mal. O desdenho à ciência, o apelo a tratamentos sem evidência de eficácia, o estímulo à aglomeração, e o flerte com o movimento antivacina, caracterizou a liderança política maior no país. Essa postura reforça normas antissociais, dificulta a adesão da população a comportamentos responsáveis, amplia o número de infectados e de óbitos, aumenta custos que o país incorre.

O país pode se sair melhor se perseguimos uma agenda responsável. O país tem pressa; o país quer seriedade com a coisa pública; o país está cansado de ideias fora do lugar, palavras inconsequentes, ações erradas ou tardias. O Brasil exige respeito.


VEJA QUEM ASSINA A CARTA

A última contagem de assinaturas foi feita até As 16h30 deste domingo (21).

Abidiel de Carvalho Aroeira Junior
Adelar Fochezatto
Adriana Rattes
Affonso Celso Pastore
Afonso Luz
Ajax Reynaldo Bello Moreira
Alessandro Sanches Pereira
Alexandre Lowenkron
Alexandre Maia
Alexandre Mattos de Andrade
Alexandre Rands
Alexandre Schwartsman
Álvaro de Souza
Alvaro Piano Rocha
Amanda de Albuquerque
Amella Lorrane Ribeiro Lima
Ana Beatriz Rebecchi Pereira
Ana Cândida Costa
Ana Carla Abrão
Ana Carolina Medeiros Milanezi
Ana Frischtak
Ana Madureira de Pinho
Ana Maria Barufi
Ana Maria dos Santos Moreira
Ana Novaes
Ana Victoria Pelliccione
André de Castro Silva
André Luis Squarize Chagas
André Magalhães
André Perfeito
André Portela
Andrea Calabi
Andréa Galiazzi
Andrea Lucchesi
Andreia de Lima Pereira
Angela Magalhães Gomes
Angela Moraes e Silva
Angélica Maria de Queiroz
Anna Olimpia de Moura Leite
Antonio Kandir
Antônio Márcio Buainain
Aod Cunha
Armínio Fraga
Arthur Augusto Lula Mota
Beatriz Diniz
Ben Lian Deng
Beny Parnes
Bernard Appy
Betina Pegorini
Bráulio Borges
Braz Camargo
Bruno Boni de Oliveira
Bruno Imaizumi
Carla Casa Nova Xerfan
Carla Jucá Amrein C. de Andrade
Carlos Alberto Manso
Carlos Ari Sundfeld
Carlos Brunet Martins Filho
Carlos Fausto
Carlos Góes
Carlos Mauricio
Carmen M. Costa
Carol Conway
Carolina Grottera
Caroline Sawyer
Cassiana Fernandez
Cássio Casseb
Cecília Moraes e Silva
Célia Marcondes Smith
Celso de Campos Toledo Neto
Cesar Hideki Yamamoto
Christian Velloso Kuhn
Christiano Penna
Claudia Sussekind Bird
Claudio Considera
Cláudio Frischtak
Claudio Marinho
Claudio Ribeiro de Lucinda
Cleveland Prates
Comba Cascardo
Cosmo De Donato Junior
Cristian Andrei
Cristiane Alkmin Junqueira Schmidt
Cristiano Canedo S. S. Albuquerque
Daniel Cerqueira
Daniel Consul de Antoni
Daniel Fainguelernt
Daniel Gleizer
Daniel K Goldberg
Daniel Leichsenring
Daniela Considera
Danielle Carusi Machado
Danilo Camargo Igliori
Davi Ricardo Lopes Alves
David Gotlib
Débora Freire
Demósthenes Madureira de Pinho Neto
Denis Mizne
Denise Castro
Dércio de Assis
Diana Lúcia Gonzaga da Silva
Diana Moreira
Dimitri Szerman
Domingos Brito da Silva
Duilio de Avila Berni
Ed Carlos Ferreira Nascimento da Costa
Edmar Bacha
Edmar Luiz Fagundes de Almeida
Edmundo Valente
Eduardo Amaral Haddad
Eduardo Augusto Guimarães
Eduardo Gulart Monteiro
Eduardo Mazzilli de Vassimon
Eduardo Pontual
Eduardo Souza-Rodrigues
Eduardo Weber
Eduardo Wurzmann
Eduardo Zilberman
Eduardo Zylberstajn
Elane Niskier Goldkorn
Elbia Gannoum
Eleazar de Carvalho
Elena Landau
Elena welper
Elizelma Monteiro
Eloá Sales Davanzo
Emerson Kapaz
Erica Iootty
Erick Lima
Eurico Marques de Oliveira Júnior
Evandro José Neumann
Fabiana Rocha
Fábio Barbosa
Fábio Esperança
Fabio Giambiagi
Fabio Guedes Gomes
Fábio Moraes
Fábio Romão
Fabio Szwarcwald
Fábio Terra
Fábio Xavier da Silveira Rosa
Felipe de Mendonça Lopes
Felipe Falcão Nobre
Felipe Imperiano
Felipe Salto
Fernanda Marques
Fernanda Medeiros
Fernanda Polonia Rios
Fernando Genta
Fernando Penteado
Fernando Postali
Fernando Reinach
Fernando Veloso
Fersen Lambranho
Filipe de luca
Flávia Seligman
Flávio Ataliba
Flavio Bulcão
Francielly Cordeiro Freire da Rocha
Francisco Cavalcanti
Francisco Cunha
Francisco Machado
Francisco Pessoa Faria
Francisco Ramos
Francisco Soares de Lima
Franklin Gonçalves
Frederico Silva
Gabriel Bravim Furlan
Gabriel Ferreira Cavalcante
Gabriel Lucindo
Gabriel Rassi
Gabriella Seiler
Genaro Lins
Geraldo Carbone
Germano Treiger
Gian Paulo Soave
Gilberto Henrique Moraes
Giovanna Ribeiro
Giuliano Guandalini
Graça Seligman
Guilherme Irffi
Guilherme Macalossi
Guilherme Magacho
Guilherme Micota Stipp
Guilherme Tinoco
Guilherme Valle Moura
Guillherme Setubal souza e Silva
Gustavo Gonzaga
Gustavo Loyola
Gustavo Madi Rezende
Hailron de Andrade Torquato
Helcio Tokeshi
Helena Arruda Freire
Hélio Henkin
Henrique Duarte Miareli
Henrique Félix
Henrique Luz
Henrique Vicente
Hilda Azevedo Vieira
Horácio Lafer Piva
Humberto Baranek
Humberto Moreira
Hussein Kalout
Igor Rocha
Ilan Goldfajn
Ilan Gorin
Ilona Szabó de Carvalho
Isac Berman
Isacson Casiuch
Ítalo Moisés
Izabel Portela
Jacob B. Goldemberg
Jacques El kobbi
Jaime Macedo
Jaqueline Marques
Jéssica de Araújo Silva Caieiro
Jessica Gagete-Miranda
Joana acosta
Joana C.M. Monteiro
Joana Naritomi
João Antunes Ramos
João Carlos Figueiredo
João Carlos Nicolini de Morais
João Carlos Rios
João Cesar Tourinho
João Gabriel Caetano Leite
João Henrique Duarte
João Mário de França
João Moreira Salles
João Pedro Souza Rocha
João Prates Romero
João Villaverde
Jorge Peregrino
José Antônio Ferreira da Cunha
José Artur Lima Gonçalves
José Augusto Fernandes
José Augusto Zatti Filho
José Benedito Bortoto
José Cesar Martins
José Guilherme Oliveira
José Luiz Chabassus Maia
José Monforte
José Olympio Pereira
José Roberto Mendonça de Barros
José Rubens
José Taragona
José Tavares de Araujo
Josef Benhaim
Josué Alfredo Pellegrini
Juan Sousa Perroni
Júlia Fontes
Julia Neves da Silva Santos Pretti Espindula
Juliana Camargo
Juliano Assunção
Julio Cesar da Silva
Karina Bugarin
Keila carneiro dos Santos
Kleber F Pasin
Kleyton Vieira Sales da Costa
Laísa Rachter
Laudinei Amorim
Laura Carvalho
Laura de Carvalho Schiavon
Laura Karpuska
Laura Souza
Leandro Guariglia Ferreira
Leandro Machado
Leandro Padulla
Leandro Piquet Carneiro
Leane Naidin
Leany Barreiro Lemos
Leila Frischtak
Leila Maria Gil Neves
Leonardo Beni Tkacz
Leonardo Coviello Regazzini
Leonardo de Carvalho Prozczinski
Leonardo Monteiro Monasterio
Leonardo Rezende
Leyanie Neves
Licinio Velasco
Loide Bedran
Lucas Argentieri Mariani
Lucas de Souza Sartori
Lucas de Toro Rodrigues
Lucas M. Novaes
Lucia Hauptmann
Lucia Souza
Luciana da Silva Marques
Luciano Losekann
Luciene Pereira
Lucila Lacreta
Luis Eugenio Portela Fernandes de Souza
Luís Meloni
Luís Stuhlberger
Luis Terepins
Luiz Carlos Lyra
Luiz Carlos Prado
Luiz Fernando Guedes Pereira Filho
Luíz Godinho
Luiz Guilherme Scorzafave
Luiz Octavio vilela de Andrade
Luiz Otavio Teixeira Mendes
Luiz Parreiras
Luiz Wrobel
Luiza Niemeyer
Maílson da Nóbrega
Manoel Pires
Manuel Thedim
Marcela Carvalho Ferreira de Mello
Marcelo André Steuer
Marcelo Barbará
Marcelo Cunha Medeiros
Marcelo Davi Santos
Marcelo de Paiva Abreu
Marcelo F. L. Castro
Marcelo Fernandes
Marcelo Justus
Marcelo Kfoury
Marcelo Leite de Moura e Silva
Marcelo Pereira Lopes de Medeiros
Marcelo Trindade
Marcia Lahtermaher
Marcílio Marques Moreira
Márcio Coimbra
Márcio Fortes
Márcio Garcia
Márcio Holland
Márcio Issao Nakane
Marcio Mello de Aguiar
Marco Bonomo
Marco Vinicius Cuchiaro
Marcos Camizao
Marcos Freire
Marcos Lederman
Marcos Roberto Furlan
Marcos Ross Fernandes
Marcos Wendde Cruz Carneiro
Maria Alice Moz-Christofoletti
Maria Cristina Mello
Maria Cristina Pinotti
Maria Dolores Montoya Diaz
Maria Gabriela Mazoni do Nascimento
Maria Tereza Sarmento Ferreira
Mariana Coates Furquim Werneck
Marina Rios
Mário Ramos Ribeiro
Marisa Moreira Salles
Matheus Pessôa
Maurício Canêdo Pinheiro
Mauro Rodrigues
Mauro Salvo
Michael Burt
Miguel Fausto
Miguel Nathan Foguel
Milton Seligman
Miriã Botelho
Miriam Seligman
Moacir Salztein
Monica Baumgarten de Bolle
Mônica Viegas Andrade
Naercio Menezes Filho
Natália Nunes Ferreira-Batista
Natalie Victal
Neide Eisele
Nélia Carvalho Rios
Nelson Barros
Nelson Eizirik
Nícia Comerlatti
Nilson Teixeira
Norbert Glatt
Octavio de Barros
Odilon Camargo
Otaviano Canuto
Patrícia Franco Ravaioli
Paula Carvalho Pereda
Paula Magalhães
Paulo Dalla Nora Macedo
Paulo Guilherme Correa
Paulo Hartung
Paulo Henrique de Oliveira
Paulo Hermanny
Paulo Leal Lanari Filho
Paulo Maurício Roncisvalle
Paulo Ribeiro
Paulo Tafner
Pedro Bodin de Moraes
Pedro Bulcão
Pedro Cavalcanti Ferreira
Pedro Dittrich
Pedro Henrique Salerno
Pedro Henrique Thibes Forquesato
Pedro Ivo Marciliano Pires
Pedro Malan
Pedro Menezes
Pedro Moreira Salles
Pedro Parente
Pedro Passos
Pedro Vasconcelos Maia do Amaral
Persio Arida
Priscilla Albuquerque Tavares
Rafael Ahvener
Rafael B. Barbosa
Rafael Dix-Carneiro
Rafaela Vitória
Raphael Bruce
Raphael Rocha Gouvea
Raquel Teixeira
Regina Lucia Burtet
Regina Madalozzo
Reinaldo Pinheiro
Rejane Knijnik
Renan Chicarelli Marques
Renan Seligman
Renata Kotscho
Renato Ferreira
Renato Fragelli
Renê Garcia Jr.
Ricardo Augusto Gallo
Ricardo Cyrino
Ricardo de Abreu Madeira
Ricardo Gandour
Ricardo Gorodovits
Ricardo Lisboa Pegorini
Ricardo Markwald
Rita Leite Pereira
Róber Iturriet Avila
Roberta Tenenbaum
Roberto Adler
Roberto Bielawski
Roberto Freire
Roberto Iglesias
Roberto Moritz
Roberto Olinto
Roberto Setubal
Robson carvalho
Robson Luiz Silva de Souza
Rodger Barros Antunes Campos
Rodrigo Bleyer Bazzo
Rodrigo Lanna Franco da Silveira
Rodrigo Menon S. Moita
Rodrigo Nishida
Rodrigo pontes
Rodrigo R Azevedo
Roger Patrick dos Santos
Rogério Furquim Werneck
Ronaldo Marcelo
Rosana Seligman
Rosangela Bolze
Rosangela Niskier Casiuch
Rosiane Pecora
Rubens Ricupero
Ruth Wrobel
Ruy Ribeiro
Sabino da Silva Porto Júnior
Samira Schatzmann
Samuel Pessoa
Sandra britto Brandão
Sandra Ghilardi
Sandra M. M. Silva
Sandra Regina Pesqueira Berti
Sandra Rios
Sarita Kulysz
Sergio Akkerman
Sergio Becker
Sérgio Besserman Vianna
Sergio Fausto
Sergio Fonseca
Sérgio Guerra
Sergio Krakauer
Sergio landau
Sergio Margulis
Sergio Rezende
Silvia Barbará
Silvia Franco
Silvia Matos
Solange David
Solange Srour
Sônia Maria Alves da Silva
Stephanie Kestelman
Synthia Santana
Tamir Fattori
Tauries Sakai Nakazawa
Thais Prandini
Thiago Moreira Rodrigues
Thomas Conti
Thomas Hoegg Adamski
Thomas Kang
Tiago Cavalcanti
Tiago Grassano Lattari
Tomás Branski Reydon
Tomás Neves Henrique Silva
Tomás Urani
Tuanne Ferreira Dias
Vagner Ardeo
Verônica Lazarini Cardoso
Victor Alexandre de Paula Lopes
Victor Genofre Vallada
Vilma da Conceição Pinto
Vinicius Carrasco
Vinícius de Oliveira Botelho
Vinicius Nascimento de Azevedo
Vinícius Peçanha
Vitor Monteiro
Vitor Natã Gil
Vitor Pereira
Vitor Pestana Ostrensky
Walter Novaes
Wilfredo Leiva Maldonado


Folha de S. Paulo: Sob pressão, Câmara freia votação a jato de blindagem a deputados e impõe revés a Lira

Presidente da Casa tentou acelerar tramitação da proposta, mas reação da opinião pública e desconforto no STF provocaram adiamento

Danielle Brant , Gustavo Uribe , Matheus Teixeira , Renato Machado e Daniel Carvalho, Folha de S. Paulo

Apesar da tentativa de tratorar opositores para acelerar a votação da PEC da imunidade parlamentar, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sofreu um revés nesta quinta-feira (25) com o adiamento da votação da proposta no plenário da Casa.

As dificuldades de costurar um acordo para diminuir a oposição ao texto fizeram com que a sessão se arrastasse por seis horas.

O tempo, no entanto, foi insuficiente para vencer a resistência dos congressistas contrários à proposta, que teve uma repercussão negativa perante a opinião pública e também desagradou a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal).

A proposta de emenda à Constituição teve uma tramitação a jato na Câmara, o que gerou críticas de parlamentares.

A PEC foi agilizada pela Câmara como resposta à prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada pelo ministro Alexandre de Moraes e ratificada pelos plenários do Supremo e da própria Câmara na semana passada.

A decisão da prisão teve como base a publicação de um vídeo de Silveira com ataques aos ministros da corte e defesa ao AI-5 (Ato Institucional nº 5), que deu início ao período mais autoritário da ditadura.

Em linhas gerais, o texto amplia a blindagem de deputados e senadores e reduz as possibilidade de prisão em flagrante dos parlamentares.

A proposta prevê, por exemplo, punição disciplinar no conselho de ética a deputados que fizerem discursos que possam ser considerados excessivos e impede afastamento judicial cautelar de congressistas, colocando também o parlamentar preso em flagrante por crime inafiançável sob custódia da Câmara ou do Senado, e não da Polícia Federal, como no caso de Silveira.

Lira anunciou a criação de uma comissão pluripartidária sobre a PEC na sexta-feira (19) passada, antes da sessão convocada para apreciar a prisão de Silveira.

A pressa para votar a PEC gerou reclamação de deputados, que diziam não ter tido acesso ao texto final e contestavam a tramitação acelerada da proposta e o impacto que isso geraria perante a sociedade, principalmente pela avaliação de que a proposição blinda os congressistas.

Como comparação, a PEC do Orçamento de Guerra, idealizada no ano passado para munir o Executivo de ferramentas para combater a pandemia de Covid-19 e que tinha acordo entre todos os líderes partidários, foi aprovada em dois dias.

A PEC da imunidade parlamentar está longe de ter o mesmo consenso e teria a mesma tramitação expressa —foi apresentada na terça-feira.

A admissibilidade da proposta, que avalia se o texto segue preceitos constitucionais, recebeu o aval de 304 deputados, enquanto 154 votaram contra. Por regra, uma PEC precisa de 308 votos para ser aprovada na Câmara, em votação em dois turnos, antes de seguir para o Senado.1 9

Sem conseguir apoio suficiente para avançar a proposição, coube ao presidente da sessão, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), a decisão de adiar a votação, sob risco de derrota no plenário. Uma nova tentativa deve ser feita nesta sexta-feira (26), às 10h. ​

Lira afirmou que a regra é necessária para que o STF não tenha “que recorrer a uma lei de segurança nacional” pelo fato de o Congresso não ter esclarecido os limites da imunidade parlamentar.

“Eu respeito os ministros, respeito o Supremo. O Legislativo, da mesma forma, merece todo respeito na sua atuação primordial, que é legislar. E nesse aspecto de uma regulamentação de um artigo constitucional, eu não vejo onde o Legislativo esteja ofendendo ou agredindo outro Poder”, disse.

Para tentar diminuir a resistência dos colegas, a relatora, deputada Margarete Coelho (PP-PI), retirou do texto os dispositivos que não diziam respeito ao artigo de imunidade parlamentar, como o que tratava de ficha limpa e das competências do STF e do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

A delimitação proposta busca regulamentar a imunidade parlamentar. O dispositivo foi idealizado para proteger os deputados, de forma que possam votar e discursar sem temor de quaisquer retaliações.

A crítica que se faz, inclusive no caso de Daniel Silveira, é que essa garantia acabou sendo usada para blindar congressistas de punição, dando a prerrogativa de praticar crimes usando a liberdade de expressão como escudo.

Em seu parecer sobre o texto, Margarete Coelho negou que a proposta amplie a imunidade material ou proteja congressistas. "Além de não modificar a jurisprudência do STF sobre a temática, a proposta não cria qualquer blindagem normativa aos congressistas”, escreveu.

Mais cedo, questionado sobre a relevância da medida, Lira se esquivou. "A minha opinião é irrelevante", disse.

Apesar disso, a proposta não teve apoio suficiente dos deputados. Ao final da primeira sessão, Margarete Coelho acenou com um acordo voltado a convencer o PT a votar a favor da proposição.

A deputada acatou uma alteração no artigo 53, para retirar o trecho que previa a punição ético-disciplinar a congressistas —há críticas de que o dispositivo restringiria a possibilidade de ingressar com processos por ofensas cometidas por parlamentares em discursos em tribuna.

A deputada Alice Portugal (PC do B-BA) defendeu a PEC e afirmou que a proposta era fundamental para proteger os parlamentares.

"Nós, do PC do B, que sabemos o que é a falta de liberdade, o que é perder uma bancada inteira por quebra do manto da imunidade. Nós que sabemos o que é a prisão, o cárcere, a morte de líderes, nós não abrimos mão desse instituto", disse.

Líder do Cidadania, Alex Manente (SP) criticou a tramitação acelerada da proposta. "Nós estamos fazendo de maneira rápida, de maneira afobada uma mudança que tem um grande impacto, especialmente diante daquilo que passamos e votamos na semana passada", afirmou.

A PEC ratifica o que já é contemplado no regimento interno da Câmara: parlamentares que quebrarem o decoro parlamentar estão sujeitos a responsabilização ético-disciplinar.

Segundo a proposta, os congressistas poderão ser presos em flagrante por crimes inafiançáveis previstos em lei —uma mudança em relação ao texto original, que previa apenas crimes inafiançáveis determinados pela Constituição.

A seguir, porém, o deputado ou senador ficaria sob responsabilidade de sua respectiva Casa, em vez de ficar sob custódia da Polícia Federal, explica Moroni Costa, sócio do Bichara Advogados.

A PEC veda o afastamento judicial do deputado ou senador. "O Congresso está delimitando a fronteira com o Judiciário", diz. "O mandato vem do povo, não do Judiciário. Agora quem vai decidir efetivamente quanto à custódia vai ser o Congresso."

A interpretação de ministros do STF, no entanto, é de que inúmeros trechos da PEC são inconstitucionais e, se forem contestados, devem ser derrubados pelo Supremo.

A aposta deles, no entanto, é que a Câmara colocou em pauta uma proposta com proteções exageradas para se ter margem de negociação e, ao final, aprovar uma emenda que preserve parte das imunidades inicialmente previstas.

Assim, mesmo que não conquistem tudo o que pretendiam, os deputados irão garantir maior proteção.

Um dos pontos de maior preocupação no STF é a previsão de que as prisões em flagrante de parlamentares só possam ser decretadas por decisão colegiada. Os ministros entendem que a medida é inviável e que praticamente inviabilizaria a detenção de congressistas.

No entendimento de ao menos dois ministros do Supremo, a norma afronta a separação de Poderes, pois afetaria a organização interna dos trabalhos da corte.

Para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), todos devem respeitar o "senso de urgência" da Câmara em relação à PEC da Imunidade.

"Foi entendido pelo presidente Arthur Lira e pela Câmara como algo necessário, diante especialmente do episódio havido com o deputado federal Daniel Silveira", disse o presidente do Senado.

Pacheco evitou fazer previsões sobre o ritmo de tramitação da proposta no Senado.

Nesta quinta, em sua live semanal, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse não ter nada a ver com a PEC e que, por se tratar de emenda à Constituição, ela é promulgada, não cabendo nem possibilidade de veto presidencial.

"Eu não tenho conhecimento dessa PEC [...] Se eu não me engano, deve ter uns 30 mil projetos, no mínimo, tramitando no Congresso Nacional. Eu não tenho como saber de tudo o que acontece lá", disse Bolsonaro.

"E, obviamente, essa PEC, uma vez tramitando, ela tem a ver com a imunidade parlamentar, não tem nada a ver comigo, como chefe do Executivo. Daí o pessoal começa já a tirar, falar que eu vou ter proveito próprio, a família vai ter proveito próprio em cima disso. São críticas que realmente deixam a gente chateado, dada a ignorância de quem critica sem saber o que está falando", disse o presidente na transmissão. ​


Alon Feuerwerker: A montanha-russa da oposição

Daniel Silveira uniu a esquerda, mas a Petrobras voltou a dividi-la

A prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e a mudança no comando da Petrobras expuseram ao longo dos últimos dias possíveis caminhos e também dificuldades para a formação de uma frente ampla contra Jair Bolsonaro em 2022. A oposição a ele terá mais liga se o foco do debate estiver na dita “questão democrática”. E menos se enveredar pela condução da economia. (Isso já se sabia. Mas é sempre bom quando os fatos comprovam as teorias.)

Claro que em condições normais de temperatura e pressão. Se, por exemplo, o freio econômico trazido pela Covid-19 estender-se durante, pelo menos, mais um ano e meio, aí o discurso usual da “mudança” encontrará forte eco mesmo se a pauta for a economia. Mas, vamos supor, apenas por hipótese, que ela exiba leve ascensão na segunda metade de 2022. Com alguma recuperação sustentada da atividade e do emprego.

Até porque o governo tem instrumentos para criar o microclima favorável. E a mudança na Petrobras mostrou que o presidente não vai hesitar se precisar acionar o joystick.

Sobre Daniel Silveira, quando a prisão do deputado fluminense foi a voto em plenário, viu-se não apenas a coesão da esquerda contra ele, mas inclusive a luta dos parlamentares dela para assumir a linha de frente no apoio à decisão do Supremo Tribunal Federal. O objetivo político imediato de enfraquecer o bolsonarismo sobrepôs-se a preocupações da esquerda com tornar-se ela própria, algum dia, eventualmente, vítima do cerceamento à imunidade parlamentar.

Funcionou a máxima de que não se faz omelete sem quebrar os ovos. E assistiu-se finalmente à formação da frente amplíssima. Mas poucas horas depois o Planalto já dava sinais de a pauta dele ser outra: impedir que a autonomia absoluta do comando da Petrobras acabe provocando uma greve de caminhoneiros em meio à pandemia, um fato político 100% capaz de reintroduzir na agenda a desestabilização do governo.

 “Defender reajustes dos combustíveis bem acima da inflação não é propriamente algo popular”

E isso poucas semanas depois de Jair Bolsonaro ter afastado a ameaça de impeachment, pois os candidatos dele venceram as eleições para as presidências no Congresso. Em especial na Câmara, onde o bicho começa a pegar nesses casos.

A decisão do acionista controlador de trocar o CEO da petroleira rachou a frente ampla de poucas horas antes. Do centro para a direita, viu-se uma condenação unânime do ato presidencial. Já na esquerda, notou-se simpatia por quem rechaça a ideia de que lucros e distribuição de dividendos devam ser a única variável quando a diretoria da Petrobras toma decisões.

Há um setor da esquerda disposto a pagar (quase) qualquer preço para ver Bolsonaro pelas costas em 1º de janeiro de 2023. Mas não é ainda majoritário. Inclusive porque a sucessão presidencial é fundamental, mas 2022 também tem eleição para um monte de outros cargos. E tem cláusula de desempenho a atingir. E os candidatos, de deputado estadual a senador, precisam estar munidos de alguma narrativa própria, distintiva, dizer coisas atraentes ao eleitor no delicado tema do sustento.

E defender reajustes dos combustíveis toda hora e bem acima da inflação não é propriamente algo popular.

Publicado em VEJA de 3 de março de 2021, edição nº 2727


Celso Rocha de Barros: Folha foi palco de debates históricos

Que o jornal continue sendo espaço onde alternativas ao desastre sejam pensadas

No momento em que Folha faz cem anos, é natural que todos se lembrem das grandes reportagens, que são, de fato, a alma do jornal. Mas eu, pessoalmente, sempre gostei da Folha também como espaço de debate de ideias. Por isso, resolvi fazer minha homenagem ao jornal lembrando de três discussões importantes publicadas aqui. Todas estão disponíveis no Acervo Folha.

Após a derrota para Collor em 1989, o Partido dos Trabalhadores formou um “governo paralelo”, um grupo de debates sobre políticas públicas que embasaria a atuação do partido na oposição.

Uma das ideias que circulavam amplamente era a da renda mínima, defendida nas páginas da Folha desde os anos 70 pelo então jovem economista Eduardo Suplicy. Em um debate do governo paralelo, o economista José Márcio Camargo elogiou a ideia de Suplicy, mas sugeriu que o foco inicial do programa fossem as crianças, não os idosos, como no projeto original do senador.

Tanto quanto sei, seu comentário ao projeto de Suplicy, publicado na Folha de 26 de dezembro de 1991, é a primeira formulação do Bolsa-Escola, “um programa que complementasse a renda de todos os trabalhadores, desde que eles coloquem seus filhos em escolas públicas”.

Em 1994, o Brasil elegeu como presidente um de seus grandes intelectuais, Fernando Henrique Cardoso. Quem esperava oito anos de grandes debates intelectuais com o presidente decepcionou-se: FHC presidente falava como político, como, aliás, tinha mesmo que fazer.

Porém, no meio da campanha eleitoral, provocado por dois intelectuais de esquerda —José Luis Fiori (no artigo “Os moedeiros falsos”) e Roberto Mangabeira Unger (na entrevista “O ideólogo da terceira via”)—, Cardoso publicou, em 10 de julho de 1994, “Reforma e imaginação”, sua defesa mais vigorosa contra a acusação de que havia “traído seus ideais” aliando-se à direita, um documento importante sobre o “neoliberalismo” brasileiro. É um texto de transição entre o intelectual e o presidente, que cada um julgará se para em pé diante dos resultados posteriores.

Finalmente, quando denúncias de corrupção abalaram o governo tucano, o filósofo José Arthur Giannotti, historicamente próximo de FHC, publicou, em 17 de maio de 2001, “O dedo em riste do jornalismo moral”, manifestando seu temor de que a política de denúncias morais esvaziasse a política, em que, apesar da importância indiscutível das regras, sempre haverá uma “zona cinzenta”.

A filósofa Marilena Chaui, historicamente próxima do PT, respondeu com o belo artigo “Acerca da moralidade pública”, em que defendeu que a imprensa e os partidos de oposição que faziam as denúncias também participavam, legitimamente do debate sobre a fronteira da “zona cinzenta”.

Não sei qual dos dois tinha razão, talvez os dois tivessem, mas hoje está claro que não soubemos gerir bem a convivência da política com a defesa da moral nos últimos anos.

No Brasil de hoje, a zona cinzenta da política é definida cada vez mais arbitrariamente, as críticas de Fiori e Unger parecem mais pertinentes do que foram na era FHC, e o auxílio emergencial, feito nos moldes do Bolsa Família, acabou. Espero que a Folha continue sendo um espaço onde alternativas a esse desastre sejam pensadas, pois, sem sombra de dúvida, elas são mais necessárias do que nunca.


Catarina Rochamonte: STF - Autoritarismo contra boçalidade

O deputado se excedeu em palavras e o ministro se excedeu em ato: tentou combater a boçalidade com autoritarismo.

A verborragia do deputado Daniel Silveira que deu azo ao mandado de prisão em flagrante expedido pelo ministro Alexandre de Moraes é de estarrecer pela sua vileza, violência, chulice e boçalidade. Essa boçalidade tem degradado a política brasileira, mas, convenhamos, ela não é exclusividade do deputado que serviu de boi de piranha para o Supremo mandar seu recado ao bolsonarismo.

Que a fala do deputado foi criminosa, parece consenso; todavia, a prisão em flagrante teve sua legalidade amplamente questionada no meio jurídico. O deputado se excedeu em palavras, e o ministro se excedeu em ato: tentou combater a boçalidade com autoritarismo e defender o Estado de Direito corroendo seus alicerces. A punição deveria ter sido pleiteada segundo o rigor das normas constitucionais.

O STF merece muitas críticas, que podem ser feitas sem excessos criminosos. Não apenas pode ser criticado como deve ser investigado, inclusive pela já de há muito proposta CPI da Lava Toga, que está barrada no Senado pelo acordo de impunidade entre os Três Poderes. CPI essa, aliás, que sofreu ativa resistência do senador Flávio Bolsonaro.

Mesmo sendo legalmente questionável, a prisão do deputado foi referendada pela unanimidade do STF e corroborada pela Câmara. O presidente Bolsonaro, por sua vez, silenciou, como já o fizera em relação às prisões de Sara Winter e Oswaldo Eustáquio. É que a turma radical não lhe é útil nesse momento: tornou-se um ruído a perturbar a paz que uniu Planalto, ala anti-Lava Jato do STF e políticos de rabo preso que não se podem indispor com o Supremo.

Se a Câmara optou por não oferecer resistência aos arroubos autoritários dos que se julgam intocáveis, cabe agora ao Senado fazê-lo, abrindo os processos de impeachment protocolados contra ministros do Supremo e instalando a CPI da Lava Toga. Se a independência e harmonia dos poderes é pilar do Estado de Direito, é preciso agora que o Senado exerça algum protagonismo republicano.


Luiz Carlos Azedo: O que está em jogo?

A revogação da prisão do deputado Daniel Silveira ganharia ares de impunidade para um comportamento inaceitável numa ordem democrática, à qual se opõe

O Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, manteve a prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), aquele que na campanha eleitoral destruiu uma placa de rua com o nome da vereadora Marielle Franco (PSol), assassinada por milicianos do Rio de Janeiro. Na terça-feira, o parlamentar, em live de quase 20 minutos, fez ameaças ao STF e a diversos ministros da Corte, com afirmações caluniosas e atentatórias ao Estado de direito democrático. À noite, foi preso pela Polícia Federal, que cumpriu mandado de prisão em flagrante expedido pelo ministro Alexandre de Moraes.

Ex-policial militar, várias vezes punido por mau comportamento, Silveira deixou a corporação ao se eleger deputados federal na onda bolsonarista, em 2018. Está sendo investigado nos inquéritos que apuram as fake news contra o Supremo e os responsáveis pelas manifestações em favor de uma intervenção militar, sob responsabilidade do ministro Moraes. É suspeito de supostas ligações com as milícias do Rio de Janeiro e de ser um dos líderes dos grupos de extrema-direta que pregam a volta do regime militar.

O pretexto para gravação do vídeo por Silveira foram as declarações do ministro Édson Fachin a propósito do depoimento do ex-comandante do Exército Eduardo Villas-Boas, ao Centro de Pesquisa e Documentação (CPDoc) da Fundação Getulio Vargas (FGV), no qual o general afirma que o texto de seu Twitter sobre o julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, em 2018, fora discutido no Alto-Comando do Exército. No vídeo, Silveira também defende a volta do Ato Institucional nº 5, que levou à fascistização do regime militar implantado após o golpe de 1964 , que destituiu o presidente João Goulart.

O vice-procurador-geral da República Humberto Jaques de Medeiros, ontem mesmo, denunciou Silveira por instigar a ruptura institucional e a animosidade entre o Supremo e as Forças Armadas. A decisão unânime do Supremo cria também jurisprudência sobre esse tipo de manifestação, nas redes sociais, que prega a ruptura da democracia e a violência contra seus poderes constituídos. Hoje, haverá audiência de custódia de Daniel Silveira, mas dificilmente sua prisão em flagrante será revogada por Moraes.

A prisão de Silveira pegou de surpresa o Congresso, principalmente o presidente da Câmara, Arthur Lira, que recém-assumiu o cargo e já está no epicentro de uma crise política provocada por um de seus aliados. A decisão de Moraes gerou polêmica sobre a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar, principalmente, na Câmara, onde aliados de Silveira protestaram contra a decisão por afinidade ideológica. Outros parlamentares, porém, por convicções políticas e jurídicas, consideram que a prisão em flagrante, nas circunstâncias que se deram, é uma afronta à imunidade parlamentar.

Narrativa fascista
Presidente da Casa, Lira havia convocado uma sessão plenária para discutir a questão hoje à tarde, mas a suspendeu. Em seu lugar, marcou uma reunião de líderes. Tenta, ainda, negociar a conversão da prisão em flagrante em prisão domiciliar, para evitar um confronto entre a Câmara e o Supremo, mas essa possibilidade ontem era muito remota. É prerrogativa da Câmara revogar ou não a prisão de deputado. Por mais que se faça uma discussão técnica na Casa, qualquer decisão será política.

A defesa do instituto da imunidade tem forte apelo entre os pares de Silveira. Muitos já são favoráveis à punição do parlamentar pela própria Casa, onde já foi apresentado, pelos partidos de oposição, um pedido de cassação de mandato, por quebra de decoro parlamentar, na Comissão de Ética da Câmara. Nos bastidores, cresce a avaliação de que a revogação da prisão de Silveira não vale um confronto com o Supremo, que seria muito desgastante para os dois Poderes e a antessala de uma grave crise institucional. A manifestação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), foi no sentido de evitar essa crise.

No sábado de Carnaval, os decretos do presidente Jair Bolsonaro sobre venda de armas, uma espécie de “liberou geral” para quem gosta de andar armado, invadiram as prerrogativas do Congresso e geraram apreensão entre os parlamentares, porque os grupos de extrema-direita que Silveira e outros deputados representam estão se transformando em milícias políticas armadas. A truculência desses grupos, principalmente nas eleições, é uma ameaça à democracia.

Foi essa truculência que Daniel Silveira escalou ao ameaçar os ministros do Supremo, pois já tinha dado mostras desse comportamento em diversos episódios, desde a sua eleição. A revogação de sua prisão, em termos políticos, ganharia ares de impunidade para um comportamento inaceitável numa ordem democrática, à qual Silveira se opõe; legitima uma narrativa política de características fascistas na tribuna da Câmara. A imunidade parlamentar tem outras dimensões, que precisam ser consideradas.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-que-esta-em-jogo-2/

Felipe Betim: Daniel Silveira, o ‘pit bull’ bolsonarista eleito para atacar a democracia

Deputado federal, preso pelo STF na noite de terça-feira, ficou conhecido por quebrar a placa que homenageava a vereadora Marielle Franco, uma violência simbólica que vem marcando seu mandato

policial militar licenciado Daniel Silveira (Petrópolis, 38 anos) ganhou visibilidade política nacional a poucos dias do primeiro turno das eleições de 2018. Na época candidato a deputado federal do Rio de Janeiro pelo Partido Social Liberal (PSL), quebrou durante ato de campanha a placa de rua que homenageava a vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada a tiros em 14 de março daquele ano, junto com os hoje deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL) e governador do Rio afastado Wilson Witzel (PSC). A ação foi exitosa. Silveira acabou eleito na esteira do bolsonarismo com 31.789 votos, com o lema “não é uma festa democrática, é uma guerra contra a corrupção”. De certa forma, aquele ato anunciou o que estava por vir.

Até acabar preso na noite desta terça-feira, a atuação parlamentar de Silveira foi marcada pela mesma violência simbólica que representou a quebra da placa de Marielle. Com 1,90 metro de altura e porte atlético, investe no personagem de pit bull bolsonarista sem papas na língua que parece a todo momento pronto a recorrer à violência física se preciso. Fala grosso com a esquerda, enfrenta jornalistas, faz ameaças nas redes sociais contra quem se coloca em seu caminho, defende publicamente a truculência policial. O parlamentar sempre se valeu do argumento de que, como cidadão, possui direito a liberdade de expressão. E, como deputado federal, tem direito a imunidade parlamentar que lhe garante passe-livre para falar o que quiser sem ser incomodado, mesmo passando de todos os limites razoáveis.

Foi fiel a esse estilo mesmo após ter sido preso em flagrante por ordem do ministro Alexandre de Moraes. Já detido, se recusou a usar máscara de proteção durante sua passagem pelo Instituto Médico Legal (IML) e hostilizou uma policial civil. “A senhora não manda em mim não. Tá achando que sou vagabundo?”, questionou. “E se eu não quiser botar? Eu também sou policial e sou deputado, e aí?”, desafiou.

Em uma ocasião, Silveira já insultou o jornalista Guga Noblat e jogou seu celular no chão. Em outra, tentou entrar sem avisar no colégio federal Pedro II, no Rio de Janeiro, para fazer o que chamou de “vistoria”. A ação foi interpretada como intimidatória e gerou revolta nos estudantes, que enxotaram o parlamentar. Mais grave ainda, Silveira cotidianamente atenta contra a democracia ao defender com intervenção militar, um novo AI-5 ou o linchamento dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Os vídeos que resultaram em sua prisão são o principal exemplo dessa atuação violenta e de seu flerte com o golpismo. Em um deles, se dirigiu ao ministro Edson Fachin: “Quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa Corte aí. Quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra. O que você vai falar? Que eu  fomentando a violência? Não, só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime”, desafiou. “Você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível. Então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após a refeição, não é crime”.

Em outro trecho, faz um ataque generalizado ao STF: “Eu sei que vocês vão querer armar uma pra mim pra poder falar ‘o que é que esse cara falou no vídeo sobre mim, desrespeitou a Supremo Corte’. Suprema Corte é o cacete”, afirmou. “Na minha opinião, vocês já deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação convocada e feita de onze novos ministros. Vocês nunca mereceram estar aí. E vários que já passaram também não mereceram. Vocês são intragáveis”.

Parte da tropa de choque fiel ao presidente Jair Bolsonaro, o que fala e pensa reflete a essência ideológica da extrema direita bolsonarista. Essa doutrina se reflete nos 47 de projetos de lei que já apresentou. Alguns fazem guinadas a policiais, como o projeto que reconhece que profissionais da segurança fazem trabalhos insalubres e de risco, o que prevê isenção de IPI na compra de arma, munição e blindagem de veículo ou o que garante atendimento médico ao policial ou bombeiro ferido durante o exercício de sua função pública.

Em outros, pretende endurecer a pena de prisão para usuários de drogas, aumentar as condições para que presos possam sair temporariamente da cadeia, permitir que professores usem armas não-letais nas escolas para se defender ou instituir um dia em memória das vítimas contra o comunismo —a data seria 31 de março, a mesma golpe militar no Brasil em 1964. Somente um projeto foi aprovado: a criação do Dia Nacional de Políticas de Prevenção de Desastres Naturais e Calamidades Públicas.

Conduta pouco exemplar

Essa arrogância se expressa em sua recusa em se apresentar ao Ministério Público Federal, que há oito meses tenta escutar Silveira no âmbito de um inquérito que investiga o ex-policial por improbidade administrativa, segundo informou a revista Época. Silveira há meses paga 10.000 reais mensais a um advogado de Petrópolis e tem valor reembolsado pela Câmara, sob o argumento de que recebe consultoria para a produção de projetos de lei. Até o momento, 190.000 reais de dinheiro público foram gastos.

Sua atuação como policial militar durante os mais de cinco anos em que esteve ligado à corporação também está longe de ter sido exemplar. “Em virtude de numerosas transgressões disciplinares cometidas ao longo de 2013 e 2017, por atrasos e faltas aos serviços”, afirma um boletim interno publicado pelo portal The Intercept, “o soldado acumulou em seu histórico 60 sanções disciplinares, 14 repreensões e duas advertências”. O então policial chegou a acumular 26 dias de prisão e 54 dias de detenção no quartel, o que deixa “cristalina a sua inadequação ao serviço na Polícia Militar”, diz o documento. “Fui preso por bater de frente com a arbitrariedade, contra ordens absurdas de alguns oficiais. O regulamento da PM, que é militar, é extremamente rígido”, disse em vídeo publicado no Facebook.

Mesmo antes de ingressar na corporação, Silveira já dava amostras de ser incompatível com o serviço público. Durante o processo, foi descoberta uma prisão por suspeita de venda de anabolizantes em academias de Petrópolis. Com essa passagem pela polícia em seu histórico, Silveira teve de recorrer à Justiça para finalmente entrar na corporação. Um processo para impedir sua permanência foi aberto, mas acabou arquivado em 2014 após chegar ao Supremo e sofrer vários vaivéns jurídicos.

Uma vez dentro da corporação, foi transferido para o batalhão de Duque Caxias, na Baixada Fluminense —região dominada por grupos milicianos—, onde costumava filmar com o celular suas ações de patrulhamento. Em perfil publicado pela revista Piauí, afirmou rindo que não dava para contar quantas vezes apertara o gatilho. “Matei o quê? Uns doze, por aí, mas dentro da legalidade, sempre em confronto”, afirmou.


O Globo: Redes sociais entram na mira de parlamentares bolsonaristas

Projetos de lei tentam impedir a remoção de conteúdos de redes sociais e até pedidos de explicação e investigação sobre bloqueios de contas

Marlen Couto, O Globo

RIO — As grandes plataformas de tecnologia entraram na mira de parlamentares e autoridades alinhados ao presidente Jair Bolsonaro da chamada “ala ideológica”. A ofensiva ocorre por meio de projetos de lei para impedir a remoção de conteúdos de redes sociais e até de pedidos de explicação e investigação sobre bloqueios de contas.

Sonar:Após suspensão de conta de bolsonarista, Mário Frias quer explicação do YouTube

O movimento ocorre após plataformas como Facebook, Twitter e YouTube adotarem medidas para restringir publicações desinformativas ou que incitem a violência. Em um mês, foram excluídos perfis do ex-presidente americano Donald Trump após publicações incentivando o ataque ao Congresso dos EUA, postagens de Bolsonaro e do Ministério da Saúde receberem selos do Twitter com aviso de conteúdo desinformativo e o canal bolsonarista Terça Livre foi excluído do YouTube.

Como mostrou O GLOBO na última segunda-feira, a atuação das redes também motivou uma reação do governo Bolsonaro para pressionar as empresas de tecnologia em fóruns internacionais. Em território nacional, a estratégia ficou a cargo principalmente de parlamentares da ala governista do PSL.  

Desde que canais do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, entre eles o Terça Livre, foram removidos por violar regras da plataforma, aos menos três projetos de lei já foram protocolados na Câmara para limitar o poder das redes na moderação de conteúdo. O primeiro foi apresentado no mesmo que dia que os canais foram excluídos pelos deputados Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL/SP), Filipe Barros (PSL/PR) e Helio Lopes (PSL/RJ). 

O texto propõe ao alterar o Marco Civil da internet para condicionar a decisões judiciais a remoção de postagens ou redução de seu alcance. Na prática, as plataformas não teriam mais autonomia para seguir suas próprias políticas de uso.

Os deputados Caroline de Toni (PSL/SC) e Daniel Silveira (PSL-RJ) também apresentaram projetos. O da deputada permite a responsabilização civil de provedores que “rotularem conteúdos que expressem a opinião do usuário”. Já o de Silveira veda a retirada de mensagens “em desacordo com as garantias constitucionais de liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento”. Ao GLOBO, o deputado argumenta que propôs o projeto porque houve uma “rápida escalada de perseguição seletiva nas redes”. 

— Não foi proposto que elas não possam remover. Elas podem, desde que, exista um caso concreto que afete o ordenamento jurídico e moral. O que vem ocorrendo é que estas empresas apenas agem em detrimento de perfis com ideologias políticas antagônicas as de seus CEOs — defendeu.

Leia: Droga Raia é alvo de bolsonaristas nas redes após cancelar anúncios no Terça Livre

Em outra frente, a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP) acionou na última quinta-feira a Procuradoria Geral da República (PGR) para que abra um inquérito civil e ingresse com ações judiciais, com pedido de liminar, para o imediato restabelecimento dos canais de Allan dos Santos. No dia seguinte, sem citar o blogueiro, o secretário de Cultura, Mário Frias, determinou que a Secretaria de Direitos Autorais e Propriedade Intelectual (SDAPI), vinculada ao órgão que comanda, notifique o YouTube para que explique os atos de suspensão de usuários da plataforma.  

Allan dos Santos é investigado nos inquéritos que apuram a disseminação de fake news e a organização e financiamento de atos antidemocráticos. O YouTube afirma que os conteúdos do canal Terça Livre não seguiram suas diretrizes. A conta já havia sido notificada duas vezes sobre o descumprimento, uma delas por postar um discurso de Trump sobre o Capitólio, e tentou utilizar uma conta reserva para burlar as políticas da plataforma. Apesar das remoções, Allan dos Santos já voltou a postar vídeos no YouTube utilizando uma conta pessoal que soma mais de 70 mil inscritos.

Pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT-DD), João Guilherme Bastos destaca que a reação bolsonarista ganhou força principalmente com a remoção dos canais de Allan dos Santos pelo impacto financeiro que a medida pode provocar na rede de apoio ao presidente nas redes, enquanto as plataformas adotam políticas pouco transparentes para remover conteúdos. 

— Essa reação aparentemente desproporcional tem uma raiz material muito nítida, que é o financiamento de toda uma rede de extrema direita que vai perder fonte de renda. Por outro lado, embora no caso do Terça Livre você tenha um ator que de forma recorrente violou políticas e termos de uso, essas políticas não são claras. É simples falar que vai remover postagens de quem divulgar fake news, mas a questão é decidir quem vai determinar ou não o que é uma fake news — alerta Bastos.

Pedro Doria: O Terça Livre é só o começo

Marco Aurelio Ruediger, da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (DAPP/FGV), vê a reação de parlamentares bolsonaristas como uma estratégia voltada para as próximas eleições presidenciais e também critica a falta de transparência das empresas do setor: 

—  As políticas não são claras e alimentam a possibilidade desse tipo de manobra. Ao mesmo tempo, há um temor de ação mais duras das plataformas. Esse é um movimento preventivo da base do presidente já pensando em 2022 para garantir que seu espaço de atuação fique desobstruído nas redes. O que querem no fundo é que não haja nenhum tipo de moderação.  

Procurados para comentar as reações de autoridades alinhadas a Bolsonaro, Facebook, Twitter e YouTube não quiseram se manifestar. Sobre a remoção de canais do Allan dos Santos, o YouTube reiterou que se reserva o direito de restringir a criação de conteúdo de acordo com os próprios critérios.


Ana Carla Abrão: Antes tarde

Além da autorregulação é preciso regras que inibam lá e cá atitudes como as de Trump

Numa decisão polêmica, mas acertada, o Twitter decidiu encerrar em caráter definitivo a conta do presidente americano Donald Trump. O motivo alegado foi o risco potencial de incitamento à violência dado o uso da plataforma pelo presidente para disseminar falsas notícias (fake news) e promover as mobilizações que levaram à invasão do Capitólio por manifestantes pró-Trump. Tardia, a decisão reflete uma reação que deverá aquecer as discussões já em curso sobre a necessidade de se regular as grandes empresas de tecnologia, em particular as plataformas de mídias sociais e seus algoritmos de curadoria.

Ao contrário do que querem fazer crer os defensores do presidente americano ou os críticos às ações do Twitter – e também do FacebookSnapchat e Instagram – lá e aqui, é a defesa da democracia o pano de fundo nessa discussão. Muito além das questões antitruste ou dos temores legítimos em relação ao tamanho (e ao poder de mercado) que as plataformas digitais adquiriram ao longo do tempo, é a capacidade de desinformar e de serem usadas como ferramenta de manipulação em massa a grande preocupação. 

Não surpreende, portanto, que os mais indignados e vocais contra as ações de banimento sejam os mesmos que se posicionam em favor dos nossos tristes anos de ditadura, marcados pela censura e pela tortura, negada por eles. Parece paradoxal, mas não é. Afinal, a capacidade de produzir fake news e de disseminá-las de forma rápida e em grande escala são o caminho para a manipulação e, consequentemente, para se colocar em xeque o regime democrático. A história – atual e pregressa – está cheia de exemplos analógicos de situações semelhantes.

Não são poucos os estudos e artigos acadêmicos que têm se debruçado sobre o tema. Um deles foi divulgado há cerca de um mês pelo Centro de Filantropia e Sociedade Civil da Universidade Stanford. Elaborado sob o um programa que estuda “Democracia e a Internet” o relatório, que tem como um dos autores o cientista político Francis Fukuyama, faz uma ampla discussão sobre a escala e o papel das plataformas digitais. Ao final, o trabalho sugere um caminho inovador – e de implementação mais rápida. Fugindo (sem eliminar sua necessidade) das receitas tradicionais de fomento à competição, emerge a proposta de abertura dessas plataformas para que empresas independentes de tecnologia possam acessá-las diretamente e fazer a curadoria de notícias, sob orientação do próprio usuário e em contraposição aos algoritmos internos de inteligência artificial que hoje fazem essa escolha de forma automática. Devolve-se assim ao cidadão o controle sobre aquilo que ele lê.

A urgência dessa agenda vem dos efeitos da escala e do poder de alcance dessas empresas, que vão muito além dos aspectos econômicos. Eles são também políticos. A curadoria de notícias, via amplificação ou supressão de mensagens – e a consequente possibilidade de alavancar e rapidamente disseminar a desinformação – pode ter efeitos diretos sobre as escolhas políticas, influenciando as decisões e o comportamento dos cidadãos. Daí o impacto deletério sobre a democracia, que deixa de ter como eixo a decisão livre e informada dos eleitores e passa a ser subjugada por processos pouco transparentes – senão falsos – e reações dirigidas. Mais, conforme definido por David Lazer e autores no artigo A ciência das fake news, a disseminação de notícias falsas por um presidente da república que toma emprestada a credibilidade – não a sua (quando a tem), mas a da instituição (a Presidência da República) – para distribuir como verdade aquilo que não é, valida a desinformação e garante sua amplificação.

Sim, a decisão de banir o presidente Trump e evitar que ele continue a manipular cidadãos por meio da desinformação é uma decisão correta do Twitter. Fazê-lo só agora corrobora que ele foi longe demais e esteve livre demais para usar as plataformas digitais (e seu posto de presidente dos Estados Unidos) para desinformar, incitar o ódio e avançar contra as instituições americanas. Mas isso também significa que precisamos, além da autorregulação que agora surge, de uma regulação que iniba de forma estrutural atitudes como essas – lá e cá. 

A maior das motivações não é a econômica e tampouco o combate a uma eventual afronta à liberdade de expressão, argumento falacioso de bolsonaristas órfãos de seu guru abjeto. A motivação principal para a regulação e a abertura dessas plataformas é a necessidade de se definir critérios que vão muito além das atuais boas intenções das empresas. Elas hoje podem estar se guiando pela premência de interromper um processo nefasto e inaceitável de ameaça à democracia. Mas há que se lembrar que boas intenções não são substitutos para uma boa regulação e menos ainda para as instituições que a defendem. 

Essa é uma constatação que pode ter vindo tarde nesse campo. Mas tarde é sempre melhor do que nunca. 

*Economista e sócia da consultoria Oliver Wyman.


Joel Pinheiro da Fonseca: Redes sociais aceitaram sua responsabilidade, mas precisam de critérios mais claros

Se critério das empresas for a preferência ideológica ou pressões sociais do momento, coitada da liberdade de expressão

invasão do Capitólio por extremistas, apesar de sem precedentes, não foi inesperada. É resultado preparado por anos de fake news, desinformação, discurso de ódio e teorias de conspiração nas redes sociais. Depois da longa negligência, a resposta das redes foi rápida. Donald Trump está banido da maioria delas, assim como, aparentemente, centenas de outros influenciadores de extrema direita.

Com a consolidação de um oligopólio nas redes —Google, Facebook e Twitter controlam todas as principais— essas empresas passam a ter um poder similar ao de grandes grupos de mídia no passado: o poder de varrer uma opinião ou pessoa do debate público pelo mero silêncio. Basta não dar espaço para alguém se expressar que essa pessoa desaparecerá da discussão e das mentes do público. Sem Twitter e fora da presidência, o dano que Trump pode causar é drasticamente reduzido. Quanto a influenciadores que nunca tiveram altos postos na política ou na mídia, sua capacidade de influenciar o debate cai a próximo de zero quando são banidos das redes.

Há, no entanto, diferenças. Na mídia tradicional, o poder de dar voz e silenciar era exercido na seleção de quem teria o limitado espaço da página de um jornal ou na grade de uma TV. A rede social, ao contrário, seleciona os poucos que não terão espaço, pois nela cabe todo mundo.

A decisão de excluir alguém de algo a que todos têm acesso exige uma justificativa muito mais sólida do que a de dar a alguns privilegiados algo que é escasso. No caso de Trump, sobram justificativas válidas: seus tuítes pregavam o descrédito de instituições fundamentais da democracia americana, encorajavam sedição e insurreição. Além disso, por seu cargo e número de seguidores, sua voz é poderosíssima em termos de possíveis consequências práticas. Se um zé-ninguém conclama a derrubada do Congresso, ninguém dá ouvidos. Se é o presidente da República, as mesmas frases se tornam armas perigosas.

Num primeiro momento, a perda de espaço nas redes sociais principais indicava que os extremistas iriam para redes sociais menores, como o Parler. Lá, embora a radicalização seja levada a níveis verdadeiramente alucinados (muitos dos que invadiram o Capitólio são figuras do Parler), a capacidade de influenciar as massas é muito menor. Só que mesmo esses redutos de extremismo estão sendo desbaratados: com boicote de Google, Apple e Amazon, o Parler não sabe se continuará a existir.

O sentimento de vitória esmagadora contra as forças do mal é uma delícia. Mas não é um bom guia. Há indícios de que as redes sociais são muito mais intolerantes com o extremismo de direita do que com o de outras variantes. Que Donald Trump tem sido tratado de maneira mais dura até do que o aiatolá Khamenei, cuja conta de Twitter já pregou o fim de Israel e, mesmo assim, não foi suspensa.

As redes estão se conscientizando da responsabilidade de não permitir que qualquer loucura —ainda mais com consequências perigosas— seja veiculada em suas plataformas. Mas para que isso seja feito de forma justa e evite abusos, precisam desenvolver critérios e mostrar transparência e isonomia em sua aplicação. Se o critério das empresas for a preferência ideológica de seus diretores somadas às pressões sociais do momento, coitada da liberdade de expressão. Hoje, o alvo é justo. Amanhã pode não ser.

*Joel Pinheiro da Fonseca, economista, mestre em filosofia pela USP.


Evandro Milet: Prefiro a imprensa às redes sociais

A frase é famosa. Thomas Jefferson, um dos pais da pátria americana, escreveu a um amigo em 1787: “Se tivesse de decidir se deveríamos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, não hesitaria em preferir a última opção”.

Nos embates das redes sociais, alguns alegam que a grande imprensa teria perdido a relevância por não ser mais fonte de informações confiáveis. Campanhas para cancelar assinaturas de jornais e revistas se espalharam por grupos ideológicos, insatisfeitos com a cobertura feita de temas políticos e principalmente com os colunistas de opinião. Alguns costumam repetir que determinados assuntos de interesse do governo Bolsonaro não são publicados na grande imprensa ou questionam porque ela não publicava nada contra Lula. Fico pensando como as pessoas se informaram sobre mensalão, petrolão ou lava-jato. Onde aprenderam sobre condução coercitiva, delação premiada ou prisão em segunda instância. Onde souberam da prisão de Lula, Marcelo Odebrecht ou Eduardo Cunha. 

É uma ilusão achar que as pessoas têm mais informações pelas redes sociais que pela imprensa. As redes repercutem as notícias dadas em primeira mão pela grande imprensa com seus repórteres e colunistas de opinião ou pelos blogs de jornalistas que investem na captação de notícias originais mantendo contato permanente com as fontes primárias, os políticos em geral. Nas redes, colunistas de segunda mão, recém alfabetizados em política, apenas tentam reinterpretar as notícias veiculadas à luz de um embasamento precário, pouca história, e um acesso limitado às fontes primárias.

Os veículos de imprensa contratam jornalistas e investem na captação de notícias, e não só de política, mas também de economia, negócios, cultura, entretenimento e esportes. Os colunistas de opinião são isso mesmo, de opinião, e por isso analisam os fatos de acordo com sua interpretação e os colocam em um contexto amplo com base na sua experiência de anos. Gente que nunca leu jornal na vida, ou pelo menos que nunca acompanhou política, acha isso estranho, desconhecendo que funciona assim em todo o mundo democrático. Alguns chegam a afirmar, inocentemente, que os jornais deveriam apenas reportar os fatos e deixar a opinião para os leitores, como se todos tivessem a capacidade de enxergar a história e o contexto.

Quem quer formar a sua própria opinião pode ler ou ouvir vários analistas, de fontes diversas, e tirar sua conclusão, reduzindo eventuais vieses de cobertura, que ocorrem mesmo.

A grande imprensa realmente reduziu bastante a impressão de jornais e revistas, bem como caiu a audiência na TV, não porque perdeu credibilidade, mas porque foi atropelada pela velocidade da internet, que torna as notícias velhas rapidamente, pelas novas opções para entretenimento na TV e pela mudança do mercado publicitário acompanhando a maior presença das pessoas nas redes. 

Os veículos procuram se adaptar às circunstâncias do mundo digital, aprendendo novas formas de se comunicar, seja com podcasts, lives, blogs, agências de checagem, diretamente nas redes ou colunas divulgadas aos pedaços ao longo do dia.

Quando vejo alguma notícia nas redes sociais, corro para os sites da grande imprensa para verificar se saiu ali. Caso contrário há grande chance de ser fakenews, essa praga difícil de ver na grande imprensa - pode até ocorrer -, assim como as doentias teorias da conspiração, que nunca vi na grande imprensa. Além disso, os algoritmos das redes sociais nos transformam em seus produtos, dirigindo nossas vontades subliminarmente, sem oportunidade de ouvir outras fontes como a imprensa permite.

No mais, é lembrar da frase de George Orwell: "Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade." Ou do nosso Millôr Fernandes: “Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados.”