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Eugênio Bucci: Cinco trilhões de dólares

O que produzem a Apple, a Amazon, o Google ou o Facebook para valerem tanto?

Em janeiro foi noticiado que as empresas Apple, Amazon, Alphabet (dona do Google), Microsoft e Facebook valiam, juntas, cinco trilhões de dólares. Em junho, quando a Apple sozinha atingiu o valor de US$ 1,5 trilhão, apenas quatro delas dariam conta de bater a marca dos US$ 5 trilhões (o Facebook ficava um pouquinho para trás).

Cinco trilhões de dólares!

Essa cifra é três vezes maior que o PIB brasileiro. Três vezes. Quer dizer: se nós, os 210 milhões de habitantes destas terras convertidas em jazigos, quiséssemos comprar a Apple, a Amazon, a Alphabet e a Microsoft, pelos preços de junho, teríamos de trabalhar por três anos sem descanso e não nos sobraria troco para o pão, para o aluguel e para os impostos. E mesmo assim poderíamos chegar no fim da jornada sem caixa para saldar a fatura, pois, enquanto as ações dessas companhias sobem sem parar, o PIB brasileiro afunda, junto com o PIB mundial. Lá de cima, incólumes e luminescentes, as big techs contemplam a peste, a fome, a violência, a miséria e a ruína.

Só o PIB da China e dos Estados Unidos superam a casa dos US$ 5 trilhões. Pense bem: o que produzem a Apple, a Amazon, o Google ou o Facebook para valerem tanto?

Se formos contentar-nos com as respostas oficiais, acreditaremos que o segredo de tamanha fortuna está na inovação tecnológica dessas marcas, na genialidade dos seus criadores e na pertinácia de seus CEOs. Acreditaremos que, graças a chips, bits e bytes, as big techs dominaram o e-mail, o e-commerce, o e-government e o e-scambau, deixando seus donos biliardários. Acreditaremos, enfim, que dinheiro não nasce em árvore, mas bem que brota em máquina.

Agora, se quisermos ir além das quimeras da carochinha, buscaremos explicações em teorias menos rasas, como aquela da “economia da atenção”. A tal “economia da atenção” consiste em mercadejar com os olhos dos consumidores. Primeiro, o negociante atrai a “atenção” alheia e, ato contínuo, vai vendê-la por aí – mas vai vendê-la (detalhe crucial) com zilhões de dados individualizados sobre cada um e cada uma que, no meio da massa, deposita seu olhar ansioso sobre as telas eletrônicas. Em resumo, os conglomerados da era digital elevaram o velho negócio do database marketing à enésima potência, com informações ultraprecisas sobre as pessoas, e desenvolveram técnicas neuronais que magnetizam os sentidos da plateia. O negócio deles é o extrativismo dos dados pessoais.

Isso aí: extrativismo virtual.

Na primeira semana de maio de 2017, a capa da revista The Economist anunciou que os dados pessoais eram o novo petróleo. Em plena era do Big Data, algoritmos e fórmulas insondáveis cruzam os dados e antecipam as partículas infinitesimais do humor e do destino dos bilhões de fregueses. Os dados não mentem jamais. Sabem se o cidadão vai desenvolver Alzheimer, e quando, sabem que ele relaxa com a voz de Morgan Freeman, sabem que massageia o lóbulo da orelha direita quando pensa em queijo do tipo Pont l’Évêque.

O “novo petróleo” teria sido o responsável pelos cinco trilhões e pela enorme reviravolta do mercado global, que fez o dinheiro mudar de mãos em duas décadas. Em 1998 as cinco empresas mais caras do mundo eram a GE, a Microsoft, a Shell, a Glaxo e a Coca-Cola. No grupo, quatro companhias eram fabricantes de coisas palpáveis (motores, eletrodomésticos, gasolina, fármacos, bebidas gasosas); só uma era uma empresa “de tecnologia”. Hoje, no pelotão dos conglomerados mais caros do mundo, todos se valem da tecnologia (um notebook ou um site de busca) para extrair e comercializar nossos dados pessoais.

Isto posto, e com todo o respeito à Economist, é preciso dizer que também essa explicação é insuficiente. Para entender de fato por que o valor de mercado das big techs subiu tanto é preciso levar em conta algo que as teorias correntes não costumam registrar. De meados do século 20 para cá, o capitalismo passa por uma estonteante mutação: as mercadorias corpóreas (coisas úteis) ficaram em segundo plano, enquanto a fabricação industrial de signos assumiu o centro da geração de valor. O capital virou um narrador, um contador de histórias, tanto que uma famosa marca de produtos esportivos pode muito bem terceirizar a fabricação de tênis de maratona, mas não pode abrir mão de controlar obsessivamente a gestão da marca e a publicidade.

Em sua mutação, o capitalismo aprendeu a confeccionar e a entregar, com imagens e palavras sintetizadas industrialmente, os dispositivos imaginários de que o sujeito precisa para aplacar o desejo. Isso é uma novidade. Por trás do negócio da extração dos dados existe outro negócio, mais determinante, que é a industrialização da linguagem. Hoje o capital trabalha para o desejo, não mais para a necessidade. Os conglomerados digitais dominaram a industrialização da linguagem (voltada para o desejo), monopolizaram o olhar do planeta e puseram o olhar do planeta para trabalhar a seu favor.

Nesse meio tempo, o mundo distanciou-se da razão e do espírito. Mas essa é outra conversa.

*Jornalista, é professor da ECA-USP


Pablo Ortellado: Facebook na berlinda

Derrubada de páginas pode não ter sido motivada apenas por comportamento inautêntico, mas para responder acusações de tolerância ao discurso de ódio

O Facebook derrubou na semana passada uma série de páginas e contas de sua plataforma e também do Instagram por comportamento inautêntico coordenado, ou seja, por se passarem por outras pessoas para enganar usuários ou o algoritmo das duas plataformas. Ao contrário de outras ocasiões em que conjuntos de páginas e contas foram derrubadas, desta vez a empresa deixou claro quem eram os alvos: Roger Stone, colaborador de Donald Trump, e assessores de membros da família Bolsonaro.

Como investigações desse tipo demoram semanas, elas provavelmente foram deflagradas num contexto diferente do atual. Apesar disso, não parece coincidência que tenham sido anunciadas no momento em que o Facebook é acusado de ser condescendente com discurso de ódio pela campanha de boicote “Stop Hate for Profit”.

A campanha foi montada por organizações de direitos humanos e conseguiu a adesão de grandes marcas globais que estão suspendendo anúncios no Facebook como meio de pressionar a empresa a rever uma posição considerada tolerante com discurso de ódio, incitação à violência, discriminação e negação do Holocausto.

Embora esses tipos de discurso sejam diretamente proibidos pelas regras da comunidade do Facebook, a empresa adotou uma política de excepcionalidade para quando o discurso emana de políticos.

O argumento é o de que o interesse dos usuários/cidadãos de saber o que diz um político —por exemplo, o presidente dos EUA ou do Brasil— prevalece sobre a necessidade de limitar a disseminação de um discurso nocivo.

Reportagens da imprensa americana mostraram, porém, que a motivação para a adoção da excepcionalidade foi tentar gerar equilíbrio ao aplicar as regras sobre agentes políticos da esquerda e da direita. Como havia o entendimento de que uma aplicação rigorosa das regras impactaria muito mais a direita e a empresa temia uma reação forte dos republicanos, optou pela excepcionalidade que geraria mais equilíbrio.

Embora as grandes marcas que aderiram ao boicote não representem uma parte significativa da receita do Facebook (que vem principalmente de médios e pequenos anunciantes), o barulho causado por essa adesão, assim como a publicação de um relatório de uma auditoria independente muito crítico aos efeitos das políticas sobre os direitos civis colocou grande pressão sobre a companhia que pode ter respondido com a derrubada de páginas e contas ligadas a políticos conservadores e pode vir a ser complementada com medidas como a suspensão de anúncios políticos no período eleitoral americano.

*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.


Bruno Carazza: ‘O povo’ contra Zuckerberg

Redes sociais enfrentam resistência regulatória

Durante a segunda metade da década de 1990, a internet se popularizou e um mundo de possibilidades parecia se abrir. O índice Nasdaq, a bolsa de valores onde a maioria das pequenas e médias empresas de tecnologia emitiam seus títulos, saltou de 1.288,37 em janeiro de 1995 para 7.092 pontos cinco anos depois, quando nos demos conta de que o mundo não havia acabado por causa das profecias religiosas e nem pelo bug do milênio. Mas logo depois a bolha pontocom estourou.

Uma série de motivos levou a uma forte desvalorização das ações de empresas de tecnologia, como o aperto monetário promovido pelo Fed entre 1999 e 2000, a conscientização dos investidores de que muitas daquelas startups não tinham fôlego para transformar em lucros as promessas miraculosas de valorização e escândalos corporativos em que empresas forjavam seus resultados para atrair novos aportes de recursos.

A primeira menção ao Facebook nas páginas do Valor Econômico foi numa reprodução de uma reportagem da BusinessWeek que tratava justamente do renascimento das empresas do Vale do Silício. O texto trazia uma lista de novas firmas que poderiam ser alvo de aquisições pelas gigantes da época, como Microsoft, HP, SAP e (veja só!) Yahoo. Nele, especulava-se que “o site Facebook, especializado em confraternização de estudantes universitários, poderia ser atraente para uma empresa como a News Corp”.

Mark Zuckerberg e seus colegas de quarto em Harvard haviam lançado o TheFacebook em 4 de fevereiro de 2004. Quando o Valor publicou essa matéria, em setembro de 2005, a empresa havia acabado de perder o “The”, e o que se viu nos anos seguintes foi a pequena “rede social de estudantes” passar de caça a predadora, lançando-se numa sequência de aquisições de mais de 80 negócios, sendo as mais famosas o Instagram (2012) e o WhatsApp (2014).
Movimento similar foi realizado pelas outras quatro tech giants (Google, Microsoft, Apple e Amazon), que deglutiram criações promissoras como YouTube, Skype, Waze, LinkedIn, Picasa e GitHub. Somando essas incorporações aos produtos desenvolvidos internamente, esses conglomerados controlam hoje a forma como nos informamos, comunicamos, consumimos e até mesmo nos movimentamos por aí.

No mês passado Cielo e Facebook anunciaram ao mercado que pretendem lançar no Brasil uma ferramenta de pagamento diretos por meio do WhatsApp. Mas a associação entre a empresa líder em operações por cartões (com 40% do “market share” nacional) com o principal aplicativo de mensagens do mundo (que possui mais de 120 milhões de usuários ativos só no Brasil) foi suspensa preventivamente pelo Cade e pelo Banco Central - embora na última semana o órgão de defesa da concorrência tenha revisto provisoriamente sua posição.

Na queda de braços entre empresas e órgãos reguladores, são bilhões de reais em jogo e um dilema de princípios e objetivos de política econômica: de um lado, promessas de comodidade e facilidade para o usuário, com a possibilidade de realização de transações por um meio simples e acessível por todas as classes sociais; de outro, a preocupação em preservar o ambiente concorrencial, garantir a eficiência do sistema de pagamentos.

Esta não é a única frente de batalha do Facebook. Depois das acusações de quebra de privacidade e fornecimento de dados para a consultoria Cambridge Analytica desenvolver estratégias eleitorais para políticos como Donald Trump, a empresa de Zuckerberg agora é o principal alvo do movimento #StopHateForProfit. Uma mobilização de organizações sociais questiona o Facebook e outras mídias de serem lenientes com o discurso de ódio e o extremismo, em troca de cliques e tempo de tela de seus usuários. Sensibilizadas pela repercussão, grandes anunciantes como Pfizer, Microsoft, Starbucks e Unilever suspenderam a compra de espaço nas redes sociais durante o mês de julho numa tentativa de forçá-las a rever seus algoritmos e melhorar a política de moderação de comentários.

Aqui no Brasil, além dos ecos dessa mobilização nos Estados Unidos, há a discussão em torno do projeto de lei das “fake news”. De autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e batizada com o pomposo nome de Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, a proposta acabou de ser aprovada no Senado e deve mobilizar os debates nas próximas semanas.

A leitura do artigo 3º do projeto revela o quão complexo é esse assunto. Afinal de contas, é virtualmente impossível equilibrar, na letra fria da lei, princípios e direitos tão fluidos e muitas vezes conflitantes como liberdade de expressão, respeito às preferências políticas individuais, privacidade, acesso universal aos meios de comunicação e informação e transparência.

Na sua essência, o projeto amplia a responsabilidade dos provedores de redes sociais (como Facebook, Instagram, Twitter, TikTok etc) e de mensagens privadas (WhatsApp, Telegram e Messenger, entre outros) em relação a identificação dos titulares das contas, restrições à atuação dos famosos “bots” que amplificam o alcance de mensagens e criação de procedimentos para a retirada de conteúdos ofensivos.

Enquanto a pandemia acelera uma tendência que já parecia irreversível de inserção dos negócios e das relações profissionais no mundo virtual, o projeto de lei nº 2.630/2020 determina que os provedores dos serviços devem limitar o envio de mensagens e adotar políticas de transparência quanto aos conteúdos impulsionados e à veiculação de publicidade. E nestes tempos em que os políticos elegem as redes sociais como o fórum para se comunicar com eleitores e representados, medidas ainda mais restritivas são direcionadas à propaganda política.

Não há dúvidas de que nossa vida se tornou bem fácil com o advento das maravilhas desse mundo tecnológico. Mas à medida que nossos relacionamentos, negócios e expressões políticas acontecem predominantemente no ambiente virtual, mais difícil se torna equilibrar interesses, objetivos e princípios divergentes - é alto o preço que temos de pagar por esse admirável mundo novo.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


Pedro Doria: O boicote vai fazer sucesso?

Será que agora o gigante – Facebook – enfim se move para enfrentar de vez a questão do discurso de ódio e da desinformação?

Para atacar o problema, o Facebook só tem um jeito: mexer em seu algoritmo. 

Em meio à campanha de boicote à publicidade no mundo digital em curso, há uma confusão que precisa ser esclarecida. A campanha promovida por ONGs contra racismo como a Liga Anti-Difamação (contra antissemitismo) e NAACP (que enfrenta preconceito contra negros) não tem por foco todas as redes sociais. O que propõe é que grandes negócios não anunciem no Facebook e no Instagram, que pertence à holding. Mais de 500 companhias já se juntaram, incluindo-se na lista a Unilever, segunda maior anunciante do mundo.

Será que agora o gigante enfim se move para enfrentar de vez a questão do discurso de ódio e da desinformação?

Não está claro. Segundo informações obtidas pelo site The Information, que costuma acompanhar com lupa os bastidores do Vale do Silício, o CEO Mark Zuckerberg está desafiante. “Nós não vamos mudar nossas políticas por conta da ameaça a uma pequena parcela de nosso faturamento”, ele afirmou a um grupo de funcionários. De fato, são companhias gigantes com verbas publicitárias enormes, mas o negócio dos anúncios na maior de todas as redes sociais é muito fragmentado. Segundo uma estimativa, os 100 maiores anunciantes representam 6% do faturamento. Ou seja: é dinheiro, mas o Facebook pode perfeitamente viver sem isto.

Só que este jogo não se conta em dinheiro. Se conta em reputação. As companhias economizam com o dinheiro que gastariam e, mais de um analista já observou, a decisão de deixar a plataforma faz bem a sua imagem. É deste jeito que Zuckerberg está avaliando o tabuleiro: como um jogo no qual estas empresas estão ganhando reputação às custas de sua rede. “Minha aposta”, ele disse, “é de que estes anunciantes retornam à plataforma logo.”

Pode ser que retornem. O Facebook fez alguns gestos, como o de anunciar que informará que é discurso de ódio, quando for o caso, postagens de gente graúda, como o presidente americano Donald Trump. Para as ONGs, é muito pouco, quase nada. Como desde então mais e mais empresas se juntaram ao boicote, parece que pequenos gestos não serão o suficiente.

Só que não é simples o que as companhias estão pedindo de Zuck. E o problema é ele, sempre ele, o algoritmo. Um software movido a inteligência artificial que tem uma única missão: fazer com que os usuários fiquem a maior quantidade de tempo possível dentro da rede. E o que o software descobre todos sentimos na pele. Basta nos deixar indignados. Quanto mais indignados, mais retornamos. E retornamos. Para comentar, protestar, ler avidamente tudo o que há.

É neste cenário que políticos agressivos crescem e políticos amistosos desaparecem. É também um cenário propício à manipulação de opiniões, pois um número pequeno de pessoas publicando em ritmo de bombardeio ideias pesadas ganham muito mais distribução do que outras. Criam a ilusão de consenso e passam, quais pescadores, um arrastão levando os incautos. A sociedade se torna mais agressiva em todos os lados. Mais extremista.

É neste ambiente que racismo, homofobia, agressões de toda sorte que eram consideradas coisas a se esconder há poucos anos ganham a luz do dia impunes, ditas por uma gente que ainda sorri sarcástica e fala: ‘só não sou politicamente incorreto’. O termo é outro. É desumano. Incapaz de compaixão, de empatia.

Só que para atacar o problema só tem um jeito, mexer no algoritmo. Fazer com que os posts distribuídos apelem não para o que há de pior em nós mas para qualquer outro critério. E isto terá resultados. Estaremos menos viciados em redes sociais. O Facebook fará menos dinheiro.

Só que se o boicote se estende, aquelas companhias ganham boa reputação. E o Facebook perde. Neste caso, merecidamente.


BBC Brasil: Por que grandes empresas decidiram boicotar o Facebook

A marca de sorvetes Ben & Jerry's se juntou a uma lista crescente de empresas que, durante o mês de julho, decidiram retirar sua publicidade das plataformas comandadas pelo Facebook.

Além do próprio Facebook, a empresa que Mark Zuckerberg administra é dona do Instagram e do WhatsApp — o conglomerado também soma 80 outras empresas menos conhecidas.

Esse boicote faz parte da campanha Stop Hate For Profit (Pare de lucrar com o ódio, em tradução livre), que exige que o Facebook tome medidas mais rígidas contra a disseminação do ódio e de conteúdos racistas.

O Facebook tem uma receita anual de US$ 70 bilhões (cerca de R$ 371 bilhões) apenas em publicidade.

A campanha acusa a rede social de "amplificar as mensagens dos supremacistas brancos" e de "permitir mensagens que incitam violência".

A Ben & Jerry's, de propriedade da gigante britânica Unilever, tuitou que "vai parar de anunciar no Facebook e no Instagram nos Estados Unidos".

Outras marcas

No início desta semana, as marcas de equipamentos para atividades ao ar livre The North Face, Patagonia e REI se juntaram à campanha.

"Das eleições seguras à pandemia global e à justiça racial, os riscos são altos demais para que a empresa (Facebook) continue sendo cúmplice na disseminação da desinformação e no fomento ao medo e ao ódio", escreveu a empresa Patagonia no Twitter.

A Ben & Jerry's disse que concorda com a campanha. "Todo mundo pediu ao Facebook para tomar medidas mais rigorosas para impedir que suas plataformas de mídia social sejam usadas para dividir nossa nação, anular os eleitores, incentivar e alimentar o racismo e a violência e minar nossa democracia", escreveu a marca.

Após a morte de George Floyd por policiais brancos, em maio, o CEO da Ben & Jerry, Matthew McCarthy, disse que "as empresas precisam ser responsáveis" e implementou planos para aumentar a diversidade na companhia.

No início desta semana, a plataforma de trabalho independente Upwork e o desenvolvedor de software de código aberto Mozilla também se juntaram à campanha.

Por outro lado, o Facebook prometeu "promover a equidade e a justiça racial".

Manifestantes
Image captionApós a morte de George Floyd, centenas de manifestantes foram às ruas de Minneapolis para protestar contra o racismo

"Estamos tomando medidas para revisar nossas políticas, garantir diversidade e transparência ao tomar decisões sobre como aplicamos nossas políticas, além de promover a justiça racial e a participação dos eleitores em nossa plataforma", afirmou a rede social neste domingo.

A declaração também descreveu os padrões comunitários da empresa, que incluem o reconhecimento da importância da plataforma como um "lugar onde as pessoas podem se comunicar".

"Levamos nosso papel a sério para evitar abusos de nosso serviço."

'Não ao ódio'

A campanha Stop Hate for Profit foi lançada na semana passada por grupos de defesa dos direitos civis dos Estados Unidos, como a Liga AntiDifamação, a Associação Nacional para o Progresso das Pessoas de Cor e a organização Color Of Change.

O movimento afirma que a campanha é "uma resposta à longa história do Facebook de permitir que conteúdos racistas, violentos e falsos sejam disseminados em sua plataforma".

O Stop Hate for Profit pediu aos anunciantes que pressionem a empresa a tomar medidas mais rígidas contra o conteúdos de ódio e de racismo em suas plataformas, retirando o investimento em publicidade durante o mês de julho.

Mark Zuckerberg
Image captionMark Zuckerberg administra um conglomerado de negócios que inclui Facebook, Instagram e WhatsApp

Segundo a empresa de consultoria eMarketer, o Facebook é a segunda maior plataforma de anúncios digitais nos Estados Unidos, atrás apenas do Google.

O Facebook e seu CEO, Mark Zuckerberg, são frequentemente criticados ao lidar com questões controversas.

Neste mês, os funcionários da empresa se manifestaram contra a decisão da gigante da tecnologia de não remover ou marcar uma publicação do presidente Donald Trump.

No Twitter, a mesma mensagem de Trump foi classificada com uma etiqueta que alertava que o post "incentivava a violência".

A Unilever, empresa controladora da Ben & Jerry's, não respondeu aos questionamentos da BBC.


Folha de S. Paulo: Facebook colocará advertências em conteúdo após boicote de anunciantes

Pressionada, rede social endureceu políticas de regulação; Unilever e outras empresas retiraram anúncios

Pressionado por grupos da sociedade civil e anunciantes, o Facebook anunciou nesta sexta-feira (26) que vai endurecer suas políticas de moderação de conteúdo, colocando advertências em posts que violem as políticas da empresa e proibindo mais tipos de mensagens de ódio em anúncios publicitários.

A plataforma agora suprimirá os anúncios que afirmem que as pessoas de determinados origens, etnias, nacionalidades, gênero, orientação sexual ou status migratório representam uma ameaça para a segurança ou a saúde dos demais, disse seu presidente, Mark Zuckerberg, em uma live.

A maior rede social do mundo tem sido criticada por grupos antirracistas e pressionada a ser mais intransigente com conteúdos de ódio postados em suas plataformas, com boicote por parte de anunciantes importantes.

A campanha "Stop Hate for Profit", iniciada por grupos de direitos civis dos EUA após a morte de George Floyd, pede que o Facebook, dono do Instagram, faça mais para impedir o discurso de ódio.

Mais de 90 empresas decidiram suspender os anúncios na plataforma, entre elas a multinacional de alimentos e cosméticos Unilever, a empresa americana de telecomunicações Verizon, a fabricante de sorvetes Ben & Jerry's e as marcas esportivas Patagonia, North Face e REI.

Zuckerberg falou também da preparação da plataforma para as eleições de novembro nos EUA, prometendo que sua equipe barraria tentativas de manobra para suprimir o voto, particularmente de minorias.

No fim de maio, o Facebook foi criticado por, diferentemente do Twitter, negar-se a moderar mensagens polêmicas do presidente Donald Trump, uma sobre o voto por correio (que ele tratou como fraude eleitoral) e outra sobre as manifestações que vieram após a morte de George Floyd.

O Twitter ocultou os comentários do presidente e reduziu sua circulação potencial, apesar de deixá-los disponíveis para consulta.

O Facebook optou por uma medida no meio do caminho entre eliminar conteúdos e não intervir de nenhuma maneira, que era sua política até agora.

"Os usuários poderão compartilhar este conteúdo para condená-lo (...), mas agregaremos uma advertência para dizer às pessoas que o conteúdo que compartilham pode violar nossas regras”, disse Zuckerberg.

Uma porta-voz do Facebook confirmou que a nova política implicaria em incluir um link com informações eleitorais no post de Trump sobre votos pelo correio.

A Unilever anunciou nesta sexta que interromperá a veiculação de anúncios no Facebook, Instagram e Twitter nos Estados Unidos até o fim do ano, citando o discurso de ódio durante a campanha eleitoral polarizada dos EUA.

As ações de Facebook e Twitter caíam mais de 7% nesta tarde.


Matt Stoller: Empresas de tecnologia ameaçam a democracia

Receita de anúncios que sustenta o jornalismo foi capturada por Google e Facebook e parte do dinheiro dissemina notícias falsas

À medida que a eleição dos EUA se aproxima, as rachaduras na fachada digital começam a aparecer de novo. O Facebook acaba de remover uma página, “Eu amo os EUA”, comandada por ucranianos, que enviou imagens pró-Trump recicladas da Internet Research Agency, grupo russo que tentou influenciar a eleição de 2016.

Acontece que “I Love America” não era patrocinada pelo governo. Os ucranianos apenas administravam a página pelo dinheiro da publicidade. Uma página semelhante com conteúdo falsificado, “Vidas de Policiais Importa”, agora está sendo feita em Kosovo.

Essas duas páginas falsas do Facebook ilustram a crise da imprensa livre e da democracia: a receita de publicidade que costumava ir para o jornalismo de qualidade agora é capturada por grandes intermediários de tecnologia, e parte desse dinheiro é dedicado a conteúdo desonesto, de baixa qualidade e fraudulento.

Esta é a primeira eleição presidencial após o colapso do modelo de negócios para o jornalismo. A receita de publicidade de jornais impressos caiu dois terços desde 2006. De 2008 a 2018, o número de repórteres de jornais caiu 47%. Dois terços dos municípios dos EUA não têm um jornal diário e 1.300 comunidades perderam toda a cobertura local. Até estabelecimentos nativos da web, como o BuzzFeed e o HuffPost, demitiram repórteres. Esse problema é global. Por exemplo, na Austrália, de 2014 a 2018, o número de jornalistas em publicações impressas tradicionais caiu 20%.

A sinalização de novas marcas e as barreiras culturais destinadas a proteger dos efeitos distorcidos da publicidade foram destruídas. Em seu lugar, surgiu um ecossistema de informações disfuncionais, caracterizado pelas teorias de polarização, dependência e conspiração. Na Europa e nos EUA, os jovens aprendem ciência racial pelo YouTube.

No Brasil, cidadãos aprendem que a zika é transmitida por vacinas. Como o Center for Humane Technology afirma: “As plataformas tecnológicas de hoje estão presas em uma corrida até o fundo do tronco cerebral para atrair a atenção humana. É uma corrida que todos estamos perdendo.”

Crise tem dois vetores
Existem dois vetores dessa crise. O primeiro é a concentração da receita de publicidade online nas mãos do Google e do Facebook, monopólios globais montados no discurso público, desviando o dinheiro que costumava ir para as editoras. O segundo é um colapso ético – consequência natural do fato de a publicidade financiar um utilitário de informações como uma rede social ou mecanismo de busca –, que eu chamo de “comunicações conflituosas”.

É tentador culpar a internet por tudo isso, mas é importante reconhecer que a tecnologia é moldada pela lei. Publicidade, editoração e distribuição de informações operam em mercados estruturados. Nos últimos 40 anos, as regras subjacentes a esses mercados passaram por uma reorganização radical.

Como diz o historiador Richard John, por 200 anos (a partir da criação dos Correios, em 1791), os americanos formuladores de políticas tentaram descentralizar o poder dos meios de comunicação e manter neutras as redes de comunicação. No fim dos anos 70, os formuladores de políticas reverteram suas presunções. Eles atenuaram a lei antitruste, eliminaram a doutrina da imparcialidade e permitiram a criação de grandes conglomerados de mídia.

Habilitado por uma política de fusão imprecisa, o espaço da internet passou por sucessivas aquisições. De 2004 a 2014, o Google gastou US$ 23 bilhões comprando 145 empresas, incluindo a gigante da publicidade DoubleClick. E, desde 2004, o Facebook gastou quantia semelhante adquirindo 66 empresas, permitindo-lhe dominar as redes sociais. Nenhuma dessas aquisições foi bloqueada como anticompetitiva.

Os dados agora são a entrada principal da publicidade: se você sabe quem está visualizando um anúncio, esse espaço se torna muito mais valioso. Google e Facebook agora sabem quem está vendo cada um dos anúncios, e seus concorrentes – os jornais –, não. Além disso, agora, os jornais também precisam contar com Google e Facebook para chegar a seus clientes e repassar a eles valiosos dados de assinantes. Quando o Wall Street Journal rejeitou respeitar os termos de formatação, o Google o removeu de suas fileiras de pesquisa e o tráfego do jornal caiu 44%.

Filosofia favorável à concentração ajudou a moldar revolução da informação
Em outras palavras, não foi apenas a tecnologia, mas também uma filosofia favorável à concentração que moldou a revolução da informação, nos anos 1990 e 2000. Google e Facebook cresceram para controlar utilitários de informação, como pesquisa geral, redes sociais e mapeamento. Novas formas de publicidade – sustentadas pelo uso não regulamentado de dados e vendidas por meio de leilões não transparentes e complexos – minaram a barganha das editoras e permitiram novas formas de fraude usando bots e conteúdo falso.

Um resultado dessas mudanças é a centralização radical do poder sobre o fluxo de informações. As plataformas tecnológicas agora controlam a receita de publicidade online, que é a principal fonte de financiamento da notícias. Mas este não é apenas um problema da monopolização de uma indústria. Google e Facebook não estão no ramo do jornalismo. Eles estão no setor de comunicações, executando utilitários de informação com uma receita que costumava ir para o jornalismo.

O financiamento da publicidade apresenta um conflito de interesses, pois a publicidade é uma terceira parte pagando para manipular alguém. Na mídia tradicional, ela pode influenciar escolhas editoriais. Há uma série de estruturas éticas projetadas para inibir o controle excessivo de anunciantes sobre os meios de comunicação, resultado de debates por centenas de anos entre figuras públicas sobre a natureza da publicidade e da editoração.

Algumas delas incluem os efeitos da sinalização de marcas de notícias, uma diversidade de meios de comunicação, a separação dos departamentos de publicidade e a parte editorial e corporações para proteger a integridade jornalística da publicação dos interesses comerciais. Mas tais debates éticos ainda precisam ocorrer em torno dos utilitários de informação.

Consequentemente, a deturpação da publicidade – dependência, manipulação, fraude, ruptura de um tecido social – foi recebida com pouca imunidade cultural, respostas políticas ou defesas institucionais.

Antes de o Google virar uma enorme empresa de publicidade, seus fundadores – Sergey Brin e Larry Page – notaram esse problema. Eles analisaram o mercado de mecanismos de pesquisa da década de 90 – com empresas oferecendo aos anunciantes a chance de pagar para serem listados como resultado de uma pesquisa orgânica – e argumentaram que o financiamento de um mecanismo de pesquisa por meio da publicidade era fundamentalmente imoral.

Esses utilitários de informações teriam um incentivo para manter os usuários em suas propriedades para que eles continuassem vendendo mais anúncios. Eles também teriam um incentivo à autonegociação, colocando um conteúdo diante dos usuários que beneficia o utilitário – e não do usuário final. E eles teriam um incentivo para vigiar seus usuários, para que eles pudessem segmentá-los de maneira mais eficaz.

Uma crise para a democracia
Brin e Page estavam certos quanto à influência corruptora da publicidade. Esse modelo de negócios de comunicações conflitantes é de onde vêm o vício, a vigilância, a fraude e a ‘isca de cliques’. Infelizmente, estamos vivendo no mundo que eles previram.

A combinação dessas dinâmicas – concentração de poder e novos dilemas éticos apresentados pelo financiamento das redes de informação pela publicidade – criou uma crise para a democracia. A monopolização da receita publicitária tira o financiamento de instituições legítimas. A sinalização das novas marcas e as barreiras culturais destinadas a se proteger dos efeitos distorcidos da publicidade foram destruídas. A tarefa dos formuladores de políticas agora é montar as estruturas éticas para mitigar tais conflitos.

O colapso do jornalismo e da democracia não é inevitável. Para salvar a democracia e a imprensa livre, precisamos eliminar o controle do Google e do Facebook sobre o bem comum. Isso significa descentralizar esses mercados e separar os utilitários de informação, para que pesquisa, mapeamento, o YouTube e outras subsidiárias do Google sejam empresas separadas, e Instagram, WhatsApp e Facebook voltem a competir. Também significa restringir ou limitar a publicidade nessas plataformas.

A receita publicitária deve voltar a fluir para o jornalismo e a arte. E as pessoas deveriam pagar diretamente pelos serviços de comunicação, em vez de pagar indiretamente pela renúncia à democracia. / Tradução de Claudia Bozzo

*É pesquisador do Open Markets Institute


Pedro Doria: A guinada radical do Facebook

Mark Zuckerberg planeja a maior mudança na rede social desde sua fundação

Na Quarta de Cinzas, Mark Zuckerberg surpreendeu a todos com um longuíssimo post no qual anuncia uma mudança radical na estratégia do Facebook para os próximos anos. Talvez a maior mudança desde sua fundação, quando Zuck ainda vivia num dormitório estudantil na Universidade de Harvard. Tendo construído a rede desde então para que fosse aberta, e estimulando o compartilhamento das vidas de todos, ele agora dá uma guinada na direção oposta. “Conforme penso sobre o futuro da internet”, escreveu, “me convenci de que uma plataforma de comunicação focada em privacidade se tornará ainda mais importante do que as atuais, abertas.”

Não será um desafio trivial. Para que a proposta seja levada a sério e se torne factível, o Face também precisará reinventar a maneira como se sustenta financeiramente.

O Facebook não é uma coisa só — é uma holding com três das maiores redes do mundo. Além dele próprio, também Instagram e WhatsApp. E foi baseado nas experiências com estas duas últimas que começou a se desenhar a nova ideia. Do Insta pescou o Stories — em verdade criado por um concorrente, o Snapchat. A ideia de um conteúdo volátil, aquelas populares fotos, divertidas, que se apagam após 24 horas. Do WhatsApp, a ideia de uma rede voltada para comunicação um a um, quando muito com grupos pequenos, de no máximo 250 pessoas, e na qual cada mensagem é encriptada no celular de origem. Nem os próprios donos do Zap conseguem saber o que foi escrito. Privacidade mais segura não há.

O novo Facebook imaginado por Zuckerberg continuará tendo uma parte pública, mas será menor. O grosso do conteúdo se apagará após algum tempo. Assim, os vacilos da juventude não voltarão para atormentar ninguém no futuro. A ênfase estará na comunicação pessoa a pessoa ou, no máximo, grupos pequenos. As três plataformas se comunicarão. Desta forma, ninguém precisará mais tornar público seu celular — do perfil no Face ou Insta será possível enviar uma mensagem para o WhatsApp de qualquer um. E a encriptação será forte, de forma que aquilo que cada um escreve ou publica não será visto por mais ninguém.

Zuckerberg está tentando resolver alguns problemas de uma só tacada. Um é o monstro que criou sem querer: uma máquina de manipulação política que afeta eleições. Outro, que nasce do primeiro, é a ameaça de regulação que parte dos governos de Europa e EUA. Mas há também a insatisfação dos próprios usuários, que se sentem cada vez mais expostos. As redes se tornaram um ambiente desagradável, de conflitos constantes e ataques. Como um vício do qual não conseguimos nos livrar.

Há, porém, duas questões para as quais ainda não há resposta. Por exemplo, o dinheiro. O Facebook vive de explorar aquilo que postamos publicamente. O sistema nos conhece, em alguns pontos, mais que nossos psicanalistas. E transforma isto em informação que vendedores usam para distribuir com foco sua publicidade. Numa rede mais privada, isto deixa de existir. O WhatsApp não dá dinheiro.

A outra questão, bem, a outra questão é o caso brasileiro. Ele exibiu uma fragilidade do WhatsApp. Embora pensado para comunicação um a um, foi transformado por aqui numa ferramenta de distribuição de informação em massa. E, aí, a ultraprivacidade opera contra. Quem distribui informação falsa para manipular eleições ou cometer crimes jamais é encontrado. O crime perfeito.

Por enquanto, os executivos da companhia acreditam que conseguirão reverter este processo e impedir o que consideram mau uso da plataforma. Se não conseguirem, é com o futuro de nações inteiras que estão brincando de vamos errando até acertar.


Pedro Doria: O problema do Facebook começa na Alemanha

Autarquia que investiga cartéis quer proibir rede social de colher dados fora de sua propriedade

Há um movimento se iniciando na Alemanha que pode se tornar um problema gigantesco para o Facebook. O Bundeskartellamt, autarquia nacional responsável pela investigação de cartéis, determinou que a rede social deve mudar a maneira como lida com as informações pessoais de seus usuários. Mudar a um ponto tal que pode inviabilizar o negócio de publicidade da rede social.

Nada mudará tão cedo. O que está ocorrendo, nos EUA e na Europa, é uma dança de cadeiras. Políticos e burocratas estão confluindo na direção do Facebook enquanto se perguntam: precisarão regular? E, caso precisem, qual é a regulação adequada? Ao mesmo tempo, aguardam acenos por parte do Facebook, gestos que demonstrem mudanças de postura que poderiam evitar a necessidade de intervenção governamental.

A Alemanha é, de longe, o país europeu mais obcecado com dar a seus cidadãos garantias de privacidade. Não é à toa. Passou seis décadas do século passado entre a Gestapo nazista e a Stasi comunista. Polícias secretas que, em governos totalitários, se especializavam em investigar a vida dos cidadãos comuns em busca de indícios de traição. Os alemães criaram verdadeiro horror a qualquer tipo de instituição, pública ou privada, que saiba demais sobre suas vidas. Estão sempre preparados para o pior.

A decisão do Bundeskartellamt se divide em duas, paralelas e complementares. A primeira é que dados do Facebook, do Instagram e do WhatsApp não podem ser cruzados jamais. O curtir que alguém dá no Insta não pode se tornar um dado que informe ao Face que aquela usuária anda procurando saias. Hoje, a empresa cruza estes dados a toda hora, de forma que nossos amigos de uma rede são recomendados na outra e os anúncios que recebemos são alimentados com informação a respeito de nossas ações em ambas.

Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, já anunciou que o sistema de mensagens do Instagram, o Messenger e o WhatsApp vão convergir até o final do ano. Em teoria, será possível mandar um recado de uma plataforma para alguém que está na outra e, assim, também o WhatsApp poderá informar o conjunto a respeito de nosso comportamento.

A segunda decisão periga ter ainda maior impacto: o Facebook não poderá colher dados fora de suas propriedades. Cada site que permite login com a conta do Face ou que apresenta em suas páginas um botão curtir é acompanhada pela empresa. A rede social não está sozinha nisto — o Google também acompanha o que fazemos pela internet mesmo quando estamos longe de suas propriedades. Pois, em valendo a determinação da autarquia alemã, dentro da Alemanha o Facebook estará proibido de usar estes dados.

Não é final. O Facebook poderá recorrer e seus advogados vão fazê-lo. É bastante provável, porém, que o rigor alemão em relação à privacidade prevaleça. Ou seja, para compreender nossos gostos, a rede social só poderá usar os sinais que distribuímos quando dentro dela. Seria uma máquina publicitária que perde muito de seu atrativo atual.

Valerá só para a Alemanha.

De cara, este é um problema técnico. Não é simples adaptar o sistema para agir de uma forma num país e, de outra, noutros países. Mas é possível. Daí, se torna um problema de ordem prática. Se cada país estabelecer suas regras e o Facebook — ou qualquer outra companhia digital — se vir obrigada a fazer pequenas grandes adaptações locais, a gerência do processo se torna alucinada.

O problema se tornará gigante se, animada com o exemplo, a União Europeia decidir instituir a mesma regra em todo seu território. E, daí, se meio mundo a seguir.


Pedro Doria: O Facebook e os ‘gilets jaunes’

Movimento francês mostra que o impacto do Facebook na política mundial é profundo

O movimento francês dos “gilets jaunes”, coletes amarelos, representa a terrível constatação de que o impacto do Facebook na política mundial não só é profundo como, talvez, insolúvel sem uma reformulação profunda do sistema. Porque o que alimentou a agressividade dos protestos franceses foram justamente as mudanças feitas pela rede social, no início do ano, para impedir manipulação política.

Mudanças que faziam sentido.

A avaliação de executivos e engenheiros do Facebook era de que a rede havia se tornado demasiadamente focada no noticiário e se afastado do objetivo principal, promover encontros entre pessoas. De quebra, porque as notícias compartilhadas eram as de títulos mais exuberantes – ou sensacionalistas –, traziam para dentro da plataforma o fantasma da distorção ideológica, quando não fake news generalizadas.

A solução proposta foi mudar o algoritmo com dois objetivos. O primeiro, priorizar noticiário que fosse local em detrimento do nacional. Mais da sua cidade e do seu bairro. Depois, a turma decidiu promover mais postagens de família, amigos e grupos, incentivando conversas entre pessoas conhecidas, diminuindo o alcance de gente famosa – fossem jornalistas, fossem artistas, ou mesmo marcas.

No papel, tinha toda a lógica do mundo. O software que rege aquilo que nos chega via Facebook calibraria o conteúdo que vemos para nos afastar das armadilhas e ódios da política.

Na França, a prática foi justamente o contrário. Porque, também no início do ano, e esse processo foi detalhadamente reconstruído pelo BuzzFeed News, começavam a pipocar pela rede social, em todo o país, grupos que logo foram apelidados Groupe Colère. Coléricos. Raivosos. Lá, pessoas de cada cidade se encontravam online para reclamar do que não aguentavam mais.

E as mudanças implementadas pelo Facebook fizeram com que esses grupos, por serem iminentemente locais, fossem apresentados a mais e mais pessoas. O algoritmo, literalmente, atiçou um naco da população a se juntar a grupos nos quais a raiva era estimulada. A mudança antipolarização do Facebook provocou os mais violentos protestos em Paris desde 1968.

“Como amplificador e radicalizador da cólera popular”, escreveu o influente jornalista Frederic Filloux, “o Facebook demonstrou seu grau de toxicidade para o processo democrático”. Filloux escreve, em conjunto com o ex-presidente da Apple francesa Jean-Louis Gassée, uma influente newsletter lida em todo o Vale do Silício – Monday Note. Porque estava em Paris, entende política francesa e é respeitado no Vale, seu artigo desta segunda-feira teve imensa repercussão.

Como teve imensa repercussão o pacote de e-mails internos do Facebook tornados públicos, na quarta-feira, pelo Parlamento britânico.

Num deles, um executivo defende o uso de um truque para que o app da rede tire informação sobre ligações feitas em celulares Android. Sua equipe havia descoberto como fazê-lo sem informar ao dono do aparelho. “Pode ser um problema de relações públicas”, diz, mas a informação ajudaria a compreender mais as redes de amizade dos usuários. E essa é informação preciosa para quem faz dinheiro mapeando o comportamento de cada indivíduo.

Noutra mensagem, esta do próprio Mark Zuckerberg, ele é bastante claro: “Pode ser bom para o mundo, mas só é bom para nós se as pessoas estiverem gerando conteúdo dentro do Facebook”.

Tudo certo: é uma empresa privada cujo objetivo é crescer. E dribla uns limites éticos quando necessário. Mas é preciso fazer uma pergunta: “A ira do mundo estaria nas ruas sem o Facebook?”.


El País: Quem espalha desinformação? E quem não espalha?

A melhor forma de lidar com uma potencial mentira é permitir que ela seja dita, para que possa ser desmentida publicamente ou confrontada judicialmente

Por Rodolfo Borges, do El País

Mentir é ruim. E a internet permite que mentiras se espalhem de forma mais fácil. Logo, é preciso impedir que as mentiras se espalhem pela internet. Mas quem define o que é mentira? Nas situações em que é fácil distinguir fatos de invenções, não há problema: a vereadora Marielle Franco não era ligada ao Comando Vermelho – se foi, não há comprovação, e a ausência de prova dispensa insinuações. Ofensa e difamação também já são passíveis de punição por lei muito antes do surgimento da internet. Mas e o impeachment de Dilma Rousseff, foi golpe ou não? O ex-presidente Lula foi condenado por dois tribunais sem nenhuma prova?

As redes sociais criaram o problema involuntariamente, como um efeito colateral de seu agigantamento. É uma questão de escala: as ferramentas deram voz a todo mundo e originaram os conceitos de fake news e pós-verdade, que permeiam todo o debate político, mas que ninguém sabe definir exatamente o que significam. A notícia falsa pode ser uma mentira deliberada, uma interpretação maliciosa, uma crença genuína. A pós-verdade é uma mentira que não seria tão mentirosa assim. Quem define? A resposta liberal é: todo mundo. “A opinião que se tenta suprimir pela autoridade pode ser verdadeira. Aqueles que desejam suprimi-la naturalmente negam sua verdade; mas eles não são infalíveis”, alertou John Stuart Mill em Sobre a Liberdade na década de 1850.

Até o surgimento do Facebook e do Twitter, quem se sentisse afetado por uma declaração pública qualquer — e elas geralmente vinham pelos jornais — tinha a prerrogativa de ir à Justiça. Hoje, não há mais tempo para esperar o desenrolar de um processo, apesar de o Marco Civil da Internet prever como “alternativa ao contratante [no caso, o usuário de rede social] a adoção do foro brasileiro para solução de controvérsias decorrentes de serviços prestados no Brasil”. O artigo 8º da legislação diz que “a garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet”. Mas a legislação não parece suficiente para controlar os distúrbios causados nas redes sociais.

Pressionadas, as próprias empresas se apresentaram para solucionar o problema. O YouTube estabelece quem pode ganhar dinheiro com os vídeos publicados na plataforma – e, se o produtor de conteúdo desagradar parte considerável dos usuários, pode acabar banido. O mesmo procedimento, de banimento e suspensão em caso de descumprimento de regras, é adotado pelo Twitter. Nesta semana, o presidente norte-americano, Donald Trump, reclamou que o microblog está “shadow banning” (diminuindo a exposição) de “republicanos proeminentes”. Já no Brasil, o Facebook contratou agências de checagem de notícia para separar o joio do trigo e derrubou de uma vez só 196 páginas e 87 perfis considerados inapropriados sem mencionar diretamente o tema fake news.

A remoção de “contas falsas” não parece tão controversa, mas a alegação da empresa, no informativo sobre a exclusão das contas, de que havia um “propósito de gerar divisão e espalhar desinformação” entre os banidos é ampla o bastante para incluir, por exemplo, contas de partidos políticos que promovam a candidatura de um ex-presidente que não pode se candidatar por impedimentos judiciais... O partido estaria gerando divisão? Tumultuando o processo eleitoral? Como pode uma ferramenta tão relevante como o Facebook endossá-las? As perguntas podem soar cínicas dependendo de quem ouve. Quem define?

Os membros do Movimento Brasil Livre (MBL) já publicaram várias informações erradas em seus perfis. O mesmo pode ser dito sobre deputados de partidos como PT e PCdoB, que de boa ou má fé fizeram circular imagens do que sugeriam ser grandes aglomerações de manifestantes apoiando determinada causa — quando se tratavam de protestos promovidos até em outros países. Quando confrontados com a realidade, geralmente os responsáveis pela postagem errada ou maliciosa as apagam, sob o preço do estigma de terem sido pegos na mentira.

As ferramentas virtuais têm a prerrogativa de estipular as próprias regras — e talvez a rigidez seja mesmo o melhor caminho para elas, apesar de a recente queda de ações do Facebook estar ligada a uma crise de modelo que parece afugentar novos usuários. As acusações de descuido com os dados dos usuários e a suspeita de interferência de russos na eleição dos Estados Unidos levaram Mark Zuckerberg a se explicar no Congresso norte-americano. Os expurgos periódicos atendem às demandas por um mínimo de ordem e transmitem alguma sensação de controle numa época em que se imagina que as redes sociais são capazes de definir disputas políticas. Mas as consequências dos bloqueios e banimentos podem ser bem piores para a sociedade do que a tranquilidade de uma timeline pacificada sugere.

As redes sociais se elevaram ao posto de fóruns de debate público e viraram plataformas para organização e mobilização política. É uma posição de prestígio, mas não é uma posição confortável. O fato de grupos à direita do espectro político serem os mais afetados — não apenas no Brasil — é relevante, independente do que isso signifique. Pode ser que a direita, representada massivamente no ambiente online brasileiro pelo MBL, seja mais ativa ou agressiva — ou eficiente — do que a esquerda e, por isso, chame mais atenção e se torne um alvo mais óbvio — a página Corrupção Brasileira Memes, de humor e também identificada como de direita, foi derrubada apesar de ter 1 milhão de seguidores.

Mas pode ser também que aqueles envolvidos em checar a qualidade de postagens e estratégias de atuação nas redes sejam de esquerda — como alegam os banidos — e, por isso, estejam mais atentos às mentiras da direita, das quais eles discordam. É nessa posição duvidosa que os responsáveis pelas redes sociais se colocam quando decidem arbitrar quem pode ou não participar do debate público. Para se livrar das suspeitas, o Facebook teria de encontrar um grupo esquerdista equivalente ao MBL para derrubar. Esse grupo existe? Quantos sites ou páginas teriam de cair para justificar a derrubada dos perfis ligados ao MBL? As informações disponibilizadas pelo Facebook sobre o banimento não parecem o bastante para solucionar as dúvidas que pairam no ar. Os banidos não merecem nenhum esclarecimento? Esse procedimento poderia melhorar?

As plataformas de debate virtual merecem crédito por tentar lidar com um problema que parece imenso, mas as tentativas de resolvê-lo já criaram tensões que sugerem problemas ainda maiores. Sem debate, não há possibilidade de entendimento. E o requisito mínimo para o debate é que as ideias circulem. Nem todo mundo saberá manuseá-las da melhor forma e há risco envolvido nisso, mas silenciar um ator ruim não vai fazê-lo desaparecer — e ele pode ter algo relevante a dizer em algum momento. A melhor forma de lidar com uma potencial mentira é permitir que ela seja dita, para que possa ser desmentida publicamente ou confrontada judicialmente. O mesmo vale para as fake news, seja lá o que forem.


Míriam Leitão: O real e o abstrato

O mercado tende a olhar o último evento para explicar movimentos que foram formados por questões bem mais estruturais. Isso vale para qualquer tipo de mudança brusca de valor. A queda das ações do Facebook foi explicada como decepção com o desempenho do segundo trimestre, mas o que acontece com a rede é bem mais amplo. Ela enfrenta uma crise de reputação e de incerteza sobre o futuro.

Há dúvidas mais agudas pairando sobre a empresa de Mark Zuckerberg. Seu valor caiu uma Petrobras e um Bradesco, mas ela permanece sendo uma gigante de meio trilhão de dólares. A perda fez com que seu criador apenas descesse dois degraus na lista dos mais ricos do mundo, com seus US$ 70 bilhões.

O mundo aprendeu na crise das pontocom, no fim dos anos 1990, portanto há duas décadas, que sim, tudo que parece sólido desmancha no ar. Durante o período de alta das empresas de internet, as bolsas americanas chegaram a níveis nunca vistos antes, e a impressão era de que o valor das companhias de alta tecnologia, comércio eletrônico e todas as novidades do então admirável mundo novo, teria crescimento infinito. Até o dia em que a bolha estourou como tulipas.

As empresas do mundo da tecnologia voltaram mais fortes e mais concretas, mas têm na sua natureza a volatilidade e o efêmero. O Facebook nasceu de saltos tecnológicos, mas não é o fim da história. Outras redes surgiram e surgem a cada momento. Fenômenos como ele podem se repetir e ser superados. Essa riqueza abstrata é parte da nova economia, completamente diferente da lógica de outrora onde só havia o mundo físico. A Amazon, outra gigante, tem ponte bem mais direta com o real das coisas. O curioso caminho do seu fundador, Jeff Bezos, o levou do comércio eletrônico de livros à mais clássica das mídias, o jornal impresso.

O Facebook nos últimos tempos enfrentou a acusação — e investigações — de ter sido a plataforma para manipulação de eleições nos Estados Unidos e do plebiscito no Reino Unido. Este ano, ele se prepara para dar garantia aos eleitores de vários países, como o Brasil, de que aumentaram as defesas contra seu uso indevido nas escolhas políticas. Mas os critérios não estão claros. As mudanças de algorítimo não agradaram. Eles parecem estar sempre correndo para corrigir o erro já ocorrido e não o que pode vir a acontecer. Até que ponto os novos filtros limitarão a liberdade dos usuários e quanto essa tem sido uma liberdade vigiada desde sempre?

Questões reputacionais são mais importantes do que um pequeno declive no número de usuários na Europa ou um crescimento menor da base de usuários. Na quarta-feira, a empresa anunciou que a base de usuários ativos por dia ficou em 1,47 bilhão em junho, e os analistas calculavam que seria 1,48 bilhão. Essas minúcias não explicam o tombo histórico. Com o Facebook, como ocorre também com empresas da economia real, o panorama mais amplo é mais relevante para explicar a criação ou a destruição de valores.

O escândalo ainda não dissolvido do uso irregular dos dados dos usuários pela Cambridge Analytica é o que está por trás do movimento das ações. Ele colocou vários dilemas para a empresa, seus usuários e seus anunciantes. Os novos filtros e regras de privacidade darão o conforto que os usuários querem ou apenas reduzirão o apelo da rede? E se agradarem seus adeptos, diminuirão o interesse dos anunciantes? O uso da rede na disseminação de notícias falsas ameaça o que há de mais caro no processo civilizatório, as escolhas democráticas.

Por trás do tranco que as ações levaram permanece também uma velha questão de todas as fases da economia e dos negócios com papéis de qualquer empresa. Nada se valoriza para sempre. Até quando ela poderá continuar agregando valor?

O Facebook amanheceu um pouco menor, mas as notícias ontem cedo já eram outras. A economia americana cresceu 4,1% no segundo trimestre e isso é mais do que o projetado. Cresce, mas o déficit americano chega a US$ 1 trilhão — pelo corte de impostos das empresas decidido pelo presidente Donald Trump — e as sombras de uma guerra comercial com seu maior parceiro permanecem no horizonte. O equilíbrio de empresas e países é precário nesse mundo em que o abstrato e o concreto se misturaram tão completamente.