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Oliver Stuenkel: Como resgatar a imagem do Brasil pós-Bolsonaro

A reputação internacional do Brasil chegou ao fundo do poço, mas o próximo governo tem meios para iniciar o processo de recuperação

Oliver Stuenkel / El País

Presumindo-se que Jair Bolsonaro perca as eleições de 2022 – como as pesquisas parecem sugerir até agora – e que a democracia brasileira esteja sólida o suficiente para garantir a transição de poder, o próximo presidente terá nas mãos um dos maiores desafios na história da política externa brasileira: reconstruir a reputação e a estratégia internacional de um país cuja imagem global passou por um colapso inédito ao longo dos últimos anos. Até pouco tempo atrás, um país com assento à mesa dos poderosos quando se discutiam os grandes desafios globais, o Brasil hoje é visto como uma fonte de instabilidade, marcada pela negação da ciência no combate à covid-19 e questões ambientais.

Antes de analisar as opções de um possível sucessor de Bolsonaro, é preciso reconhecer que o ex-capitão não é apenas causa do declínio do Brasil no palco internacional. Sua ascensão também é reflexo de um país cuja economia praticamente não cresce há uma década e no qual a instabilidade política, pelo menos desde 2013, inviabiliza qualquer estratégia internacional consistente. Bolsonaro é o principal arquiteto do colapso da imagem do país no exterior, e sua atuação internacional entrará para a história como o período mais vergonhoso da política externa brasileira. No entanto, não podemos deixar de lembrar que ele assumiu um país cujo poder diplomático já se encontrava em franco declínio, simbolizado, por exemplo, pela viagem do então presidente Temer ao encontro do G20 em Hamburgo em 2017, onde não teve nenhum encontro bilateral com outros líderes antes de retornar a Brasília depressa para lidar com desafios internos, perdendo o último almoço com as demais autoridades da cúpula.

Tudo indica que o próximo presidente herdará um país em frangalhos, que, no melhor cenário, segundo cálculo recente de pesquisadores da FGV, só retomará a tendência pré-pandemia em 2025. Seja quem for o sucessor de Bolsonaro, precisará dedicar energia considerável para apagar incêndios internos, com bem menos tempo disponível para desafios externos. Será importante, portanto, escolher um(a) chanceler com brilho próprio e muito traquejo político. Afinal, além de reerguer a imagem do país, caberá à(o) próxima(o) diplomata-chefe reconstruir o próprio Itamaraty, que perdeu espaço na condução da política externa brasileira: devido à postura negacionista do governo federal frente às mudanças climáticas e a pandemia – os dois maiores desafios da humanidade hoje –, governadores assumiram um protagonismo internacional inédito. O Itamaraty dificilmente conseguirá reconquistar todo esse espaço perdido, e será fundamental que a/o próxima chanceler tenha um diálogo fluido com os governadores para que os atores ao nível estadual e federal estejam bem alinhados na hora de articular a estratégia internacional. Da mesma forma, seria ideal se a/o vice pudesse assumir uma responsabilidade externa relevante – não para conter o estrago feito pelo presidente, como foi o caso com Hamilton Mourão –, mas reforçar a diplomacia presidencial.

Além disso, seria ingênuo acreditar que uma mera “volta ao normal” na política externa bastará para desfazer o imenso estrago feito pelo atual presidente brasileiro na imagem do país. A melhor solução será transformar as maiores fraquezas da política externa bolsonarista nos pilares da atuação internacional do próximo governo, enfatizando três grandes eixos: 1) meio ambiente, com ênfase no combate ao desmatamento, 2) saúde global e 3) democracia e multilateralismo. Nas três áreas, o Brasil não tem apenas o potencial de estar sentado à mesa dos grandes, mas também de se destacar por trazer novas ideias e iniciativas, e como país que pauta a agenda global.

Do ponto de vista geográfico, o próximo governo brasileiro deve buscar, primeiramente, recuperar sua imagem junto a dois grupos de países onde ela mais se abalou: na América do Sul – os países da região enxergam o Brasil como fonte de problemas e ator que em nada contribui para os desafios da região – e no G7 (as principais potências europeias, os EUA, o Canadá e o Japão) – nesses países, o governo brasileiro virou sinônimo de negacionismo e está fortemente associado à extrema direita, o que leva ao risco cada vez mais elevado de movimentos de boicote contra produtos brasileiros.

A maior urgência será reerguer a relação bilateral com a Argentina, que é e sempre será a mais importante para o Brasil: apesar da relevância econômica declinante, ela é fundamental para consolidar a paz e a estabilidade na América do Sul, tão arduamente alcançadas há 35 anos com a Declaração do Iguaçu entre os presidentes Alfonsín e Sarney. Uma forma de demonstrar a intenção de virar a página seria levar os ministros do novo governo brasileiro a Buenos Aires, já no primeiro mês de mandato, para uma reunião dos dois gabinetes, e reconstruir uma relação suficientemente consolidada e insuscetível a eventuais diferenças ideológicas entre seus governos.

A imagem do Brasil na região está tão desgastada que seria presunçoso reivindicar um papel de liderança. Em vez disso, o novo governo deve sinalizar a disposição de voltar a cooperar e fornecer bens públicos regionais, sejam financeiros – por exemplo, ajudando a superar a baixa integração física regional –, sejam políticos, coordenando melhor estratégias conjuntas para lidar com desafios comuns, como o crime transnacional, o desmatamento e a crise migratória venezuelana. Da mesma forma, o Brasil deve ter um papel-chave para assegurar que a América Latina reagirá de forma mais eficaz em uma próxima pandemia, facilitando a cooperação entre ministérios da Saúde e centros de pesquisa.

Na Europa, na América do Norte e no Japão, o próximo governo brasileiro terá oportunidade ímpar para negociar apoio financeiro no combate ao desmatamento, não apenas destravando os pagamentos da Alemanha e da Noruega – suspensos em 2019 quando o Brasil alterou a estrutura de governança do Fundo Amazônia –, mas também negociando contribuições dos outros países do G7. A crescente preocupação global com o meio ambiente – responsável, inclusive, por impulsionar profundas mudanças no modelo econômico chinês – não deve ser interpretada como uma ameaça à soberania brasileira, mas como uma oportunidade geopolítica, que, se for for negociada de maneira adequada, poderá fortalecer o poder de barganha do Brasil.

Por fim, mesmo que a transição de poder em janeiro de 2023 ocorra de maneira ordenada, interlocutores internacionais se perguntarão qual é a chance de um populista com ambições autoritárias reeleger-se no futuro, problema semelhante ao dos EUA, em relação à sucessão do presidente Joe Biden. Afinal, de que valem suas promessas aos parceiros da OTAN se há uma chance real de Trump retornar à Casa Branca em 2025? Da mesma forma, nem a melhor diplomacia brasileira na área ambiental terá impacto significativo se houver um risco elevado de um outro negacionista vencer as eleições em 2026. Por isso, é fundamental o Brasil assumir papel-chave na cooperação internacional em defesa da democracia, tanto promovendo o fortalecimento de mecanismos regionais – similares à cláusula democrática do Mercosul – quanto atuando firmemente no combate às fake news.

A reconstrução da imagem internacional do Brasil será um processo árduo, sobretudo porque, mesmo com uma eventual derrota de Bolsonaro nas urnas, o bolsonarismo deverá continuar a ter papel expressivo na política brasileira. Ainda assim, uma diplomacia bem desenhada pode, ao longo de um mandato presidencial, reverter ao menos parte do colapso reputacional sofrido desde 2019.

Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo. É o autor de O Mundo Pós-Ocidental (Zahar) e BRICS e o Futuro da Ordem Global (Paz e Terra). Twitter: @oliverstuenkel

Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-10-13/como-resgatar-a-imagem-do-brasil-pos-bolsonaro.html


Luiz Carlos Azedo: Candidato a Messias

A pesquisa MDA/CNT desta semana continua alimentando cenários eleitorais. Os principais mostram que o deputado Jair Bolsonaro, que ontem se filiou ao PSL, tem quase assegurada uma vaga no segundo turno das eleições. Essa afirmação é controversa porque alguns analistas acreditam que seus votos estão consolidados e ele estará mesmo numa segunda rodada de votações. Bolsonaro é o candidato de extrema-direita, com um discurso contra a corrupção e a criminalidade, a favor dos “valores da família”, como anunciou o senador Magno Malta (PSL-ES).

Na pesquisa, Bolsonaro tem de 20% a 20,9%, dependendo do adversário. Qualquer um deles enfrentará dificuldades para derrotá-lo, seja Marina Silva (Rede), seja Ciro Gomes (PDT), seja Geraldo Alckmin (PSDB), que estão embolados na disputa para enfrentá-lo. Corre por fora Álvaro Dias (Podemos), que cresce no Sul do país. Marina Silva se mantém no páreo, apesar da crise na Rede. Cresce de 7% para 12% quando Lula sai da disputa, mas Bolsonaro sobe de 16% para 20%.

Os dois estão herdando os votos do petista. No caso de Marina, essa é uma deriva natural da parcela do eleitorado petista que se identifica com a ex-seringueira e ex-senadora que se elegeu pela legenda no Acre. No caso de Bolsonaro, desloca-se o eleitor de mais baixa renda que acredita em salvador da pátria. Ontem, na cerimônia de filiação ao PSL, Bolsonaro não se fez de rogado: “Eu sou o messias. Jair Messias Bolsonaro”, discursou.

A palavra “messias” deriva do termo hebraico almashita, significava “ungido”, ou seja, alguém marcado na testa com óleo sagrado para realizar cerimônias religiosas. Com o passar do tempo, passou a descrever uma figura semidivina que deveria vir à Terra para resgatar seu povo. Para os judeus, “o salvador” deveria ser um rei descendente de Davi (que reinou no antigo Israel entre 1000 a.C. e 962 a.C.), com a missão de livrá-los da opressão estrangeira e implantar um mundo de justiça e salvação.

Quando o Novo Testamento foi escrito, em grego, no primeiro século da era cristã, a expressão mashiah foi traduzida como christos e se tornou o título de Jesus — ou seja, “Jesus Cristo” é o mesmo que “Jesus, o Messias”. Entretanto, o “messianismo” não se limita ao judaísmo e ao cristianismo, todas as grandes religiões do mundo têm uma figura messiânica, que virá para combater o mal e a injustiça, restaurando o paraíso sobre a Terra. Esse foi o sentido dado por Bolsonaro. No Brasil, tem a ver também com o “sebastianismo”, a crença de um salvador da pátria inspirado em Dom Sebastião, “O Desejado”, o jovem rei português que foi morto na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578.

Eleição aberta

De onde vem a consolidação dos votos de Bolsonaro? Da extrema-direita saudosista do regime militar e dos evangélicos, mas também desse nosso “sebastianismo” lulista. Entretanto, Bolsonaro enfrenta dificuldades para seduzir os setores conservadores e liberais, que buscam uma alternativa mais moderada. A chamada direita progressista deseja modernizar a economia e aceita as mudanças dos costumes. Esses setores ainda estão em busca de uma alternativa. Marina não tem capacidade de seduzi-los, muito menos Ciro Gomes ou Álvaro Dias. A eleição está aberta, dependendo do cenário, de 38,7% a 42,1% dos eleitores não têm candidatos.

Quem pode atrair esses eleitores é o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que sobe de 6,4% para 8,7% com Lula fora da disputa. O governador paulista, porém, enfrenta um cenário muito pior do que o das eleições de 2006, quando disputou com o petista e foi para o segundo turno, mas teve menos voto do que no primeiro. Naquela ocasião, o senador Aécio Neves foi acusado de cristianizá-lo para se eleger governador de Minas. Agora, a situação é pior ainda, pois o petista Fernando Pimentel lidera as pesquisas e Aécio respira de canudinho por causa da Lava-Jato. Alckmin está sem palanque em Minas porque o senador Antônio Anastasia (PSDB-MG) não quer ser candidato ao governo.

Do outro lado do espectro político, a situação do PT é de quem vai pro mato sem cachorro. A legenda insiste na candidatura de Lula mesmo sabendo que ele está inelegível por causa da Lei da Ficha Limpa, que é autoexplicativa. Essa estratégia tem muito mais o objetivo de evitar a prisão de Lula do que viabilizar um candidato substituto. Em todos os cenários pesquisados, o ex-prefeito Fernando Haddad, que seria a alternativa petista, não passa de 2,4% das intenções de votos. Numa campanha curta, deixar a escolha para a última hora pode ser um haraquiri político, ainda mais se Lula estiver preso. (Correio Braziliense – 08/03/2018)