Estado Rio de Janeiro

Quem manda no Rio de Janeiro?

O transcurso da campanha eleitoral no Rio de Janeiro revelou a variedade de poderes paralelos que convivem – nada pacificamente – na cidade

O transcurso da campanha eleitoral no Rio de Janeiro revelou a variedade de poderes paralelos que convivem – nada pacificamente – na cidade. Em plena batalha eleitoral do segundo turno, um dos candidatos à Prefeitura, Marcelo Crivella (PRB), recebeu o apoio público da ex-vereadora Carminha Jerominho, filha e sobrinha de dois políticos vinculados às milícias. Jerominho e Natalino Guimarães comandavam, até serem presos em 2007 e 2008, respectivamente, a principal milícia da Zona Oeste carioca, território ainda submetido extraoficialmente às ordens e armas de grupos paramilitares formados não por narcotraficantes, mas por agentes corruptos do Estado que oferecem aos moradores inúmeros tipos de serviços que não lhes corresponderiam, de segurança à Internet.

Crivella não desprezou o apoio de Carminha, pelo contrário. Disse que todo voto é importante: “Sem voto, ninguém ganha eleição”, disse aos jornalistas.

Foi justamente num restaurante da Zona Oeste, uma das áreas mais povoadas de Rio e onde Crivella é o candidato mais votado, que um guarda-costas dele admitiu a este jornal, ainda no primeiro turno, que para algum candidato fazer comício ali precisaria pedir autorização da milícia. “É assim que funciona, eles mandam aqui. Todo mundo precisa pedir autorização, não só nós”, contava, com naturalidade.

Além de dar sua bênção aos candidatos, o crime também os extorque: os milicianos cobraram até 120.000 reais para que os candidatos pudessem distribuir sua propaganda nos territórios sob seu controle, conforme revelou o jornal O Globo. A taxa imposta pelos milicianos, que já participaram ativamente da política e hoje optam por apoios nos bastidores para perpetuar seu poder, garantia aos aspirantes certa exclusividade frente a outros políticos.

Foi também durante esta campanha eleitoral que, a 55 quilômetros do restaurante da Zona Oeste, um grupo de narcotraficantes desceu um morro encravado num bairro de classe média alta e obrigou dezenas de comerciantes a fecharem suas portas. É assim que, em pleno 2016, o narcotráfico impõe o luto pela morte de algum de seus chefes. Todos os comerciantes fecharam sem pestanejar, apesar de a polícia ter reforçado sua presença no bairro. “Obedecemos ao poder paralelo. Prefiro ter prejuízo a sofrer represálias”, dizia o gerente de uma loja de tintas, com uma viatura em frente às portas abaixadas do seu estabelecimento. É o mesmo discurso do cidadão submetido aos milicianos.

Naquele mesmo dia, um ex-policial, candidato a vereador e presidente de uma das mais tradicionais escolas de samba do Rio – que se abastecem com recursos de origem duvidosa – era executado com 15 tiros em seu comitê de campanha. Para investigar sua morte, a polícia abriu várias frentes, praticamente uma para cada poder paralelo que atua no Rio: as rivalidades que sua candidatura pode ter despertado, sua suposta relação com os milicianos e seus vínculos com os bicheiros e donos de caça-níqueis que, num país onde o jogo é ilegal, são tão ricos e temidos como os traficantes e as milícias, só que ainda mais invisíveis.


Fonte: elpais.com


Luiz Ruffato*: Estamos preparados para enfrentar as ameaças à segurança promovidas pelo terrorismo internacional?

A pouco menos de 15 dias para o início dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro uma pergunta permanece sem resposta convincente: estamos preparados para enfrentar as ameaças à segurança promovidas pelo terrorismo internacional? Os recentes atentados contra alvos civis reivindicados pelo autointitulado Estado Islâmico, sejam cometidos por militantes armados, carros-bomba, homens-bomba ou “lobos solitários”, mostram a ousadia e a crueldade desses que, embora falem em nome de Deus, agem sob a égide da intolerância e do obscurantismo.

O aparato mobilizado pelo Governo para proteger os 10,5 mil atletas de 206 países e os cerca de 300 mil turistas aguardados consta de 85 mil profissionais, sendo 47 mil pertencentes às polícias federal, civil e militar, e 38 mil às Forças Armadas. Foram gastos até agora, neste que é o maior esquema de segurança da história do Brasil, um total de 1,5 bilhão de reais. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) elevou para o nível 4 o risco de atentado durante os Jogos, numa escala de 1 a 5, sendo 5 a certeza de que um ato terrorista está em curso.

Logo após os atentados em Paris, em novembro do ano passado, Maxime Hauchard, um francês que adotou o nome de Abou Abdallah al-Faransi, membro do alto escalão do Estado Islâmico, postou um texto no Twitter dizendo: “Brasil, vocês são nosso próximo alvo”. Em maio, foi lançado o Nashir Português, uma plataforma de comunicação e propaganda em português na internet, visando o proselitismo da causa jihadista para recrutamento de simpatizantes brasileiros. Seu principal aliciador nas redes sociais usa o nome de Ismail Abdul Jabbar Al-Brazili, conhecido como “O Brasileiro”.

Nesta semana, um grupo extremista brasileiro autodenominado Ansar al-Khilafah Brazil declarou lealdade ao Estado Islâmico e criou um canal no Telegram, serviço de mensagens semelhante ao WhatsApp. Segundo Rita Katz, do SITE (Search for International Terrorist Entities) Intelligence Group, organização que monitora atividades terroristas na internet, esta é a primeira vez que uma entidade sul-americana anuncia aliança com o Estado Islâmico e submissão ao líder do grupo fundamentalista, Abu Bakr al-Baghdadi.

Agentes da Divisão Antiterrorismo da Polícia Federal já monitoram 42 suspeitos de ligação com o terrorismo islâmico em território nacional. Um deles, o libanês Ibrahim Chaiboun Darwiche, dono de um restaurante em Chapecó (SC), indiciado por três crimes – incitação à violência, preconceito religioso e desrespeito à lei de segurança nacional –, é monitorado 24 horas por dia, com uso de tornozeleira eletrônica. Darwiche produziu um vídeo defendendo os ataques do Estado Islâmico ao jornal francês Charlie Hebdo, e, entre janeiro e abril de 2013, ficou 87 dias numa região da Síria controlada pelo Estado Islâmico, segundo a Polícia Federal.

Agentes da Divisão Antiterrorismo da PF já monitoram 42 suspeitos de ligação com o terrorismo islâmico em território nacional

Na semana passada, o Governo brasileiro extraditou o franco-argelino Adlène Hicheur, que há dois anos dava aulas na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Hicheur foi detido em 2009 e permaneceu preso na França por quase três anos por suspeita de envolvimento com a rede terrorista Al Qaeda. Físico respeitado na comunidade científica internacional, ele trabalhou nos laboratórios do CERN (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear), sediada em Genebra, na Suíça. Na época, o serviço secreto francês decifrou mensagens criptografadas em seu computador, nas quais Hicheur conversava amistosamente com Mustapha Debchi, membro da Al Qaeda no Magreb Islâmico, sobre uma possível associação em empreendimentos terroristas.

Em maio, o chefe da Direção de Inteligência Militar da França, general Christophe Gomart, anunciara, em depoimento na comissão parlamentar de luta contra o terrorismo, que o Estado Islâmico havia planejado ataques contra a delegação francesa durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Ele revelou ainda que um brasileiro estaria por trás da ação, sem indicar, no entanto, quem seria ele. Já a nossa Polícia Federal afirma que negou a entrada no Brasil de pelo menos quatro suspeitos de envolvimento com terrorismo que tentavam se credenciar para as Olimpíadas.

Marginalizados, filhos da humilhação e da ignorância, os jihadistas, que representam uma corrente minoritária dentro do islamismo, cultuam valores tribais e primitivos – machismo, xenofobia, homofobia – e têm como bandeira o ódio e a violência. Sua principal forma de propaganda é o espetáculo da intimidação da população civil. Desconhecendo regras, os militantes fundamentalistas julgam que toda forma de luta contra os valores ocidentais (judaico-cristãos, mas também muçulmanos) é válida e para isso transformam qualquer coisa em arma – sejam aviões comerciais, como os que derrubaram as Torres Gêmeas, nos Estados Unidos, matando quase três mil pessoas, seja um caminhão como o que tirou a vida de 84 pessoas na França ou até mesmo um machado como o usado em um ataque dentro de um trem na Alemanha, na segunda-feira.

Entre os dias 5 de agosto, quando ocorrerá a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, até o dia 21, data de encerramento, respiraremos com ansiedade, torcendo para que as ameaças de atentados não passem de bravatas e que o Brasil se mantenha longe da insânia terrorista dita religiosa.


Luiz Ruffato é escritor e jornalista.

Fonte: El País