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Alon Feuerwerker: A força do convencimento

Eleição brasileira de 2022 ameaça ser um caso típico. O espectro político está dividido em três grandes campos

Alon Feuerwerker / Veja / Análise Política

O sistema político-eleitoral brasileiro, a exemplo das engenharias de qualidade duvidosa, tem uma falha estrutural: o processo de escolha dos governantes procura contornar o debate sobre o que farão caso eleitos. E isso é potencializado pela esperteza dos diretamente interessados: quanto menos se antecipa o plano de ação, teoricamente mais liberdade de ação haverá.

A eleição brasileira de 2022 ameaça ser um caso típico. O espectro político está dividido em três grandes campos. Uns querem evitar a volta de Luiz Inácio Lula da Silva. Outros desejam impedir a continuidade de Jair Messias Bolsonaro. Outros ainda propõem ao eleitor derrotar ambos. E, portanto, escolher algo ainda desconhecido, mas que segundo esse campo certamente será preferível às duas alternativas.

A crítica aqui não pretende ser moral, pois os políticos estão apenas escolhendo o caminho aparentemente mais fácil. Como quando o votante é convencido a votar no “novo”, em contraposição ao “velho”. Foi mais ou menos o ocorrido em 2018. E nem dá para condenar o eleitor que de tempos em tempos decide fazer uma faxina, a única atitude à mão diante do descalabro geral, real ou construído no imaginário.

Mas, infelizmente, a conta tem sido pesada. A experiência brasileira com a democracia representativa instituída em 1984-85 não vem sendo boa. Os donos da pátria declaram dia sim outro também o apreço pela Carta de 1988, mas o produto do sistema por ela formalizado é uma cena persistente de baixo crescimento econômico, resiliência da desigualdade social e desorganização política.

Qual a conexão entre as duas coisas, um método de escolha dos governantes baseado na obscuridade e as imensas dificuldades para enfrentar os desafios históricos do Brasil? Toda. Um poder político não se sustenta só no convencimento pela força, precisa da força do convencimento. O processo de escolha do líder é a oportunidade para reunir a musculatura política necessária ao enfrentamento de interesses encastelados na economia e na política.

E aqui se explica aquele “teoricamente” no primeiro parágrafo. O líder que se acha esperto, e surfa só a rejeição do outro para ascender, percebe rapidamente nos espelhos do palácio a imagem de um pato manco prematuro, ocupado somente em sobreviver, enquanto observa o poder de decisão sobre as políticas governamentais ser retalhado por concorrentes que não foram eleitos para tal, mas reinam, inclusive por antiguidade, sobre o Estado real.

E o problema multiplica-se quando o governante, por erros ou circunstâncias, tanto faz, entra num ciclo de dificuldades novas e crescentes. É a hora em que talvez olhe para trás e note a sabedoria do ditado, que dizem ser mineiro e segundo o qual esperteza quando é muita vira bicho e come o dono. E costuma ser o momento do vale-tudo. No qual única a pergunta que não apenas o líder, mas o grupo, se coloca é: “o que devemos fazer para continuar?”.

E ai de quem ousar lembrar “mas isso não é o contrário do (pouco) que dizíamos que faríamos?”.

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Publicado na revista Veja de 27 de outubro de 2021, edição nº 2.761

Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2021/10/a-forca-do-convencimento.html


Bolsonaro sacrifica o Orçamento para salvar sua popularidade

Benefícios sociais para eleitorado esquecer descalabros da pandemia: será que vai funcionar?

DW Brasil

Governo passa por cima das regras orçamentárias a fim de abrir comportas para gastos sociais e presentes eleitoreiros antes de 2022. Os mercados financeiros reagem com severas turbulentas. E talvez seja tudo em vão.

O fato de o banqueiro e economista seguidor da Escola de Chicago Paulo Guedes estar no governo de Jair Bolsonaro era para a economia algo assim como a garantia de que o presidente adotaria um curso de reforma liberal. Porém as esperanças de que, apesar de ter como chefe o capitão da reserva, Guedes conseguiria impor esse curso há muito se desfizeram.

Desde o começo desta semana, ficou evidente que Guedes tampouco impedirá  altas orçamentárias acima do limite permitido por lei. Com manobras grosseiras, agora o governo quer alterar o teto de gastos, que estava claramente fixado pelo orçamento público de 2020, corrigido pela inflação.

Por um lado, Bolsonaro propõe considerar a inflação mais alta de janeiro a dezembro de 2021 (em vez da dos 12 meses até junho último), a fim de poder gastar mais. Por outro, quer possibilitar por emenda o parcelamento de precatórios, aumentando ainda mais o campo para gastos. O teto só foi introduzido em 2017 e proporcionou ao Brasil os juros mais baixos de sua história econômica. Agora isso acabou.

Pânico nos mercados financeiros

Em protesto, nesta quinta-feira (21/10), quatro secretários do Ministério da Economia – três economistas e uma economista – anunciaram inesperadamente sua renúnica. Supõe-se que estão deixando o governo agora para no futuro não serem penalizados por terem ignorado as regras orçamentárias.

Os mercados reagiram com choque aos pedidos de exoneração: desde o início da semana – quando se acumularam os boatos de que o governo desrespeitaria o teto de gastos –, o índice da bolsa de valores de São Paulo caiu 10%; o dólar subiu quase 5%; os juros nos mercados de futuro saltaram para mais de 12%.

Em resumo: os investidores reagiram com pânico, temendo a reação em cadeia que agora, após a quebra das regras orçamentárias, se materializa. Assim, o Banco Central provavelmente terá que elevar em breve a taxa Selic para mais de 10% (dos atuais 6,25%), como única forma de manter a inflação abaixo do limite de 5%, até o fim de 2022.

O encarecimento geral já passa de 10%, no momento; os preços da cesta básica chegaram a aumentar 16% nos últimos 12 meses. Além disso, a desvalorização do real aumenta a pressão inflacionária.

Como o Banco Central terá que manter por mais tempo ainda os juros altos, os bancos de investimentos reduziram a menos de 1% os prognósticos de crescimento para 2022 (depois de 5% no ano corrente). O desempenho econômico segue cerca de três pontos porcentuais abaixo do nível de 2014, o último ano de crescimento.

Aumento de popularidade improvável para Bolsonaro

O motivo para a alteração da fórmula do teto de gastos são os esforços de Bolsonaro contra sua queda de popularidade. No relatório final da CPI no Senado, o presidente acaba de ser incriminado por cometer nove delitos no decorrer da pandemia de covid-19.

Para desviar as atenções da situação deplorável, ele pretende aumentar o auxílio às classes de renda mais baixa já um ano antes das eleições, visando impulsionar sua pouca popularidade entre os pobres. No ano da pandemia 2020, ele conseguiu incrementar sua popularidade, justamente junto às classes de renda mais baixa, com generosos benefícios sociais.

Mas será que vai conseguir repetir a proeza? O desemprego está estagnado num nível alto, de cerca de 14%, a ocupação só cresce no setor informal, onde, porém, se paga menos. A massa salarial dos brasileiros caiu em 2021 6%, em relação ao ano interior. E, tradicionalmente, o consumo é o motor do crescimento.

Acima de tudo, entretanto, a inflação alta deverá prejudicar de forma duradoura a popularidade de Bolsonaro: os pobres são, de longe, os mais afetados pela desvalorização. Os R$ 400 do novo Auxílio Brasil não vão adiantar muito.

Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/an%C3%A1lise-bolsonaro-sacrifica-o-or%C3%A7amento-para-salvar-sua-popularidade/a-59600777