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O Estado de S. Paulo: ‘Sem precedente em países civilizados’, diz Ricupero sobre possível nomeação de Eduardo

Ex-embaixador nos EUA, diplomata critica indicação do filho do presidente Jair Bolsonaro para o cargo em Washington

Ex-embaixador nos Estados Unidos, o diplomata Rubens Ricupero criticou a possível nomeação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para chefiar a embaixada do Brasil em Washington. “Trata-se de medida sem precedentes em nossa tradição diplomática e na história diplomática de países civilizados e democráticos”, afirmou Ricupero ao Estado.

Um dos diplomatas brasileiros mais respeitados, Ricupero foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos entre 1991 e 1993 e atuou como secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad).

Para ele, a nomeação de parentes próximos para funções diplomáticas é típica de “monarquias absolutas”. “Caracteriza também os governantes populistas como Donald Trump, que só confiam na própria família”, afirmou.

Ricupero, atualmente professor na Faap, disse ainda que Eduardo já atua, na prática, como “chanceler informal” e que, agora, poderia, de fato, assumir um cargo diplomático. No entanto, o fato de o deputado ser filho do presidente, preocupa, segundo o ex-embaixador.

“Funções como as de embaixador devem ser institucionalizadas, e não personalizadas. Pelo motivo óbvio de que, num caso como de um filho representando o próprio pai, haveria maior possibilidade de que as ações do embaixador visassem a interesses pessoais e de família, não os interesses do País.”

Autor do livro A Diplomacia na Construção do Brasil: 1750 - 2016, que trata da história diplomática do País, Ricupero afirmou que o caso mais próximo dessa indicação remete a José de Paula Rodrigues Alves, filho mais velho do presidente Rodrigues Alves(1902-1906), ainda que de modo “longínquo e inadequado”, já que ele se tornou embaixador quando o pai não era mais presidente.

“O exemplo dele realmente não se ajusta ao caso porque ele foi diplomata de carreira e só chegou ao posto de embaixador depois de percorrer todos os outros degraus e muitos anos depois do falecimento do pai (em 1919)”, disse Ricupero.

José de Paula Rodrigues Alves morreu, em 1944, então como embaixador do Brasil em Buenos Aires. Antes, havia atuado nas Embaixadas do Brasil na Suécia, na China e no Paraguai.


O Globo: Frente evangélica apoia Israel por crença no Apocalipse e na volta de Cristo

Maior entusiasta da mudança da Embaixada do Brasil para Jerusalém, grupo acredita na conversão de judeus ao cristianismo

Por André Duchiade, de O Globo

Não se conhece grupo que apoie tanto o projeto do presidente Jair Bolsonaro de transferir a embaixada brasileira em Israel para Jerusalém como a Frente Parlamentar Evangélica, que deve reunir 91 parlamentares a partir deste ano, entre 84 deputados e sete senadores. No fundamento do apoio, além da conexão do Estado de Israel moderno ao antigo reino hebreu, há uma razão voltada para o futuro — o cumprimento de supostas profecias bíblicas do retorno de Cristo e do Apocalipse.

— Israel é um termômetro dos sinais do cumprimento do que está escrito no Livro do Apocalipse — diz o deputado federal e membro da Assembleia de Deus Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ). —A nossa fé acredita nisso. A transferência da embaixada diz respeito a isso. Para nós, todo cenário será preparado para o Armagedom, como descrito no Apocalipse, e o palco do Armagedom será na cidade de Jerusalém.

As declarações ajudam a explicar a proximidade do presidente Jair Bolsonaro, que durante a campanha contou com a poio maciço da comunidade evangélica, com Israel. Para um grande número dos líderes protestantes do país, sobretudo os neopentecostais, a criação do Estado de Israel, em 1948, foi um prenúncio da volta de Cristo.

De acordo com Christopher Rollston, professor de Estudos Bíblicos da Universidade George Washington, esses grupos evangélicos são chamados pré-milenaristas, e veem uma grande continuidade entre eventos descritos na Bíblia e o mundo moderno:

— De acordo com a sua leitura, certas passagens em livros de Daniel, de Ezequiel e da Revelação preevem a criação do Estado de Israel— afirma o professor, destacando que não compartilha da leitura, assim como “praticamente todos os estudiosos sérios da Bíblia”. — Eles creem que a conversão dos judeus aos cristianismo se seguirá à criação do Estado de Israel e tudo isso se concluirá com a segunda vinda de Jesus.

Expectativa pelo fim
Yaakov Ariel, professor de estudos religiosos da Universidade Chapel-Hill e autor de “Uma relação incomum: cristãos evangélicos e judeus” (“An unusual relationship”), diz que, em sua origem, o cristianismo se baseava no messianismo — o retorno de Cristo à Terra seria iminente, com o estabelecimento do Reino de Deus. Com o tempo, as maiores tendências cristãs começaram a interpretar as passagens como simbólicas ou alegóricas, com a Igreja Católica assumindo o papel de iluminar o rebanho, no lugar de um retorno de Jesus. A partir da Reforma Protestante, no século XVII, contudo, a expectativa pelo Apocalipse reaparece:

— Lendo o Velho Testamento de uma nova maneira, alguns pensadores messiânicos passaram a esperar que os judeus desempenhariam um papel importante nos eventos do fim dos tempos, que pensavam que estavam prestes a começar — afirma o autor. — As raízes do apoio cristão ao sionismo podem ser encontradas aí.

No final do século XIX, relata Ariel, essas leituras ganharam força, sobretudo a chamada escola dispensionalista, criada nos EUA. De acordo com a doutrina, que é a mesma defendida por pastores neopentecostais hoje (outros grupos, como a Igreja Presbiteriana, não a compartilham), Jesus virá para resgatar os seus crentes e a sua igreja, antes de um período chamado de Grande Tribulação. Durante essa época, que durará sete anos, a Terra será devastada por cataclismos como enchentes e terremotos, somados a regimes ditatoriais, piores do que o Holocausto, promovidos por um Anticristo que se dirá um Messias.

O retorno de Cristo, ao cabo da turbulência, derrotará o governante satânico, para então reinar por um período de paz de mil anos. Cavalcante, que, além de deputado, é teólogo, se esquiva da resposta sobre o destino dos que não se converterem, mas afirma que os judeus terão a oportunidade de arrependimento e de conversão ao cristianismo, por serem o povo escolhido:

— Os judeus terão uma segunda oportunidade de arrependimento — afirma. — Eles serão a única nação que terá a oportunidade para o arrependimento.

Rolsston explica o futuro dos que rejeitarem a conversão:

— Evangélicos acreditam que qualquer um que não se converter ao cristianismo vai para o inferno — afirma.

Essa visão de mundo, segundo Rollston, é “completamente incompatível” com a de qualquer judeu praticante, seja ortodoxo ou conservador reformista. Dentre as diferenças, estão a leitura profética daquilo que o judaísmo entende serem textos antigos, assim como a conversão completa dos judeus aos ensinamentos de Cristo:

—Em certos aspectos, a visão pré-milenarista é muito antissemita, porque o seu objetivo é a conversão dos judeus ao cristianismo.

Apelo às bases
Se concretizada, a transferência da embaixada brasileira se seguirá às dos EUA e a da Guatemala. Nos três casos, as ações dos presidentes agradam a bases evangélicas — o país centro-americano tem a maior proporção de evangélicos na América Latina, cerca de 40% da população, enquanto no Brasil são 22%. Nos EUA, onde os evangélicos são 25%, entre 48% e 65% dos líderes do grupo são pré-milenaristas, segundo pesquisas.

Segundo altas autoridades israelenses ouvidas pelo GLOBO, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu entende que Bolsonaro quer realizar a transferência de modo incondicional, por amizade a Israel. Em um encontro entre líderes evangélicos e o premier num hotel de Copacabana no penúltimo dia de 2018, Bibi, como é conhecido o premier, exaltou os presentes:

— Não temos melhores amigos no mundo do que a comunidade evangélica. E a comunidade evangélica não tem melhor amigo do que Israel.

Rollston afirma que o premier ignora propositalmente a concepção de mundo de seus aliados, por obter vantagens a partir dela. De acordo com o jornal israelense Haaretz, cristãos evangélicos enviaram mais de US$ 60 milhões na última década para a Cisjordânia, para financiar assentamentos israelenses. Quase meio milhão de cristãos visita Jerusalém todos os anos, incluindo 50 mil do Brasil.

— É claro que Netanyahu sabe que a visão que esse grupo têm do judaísmo é problemática, mas quer o apoio mesmo assim, então a ignora — diz Rollston.

Para o deputado Cavalcante, a transferência é inegociável:

— Não vamos abrir mão de valorizar políticas externas, agora que estamos exercendo influência no Executivo. Entendemos que isso que está acontecendo está baseado no cumprimento profético.

(Colaborou Mateus Coutinho, de Brasília)