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El País: Descontrole da pandemia no Brasil deixa reformas econômicas em segundo plano

Enquanto outros Governos começam a pensar na vida depois da crise, o país se encontra suspenso num estado de choque por causa do caos provocado pela covid-19

Isabella Cota e Carla Jiménez, El País

No meio do caos que fez do Brasil o país com mais mortes e contágios diários pelo coronavírus, perdeu-se o espaço para a discussão das reformas econômicas das quais o país necessita. E não é por falta de vontade. O Governo do presidente Jair Bolsonaro pretendia discutir com legisladores em março uma reforma do código tributário e a privatização de algumas empresas estatais. Mas, com média de quase 4.000 mortes por dia e o colapso do sistema de saúde, é impossível pensar no que vem depois. O Congresso se concentrou em votar medidas que facilitem a compra de vacinas e de suprimentos básicos para o sistema de saúde. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, rendeu-se aos fatos. “A vacinação maciça é a melhor política fiscal, a mais barata e de maior impacto”, disse em um evento virtual com empresários no fim de março. A inoculação será o que vai dar início à recuperação da economia, cujo PIB caiu 4,1% em 2020.

O que à primeira vista parece sensato ―cuidar antes da pandemia e depois acomodar as reformas― é na verdade um efeito colateral da errática gestão da crise sanitária no Governo Bolsonaro. Sem planos para vacinação maciça, o mandatário insiste em contrariar as medidas de distanciamento social para o controle da pandemia. “Não temos resposta adequada para lutar com os efeitos da difícil pandemia neste momento”, diz a economista Monica de Bolle. “Estava anunciado, previsto, mas nada se fez”, acrescenta. Na última semana, dois ministros pediram demissão, e o presidente substituiu seis.

Outra amostra da desorganização em que se encontra o Brasil está no fato de que o orçamento para este ano só foi aprovado na Câmara em 25 de março e ainda está pendente de passar no Senado. A proposta oferece verbas adicionais e discricionárias aos parlamentares a um ano das eleições. Isto foi possível apesar do teto fiscal, explica Samar Maziad, analista de risco de crédito soberano do Brasil na agência qualificadora Moody’s. Esse limite autoimposto nos gastos públicos oferece a investidores e analistas uma garantia da solvência fiscal da maior economia da América Latina.

Para não ultrapassar esse teto, os legisladores subestimaram os custeios obrigatórios, como seguro-desemprego e a previdência. As supostas reduções de gasto somam 25 bilhões de reais. O próprio Paulo Guedes aconselhou Bolsonaro a não aprovar esse orçamento, que foi qualificado por economistas e especialistas como uma “peça de ficção”. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também alertou para a falta de solidez do orçamento em entrevistas concedidas na semana passada: “Qualquer incerteza sobre o orçamento agrava a incerteza fiscal”.

No plano econômico e financeiro, o Governo marcou tentos ao conseguir aprovar em fevereiro a independência do Banco Central, assim como uma emenda constitucional para assegurar o pagamento de novas ajudas emergenciais às populações mais vulneráveis à pandemia a partir deste mês. A primeira rodada de estímulo econômico, com ajudas de 600 reais, foi concedida entre abril e dezembro de 2020 e teve um impacto tangível na economia, reduzindo inclusive o nível de pobreza, mas ultrapassou o teto de gastos. Para este ano, o Governo conseguiu aprovar uma segunda onda de estímulos econômicos ―43,8 bilhões de reais para 45,6 milhões de brasileiros― que será paga por quatro meses e em valor inferior, praticamente metade do que foi no ano passado.

“Este é um estímulo muito mais limitado”, observa Maziad. “A pergunta agora é: com esta piora da pandemia e a lenta vacinação, haverá necessidade ou pressão para aprovar ainda mais estímulos econômicos?”, prossegue ela. De acordo com dados da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE), o Governo do Brasil arrecada 33% do PIB em impostos, muito acima da média latino-americana, que é de 23%. Diferentemente de seus pares na região, como a Colômbia e o México, onde atualmente se discute a necessidade de aprovar uma reforma fiscal para aumentar a arrecadação, o problema do Brasil não é esse. É mais uma questão de como simplificar as regras tributárias, diz Maziad, algo que o Governo de Bolsonaro procurava fazer antes que a pandemia se descontrolasse.PUBLICIDADE

“A preocupação é que o aumento do gasto visto no ano passado não se reverta, e como o Governo poderá continuar cumprindo o teto de gasto”, opina Maziad por telefone de Nova York. Por sua parte, De Bolle afirma que esta segunda rodada de apoio econômico não terá o mesmo impacto em 2021. “Teremos um ano difícil na economia, não podemos esperar recuperação porque nossa situação fiscal vai piorar”, antevê.

Em entrevista à agência Reuters, o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), aliado de Bolsonaro, disse que o presidente provavelmente tentará aumentar o gasto público para sustentar sua popularidade, agora que seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está de volta à arena política. Imediatamente depois de o STF anular os julgamentos que o condenaram, Lula atacou Bolsonaro por administrar mal a pandemia e a economia. Ramos afirmou que o Congresso não permitirá nenhuma “aventura fiscal” no período anterior às eleições do ano que vem. “A Câmara esteve muito consciente do problema fiscal do Brasil e tem controles e contrapesos que são efetivos” para conter uma onda de gastos do governo, disse Ramos à Reuters.

Enquanto outros países começam a pensar na vida depois da pandemia, diz Maziad, o Brasil está obrigado a permanecer em um estado de crise, sem avançar suficientemente rápido na vacinação ou na contenção dos contágios. “Em outros lugares já há espaço para pensar em outras coisas ou para olhar além da pandemia, mas no Brasil, nas últimas semanas, basicamente eles centraram a atenção no que está acontecendo com a pandemia e como isso afeta todo o resto. Isto é um obstáculo grande para o crescimento”, aponta a analista.

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Oliver Stuenkel: Desmonte do Itamaraty abre brecha para projeção internacional de governadores e prefeitos

Com o chanceler brasileiro priorizando assuntos internos, governadores, prefeitos e deputados estão virando interlocutores-chave de governos, empresas e ONGs no exterior

Quando os assessores de Anthony Blinken, secretário de Estado do presidente americano Joe Biden, começaram, recentemente, a discutir o futuro da relação entre os Estados Unidos e o Brasil, surgiu uma pergunta incomum: quem no Governo Bolsonaro seria o principal interlocutor do novo Governo americano? Em tempos normais, seria o chanceler brasileiro, é claro. Na prática, porém, Ernesto Araújo não é uma opção para gerenciar a relação bilateral. Afinal, o novo Governo americano avalia, corretamente, que o papel fundamental de Araújo não é a condução da política externa brasileira, mas, por meio da promoção de teorias conspiratórias, a mobilização permanente da base bolsonarista.

Mesmo se Araújo priorizasse a gestão das relações exteriores do Brasil, seus comentários sobre o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro (segundo ele, os invasores seriam “cidadãos de bem”) e a respeito das eleições presidenciais americanas (para ele, fraudadas) já seriam suficientes para torná-lo persona non grata em Washington. O cenário em Berlim, Paris, Pequim e Buenos Aires é o mesmo: alguma comunicação oficial e um aperto de mão protocolar até podem envolver Araújo, mas a maioria dos governos já estabeleceu canais alternativos.

Não há vácuo de poder na política, e o mesmo vale para a política externa. Na ausência de um chanceler disposto ou capaz de gerir as relações do Brasil com o resto do mundo, outros políticos brasileiros tornaram-se figuras-chave nos palcos internacionais. Durante o primeiro ano do Governo Bolsonaro, enquanto Araújo cumpria seu papel de cheerleader do presidente Trump, o vice-presidente Mourão e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, se empenhavam no âmbito diplomático. Em viagem a Pequim, por exemplo, os dois souberam desfazer o estrago feito pelo presidente brasileiro na relação bilateral. Coube a eles acalmar os ânimos dos chineses porque Araújo, com seu histórico de ataques verbais à China, tinha perdido credibilidade em Pequim.

Para diplomatas chineses, ficou claro que, se for preciso resolver alguma questão com o Governo brasileiro, Mourão e Tereza Cristina serão interlocutores bem mais úteis do que o chanceler brasileiro. O cenário repetiu-se quando o ministro foi excluído das negociações com Pequim para a compra de vacinas contra a covid-19 e quando o governador de São Paulo, João Doria, e o então presidente do Congresso, Rodrigo Maia, tornaram-se interlocutores-chave para o Governo chinês e empresas farmacêuticas chinesas.

Nada disso é por acaso. Afinal, a marginalização do Ministério de Relações Exteriores (MRE) é um objetivo-chave da gestão atual, em uma tentativa de combater o que o bolsonarismo chama de deep state, estrutura composta por tecnocratas que supostamente sabotam as ideias do Governo. Como Eduardo Bolsonaro declarou depois da vitória de seu pai nas eleições presidenciais, o Itamaraty era “um dos ministérios onde mais está arraigada essa ideologia marxista e onde haveria uma maior repulsa ao presidente Jair Bolsonaro”. Ao permitir que outras figuras no Governo se ocupem de temas internacionais, Araújo está cumprindo sua missão de diminuir o controle do Itamaraty sobre a articulação da política externa. Mesmo no período pós-Bolsonaro, o MRE demorará para reconquistar o espaço perdido, um processo que dependerá muito da capacidade de futuros e futuras chanceleres.

A estratégia bolsonarista, porém, representa um risco político para o próprio presidente. Afinal, não são apenas ministros e familiares a preencher o vácuo que a atuação de Araújo está criando. Opositores de Bolsonaro, como o governador João Doria, também estão conseguindo se destacar no exterior com muito mais facilidade e são vistos por entidades públicas, privadas e da sociedade civil fora do país como interlocutores fundamentais para tratar de temas da relação bilateral. Em vez de chamar o chanceler brasileiro para participar de reuniões sobre o Brasil, cada vez mais, organizadores de eventos internacionais convidam governadores ou prefeitos capazes de articular uma visão mais pragmática.

Na hora de avançar a pauta ambiental com o Brasil, governos estrangeiros mantêm laços fortes com governadores e prefeitos da Região Norte, cientes de que é mais fácil trabalhar com eles do que com Ernesto Araújo ou Ricardo Salles, o controverso ministro do Meio Ambiente. Governadores e até prefeitos, como Eduardo Paes, têm hoje uma interlocução comparável ou até melhor do que a do chanceler com tomadores de decisão no exterior, uma situação sem precedentes na história do Itamaraty.

Esse novo cenário da multiplicação dos atores envolvidos na política externa brasileira ―um processo descrito por especialistas como pluralização ou fragmentação― pode ajudar a mitigar, em parte, o impacto nefasto da atuação internacional bolsonarista. O protagonismo de vários governadores no contexto do combate à pandemia e a obtenção de vacinas do exterior é apenas um dos vários exemplos disso. No futuro, porém, a perda de influência do Itamaraty complicará tentativas de governos pós-Bolsonaro de articularem e implementarem um projeto coeso de política externa. Quanto mais Araújo permanecer no cargo, mais árdua será a tarefa de seus sucessores de reerguer o Itamaraty.

É claro que governos estrangeiros, como a nova administração de Joe Biden nos Estados Unidos, não podem lidar apenas com entidades subnacionais brasileiras. Resta saber, no entanto, com quem no Governo Bolsonaro o novo Governo americano, por exemplo, buscará estabelecer um diálogo produtivo. Desta vez, o vice-presidente Mourão dificilmente poderá desempenhar o papel de interlocutor racional e “adulto na sala” porque tem sido visto como isolado em Brasília. O mesmo vale para Paulo Guedes, cuja palavra já não tem tanto peso no exterior. O mais provável é que os EUA e outros países com relações delicadas com o Brasil identifiquem seus interlocutores caso a caso, seja Tereza Cristina, da Agricultura, seja Roberto Campos Neto, do Banco Central, seja Mourão.

O uso do Itamaraty para animar a base bolsonarista traz vantagens inegáveis para o presidente, e o combate contra o “globalismo” e o “comunismo” são populares nos grupos de WhatsApp pró-Bolsonaro. Ao mesmo tempo, fica cada vez mais claro que o presidente também acaba entregando, de bandeja, a oportunidade ímpar aos seus adversários de se tornarem atores-chave na política externa brasileira e dar visibilidade às consequências desastrosas da estratégia internacional de seu Governo.

Oliver Stuenkel é professor adjunto de Relações Internacionais na FGV em São Paulo. É o autor de O Mundo Pós-Ocidental (Zahar) e BRICS e o Futuro da Ordem Global (Paz e Terra).


El País: Norte-americanos vivem apreensão e ansiedade com os últimos dias de Trump na Casa Branca

Trump não irá à posse de Biden em 20 de janeiro, a primeira vez que isso acontece desde 1869

Donald Trump está cada vez mais sozinho e, ao se sentir quase encurralado, é possível que em vez de lamber as feridas ao final de sua presidência, decida que a melhor defesa diante da enxurrada de críticas é um bom ataque. Trump provou ao longo dos últimos quatro longos anos que pode ser imprevisível e errático em suas decisões. A oposição democrata e um número cada vez maior de republicanos que começam a abandoná-lo vivem com incerteza, ansiedade e até medo os 12 dias que restam até que no próximo dia 20 o presidente Trump deixe definitivamente a Casa Branca.

Ele já deu vários murros no tabuleiro internacional. Há pouco mais de um ano, o mandatário republicano surpreendeu ao ordenar um ataque com drones contra o poderoso general iraniano Qasem Soleimani, desatando tensão máxima no Oriente Médio ao acabar com um dos homens fortes do aiatolá Ali Khamenei, em um golpe duríssimo a Teerã. Além disso, Trump se lançou a desenhar um novo mapa geopolítico acabando com décadas de diplomacia com a China e inaugurando uma nova Guerra Fria com a grande potência em ascensão. Há mais exemplos: como mudar a posição internacional sobre Jerusalém, ao mudar à cidade santa a embaixada dos EUA, e talvez a última mudança drástica da política em Washington, com o apoio ao Marrocos ao reconhecer sua soberania sobre o Saara Ocidental, o que significou ignorar as resoluções da ONU.

Diante das dúvidas sobre o que ainda pode ordenar um presidente ferido, que deixará como legado uma tentativa de insurreição insuflada por ele mesmo contra a democracia dos Estados Unidos, os líderes democratas estão tentando adotar medidas sérias. Além de seu pedido para que seja aplicada a 25° emenda e a realização de um impeachment a toda pressa do mandatário, a presidenta da Câmara de Representantes, Nancy Pelosi, se movimentou no terreno do prático e explicou na sexta-feira que conversou com o chefe do Estado Maior Conjunto, o general Mark Milley, para manter “um presidente instável” longe dos códigos nucleares que controla.

Proteger a população

“A situação desse presidente volátil e instável não poderia ser mais perigosa e devemos fazer todo o possível para proteger a população americana de seu desequilibrado ataque ao nosso país e nossa democracia”, escreveu Pelosi em uma carta. A presidenta da Câmara de Representantes afirmou que recorreria ao julgamento político contra Trump se o vice-presidente, Mike Pence, não iniciasse o processo para que seu Gabinete retirasse Trump do poder com a emenda constitucional por incapacidade.

Enquanto isso, o presidente flerta com a ideia de conceder um perdão a si mesmo para evitar possíveis investigações judiciais quando abandonar a Casa Branca. Um presidente perdoar a si mesmo seria algo inédito na história dos Estados Unidos, mas Trump já falou em público diversas vezes sobre essa opção, defendendo que tem o “direito absoluto” a fazê-lo. O republicano colocou essa opção durante a investigação da chamada trama russa, que verificou as supostas ligações entre a Rússia e sua campanha nas eleições de 2016.

O caso foi fechado sem que Trump fosse acusado por qualquer crime. Mas o promotor especial da investigação, Robert Mueller, afirmou o tempo todo que o mandatário não foi eximido, o que faz com que potencialmente possa ser processado quando deixar a Casa Branca. A maior ameaça legal que Trump enfrenta hoje é uma investigação por fraude do Estado de Nova York relacionada aos seus negócios. Ainda que esse seja um caso de alcance estadual que não estaria protegido por um perdão presidencial, uma vez que Trump é investigado como pessoa particular, sem vínculo com as decisões tomadas desde sua chegada ao poder em 2016.

A agenda diária de Trump até o dia da posse de seu sucessor, o democrata Joe Biden, é uma incógnita. “O presidente trabalhará do começo da manhã até tarde da noite. Fará muitas ligações e muitas reuniões”, disse a mensagem de sexta-feira enviada à imprensa pela Casa Branca.

Apesar de seu pedido para cicatrizar as feridas após o ataque ao Capitólio, Trump estaria supostamente planejando sigilosamente viajar na semana que vem à fronteira sul de seu país para lembrar em seus últimos dias, ao lado do muro que queria ampliar com o México, sua posição de falcão na política migratória. Também estaria pensando, de acordo com o The New York Times, em conceder uma entrevista antes de deixar o poder.

No Twitter, antes de sua conta ser suspensa definitivamente, o mandatário anunciou que não irá à posse de Biden, a primeira vez que isso acontece desde 1869. Quebrando a tradição, a família Trump sairá da Casa Branca rumo a sua residência da Flórida no dia 19, e não no 20. Quase uma saída pela porta dos fundos.


El País: Democratas conquistam primeira vaga na Geórgia e se aproximam de controlar o Senado dos EUA

Raphael Warnock se torna o primeiro senador negro eleito no Estado sulista, enquanto a disputa pelo segundo assento continua acirrada. Geórgia não escolhia um senador democrata desde 1994

Antonio Laborde, El País

A apuração da crucial eleição para o Senado na Geórgia, que decidirá a maioria na Câmara Alta dos Estados Unidos ―definindo, portanto, o escopo do futuro mandato do presidente eleito Joe Biden―, transcorre de forma apertada desde a madrugada desta quarta-feira. Logo depois das 2h (hora local, 4h em Brasília), com 97% dos votos apurados, os meios de comunicação projetaram a vitória do democrata Raphael Warnock em uma das vagas. O pastor evangélico fez história ao se tornar o primeiro senador negro a ser eleito neste Estado sulista, permitindo que seu partido fique um pouco mais próximo de controlar o Congresso. Se o outro candidato democrata vencer, o Senado ficará formado por 50 republicanos e 50 democratas (incluindo dois parlamentares formalmente independentes), e a vice-presidenta eleita, Kamala Harris, exercerá o voto decisivo nos casos de empate. Os republicanos precisam ganhar o assento que continua em jogo no Estado para prolongar os seus seis anos de domínio do Senado, o que obrigaria Biden a alcançar pactos com a oposição para impulsionar sua pauta política.

Raphael Warnock se impôs com 50,6% dos votos sobre a senadora republicana Kelly Loeffler (49,4%). O segundo assento em jogo é disputado pelo diretor de documentários Jon Ossoff, democrata, e o republicano David Perdue, que encerrou no domingo seu atual mandato de senador pela Geórgia. Com 98% dos votos apurados, Ossoff lidera por 0,3 ponto percentual (12.000 votos). Os quatro candidatos superam os dois milhões de votos. As apertadas disputas ―que leva a uma demora na apuração― ocorrem porque no primeiro turno, em 3 de novembro, nenhum deles conseguiu superar metade dos votos válidos, o que a lei local determina que seja resolvido em uma nova rodada de votação. As autoridades informaram que os resultados oficiais devem sair por volta de 12h (14h em Brasília) desta quarta-feira.

Durante a madrugada, Warnock sinalizou que se via como ganhador, embora não declarasse isso formalmente. “Vou ao Senado para trabalhar por toda a Geórgia, não importa em quem você votou nesta eleição”, disse em uma mensagem que compartilhou nas suas redes sociais. Por sua vez, o grande motor mobilizador dos democratas neste ano eleitoral, a ativista Stacey Abrams, felicitou seu “querido amigo” e “próximo senador”. A adversária republicana Kelly Loeffler discursou no final da noite em Atlanta para antecipar que não vai conceder a vitória ao democrata e que lutará para que “cada voto legal” seja contado.

“Parece que estão armando um grande sorvedouro de eleitores contra os candidatos republicanos. Estão esperando para ver quantos votos precisam?”, escreveu o ainda presidente Donald Trump no Twitter, insinuando, novamente sem provas, que os democratas querem manipular o pleito.

O republicano Brad Raffensperger, secretário de Estado da Geórgia, informou no final da noite de terça que faltavam ser apurados quase 200.000 votos, mas ainda há as cédulas enviadas por militares que servem no exterior, cujo prazo para serem recebidas vai até as 12h de sexta-feira.

A eleição transcorreu em um clima de alta tensão, depois de uma campanha marcada pela ofensiva de Trump para anular o resultado das eleições presidenciais, agitando acusações infundadas de fraude maciça que implicam questionar todo o sistema eleitoral. A Geórgia se encontrava no olho do furacão após ter dado seus votos a Biden, fazendo dela o único oásis azul no chamado “cinturão bíblico” do sul. A vitória do democrata foi selada após uma apuração dramática, que Trump tentou a todo custo desacreditar.

Antes de as seções eleitorais serem abertas, nesta terça-feira, mais de 3 milhões de pessoas (de 7,7 milhões de eleitores registrados no Estado) já tinham votado de maneira antecipada ou pelo correio, uma cifra sem precedentes em um segundo turno de eleições para o Senado. Os votos antecipados, que costumam favorecer os democratas, foram os primeiros a serem apurados. Por isso, à medida que foram sendo contadas as cédulas emitidas na terça-feira, sua vantagem foi diminuindo. Depois, com os resultados de alguns condados de maioria progressista, a foto voltou a mudar.

Nas eleições presidenciais de novembro, cinco milhões exerceram seu direito a voto na Geórgia, e a mobilização da comunidade afro-americana e dos jovens foi crucial para o apertado triunfo de Biden, que conseguiu derrotar Trump no feudo conservador por menos de 12.000 votos. A Geórgia não optava por um presidente democrata desde 1992, e não escolhia um senador desse partido desde 1994. Os apoios democratas se concentram em Atlanta e nos seus bairros periféricos, o núcleo progressista do Estado, que na última década se estendeu a grande velocidade, pondo em xeque a hegemonia republicana baseada nas zonas rurais.

Nesta quarta-feira está prevista a certificação da vitória de Biden em uma sessão bicameral do Congresso. Um grupo de senadores e deputados republicanos planeja reforçar o clima de tensão e tumulto apresentando objeções, embora careçam de votos para que o protesto se traduza em algum contratempo na confirmação do Biden, uma formalidade prévia à sua posse, em 20 de janeiro.

A figura de Trump pairou sobre esta eleição. Primeiro pela pressão que exerceu sobre os republicanos que não lhe seguiram em suas acusações de fraude eleitoral, apontando-os como desleais ao partido. E, segundo, porque esta eleição significa uma prova para os republicanos, um teste para sua capacidade de sedução sem a figura do presidente.

Uma das dúvidas a serem esclarecida com os resultados oficiais da Geórgia foi o peso ―para o bem ou para o mal― da retórica trumpista sobre a fiabilidade do sistema eleitoral. Trump vem há dois meses denunciando, sem provas, que houve fraude no pleito de 3 de novembro, ao mesmo tempo em que conclamava suas bases a saírem de casa para votar nos dois candidatos republicanos ao Senado. Conforme as pesquisas de boca de urna feitas pelo The Washington Post nesta terça, quase 9 em cada 10 democratas da Geórgia acreditam que a eleição de novembro foi justa, enquanto só 2 em cada 10 republicanos acham isso.

O último escândalo relacionado com a inédita cruzada de Trump foi a informação publicada no domingo passado sobre o telefonema em que o mandatário pressionou o secretário de Estado da Geórgia, o republicano Brad Raffensperger, para que “encontrasse” os votos suficientes para reverter a vitória de Biden. Os eleitores democratas fora das seções eleitorais se mostravam fartos das polêmicas do presidente e com as esperanças voltadas para o triunfo de seus candidatos a senadores para começar a escrever um novo capítulo na história política. Jerald Hogan, de 46 anos, estava confiante na guinada do Estado conservador: “Pela primeira vez em minha vida acredito que as coisas vão mudar.”


El País: Volkswagen assina acordo milionário de reparação por colaborar com ditadura e abre precedente histórico

Em termo de ajuste com procuradores, empresa reconhece cumplicidade com os órgãos de repressão brasileira e destina 36,3 milhões de reais a ex-trabalhadores e iniciativas pró-memória

Stephanie Vendruscolo, El Pais

Volkswagen do Brasil assinou nesta quarta-feira um acordo extrajudicial que abre um precedente histórico no campo da reparação às violações de direitos humanos cometidos durante a ditadura brasileira (1964-1985). A montadora de origem alemã, cuja cumplicidade com a repressão nos anos de chumbo já havia sido apontada no relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) de 2014, assumiu o compromisso de destinar 36,3 milhões de reais tanto a ex-empregados presos, perseguidos ou torturados como a iniciativas de promoção de direitos humanos. Em troca, serão encerrados três inquéritos civis que cobram a empresa pela aliança com os militares assim como ficam vetadas novas proposições de ações.

É a primeira vez que uma companhia ―uma pessoa jurídica, e não física― admite reparar crimes durante a ditadura, o que abre um precedente jurídico para que outras empresas envolvidas com a repressão sejam investigadas. Ainda em 2014, o relatório final da CNV enumerou 53 empresas, tanto estrangeiras quanto nacionais e de portes variados, que contribuíram de alguma forma com a concretização do golpe de 1964. Entre elas estão Johnson & Johnson, Esso, Pirelli, Texaco, Pfizer e Souza Cruz.

Tecnicamente, a montadora assinou um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), que foi negociado com representantes dos ministérios públicos Federal, Estadual e do Trabalho e está pendente de homologação pela Procuradoria Geral da República. “O ajuste de condutas estabelecido nesta data é inédito na história brasileira”, comemoram os procuradores em nota, frisando que, no mundo, ainda são raros os casos de empresas que aceitam analisar a sua colaboração com regimes autoritários. Pelo acordo, a Volks também deverá publicar em jornais de grande circulação uma declaração pública sobre sua cumplicidade com os órgãos de repressão. Todo o arranjo é um revés para o Governo Bolsonaro, que nega as violações cometidas no período e tem agido ativamente para desmontar estruturas oficiais ligadas à memória e à reparação.

O acordo da Volks é paradigmático num momento em que a Justiça brasileira segue dando passos lentos na direção da punição dos repressores e da compensação das vítimas da ditadura. O Brasil segue ignorando decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que há uma década decidiu que a Lei da Anistia, que impede a investigação e a sanção a graves violações de direitos humanos, deve ser invalidada. Nesta segunda-feira, o mecanismo voltou a ser evocado, desta vez pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que decidiu interromper a tramitação da ação penal contra cinco militares pela morte do ex-deputado Rubens Paiva em 1971. Ou seja, por ora, o crime contra o parlamentar, cujo corpo até hoje não foi localizado, continuará sem julgamento.

Da CNV às ações de reparação

A elucidação do papel da Volks durante a ditadura militar vinha caminhando desde a divulgação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade, em 2014. Na época, a empresa encomendou um parecer próprio, produzido pelo historiador Christopher Kopper, professor da Universidade de Bielefeld (na Alemanha) sobre o tema. O documento divulgado pela própria companhia em 2017 reconhece a colaboração entre a segurança industrial da fábrica brasileira e a polícia política do governo militar, que começou em 1969 e se estendeu até 1979.

Diversos ex-empregados afirmam que durante a ditadura militar a empresa forneceu aos órgãos policiais informações sobre os funcionários e permitiu, dentro de sua própria fábrica, prisões sem ordem judicial e tortura policial. Lúcio Bellentani foi uma das vítimas desta parceria que foi mantida em segredo por décadas. Em entrevista concedida ao EL PAÍS em 2017, o ferramenteiro, que trabalhou na montadora entre 1964 e 1972, disse que foi preso sem qualquer mandado judicial enquanto trabalhava. “Ali mesmo começaram as torturas. Comecei a ser espancado dentro da empresa, dentro do departamento pessoal da Volkswagen. Por policiais do DOPS [Departamento de Ordem Política e Social] e na frente do chefe da segurança e dos outros seguranças da fábrica”, contou ele. Militante do Partido Comunista brasileiro, Bellentani foi detido porque os policiais queriam que ele indicasse quem eram seus companheiros que exerciam atividades sindicais ou políticas. Como ele, outros empregados passaram por situações parecidas, todas com o conhecimento e aval da montadora.

Ao longo das investigações apurou-se que houve cooperação dos funcionários da segurança interna da Volkswagen com os militares e que a empresa se beneficiou economicamente de medidas do período como o enfraquecimento dos benefícios trabalhistas. O reconhecimento de sua responsabilidade e conivência com violações de direitos humanos pela montadora é um primeiro passo para o direito à reparação histórica que as vítimas do período fazem jus.

Do montante total fixado no acordo assinado nesta quarta-feira, R$ 16,8 milhões serão doados à Associação Henrich Plagge, que congrega os trabalhadores da Volkswagen, e repartido entre os ex-funcionários que foram alvo de perseguições por suas orientações políticas. Outros R$10,5 milhões serão destinados ao reforço de políticas de Justiça de Transição, com projetos de preservação da memória das vítimas das violações de direitos humanos na época. A Volkswagen também pagará 9 milhões de reais aos Fundos Federal e Estadual de Defesa e Reparação de Direitos Difusos. Na nota divulgada, os procuradores cobram a Justiça que dê seguimento aos julgamentos de repressores e lamentam que o Brasil siga “como um caso notável de resistência à promoção ampla dessa agenda” de reparação. “Não por acaso ecoam manifestações de desapreço às suas instituições democráticas.”


Afonso Benites: Paulo Guedes tenta dar as cartas do orçamento enquanto é fritado por Bolsonaro

Críticas públicas do presidente colocam na parede seu último superministro enquanto Governo discute futuro dos programas sociais. Defesa deve capturar recursos que eram do MEC

Se não bastasse a dificuldade em se elaborar uma peça orçamentária que atenda aos interesses de grupos quase antagônicos, como os técnicos liberais do Governo e os políticos do Centrão, o ministro da Economia, Paulo Guedes, passou a ser alvo de uma escalada de críticas vindas de seu chefe, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A razão da fritura pública foram suas propostas para atender a uma ordem suprema, a de extinguir o programa Bolsa Família, uma marca dos anos do PT, criando o Renda Brasil com um valor de 300 reais mensais para até 20 milhões de famílias. Um aumento de quase 58% no valor destinado para os beneficiários. Tudo isso enquanto o Governo tem que decidir, de maneira intrinsecamente relacionada, que futuro dará ao auxílio emergencial da pandemia, cuja última parcela de 600 reais a 67 milhões de brasileiros começou a ser paga nesta sexta-feira.

Guedes diz que o limite do reajuste seria de 190 reais para 247 reais. E que para isso ocorrer, seria necessário acabar com o abono salarial para quem receber até dois salários mínimos, programa que beneficia 21 milhões de trabalhadores; extinguir o programa Farmácia Popular, que atende 50 milhões de brasileiros com remédios grátis ou subsidiados; deixar de pagar o seguro defeso para 400.000 pescadores e criar um novo imposto sobre movimentações financeiras de 0,2%, similar à malfadada CPMF. Na quarta-feira, Bolsonaro disse que as discussões sobre a criação do Renda Brasil estavam suspensas. “A proposta que a equipe econômica apareceu para mim não será enviada ao Parlamento, não posso tirar de pobres para dar para paupérrimos.”

O presidente deu três dias para Guedes levar uma nova proposta. O prazo encerra-se neste fim de semana. Na segunda-feira, acaba o período para a apresentação da peça orçamentária de 2021 no Congresso Nacional. Se seguir a tradição, Guedes deverá entregar a proposta em mãos para o presidente do Legislativo, o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). Ocorre que os senadores estão descontentes com o ministro, desde que ele disse que o senado tinha cometido um “crime contra o país” ao tentarem derrubar um veto presidencial que impedia reajuste salarial ao funcionalismo público no próximo ano.

O que se espera é um documento que contemple muito a Defesa e pouco outras áreas. Entre parlamentares há a expectativa de que os recursos da Defesa saltem de 73 bilhões de reais para 108 bilhões de reais. Enquanto que da Educação sofra uma redução de 103,1 bilhões de reais para 102,9 bilhões de reais.

“Há um déficit muito grande na área militar. Mas estamos em um momento de pós-pandemia, de pós-guerra. É uma discussão que temos de fazer com eles. Mas não é o momento de agradar os militares. É hora de todo mundo dar a sua contribuição”, ponderou o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA). Líder do DEM, esse parlamentar será o presidente da Comissão Mista de Orçamento que ainda será instalada para se debater as finanças de 2021.

Pelo que chegou aos parlamentares, parte dos recursos que engrossaria os cofres das Forças Armadas seria transferida da Educação para a criação de escolas cívico-militares. Algo que não é bem avaliado por especialistas do setor. “É trocar o certo pelo duvidoso. Do ponto de vista educacional, não se tem evidência da efetividade deste gasto. Não está provado que é melhor investir em escolas cívico-militar do que em escola de tempo integral ou qualquer outra iniciativa que conhecemos”, diz Felipe Poyares, assessor de relações governamentais da ONG Todos Pela Educação.

De superministro a enfraquecido

A fritura de Guedes segue um roteiro já visto anteriormente. É parecido com o que ocorreu com seu outro “superministro”, o ex-juiz Sergio Moro, que se demitiu da Justiça por uma suposta tentativa de interferência do presidente na Polícia Federal, ou com Luiz Henrique Mandetta, que foi demitido da Saúde por discordar da postura negacionista do mandatário no enfrentamento da pandemia. A sequência é mais ou menos essa. Bolsonaro primeiro dá demonstrações de apoio quase inconteste ao seu assessor. Depois passa a fazer pequenas críticas. Em dado momento, intensifica esses ataques ―Guedes está neste estágio. A próxima etapa afirma que não lhe deixam governar ou que os resultados não foram o esperado. Por fim, demite ou vê seu ministro pedir demissão.

A gestão financeira de Guedes também esteve no centro de uma disputa política que ganhou os holofotes nesta sexta-feira, quando o Ministério do Meio Ambiente, comandado por Ricardo Salles, comunicou que suspenderia todas as operações de combate às chamas nas florestas brasileiras por falta de dinheiro. A pasta alegou que o Ministério da Economia de Guedes bloqueara a verba para o enfrentamento dos incêndios. Mas o vice-presidente, o general Hamilton Mourão, acusou Salles de ter se “precipitado” e negou que faltassem verbas. Horas depois, a Ministério do meio Ambiente recuou do anúncio e disse que manteria as operações.

Apesar de não haver a segurança de que Paulo Guedes deixará o Governo, Bolsonaro já começou a receber sugestões de nomes para assumir o caixa da União. Os mais cotados, em caso de queda, são o ministro do Desenvolvimento Social, Rogério Marinho, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Marinho é um ex-deputado federal pelo PSDB do Rio Grande do Norte. Ele relatou a reforma trabalhista durante o Governo Michel Temer. Sem conseguir se reeleger nas eleições de 2018, tornou-se secretário especial da Previdência e Trabalho no Governo Bolsonaro, um dos braços do Ministério da Economia. Foi o responsável por articular a aprovação da reforma da Previdência no ano passado. Era um dos principais aliados de Guedes até o início deste ano, quando passou a defender mais investimentos públicos para incentivar a economia. Acabou sendo promovido para o Desenvolvimento Regional, que tem como principal função definir onde serão construídas novas obras de infraestrutura de saneamento básico, moradias populares e de logística.

A favor de Marinho pesa o apoio da classe política, que o enxerga como um representante do Parlamento no Governo. Contra uma eventual nomeação de Marinho estão os técnicos que entendem que ele deveria se focar mais na economia do que na política. Ele pretende concorrer ao Governo do Rio Grande do Norte em 2022.

Já Campos Neto seria o substituto ideal para acalmar o mercado financeiro. Apesar de enfraquecido por Bolsonaro, Guedes ainda tem apoio dos investidores, por entenderem que o ministro tem a intenção de incentivar as privatizações de parte das estatais e aprovar as reformas administrativa e tributária. Campos Neto é economista e trabalhou por 18 anos no banco Santander. É defensor da autonomia do Banco Central.


El País: Bolsonaro comemora o Campeonato Paulista no dia em que o Brasil supera 100.000 mortes pela covid-19

Nas redes sociais, o presidente compartilhou também uma mensagem da Secom em que lamenta "as mortes por Covid, assim como por outras doenças" e celebrou "um dos menores índices de óbito por milhão entre as grandes nações"

No dia em que o Brasil superou 100.000 mortes causadas pela covid-19 e ultrapassou três milhões de contágios pelo novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro optou por celebrar nas redes sociais a vitória do Palmeiras no Campeonato Paulista. Já a Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) publicou uma sequência de postagens no Twitter ―devidamente compartilhadas pelo mandatário― nas quais comemora alguns dados da pandemia, dando à expressão “olhar para o copo meio cheio” contornos de desdém num em que os outros Poderes da República (Supremo Tribunal Federal, Senado e Câmara) decretaram luto oficial em memória às vítimas. “São muitos os números que nos dão esperança”, escreveu a Secom, ao responder a uma mensagem de Sergio Moro, ex-juiz e ex-ministro da Justiça do Governo Bolsonaro, hoje desafeto político do presidente. “Lamentamos cada uma das vítimas da covid-19, e de todas as outras doenças”.

Em tom de comemoração, a Secom celebrou “quase 3 milhões de vidas salvas ou em recuperação”, “um dos menores índices de óbitos por milhão entre grandes nações”, além de “um dos países que mais recupera infectados, sempre com índice de recuperação acima dos 95%”.

Em outra sequência, o organismo afirmou em tom de comemoração que o Brasil está em 11º lugar entre os países que mais mata por milhão de habitantes. Com 469 óbitos por milhão de pessoas, o país está atrás de San Marino Bélgica, Reino Unido, Andorra, Peru, Espanha, Itália, Suécia, Chile e Estados Unidos, nesta ordem. A Secom ignora que atrás do Brasil há mais de 200 outras nações com índices melhores. Mas, para o Governo, o país tem “um dos menores índices de óbito por milhão entre as grandes nações”.

Além disso, a Secom também omite o fato de que o Brasil é o segundo país com o maior número bruto de mortes confirmadas, um total 100.477 óbitos, de acordo com o boletim do Ministério da Saúde deste sábado. Está atrás apenas dos Estados Unidos, que já perdeu pouco mais de 165.000 vidas para a covid-19.

O Governo também destacou estar destinando mais de um trilhão de reais “para salvar vidas e garantir o emprego e a dignidade de milhares de brasileiros”. A cifra corresponde à soma dos orçamentos de diferentes áreas, mas não representa os números de fato empenhados para combater o coronavírus. Um exemplo é o próprio Ministério da Saúde: de acordo com o Tribunal de Contas da União, a pasta gastou até julho apenas 29% das verbas destinadas para o combate à pandemia.

Somente nas últimas 24 horas foram registradas 905 novas mortes e 49.970 novas infecções, segundo o Ministério da Saúde. “Para um Governo, muito mais do que palavras bonitas, a melhor forma de mostrar que se importa é trabalhando. Estamos todos do mesmo lado da trincheira na guerra que foi imposta ao mundo todo. E o Governo do Brasil tem trabalhado sem descanso desde o começo”, afirmou ainda a Secom, em resposta ao ex-ministro Moro.