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Marcus Pestana: Os ventos que sopram do norte

Quase tudo já foi dito sobre as eleições americanas. Escrevo ainda no calor da apuração depois da postagem de mensagens dos dois candidatos à presidência dos EUA no Twitter que dão a dimensão do impasse que assistiremos nos próximos dias. Donald Trump lançou em letras garrafais: “Parem a contagem!”. Em direção oposta o democrata Joe Biden afirmou: “Todos os votos devem ser contados”. Mas, as primeiras iniciativas de judicialização das eleições demonstram que o conflito político se arrastará por dias, semanas.

Nunca houve na história americana um presidente que confrontasse de tal forma as instituições, tradições e práticas democráticas. Trump não tem nenhuma contenção na instrumentalização do poder e não reconhece legitimidade em seus adversários e críticos. Foi apontado por estudo da Universidade de Cornell como o maior disseminador de desinformação sobre a COVID e tornou prática cotidiana a promoção de fakenews “chapa branca” contra adversários.

A vitória de Biden tem dimensão histórica e universal em dois sentidos. O primeiro é o fortalecimento da democracia nos EUA e no mundo, revertendo a onda que se convencionou chamar de “populismo autoritário”. A postura agressiva e antidemocrática de Trump ecoa e estimula a radicalização de setores de extrema-direita em escala global. A eleição de Biden vai permitir que ele se alinhe a estadistas como Angela Merkel e Emmanuel Macron na defesa dos fundamentos do sistema democrático, do valor da tolerância e do diálogo, e do compromisso com a liberdade em todas as suas facetas. O segundo sentido é, em substituição ao unilateralismo do “América first”, a retomada do multilateralismo e a valorização da integração global para o enfrentamento conjunto dos desafios sociais, econômicos, sanitários, ambientais, militares e de combate ao terrorismo. Acordos, como o de Paris em favor do desenvolvimento sustentável, serão revalorizados e organismos multilaterais receberão o prestígio que merecem.

Aqui no Brasil temos muito a aprender e mudar. Dissolver o clima de contaminação ideológica das teorias da conspiração reinantes. Não há plano macabro e secreto da China de implantar o comunismo em escala global através da vacina, do 5G, ou seja lá do que for. Não há uma armação diabólica e um fio condutor ligando a nova constituição do Chile, a vitória da esquerda na Bolívia, o moribundo governo Maduro e o fracasso peronista na Argentina. É preciso urgentemente recuperar as melhores tradições diplomáticas brasileiras que sempre advogaram uma postura independente, profissionalizada, pragmática e sem alinhamentos automáticos. Não deveríamos ter saído da ideologização introduzida pelo petismo de um “terceiro-mundismo equivocado” para o extremo oposto de um alinhamento político e ideológico absoluto e sem resultados com Donald Trump.

Por último, o processo eleitoral jogou luzes sobre aspectos em que o Brasil está muito melhor que os EUA. Isto é uma verdadeira vacina contra o nosso suposto “complexo de vira-lata” ou de “pária internacional”. Temos um sistema público de saúde (SUS) mais bem resolvido que o americano, apesar de nosso investimento público por habitante ao ano ser nove vezes menor do que nos EUA (US$ 500 dólares aqui e US$ 4.500 lá). E, sem dúvida, o nosso sistema de eleição do presidente da República e de apuração é muito superior.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB- MG)


El País: Acusações sobre desprezo de Trump pelos mortos em combate põem em risco o voto militar para a reeleição

A declaração, divulgada pela ‘The Atlantic’, levou o presidente a uma resposta contundente: “Que animal diria uma coisa dessas?”

Indignado e tentando se fazer ouvir sob o ruído dos motores do Air Force One. depois de voltar de um comício de campanha na noite desta quinta-feira, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, negou veementemente uma informação publicada pela revista The Atlantic, segundo a qual ele se referiu aos soldados norte-americanos mortos em combate como “perdedores” e “otários”.

A menos de 60 dias das eleições presidenciais de 3 de novembro que podem tirar dele a Casa Branca ―segundo as pesquisas―, Trump está mergulhado em uma polêmica que pode lhe custar o voto de um importante segmento do qual sempre se definiu como um defensor: os militares. A revista The Atlantic afirma que em 2018 Trump se recusou a visitar um cemitério onde foram enterrados soldados norte-americanos que lutaram na Primeira Guerra Mundial na França porque a chuva persistente naquele dia estragaria seu penteado e, além do mais, ele não achava necessário homenagear os mortos na guerra.

A agência Associated Press confirmou o relato da The Atlantic, que atribui suas fontes a “quatro pessoas que escutaram a conversa ocorrida naquele dia”, embora não forneça nenhum nome. A narrativa do que aconteceu mostra um presidente insultando brutalmente os mais de 116.000 soldados norte-americanos que morreram na Primeira Guerra. Em razão da celebração do 100º aniversário do Armistício, Trump conversou com alguns de seus colaboradores mais próximos sobre a necessidade de visitar o cemitério francês. “Por que eu deveria ir a esse cemitério? Está cheio de perdedores”, disse o presidente, de acordo com The Atlantic.

Na mesma viagem, o comandante-chefe ―qualificado como “covarde-chefe” pela senadora democrata Tammy Duckworth, gravemente ferida quando foi piloto de caça no Iraque— se referiu aos marines norte-americanos mortos em ação em Belleau Wood como “otários”, por terem se deixado matar.

“Que animal diria uma coisa dessas?”

“Se realmente existem pessoas que dizem isso, são escória humana e mentirosos”, disse Trump quando o Air Force One pousou e a imprensa o esperava para escutar sua versão dos acontecimentos. “Estou disposto a jurar sobre o que quer que seja que nunca fiz tal comentário sobre nossos heróis caídos”, prosseguiu o presidente. Trump continuou a se defender, garantindo que ninguém respeita os soldados mais do que ele. E concluiu suas declarações perguntando: “Que animal diria uma coisa dessas?”

Esta não é a primeira vez que Trump mostra desprezo por aqueles que ele não considera heróis. Sua conhecida animosidade pelo senador republicano John McCain se tornou pública e patente após sua morte de câncer em 2018, quando, de acordo com The Atlantic, Trump disse à sua equipe da Casa Branca que não pensava em contribuir “para o funeral de um perdedor”. O insulto não parou aí. Sempre de acordo com a mesma publicação, Trump ficou furioso ao ver as bandeiras tremulando a meio mastro. “Por que diabos estamos fazendo isso? O cara era uma porra de um perdedor.” McCain, um ex-herói de guerra, filho e neto de almirantes, deixou claro antes de morrer de câncer no cérebro que não queria que o presidente fosse convidado para a cerimônia que seria oficiada na Catedral Nacional de Washington.

Durante sua campanha como candidato à indicação republicana para a Casa Branca, Trump já havia expressado antipatia por McCain, cinco vezes senador pelo Arizona, de forma muito clara. “Ele não é um herói de guerra. Só é porque foi capturado: prefiro os que não foram capturados.” McCain, um aviador condecorado, passou cinco anos em cativeiro e sob tortura no Vietnã.

A campanha democrata do ex-vice-presidente Joe Biden se mobilizou de imediato com uma série de duros comunicados e fortes críticas ao presidente. O próprio candidato Biden expressou dúvidas sobre a capacidade de Trump de liderar o país. “O presidente dos Estados Unidos deveria ser presidencial”, declarou Biden, que deixou claro que não tem a intenção de descer “ao esgoto” como Trump faz. “A função do presidente é servir de exemplo”, concluiu Biden.