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João Gabriel de Lima: O telefonema de Kennedy e os tuítes do Carrefour

O crime recente envolvendo racismo no Brasil poderá influenciar pleitos municipais?

Uma história envolvendo racismo mudou uma eleição e, no longo prazo, toda a política americana. No dia 19 de outubro de 1960, três semanas antes do pleito presidencial que opôs John Kennedy a Richard Nixon, um grupo de ativistas negros invadiu uma loja de departamentos no sul dos Estados Unidos. Era um protesto contra a segregação racial no restaurante da loja.

Todos foram presos e soltos em seguida. Menos um: o reverendo Martin Luther King Jr., maior ativista de direitos civis da história americana. Dias mais tarde, ele seria transferido para uma prisão de segurança máxima. Coretta, mulher de Luther King, entrou em desespero. Temia que o marido fosse vítima de violência dentro da cadeia. Ela ligou para Harris Wofford, conselheiro da campanha de Kennedy. Wofford – que narra o fato num episódio da série Race for The White House, produzida pela CNN – disse que ia ver o que poderia fazer.

Em 1960, o partido mais próximo do movimento dos direitos civis era o Republicano. Os democratas eram identificados com movimentos racistas do sul, entre eles a Ku Klux Klan. Nixon conhecia Luther King pessoalmente, e ligou para a Casa Branca pedindo que intercedessem pelo ativista. Não foi atendido. Nixon ficou em silêncio – não quis fazer uma declaração pública sobre um assunto tão delicado. Bob Kennedy, irmão de John e coordenador de sua campanha, defendia que os democratas também deveriam guardar silêncio para não afastar os eleitores do sul. Wofford sabia disso. Fez com que a informação sobre Coretta chegasse a John por meio de um assessor, sem que Bob soubesse.

Num misto de impulso e cálculo político, John ligou para Coretta e apresentou sua solidariedade. A imprensa noticiou o fato, e Bob ficou irado, achando que o gesto custaria a eleição do irmão. Pouco depois, percebeu que havia ali uma oportunidade. Passou ele próprio a defender Luther King. O ativista foi solto, e o voto dos negros americanos acabou sendo decisivo para que Kennedy ganhasse uma eleição apertada contra Nixon. Os democratas, que tinham a pecha de racistas, viram seu partido se tornar, aos poucos, o campeão dos direitos civis.

Mudanças de trajetória em partidos políticos são comuns nas democracias, já que eles existem para representar tendências e ideias que surgem na sociedade. No minipodcast da semana, o cientista político português António Costa Pinto fala sobre o assunto. Conhecedor da vida americana – ele lecionou em Stanford e Berkeley – Costa Pinto aponta os novos desafios dos democratas. No século 21, o partido deu outra virada, tornando-se a sigla da nova economia e dos jovens urbanos. No caminho, perdeu os operários e a classe média dos rincões. Precisa recuperá-los na guerra contra o derrotado (mas ainda bem vivo) Donald Trump

Em tempos de eleições, o telefonema de Kennedy deixa uma pergunta no ar. O episódio recente envolvendo racismo no Brasil – o crime do Carrefour – poderá influenciar os pleitos municipais? A resposta, ao que tudo indica, é negativa. O País não se dividiu. A imensa maioria dos candidatos, da esquerda à direita, de Sebastião Melo a Manuela D’Ávila, de Guilherme Boulos a Bruno Covas, tuitou contra o crime bárbaro e nomeou sua motivação: racismo. Sessenta anos se passaram entre o telefonema de Kennedy e os tuítes do Carrefour. O racismo não morreu, mas algo mudou na política. Uma vitória do movimento dos direitos civis.


Pedro Doria: Duas ideias novas pela democracia

Em essência, elas preveem que os algoritmos das grandes plataformas digitais precisam ser mais transparentes

Esta semana, duas propostas diferentes para como lidar com a desinformação on-line foram postas na mesa. São inovadoras, se implementadas mudarão de forma radical como as grandes plataformas digitais funcionam. Ambas têm por objetivo defender as democracias dos movimentos populistas e autoritários que as capturaram subvertendo as redes sociais. Uma é um projeto de lei da União Europeia. Outra, a ideia de um trio de acadêmicos puxados pelo cientista político Francis Fukuyama. E ambas podem funcionar juntas, se completam.

Os detalhes da nova legislação europeia iam ser divulgados na terça-feira, durante uma teleconferência em que as grandes companhias do Vale do Silício estariam representadas. A conversa foi adiada para a quarta que vem. De qualquer forma, o DSA — ou Ato dos Serviços Digitais na sigla em inglês — será apresentado também na semana que vem ao Parlamento Europeu. A partir daí, ao longo de 2021, os países membros da UE deverão ratificar o texto um por um. Então vira lei no mercado comum.

Em essência, os princípios são simples. Quando o Facebook apresentar ao usuário um post, deverá ter um botãozinho que explique por que aquele e não outro foi selecionado. Vale também para publicidade. E toda propaganda precisa ter explícito quem pagou por sua veiculação.

Em essência, os algoritmos precisam ser transparentes. É fundamental que as pessoas compreendam: as redes sociais, os sites de vídeo, os mecanismos de busca estão escolhendo o que nos apresentam. Pois precisarão explicar por quê. Vale para as grandes: Facebook, Google, Amazon — as líderes de mercado.

A nova legislação também exigirá que as companhias compartilhem os dados com reguladores em determinadas situações. Assim como pode, noutras, exigir que dados sejam compartilhados com concorrentes para não criar vantagens indevidas.

As gigantes digitais apresentam um dilema novo no debate sobre monopólios. Um dos problemas é que por um fenômeno chamado Efeito de Rede, no digital empresas tendem ao monopólio. Quanto mais gente usa uma rede social, mais aquela rede é útil. Quanto mais vídeos há num site, melhor ele é. Mas quando a conversa sobre política se concentra nestes ambientes e o que chega a nós é escolhido pelos algoritmos escritos pelas gigantes do Vale, elas terminam com poder demasiado.

Assim como, descobrimos, suas plataformas podem ser sequestradas por populistas que burlam os sistemas.

A proposta da União Europeia é tornar obrigatório explicar como os algoritmos escolhem a informação que chega a nós. A de Francis Fukuyama e do cientista da computação Ashish Goel, ambos de Stanford, que se reuniram com o economista especializado em antitruste Barak Richman, de Duke, vai em paralelo: middleware.

Ou, ao invés de as gigantes fornecerem o algoritmo, vamos tercerizá-los.

Continuamos usando Facebook, Twitter, YouTube. Mas poderemos escolher outras empresas que fornecem algoritmos de seleção do conteúdo que preferimos. Estes filtros escritos por terceiros podem literalmente escolher o que aparece. Ou serviriam para etiquetar o que é informação falsa, controversa, que falta contexto.

De acordo com a ideia da proposta do trio puxado por Fukuyama, em um artigo publicado na revista Foreign Affairs, estes terceiros seriam obrigados a manter total transparência a respeito de seus critérios editoriais e técnicos.

As duas propostas, a europeia e a dos professores, podem funcionar separadamente ou em conjunto. Em comum têm o fato de serem originais. Além de atentarem para o problema imenso que temos em garantir a proteção da democracia com um ambiente de informação no qual as pessoas voltem a ter voz a respeito do que recebem.