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Especialistas lamentam retrocessos em novo texto do Código Florestal

Norma já começa a ser alterada de forma a anistiar construções irregulares erguidas em zonas urbanas

Cleide Carvalho e Dimitrius Dantas / O Globo

SÃO PAULO E BRASÍLIA - Aprovado em 2012, o Código Florestal nem foi totalmente implantado e já começa a ser alterado de forma a anistiar construções irregulares erguidas em zonas urbanas. Além de reduzir a área de proteção de 30 para 15 metros nas margens de rios e corpos d’água localizados no entorno de cidades, o projeto aprovado no Senado na noite de quinta-feira diminuiu de três para duas as exigências de infraestrutura necessárias para que a região seja enquadrada como urbana. Esses dois critérios podem ser escolhidos entre sete itens, como fornecimento de energia elétrica, abastecimento de água, coleta de lixo, rede de esgoto e limpeza urbana, por exemplo.

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A versão “menos ruim” chancelada pelos senadores, em relação ao projeto da Câmara, cria, no entanto, um marco temporal que libera de vez todas as construções erguidas antes da promulgação da lei: ou seja, um empreendimento que tenha ultrapassado o limite de 15 metros poderá permanecer no local.

Especialistas admitem a necessidade de discutir a “data de validade” da lei, pois muitas cidades nasceram à beira de rios e era preciso regularizar o que existia antes de 2012, quando o texto original do código foi formulado. Mas, segundo eles, a mudança deveria ter sido melhor estudada. Há críticas, por exemplo, sobre o fato de a área de proteção instituída — que os deputados fixaram em 30 metros, mas o Senado mudou para 15 metros — servir tanto para um pequeno córrego quanto para um rio caudaloso. O certo, dizem eles, seria analisar caso a caso, de acordo com a vazão de água.

— É uma pena, pois essas decisões têm impacto mais amplo do que o interesse de cada um. O Código Florestal demorou duas décadas para ser discutido e já está sendo flexibilizado antes mesmo de ser totalmente implantado — diz Mercedes Bustamante, professora da Universidade de Brasília e integrante da Academia Brasileira de Ciências.

Apesar das queixas sobre a falta de critérios técnicos, há a percepção de que o Senado conseguiu reduzir alguns dos danos inerentes à proposta aprovada antes, que autorizava os municípios a estabelecerem livremente o tamanho da área de proteção das águas. Os senadores incluíram no texto exigências adicionais, como respeitar os planos de bacias hidrográficas, as regras de saneamento e drenagem e os planos das defesas civis para áreas de risco.

— O Senado conseguiu colocar um limite mínimo. Municípios são muito mais suscetíveis à pressão econômica do setor de construção. Foi o melhor cenário dentro do que era possível no sistema atual do Congresso, que aprova projetos sem critério técnico e em prazo recorde — afirma Roberta Giudice, secretária-executiva do Observatório do Código Florestal.

O biólogo Mário Moscatelli diz que nada mudou em prol da preservação.

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— Assim como as leis anteriores, terá pouca ou nenhuma eficácia — diz ele, que coleciona imagens de inúmeras situações em que as construções, no Rio de Janeiro, já avançaram — e muito —sobre os limites agora em discussão.

Malu Ribeiro, da ONG SOS Mata Atlântica, lembra, porém, que a flexibilização do Código Florestal na Câmara foi uma afronta à decisão do Supremo Tribunal Federal, que ao analisar uma demanda de Santa Catarina, decidiu que a lei de 2012 deveria ser cumprida.

— É um contrassenso que o próprio Congresso, autor da lei, ache que ela não deva ser cumprida. Correram para mudar de forma a proteger ocupações irregulares que ocorreram por omissão do poder público — diz Ribeiro.

Relator do projeto, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) argumenta que o Código Florestal colocou milhares de construções comerciais, residenciais e industriais na ilegalidade em áreas urbanas. Segundo ele, as novas regras vão pacificar as divergências surgidas depois de 2012. Autora da emenda que estabeleceu o limite mínimo de 15 metros de distância da área de preservação, a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) diz que a mudança permitiu a aprovação do projeto com a regulamentação de espaços consolidados, o que deixa clara a inviabilidade de novos desmatamentos.

Nesta sexta-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão anunciou a retirada de militares que combatem queimadas e incêndios na Amazônia. O decreto, que autorizava a operação, foi publicado em junho e renovado em agosto.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/brasil/meio-ambiente/especialistas-lamentam-retrocessos-em-novo-texto-do-codigo-florestal-25239014