delações

Denis Lerrer Rosenfield: O impasse

Analisando o cenário político, torna- se inevitável utilizar conceitos militares: a elite da classe política está sendo dizimada. Os mais importantes partidos estão envolvidos nas delações agora vazadas e tornadas públicas. PT, PMDB, PSDB, PRB, PP e outros foram delatados, em depoimentos bastante verossímeis, cujas provas serão logo apresentadas.

Ex-presidentes entraram também na lista, com grande destaque para Lula e Dilma Rousseff. O primeiro terá pouquíssimas chances de ser candidato novamente, apesar de sua demagogia e da estridente defesa de seus advogados, diretos ou indiretos. Oito ministros do presidente Michel Temer foram acusados, levantando uma pesada sombra sobre seu governo. Seu afastamento da sociedade tende a aumentar se mantiver o status quo. Um terço do Senado foi acusado, bem como expressivo número de deputados, embora proporcionalmente menor.

Como pode um país seguir adiante com tal falta de representatividade de sua classe política? A sociedade não se reconhece em seu governo nem em seus parlamentares. Na verdade, nem os considera “seus”, mas deles mesmos, por estarem envolvidos na corrupção, agindo de costas e à revelia do conjunto da Nação. Desconhecem o significado de bem coletivo, do que é a coisa pública.

É bem verdade que estamos na etapa de abertura de inquéritos, ainda vai ser decidido quem é culpado ou inocente. Não se pode prejulgar juridicamente o desenlace das denúncias e dos posteriores julgamentos. Todavia a defesa dos envolvidos é por demais precária, todos repetem o mesmo mantra de que são inocentes ou ainda não foram julgados… Poucos se voltam para o real esclarecimento dos fatos que os incriminam.

Um olhar desavisado levaria a acreditar que todos são santos e os delatores, mentirosos, como se estes não corressem o risco de perder os benefícios da colaboração premiada se não respeitarem a verdade. Os políticos só aumentam a sua falta de credibilidade. Não transmitem confiança à sociedade. E assim propiciam um julgamento político, irreversível, de que são culpados. Seriam péssimos atores. A sociedade clama por mudanças e reafirma com força a moralidade pública, valor que ela percebe como inexistente em nossos governantes e representantes.

Acontece que o País não pode parar. Se o fizer, acoplar-se-á a essa enorme crise política, agravando a crise econômica e social, isso quando começamos a observar certas tendências que estão revertendo a curva no que diz respeito a inflação, PIB, investimento e desemprego. Tudo é ainda muito incipiente, continuando tributário das turbulências políticas. Em pouco tempo o novo governo muito fez na área socioeconômica, embora pouco tenha apresentado no quesito da moralidade pública. Vivemos um impasse que se pode traduzir tanto num avanço quanto numa reversão das expectativas.

As reformas aprovadas pelo governo Temer, como as do teto do gasto público e da terceirização, são estruturantes no que diz respeito ao presente e ao futuro do País. Devem ser necessariamente complementadas pelas da Previdência e da modernização da legislação trabalhista. Se estas não forem feitas por causa da crise política, não só o governo se fragiliza, como o País terá sérios problemas, ainda mais agudos, nos próximos anos. E qualquer que seja o próximo presidente, de “esquerda” ou de “direita”, terá inevitavelmente de enfrentar essas questões. Melhor fazê-lo agora, pois seu custo será menor; caso contrário vai aumentando com o correr do tempo e com a inércia governamental, política e partidária. O resto é mera encenação demagógica.

Dentre os sérios problemas do atual governo está o seu déficit de comunicação, pois não tem conseguido transmitir à sociedade a necessidade dessas mudanças. Termina se consolidando na opinião pública a ideia de que elas ferem “direitos” e seriam de natureza “neoliberal”. Os eleitores, capturados pela desinformação, exigem de seus parlamentares, por exemplo, que votem contra a reforma da Previdência. Tal discurso acaba por disseminar essa percepção, como se tudo dependesse de vontade política na distribuição dos recursos públicos.

Na perspectiva da esquerda e de uma direita irresponsável, toda a discussão passa a ser focada na estrita esfera distributiva, não levando em conta a produtiva. Discute-se a ampliação dos benefícios sociais, os ditos “direitos” das corporações, a criação de novos privilégios, e assim por diante, como se os recursos do Tesouro fossem inesgotáveis. Daí, pode vir a tornar-se encarniçada a luta entre as corporações incrustadas no Estado e o restante da população, que não goza os mesmos benefícios. Assim sendo, os dispêndios do Estado logo se tornarão muito superiores às suas receitas, levando a uma situação de insolvência que, por sua vez, aguça ainda mais os conflitos sociais.

As políticas públicas, e os partidos, deveriam estar mais voltados para as condições de produção de riquezas, de tal modo que os recursos à disposição do Estado possam também aumentar. Quanto mais rica for a sociedade, maior será a sua capacidade distributiva. Quanto mais insistir num distributivismo social sem amparo produtivo, menor será a sua própria capacidade distributiva, além de hipotecar a riqueza presente e a futura. Criam-se, dessa forma, condições de asfixia da capacidade produtiva, que seriam concretizadas por aumentos de impostos e contribuições voltadas para financiar os déficits previdenciários.

O Estado de bem-estar, também dito previdenciário, deve enfrentar o problema de financiamento da sua Previdência, uma vez que o seu crescimento exponencial não cabe mais dentro de suas disponibilidades de financiamento. Não se trata, como se alardeia, de um problema de “direitos”, mas de como o Estado é capaz de gerir os seus recursos. O bolo é limitado. Uma fatia maior para a Previdência significa fatias menores para saúde, saneamento, educação e habitação.

 

Fonte: O Estado de S. Paulo – 17/04/2017

Foto: Antonio Cruz/EBC


Maurício Huertas: Lava Jato - Cumpra-se a lei; punam-se os culpados!

Mal comparando – e vai aí uma explicação bastante simplista e simplificada da Teoria Geral da Relatividade de Einstein, buracos negros são regiões que possuem uma quantidade tão grande de massa concentrada, maciça e compacta que nada consegue escapar da atração da sua força de gravidade, nem mesmo a luz. No coração de um buraco negro, o tempo para e o espaço deixa de existir. Em resumo, seria o estágio final de uma estrela após o seu colapso gravitacional.

A publicação das delações dos executivos da Odebrecht mostra, com todos os detalhes sórdidos e uma crueza deprimente, o colapso do nosso sistema político-partidário dominado por uma organização mafiosa que se apoderou do Estado. Por outro lado, a Operação Lava Jato é o foco de luz que desafia as leis do crime e da Física: conseguiremos escapar desse buraco negro?

O escárnio dos delatores narrando a compra de políticos com seus codinomes ridículos (mas apropriados), o envolvimento de legendas à esquerda e à direita, no governo e na oposição, tudo isso regado com o derramamento de dinheiro público para manter essa estrutura putrefata mostra que, não por acaso, chegamos à fase decisiva das investigações no clima que justamente se apelidou de “fim do mundo”.

Agora, neste momento apocalíptico, ou nos perdemos todos na implosão que engole tudo que parecia sólido em nosso universo político (naves, sondas, asteroides, luas, planetas e até resquícios de vida inteligente) após a falência da última missão tripulada do partido da estrela e de seus satélites em governos de coalizão que nos deixaram perdidos no tempo e no espaço, ou nos reinventamos e partimos verdadeiramente para a construção de um novo mundo, com princípios éticos, democráticos e republicanos.

Da suspeita generalizada e empírica de que no Brasil existia uma corrupção empresarial e política sistêmica, arraigada há décadas, partimos para a certeza comprovada da podridão como única regra do jogo, com o mau cheiro típico e o transbordamento de um esgoto a céu aberto que exige saneamento urgente.

O que fazer, então, a não ser defender que se cumpra a lei e punam-se os culpados? Doa a quem doer, sem protecionismo, corporativismo ou partidarismo. Não podemos ser cúmplices, já que fomos todos omissos ou negligentes – para dizer o mínimo – diante dos sinais cada vez mais evidentes da necrose que tomava conta do tecido social, político e institucional que protege a nossa frágil democracia.

Ou reagimos permanentemente, com o máximo rigor, à máfia instalada na máquina estatal, ou damos por barato que todos são venais na sociedade e tudo tem seu preço: das medidas provisórias, licitações, leis, tempos de TV, alianças partidárias, perguntas em debates eleitorais, notícias, fim de greves, impeachments etc. até o pastor, o sindicalista, o servidor, o índio, a polícia, o promotor, o delegado, o juiz, o candidato, o político eleito e o eleitor.

Que sejam punidos exemplarmente corruptos e corruptores, políticos e empresários, delatores e delatados, partidários do campo azul ou do campo vermelho do nosso mapa tão fortemente polarizado mas que – chegamos à triste conclusão – não se diferenciam tanto assim na hora e nos métodos da pilhagem dos cofres públicos para se manterem no poder.

Bandido é bandido, seja rico ou pobre, culto ou ignorante, amigo ou inimigo. Não há como compactuar com esse sistema. Não há como ser condescendente com a corrupção. Que as investigações, apurações e o julgamento das denúncias vá às últimas consequências, com celeridade, independência e responsabilidade. Todo apoio às ações saneadoras do STF, da Procuradoria Geral da República, do Ministério Público e da Polícia Federal. Que se resgate no Congresso Nacional o mínimo de pudor e de espírito público para fazer avançar as reformas estruturais e profiláticas.

Passar o Brasil a limpo deixou de ser força de expressão. É uma necessidade vital. Ou, do contrário, abriremos caminho para salvadores da Pátria que, a pretexto de sanear o País, atendendo aos anseios difusos da turba que se manifesta nas ruas e nas redes contra a corrupção e a imoralidade, descambem para atalhos autoritários e desprezem as conquistas do nosso valoroso Estado Democrático de Direito. A saída, ainda que traumática e tortuosa, é pela Política. Vamos traçar o nosso rumo.

* Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) e apresentador do #ProgramaDiferente

** Foto: Agência Brasil/EBC