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Augusto de Franco: Quatro mitos sobre a corrupção segundo Bo Rothstein

Artigo importante de Bo Rothstein, professor de Government and Public Policy da Universidade de Gothenburg, publicado há cerca de um ano pelo Fórum Econômico Mundial, mostra que dificilmente a corrupção será combatida ou erradicada por um governo ou por cruzadas de limpeza ética. Como estamos dizendo há anos, os níveis de corrupção são inversamente proporcionais aos níveis de capital social. Ou seja, a Somália (um dos países mais corruptos do mundo) não vira uma Nova Zelândia (um dos menos corruptos) por força da atuação de destacamentos estatais organizados de combate à corrupção, de operações do tipo Mani Pulite (realizada na Itália dos anos 1990) ou Lava Jato (em curso no Brasil desde 2014). Seria necessário que o capital social da sociedade somalesa fosse equivalente ao da sociedade neozelandesa. Sobre isso, o autor afirma – citando o caso italiano (mas poderia citar o brasileiro) – que “o foco na mudança de instituições formais nacionais, como a introdução de agências nacionais especiais de combate à corrupção e leis mais rigorosas, é uma estratégia anticorrupção equivocada”.

Rothstein refuta as hipóteses explicativas estruturalistas, comportamentalistas, institucionalistas e culturalistas, chamando-as de mitos. Depois apresenta sua visão, baseada nos trabalhos da ganhadora do Prêmio Nobel, Elinor Ostrom, de que os “procedimentos operacionais padrão” que ensejam a corrupção podem ser alterados por meio da ação coletiva da sociedade.

Reproduzimos abaixo o artigo, em tradução livre, ainda sem revisão.

A corrupção às vezes é retratada como um “câncer” na sociedade. O uso dessa terminologia indica que esse é um mal social que começa em algum lugar do corpo e depois se espalha à medida que ele infecta cada vez mais células. Se esta metáfora tem algum valor, é importante encontrar a localização correta do problema de corrupção no “corpo societal”. Se você não sabe onde a doença está localizada, a probabilidade de curá-la é, naturalmente, mínima.

É, no entanto, importante reconhecer que, como qualquer doença insidiosa, a corrupção apresenta múltiplos mitos ou pistas falsas para ofuscar sua fonte e iludir as tentativas de curá-la. Os objetivos a seguir são percorrer cada um desses alvos assinalados e identificar em que local do corpo social poderíamos administrar um tratamento para atacar a corrupção em sua verdadeira origem.

Mito 1: Estruturalismo

Começamos nossa busca onde muitos pesquisadores têm buscado, examinando estruturas sociais que podem abrigar a fonte da corrupção. O aumento de grandes conjuntos de dados permitiu uma análise estatística avançada do que diferencia países com altos e baixos níveis de corrupção. Os países dominados pelo luteranismo, que são relativamente pequenos em termos geográficos, que não tiveram uma história de exploração pelas potências coloniais, e que são relativamente homogêneos em termos étnicos, se saíram melhor. Os resultados dessas pesquisas são certamente valiosos, mas também estão além do escopo e da esfera de influência das políticas públicas atuais. Assim como um paciente com câncer, que pede ao médico uma possível cura, não é ajudado pelo conselho de que deveria ter escolhido outros pais, os pesquisadores muitas vezes confundem a noção de significância estatística com a importância da política.

Mito 2: Comportamentalismo

Outro espectro de explicações em busca desta doença se concentra em questões comportamentais, como o nível de integridade e o padrão de ética de políticos, funcionários públicos e outros grupos profissionais do setor público. Não é preciso dizer que um país com altos padrões morais nos serviços civis não sofreria de corrupção sistêmica. O problema com esse tipo de análise é que as variáveis explicativas são difíceis de distinguir do que deve ser explicado. É quase uma tautologia dizer que o que explica os baixos níveis de corrupção em um país é um alto padrão ético entre políticos, juízes e funcionários públicos. Na realidade, essa linha de raciocínio não tem nenhum poder explicativo; em vez disso, é mais uma repetição dos dados.

Mito 3: Institucionalismo

A alternativa às explicações estruturais e comportamentais é enfocar a importância das instituições. É importante ressaltar que as instituições são construídas e reproduzidas (e algumas vezes destruídas) pelos humanos e, portanto, em princípio, abertas a mudanças induzidas por políticas. O “inimigo”, por assim dizer, é pelo menos – em princípio – possível de derrotar. As instituições podem ser formais e informais e, por isso, precisamos saber quais são as mais importantes a serem tratadas para reduzir o nível de corrupção. Esta é uma questão em que a pesquisa agora parece fornecer uma resposta clara, a saber, que a importância das instituições formais tem sido muito superestimada.

Um caso em questão é Uganda, que após inúmeras intervenções de doadores, estabeleceu um quadro institucional que, de acordo com a Agência Sueca de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, foi “amplamente satisfatório em termos de medidas anti-corrupção”. As instituições formais de regulamentação anticorrupção de Uganda registram 99 dos 100 pontos no índice do Global Integrity, mas o país é, de acordo com as medidas existentes, um dos mais corruptos do mundo.

Outro caso em questão é a Itália. Estudos de corrupção neste país mostram uma variação notavelmente grande entre suas regiões sul e norte. No entanto, este é um país que tem as mesmas instituições formais há 150 anos! Este resultado implica que o forte foco na mudança de instituições formais nacionais, como a introdução de agências nacionais especiais de combate à corrupção e leis mais rigorosas, é uma estratégia anticorrupção equivocada. Isso não quer dizer que as leis nacionais contra a corrupção não sejam importantes, mas é óbvio, pelo exemplo italiano, que elas estão longe de ser suficientes. Hoje, muitos países altamente corruptos, se não a maioria, têm leis formais rigorosas contra a corrupção.

Mito 4: Culturalismo

Será que essa falta de importância das instituições formais implica que a corrupção está de algum modo enraizada na cultura tradicional de lugares como a Sicília e outras sociedades altamente corruptas? Este é o entendimento difundido na antropologia, mas, em um grau crescente, também na economia. Muitos antropólogos, propensos ao relativismo cultural, usam a cultura para desculpar a corrupção, ignorando em grande parte a vasta quantidade de pesquisas empíricas que mostram seus efeitos prejudiciais em quase todos os aspectos do bem-estar humano. Economistas, no entanto, culpam as culturas em sociedades altamente corruptas, classificando-as de “disfuncionais”.

“Cultura” é muitas vezes confundida para significar a orientação moral geral da população em questão, mas há (pelo menos) dois problemas com essa compreensão da corrupção. A primeira é a falta de apoio empírico: os entrevistados na pesquisa do Afro-Barômetro para 18 países da África Subsaariana receberam suas opiniões sobre os seguintes cenários onde um funcionário: “decide destinar recursos para um projeto de desenvolvimento em uma área onde seus amigos e apoiadores vivem”; “Dá emprego a alguém de sua família que não possui qualificações adequadas”; e “exige um favor ou um pagamento adicional por algum serviço que faz parte do seu trabalho”. Entre 60% a 76% dos 25.086 entrevistados consideram todos os três exemplos de corrupção como “errados e puníveis”, enquanto apenas uma pequena minoria vê tais ações como “absolutamente erradas”.

Resultados semelhantes foram relatados na Índia. Uma clara maioria dos aldeões em regiões profundamente corruptas na Índia respondeu que eles consideravam “muito importante” que os funcionários públicos “tratassem a todos igualmente, independentemente de renda, status, classe, casta, gênero e religião”, e também que funcionários públicos “deveriam nunca aceitar, sob nenhuma circunstância, subornos ”.

O segundo problema com a abordagem “culturalista” da corrupção é como relacioná-la à política. Culpar moralmente a cultura de uma nação não é muito diferente de dizer que “vocês são pessoas desonestas e más”. Provavelmente, esse não é um bom começo para alcançar uma ampla mudança na política.

O problema é que essas análises confundem cultura como orientação moral com instituições informais. Deveria ser óbvio que instituições informais e valores morais são duas coisas diferentes. Os filósofos defenderam a distinção entre “normas morais” e “normas sociais” como sendo “fundamentalmente diferentes”. As normas morais “justificam o princípio normativo relevante”, enquanto as normas sociais consistem na “prática social presumida”. Por exemplo, se estiver viajando em um país onde você descobre que a “prática social presumida” para receber tratamento médico para seus filhos é pagar subornos a profissionais de saúde, a maioria das pessoas pagaria. No entanto, os pais ainda podem ser moralmente incomodados e convencidos de que isso é eticamente errado. Da mesma forma, um médico em um sistema de saúde sistemicamente corrupto pode desaprovar moralmente a prática de pegar dinheiro “escondido em um envelope”, mas faz pouco sentido ser o único participante honesto em um sistema onde esta é a “presumida prática social”. As instituições informais disfuncionais não devem necessariamente ser entendidas como parte de uma cultura se, por cultura, entendermos “crenças” e “valores” morais.

A fonte: “Regras em uso”

A questão é, então, se existe alguma entidade social entre instituições formais e cultura como orientação moral que possa resolver o problema de onde a corrupção está localizada no “corpo social”?

Uma resposta para isso foi apresentada pela ganhadora do Prêmio Nobel, Elinor Ostrom, quando ela sugeriu que deveríamos distinguir entre “regras formais” e “regras em uso”. Os teóricos organizacionais sugeriram que entre a cultura e as instituições formais existe um tipo de instituição informal chamada “procedimentos operacionais padrão”. Estas são regras que não são formalizadas, são bem conhecidas pelos participantes, mas, importante, não são necessariamente parte de sua orientação moral. Elas são, portanto, semelhantes ao que os filósofos chamam de “normas sociais”.

Em um cenário completamente corrupto, até pessoas que acham que a corrupção é moralmente errada, provavelmente participarão dela porque não veem sentido em fazer o contrário. Há uma distinção clara entre entender a corrupção como enraizada no tecido moral de uma sociedade versus a corrupção como “procedimentos operacionais padrão” que podem forçar as pessoas a agir de formas que acham moralmente erradas.

De uma perspectiva política, isso pode ser uma boa notícia. Embora haja muito pouco conhecimento sobre como mudar a cultura (entendida como normas morais) de uma sociedade, há uma quantidade considerável de pesquisas sobre como os “procedimentos operacionais padrão” podem ser alterados por meio da ação coletiva. Temos exemplos tangíveis na quase eliminação de práticas como mutilação genital de garotas e como as organizações reconstruíram a confiança em sistemas nos quais as pessoas já haviam se desiludido.

Por meio de iniciativas políticas direcionadas a tais “regras em uso” e “procedimentos operacionais padrão”, poderemos finalmente desafiar a corrupção em sua origem e fornecer uma cura a longo prazo para uma doença que afligiu nosso corpo social há muito tempo.

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