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Cristovam Buarque: Não basta a China

A construção do Brasil é tarefa dos brasileiros

No excelente livro “Brasil, construtor de ruínas: Um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro” a jornalista escritora Eliane Blum escreveu que: “Como o mundo regido pelo capital não ficaria encantado por um presidente que tornava os ricos mais ricos e os pobres menos pobres sem precisar redistribuir a riqueza nem ameaçar privilégios de classe?” […] “A mágica de Lula só era possível devido ao aumento da exportação de matérias primas e movida especialmente pelo crescimento acelerado da China”.

Outra vez é a China que está nos salvando com sua vacina, além de continuar como o grande parceiro comercial. Se não fosse a China, nossa situação sanitária estaria muito mais desesperadora. Mas quando a epidemia passar, o Brasil não estará bem, mesmo que tenha UTIs livres. Não vamos contar com a China para resolver os problemas do Brasil.

A injeção de dólares vindos da China no período Lula permitiram aumentar a renda e o consumo inclusive das camadas mais pobres, mas não se fez o que era preciso para enfrentar o quadro real da pobreza: saneamento, educação de base com qualidade universal, transporte público eficiente e confortável, garantia de emprego, paz nas ruas. Os governos não iniciaram qualquer reforma estrutural sobretudo na área social, a recessão, desemprego, inflação, e agora a epidemia, desfizeram os ganhos puramente monetários e conjunturais. Sem as reformas na educação, na saúde, na economia, a China não basta.

Estes problemas são nossos e nos cabe enfrentar escolhendo governos que demonstrem compromissos para resolver os problemas nacionais. Mas isto exigirá estratégias de anos, por governos que entendam os problemas, tenham estratégias resolvê-los e saibam coordenar e conduzir o país neste rumo.

Deste caótico, negacionista, obtuso, antipatriota governo atual não se pode esperar um rumo para o país. Para 2022, a tarefa é conseguir um novo governo que traga de volta aceitação da ciência e respeito à verdade, recupere as bases da democracia, enfrente as sequelas da epidemia, retome o prestígio do país no exterior, proteja nossos recursos nacionais, especialmente nossas reservas florestais. Para isto, é preciso uma unidade de todos que se opõem ao atual governo, como foi proposto por um recente artigo assinado por Milton Seligman, Benjamin Sicsú, Mauro Dutra. Eles propõem a unidade de todos os democratas na escolha de um candidato único, e que este assuma o compromisso de ficar apenas um mandato, e deixar para 2026 as disputas entre os diferentes programas e ideias para construir o Brasil.

A China foi decisiva para as realizações na primeira década dos anos 2.000, graças ao Lula, está sendo decisiva com sua vacina, apesar do Bolsonaro, mas a China não basta. A construção do Brasil é tarefa dos brasileiros, e o primeiro passo será dos eleitores em 2022, impedindo a reeleição do atual desgoverno, um passo anterior aos eleitores deverá ser dos líderes partidários escolhendo candidatos que unifiquem e tenham baixa rejeição.

*Cristovam Buarque foi governador, ministro e senador


Benito Salomão: A armadilha do baixo crescimento - Uma Avaliação entre 1998 e 2020

A economia brasileira conheceu o seu Produto Interno Bruto (PIB) referente ao quarto trimestre e o acumulado do ano de 2020. O resultado mostra uma visível recuperação no 4° tri que seria animadora se não fosse o turbilhão de problemas que o Brasil se encontra enfrentando nos primeiros meses de 2021 e que parecem deixar claro que a recuperação ficará para o 2° semestre ou para 2022. Mas não é o curto prazo que pretendo dissertar hoje, é preciso ler o resultado das contas nacionais de 2020 à luz de uma perspectiva mais longa e tentar extrair algumas lições e soluções para o futuro.

Em 2020 a queda acumulada da atividade foi de 4,1%, se não a maior, talvez uma das maiores da série histórica que tem início em 1901. Recortando o período histórico recente da economia brasileira entre 1998 e 2020, período que compreende os governos FHC II, Lula I e II, Dilma I e II, Temer e Bolsonaro, a variação trimestral do PIB[1] neste período teve média igual a 1,97%. Quando se repete o mesmo exercício, no entanto, para a década 2011 – 2020, a média do PIB cai para 0,29% ao trimestre (e ao ano). Tem-se, portanto, uma primeira evidência de que a economia brasileira se encontra em uma armadilha do baixo crescimento. Se a população cresceu em termos anuais a uma taxa média de 0,83% nesta década, o leitor já deve ter se convencido que o PIB per capita brasileiro diminuiu nesta década.

Em termos de crescimento econômico o Brasil está em seu pior momento dos últimos 120 anos. No período mais recente, o país foi acometido por três graves crises econômicas conforme é possível ver no Gráfico 1. A primeira crise importada do colapso financeiro americano após o subprime teve início no 3° tri de 2008, vale no 1° tri de 2009 de forma que no 1° tri de 2010 a economia brasileira já havia superado o período crítico e apresentava um crescimento de 9,2% naquele trimestre. Isto é o que os economistas chamam de recuperação é V.

A segunda crise não teve influência externa, erodiu no país no 1° trimestre de 2014, apresentou um longo período consecutivo de quedas até seu vale no 4° tri de 2015 de forma que a economia nunca mais voltou a apresentar taxas de crescimento semelhantes ao pré-crise, tendo o seu melhor momento a partir do 4° trimestre de 2017 quando o produto crescia a uma modesta taxa de 2,1% ao ano frente aos 3,4% verificados no trimestre imediatamente anterior desta crise. Finalmente, o terceiro ciclo recessivo da economia brasileira neste período é o do Coronavírus que teve início, segundo o Gráfico 1 no 4° trimestre de 2019, atingindo o seu vale no 2° tri de 2020 e, rodando a uma taxa de -1,9% no 4° tri de 2020, último período da amostra para o qual ainda se tem dados.

Em outras palavras, a análise dos ciclos econômicos mostra que a economia brasileira ainda não havia se recuperado da última crise, que havia sido demasiadamente longa e profunda, quando foi acometido pela nova crise. Isto traz impactos profundos sobre inúmeras variáveis como emprego, bem-estar social, desenvolvimento humano, desigualdades sociais, entre outros fatores. Para agravar a situação, as políticas tradicionais de controle de demanda de curto prazo estão praticamente esterilizadas. A política monetária pelo vetor da taxa de juros que atingiu o seu mínimo histórico no período recente, já a política fiscal segue sofrendo do crescimento compulsório do gasto e da dívida pública que inviabiliza qualquer intenção de construir uma nova política de investimentos.

Mas o elemento mais grave, está contemplado na linha vermelha do Gráfico 1, em que apliquei um Filtro de Hodrick Prescott para separar nos dados do PIB, o que é a sua variação trimestral e o que é a sua tendência de longo prazo. E o que se vê é uma redução da capacidade de crescer a longo prazo da economia brasileira que apresentava uma média de 4% no final da década de 2000 despencando para próximo de 0% no final da década de 2010. Isto significa que, na ausência de choques novos e positivos, o Brasil está condenado a uma trajetória medíocre de crescimento nesta década que se inicia em 2021.

PIB Brasil (Variação % Trimestral frente a igual período do ano anterior) e Tendência de Longo Prazo

Reverter uma tendência de longo prazo requer um esforço em termos de coordenação, planejamento e liderança. É preciso salientar que isto vai muito além da mera agenda de equilíbrio das contas públicas. No Longo prazo, a economia se comporta de acordo com sua capacidade de acumular, de forma agregada, capital físico e humano. A acumulação de capital físico depende de segurança jurídica, marco regulatório adequado, manutenção das taxas de juros em níveis civilizados e de bons projetos. A acumulação de capital humano depende de um esforço, em todos os níveis de governo e também da iniciativa privada de aumentarem a escolaridade média dos brasileiros e também sua qualidade. Isto, no entanto, não produz efeitos de curto prazo, quando a tendência de baixo crescimento da economia brasileira está condenada à mediocridade. Porém, se um esforço neste sentido tiver início já, é possível terminar a década que acaba de começar em condições muito melhores.

*Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia.