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Ruy Castro: Novos xingamentos contra Bolsonaro

A pecha de corruptor, covarde e traidor se junta às outras para definir o pior presidente do país

Desde sua posse, Jair Bolsonaro já foi chamado de cretino, grosseiro, despreparado, irresponsável, omisso, analfabeto, homófobo, mentiroso, escatológico, cínico, arrogante, desequilibrado, demente, incendiário, torturador, golpista, racista, fascista, nazista, xenófobo, miliciano, criminoso, psicopata e genocida. Os autores dessas desqualificações são cidadãos comuns que escrevem mensagens para os jornais, produzem memes e entopem as redes sociais. Está tudo registrado e seria divertido ver o governo processar tal multidão.

Nenhum outro governante brasileiro foi agraciado com tantos epítetos, a provar que a língua é rica o bastante para definir o pior presidente da história do país. Mas é inútil, porque nada ofende Bolsonaro. Ele se identifica com cada desaforo.

Afinal, foi quem rebaixou o Brasil ao nível de estrebaria de quartel, ao inundar os lares com um vídeo sobre golden showerchamar um jornalista para a briga (“Minha vontade é encher a sua boca de porrada!”) e ejacular mais palavrões numa reunião ministerial do que em todas as reuniões ministeriais somadas desde 1889.

Seus seguidores absorvem tudo isso porque ainda acreditam que ele livrou o Brasil da corrupção. Não se perturbam com o fato de que Bolsonaro subverte as leis para impedir que seus filhos se sentem no banco dos réus —por corrupção. E não percebem que ele é que é, ao contrário, o grande corruptor —da Justiça, do Exército, da diplomacia, do meio ambiente, da saúde. É o Midas do terror. Ao seu toque, tudo ganha cheiro de vela e se decompõe.

Nos últimos dias, Bolsonaro ganhou dois novos epítetos populares. Um, o de covarde, ao jogar a culpa por seus crimes nos ministros que ele mesmo escolheu e doutrinou.

Outro, e que só agora começa a ser percebido por seu próprio público, o de traidor, ao se pôr de quatro diante dos países, pessoas e instituições que ele ordenou odiar.


Bruno Boghossian: Investigação contra Pazuello amarra Bolsonaro e militares até o fim

Sócia do fracasso na pandemia, ala fardada recebe estímulo para garantir que governo fique de pé

Em momentos críticos, Jair Bolsonaro tenta se agarrar aos militares para sobreviver. Quando o Supremo estava em seu encalço, em abril do ano passado, o presidente protagonizou uma manifestação golpista na porta do quartel-general do Exército. Agora, acuado pela crise do coronavírus, ele busca refúgio mais uma vez nas Forças Armadas.

Na segunda (18), Bolsonaro quis desviar o foco de seus fracassos na pandemia com a conhecida pregação de que homens de farda decidem se um povo viverá numa ditadura. "Nós, militares, somos o último obstáculo para o socialismo", disse. Dias depois, ele apresentou a Aeronáutica como parceira no fornecimento de oxigênio para uma Manaus asfixiada pela negligência oficial.

Em busca de proteção, Bolsonaro transformou os militares em sócios paritários do desastre nacional ao mandar Eduardo Pazuello para a cadeira de ministro da Saúde. A abertura de uma investigação no STF sobre a omissão do general na pandemia torna esse vínculo irreversível.

Pazuello seguiu as ordens mais delinquentes do presidente da República —da recomendação do uso de remédios ineficazes até a sabotagem à vacinação. O general se recusou a migrar para a reserva, seguiu a doutrina militar e respeitou a hierarquia ao cumprir as determinações do chefe. Os delitos da dupla, portanto, são coincidentes.

A configuração pode até atormentar integrantes graduados das Forças Armadas, mas favorece Bolsonaro. Se forem levados para o banco dos réus, os militares passarão a trabalhar numa defesa conjunta com o presidente. Na prática, eles ainda recebem um estímulo extra para garantir que o governo fique de pé.

Esse elemento entraria na conta das pressões pelo impeachment de Bolsonaro por sua conduta na pandemia. Dado que o beneficiário imediato da queda do presidente é um general da reserva, o espírito de corpo tende a desestimular movimentos do vice para assumir o posto. Se esse cálculo prevalecer, os sócios devem permanecer juntos até o fim.​


Hélio Schwartsman: Ideólogos não hesitam em fazer pacto com o diabo

O diabo é que a realidade nunca se ajusta a nossas narrativas ideológicas

Um ideólogo em busca de um argumento não hesita nem em fazer pacto com o diabo. Durante décadas, a direita “laissez-faire” apontava a Suécia como uma espécie de capeta estatizado. O país, afinal, era o paradigma das social-democracias europeias, caracterizadas por governos grandes, por vezes intrusivos, altas cargas tributárias e generosos programas sociais cheios de regulações.

Depois da Covid-19, tudo mudou. A Suécia, muito por causa da influência e do prestígio de seu epidemiologista-chefe, Anders Tegnell, decidiu tomar um caminho diferente do da maioria dos vizinhos. Não determinou nenhum isolamento obrigatório, e quase todas as atividades foram mantidas. Apenas recomendou que todos fossem responsáveis. Foi o que bastou para que essa direita que flerta com o negacionismo esquecesse as críticas e abraçasse a Suécia como a nova terra dos livres, onde ninguém precisa usar máscaras e todos podem se aglomerar.

É claro que nenhuma dessas visões caricaturais retratava bem os suecos, que nunca se enxergaram nem como criptocomunistas nem como homens da terra de Marlboro. Eles apoiaram a estratégia de Tegnell enquanto acreditavam que ela funcionava, mas, sensíveis às evidências, não se recusaram a modificá-la quando confrontados com a segunda onda.

Os suecos ainda mantêm uma posição relaxada na comparação com outros países, mas aprovaram mudanças na lei que agora permite punições a negócios e pessoas que não seguirem as instruções do governo. A máscara passa a ser obrigatória, em algumas situações.

E o que as evidências dizem sobre a estratégia sueca? Com 101 mortes por cem mil habitantes, o país se saiu melhor do que outras nações europeias como o Reino Unido (135) ou a Espanha (115), mas bem pior do que outros nórdicos como a Dinamarca (31), a Finlândia (11) e a Noruega (10). O diabo é que a realidade nunca se ajusta a nossas narrativas ideológicas.