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El País: Com projeção de 460.000 infectados no Estado de São Paulo, Brasil endurece combate ao coronavírus

RJ e SP, com transmissão comunitária da Covid-19, suspendem aulas e proíbem eventos em massa. Ministério da Saúde projeta que, sem ações de distanciamento social, casos podem dobrar a cada três dias no país

Embora num patamar menos enérgico que outros países, o Governo brasileiro subiu o tom no combate ao coronavírus nesta sexta-feira (13) e passou a recomendar que prefeitos e governadores adotem ações mais duras de distanciamento social para frear a incidência da covid-19. Sem essas ações, projetam as autoridades de saúde, o número de infectados pode dobrar a cada três dias no país ―aumentando rapidamente a incidência de casos que podem evoluir para quadros graves e sobrecarregar o sistema de saúde. Por enquanto, apenas 12 dos 98 casos oficialmente confirmados na esfera federal estão sendo tratados em hospitais e o SUS tem dado conta da demanda. No entanto, São Paulo e Rio de Janeiro já apresentam transmissão comunitária da doença, quando já não é possível identificar a origem da infecção e o contágio ganha velocidade. No Rio, as aulas já começam a ser suspensas na semana que vem. Em São Paulo, onde o Governo do Estado projeta que ao menos 1% da população (ou 460.000 pessoas) possa ser infectada nos próximos meses (mesmo que boa parte deles assintomática), a paralisação será gradual. Em ambos há proibição ou restrição de realização de eventos em massa.

O Governo estima que, a cada três dias, o número de casos de infectados (há 98 casos confirmados oficialmente nesta sexta) pode dobrar sem a adoção dessas medidas, embora reconheça que cada município deve ter uma curva epidemiológica diferenciada de acordo com o início da transmissão local. Por isso, as ações de restrição mais pulverizadas pelas gestões locais. “O Brasil é muito grande e temos diferenças profundas. As medidas não farmacológicas são recomendações. Não estamos mais orientando, estamos recomendando. Ainda não chegamos à fase de determinação”, pondera o secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira.

No âmbito federal, a ação mais enérgica foi proibir cruzeiros turísticos por tempo indeterminado. E estabelecer regras mais claras sobre qual é o momento adequado para que prefeitos e governadores decretem quarentena em locais específicos com o objetivo de retardar o pico de transmissão da doença. A orientação é de que os gestores locais publiquem atos para isolar áreas quando os leitos disponíveis para tratar casos graves da doença atinjam 80% de ocupação. A ideia é ganhar tempo para a recuperação do sistema de saúde num contexto em que pacientes graves demoram mais tempo nas UTIs. Nesta sexta-feira, houve uma mudança no status de enfrentamento da doença. Se antes o Governo apenas orientava esse tipo de ação mais restritiva, passou a recomendá-las e adiantou que a qualquer momento pode passar a determinar medidas obrigatórias, dependendo da evolução da pandemia. Nas duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro, essa fase definitivamente já chegou.

O Governo de São Paulo, Estado que lidera o número de casos da doença, recomendou que eventos com mais de 500 pessoas sejam cancelados. Também decidiu suspender gradativamente as aulas na rede pública de ensino a partir da próxima segunda-feira. Durante a semana que vem, as aulas ainda ocorrerão, mas faltas não serão contabilizadas. A ideia é que as famílias tenham tempo de se planejar e evitar que crianças fiquem com idosos, público de maior risco de complicações em caso de infecção. Também não haverá férias para os profissionais de saúde, uma forma de manter o sistema de saúde operante com a maior capacidade possível. O Estado mais populoso do país, com 46 milhões de habitantes, usa a experiência epidemiológica de outros países com a Covid-19, além dos números de epidemias respiratórias com outros vírus, para traçar cenários. O mais conservador deles é de que entre 1% e 10% da população será infectada, com 20% deles precisando de assistência médica hospitalar. “Cenários são estimativas. Pode acontecer 1%, 2%, 5%, 10%. Tem um fato novo que nós precisamos aprender: como é que esse vírus vai se comportar em um país tropical no verão. Daqui a pouco, estaremos no outono. Eu não consigo dizer hoje se vai ser 1% ou 10%”, disse David Uip, que coordena o combate da doença no Estado, ao jornal O Estado de S. Paulo.

Já o Rio de Janeiro ―que tem um dos sistemas de saúde mais frágeis, segundo o ministro Luiz Henrique Mandetta― também decidiu suspender aulas tanto da rede pública quanto da rede privada. O prefeito Marcelo Crivella cancelou aulas na rede municipal por uma semana, enquanto o governador Wilson Witzel decidiu antecipar as férias escolares e suspender aulas em escolas estaduais e privadas por 15 dias. Também proibiu eventos em massa e deu uma declaração controversa de que, caso haja grande aglomeração nas praias, a Polícia Militar poderia agir. “Embora as praias sejam área federal, numa situação como essa a Polícia Militar, os bombeiros, a guarda municipal podem agir para evitar aglomerações”, afirmou. Witzel também suspendeu a visitação de presos.

Ações de distanciamento social também foram determinadas pelo Distrito Federal nos últimos dias, embora ainda não tenha casos de transmissão sustentada da doença. Em alguns Estados, Governos começam a limitar atividades em órgãos públicos e evitar viagem de servidores a trabalho. Ceará e Pernambuco decidiram, por exemplo, proibir que cruzeiros turísticos já em curso atraquem em seus territórios depois que o Governo Federal proibiu que novos cruzeiros (sejam nacionais ou internacionais) iniciem atividades no país. “Os cruzeiros turísticos historicamente são ambientes de confinamento. Muitos deles têm turistas internacionais”, afirma Wanderson de Oliveira, citando o caso dramático do Japão. No Brasil, há ao menos dois casos suspeitos de um cruzeiro em Pernambuco, cujos turistas estão isolados.

Há recomendações gerais do Ministério da Saúde sobre as medidas que devem ser implantadas para frear o coronavírus, mas cabe aos Estados e municípios decidirem suas próprias ações, conforme suas especificidades. Para áreas de transmissão sustentada, o Governo Federal recomenda ações que envolvem reduzir o fluxo urbano com horários alternativos para trabalhadores, estimular o home office e monitoramento diário de ocupação de leitos de UTI. Há uma preocupação maior sobre a evolução do coronavírus no país com a chegada do outono na próxima sexta-feira, quando as temperaturas caem em diversas regiões do país e também há um retorno de viroses sazonais que já circulavam anteriormente no Brasil. As mudanças climáticas devem interferir na propagação do vírus, já que favorecem um comportamento de maior aglomeração de pessoas.


Eliane Cantanhêde: Fantasia e pesadelo

O presidente ainda acha que Bolsas, dólar e coronavírus são 'fantasias da grande mídia'?

É dramaticamente irônico que o presidente Jair Bolsonaro tenha dito que o coronavírus não passava de uma “pequena crise”, uma “fantasia” criada pela “grande mídia”, e apenas dois dias depois um dos contaminados no Brasil venha a ser justamente o secretário de Comunicação da Presidência, Fábio Wajngarten. Vítima da “fantasia”? Vítima da imprensa?

O fato é que, agora, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já declarou pandemia, os casos e mortes se multiplicam rapidamente por todos os continentes, as Bolsas despencam, eventos nacionais e internacionais são cancelados, um atrás do outro, e as escolas estão sendo fechadas.

A curiosidade é por que o presidente perde todas as chances de ficar calado. Fantasia? O coronavírus já atingiu centenas de milhares de pessoas no mundo, com perto de 5 mil mortes. No Brasil, já havia em torno de 80 casos confirmados e mais de 1.400 suspeitos em vários Estados e no DF.

A Bovespa já foi suspensa quatro vezes nesta semana, com as maiores quedas desde 1998, enquanto o dólar chegou a bater em R$ 5. É para brincar com uma coisa dessas? Ou para imitar seu ídolo Donald Trump? Ou para aproveitar para jogar descrédito sobre a mídia? Melhor do que isso seria o Planalto e o Ministério da Economia seguirem o exemplo do Ministério da Saúde. Mostrar serviço, atenção, presteza. Não é essa a sensação, nem em Brasília nem no mercado.

Em meio a tudo isso, é muito preocupante, sim, que Wajngarten tenha viajado no mesmo avião do presidente e tido contato o tempo todo com ministros e assessores da comitiva presidencial a Miami. Para constrangimento geral, ele também participou do jantar de Trump para Bolsonaro na restrita Mar-a-Lago e ainda tirou foto com Trump e o vice Mike Pence com aquele boné ridículo do “Brasil great again”. Já imaginaram se ele sai contaminando a cúpula da Casa Branca?

É óbvio que Wajngarten é uma vítima, um paciente, totalmente isento de qualquer responsabilidade, mas, na prática, o presidente, a primeira-dama Michelle, o filho Eduardo, ministros e assessores da Presidência estão numa situação delicada. Não precisa isolamento, mas monitoramento e evitar aglomerações, reuniões, apertos de mão, abraços e beijos. Logo, o governo brasileiro está em “home working”.

Enquanto isso, o Congresso derruba o veto da ampliação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) para idosos carentes e deficientes, dando uma de bonzinho para o eleitor e uma de mau para as contas públicas e para Bolsonaro e o governo.

Para piorar, uma parte do Congresso faz jogo duro para liberar os R$ 5 bilhões que o ministro Luiz Henrique Mandetta reivindica para preparar o País para acolher e tratar os pacientes de coronavírus por toda parte. Mandetta pediu, o deputado Rodrigo Maia e o senador Davi Alcolumbre apoiaram, mas líderes de partidos do Centrão arranjam pretextos para dificultar as coisas. É brincar com fogo.

A situação ainda vai piorar muitíssimo, antes de atingir o pico e começar a melhorar. Por enquanto, os contaminados são pessoas que estavam na Ásia, na Europa, particularmente na Itália, e têm acesso ao que há de melhor em saúde no Brasil. O problema será quando os “ricos” começarem a passar o vírus para os “pobres”. Esse será o grande teste, não apenas da saúde pública no Brasil, mas também das autoridades brasileiras, a começar do presidente e do Congresso. Não é fantasia e não se pode brincar com vida e morte.

Aliás, e se usassem para o secretário o que Abraham Weintraub usou para a educadora Priscila Cruz, após suspeita do coronavírus? Citando a Bíblia, ele comemorou: “O Senhor nosso Deus os destruirá”. Sorte que há poucos Weintraub para coisas assim.


El País: Governo evita medidas mais restritivas contra coronavírus e foca na preparação do SUS

Especialistas alertam que país vive a iminência de entrar numa fase mais aguda de contágio. Virologista pede ação imediata enquanto esfera privada adota ações de distanciamento social

Enquanto a esfera privada já se movimenta para suspender eventos e evitar aglomerados de pessoas por conta da expansão do coronavírus no Brasil, o poder público ainda não considera a adoção de medidas de distanciamento social para conter a incidência da covid-19. A avaliação do Governo Federal é de que o país ―com mais de 100 casos confirmados, se considerado o balanço oficial da pasta, mas também a confirmação de hospitais― enfrenta um cenário ainda controlado, embora admita que ações mais enérgicas podem ser adotadas caso haja um aumento exponencial no número de infectados, o que poderia sobrecarregar rapidamente o sistema de saúde. Por ora, o Governo decidiu obrigar que pacientes com a doença (assim como pessoas que tiveram contato prolongado com infectados) fiquem em isolamento domiciliar. E determina que, num cenário onde não se sabe muitos detalhes sobre o comportamento do vírus em clima tropical e diante das características assimétricas das regiões de um país continental como o Brasil, caberá aos próprios Estados e municípios decretarem quarentena, um ato formal para impedir o trânsito de pessoas quando a capacidade de assistência aos pacientes estiver comprometida. Especialistas avaliam que o Brasil está na iminência de entrar na fase de transmissão sustentada da doença, com casos que não têm relação com viagens ao exterior e cuja velocidade de contágio é mais aguda, e defendem que Governo precisa estar preparado para impor medidas mais restritivas antes que o sistema de saúde comece a se esgotar.

Neste momento, o Governo tem focado em reforçar o sistema de saúde para atender os infectados. Reabriu 5.811 vagas desocupadas do Mais Médicos e anunciou que garantirá o horário extendido em 40% das equipes de saúde para reforçar o atendimento nos postos de saúde, onde espera resolver 80% dos casos. Também afirmou que dobrará o número de leitos de retaguarda exclusivos para tratar pacientes graves com coronavírus. Ao todo, serão 2.000 leitos que poderão ser alocados conforme necessidade, quando a capacidade de atendimento já disponível nos Estados se esgotar.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, tem defendido que medidas mais restritivas não são necessárias neste momento. O Ministério da Saúde contabiliza 77 casos, mas confirmações de Estados e hospitais mostram que o Brasil já tem mais de 100 casos. O secretário executivo da pasta, João Gabbardo, afirma que ―diferente da Itália, cujo sistema de saúde que é referência internacional colapsou diante de um boom de casos― o Brasil tem tido tempo para planejar os passos, caso haja um descontrole da doença, e que o país ainda não discute impor bloqueios sanitários.

“Não existe nenhuma orientação do Ministério da Saúde nesse sentido. Pode vir a acontecer? Não sei”, afirma. O Brasil publicou uma portaria que obriga infectados e pessoas que tiveram contato prolongado com eles, como quem vive na mesma casa, permaneçam em isolamento por 14 dias. Caso apresentem sintomas da doença após esse prazo, o isolamento pode ser prolongado por mais 14 dias. Apesar de ser obrigatório, Gabbardo diz que a permanência dessas pessoas em casa é um “contrato social, de civilidade”. Caso seja identificado o descumprimento, medidas punitivas podem ser determinadas na esfera judicial. Nesta quinta-feira, o ministro da Justiça Sergio Moro pediu “autorresponsabilidade” da população, mas destacou que isolamento e quarentena podem ser impostos compulsoriamente no Brasil. “No isolamento não vai ter ninguém na casa da pessoa dizendo ‘olha, você não pode sair’. É um contrato social, de civilidade. A quarentena é um ato de restrição. É um guarda que vai monitorar a saída. Quando eu restrinjo o ir e vir das pessoas, tenho uma série de medidas a garantir: água, comida, energia", explicou Gabbardo.

Hora de agir?
A avaliação é que o Brasil ainda não está nessa fase, embora especialistas venham alertando a iminência de o país enfrentar uma fase mais aguda da doença. E a necessidade de respostas rápidas. O virologista Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, considera que o prognóstico da pandemia é “tenebroso”. Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, ele diz que o coronavírus tem o potencial para matar até 15 milhões de pessoas no mundo (e 257.000 no Brasil) caso não seja contido, segundo um estudo da Universidade Nacional da Austrália. Zanotto avalia que o Brasil tem perdido tempo e vê no distanciamento social o único caminho para evitar a propagação rápida da doença, a exemplo do que outros países vem fazendo.

O momento certo para a implementação de medidas restritivas não é unanimidade entre especialistas ouvidos pelo EL PAÍS, mas há um consenso de que o Governo precisa agir antes que o sistema de saúde comece a colapsar. “Se proibir aglomeração, você freia a transmissão aguda porque diminui o contato entre pessoas, mas também prolonga o tempo em que o microorganismo vai permanecer transmissível”, explica o infectologista Guilherme Henn, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará.

Ele diz que reduzir o número de infectados é positivo num primeiro momento, porque a ação ajuda a evitar uma grande quantidade de casos graves da doença ao mesmo tempo, o que contribui para um colapso na capacidade de assistência como o da Itália. No entanto, pondera que medidas como esta devem ser avaliadas com cautela. “Se a gente recomenda medidas mais drásticas quando não são necessárias, não consegue conter o virus e só alimenta pânico e incertezas”, diz. O infectologista também acrescenta que há um efeito colateral de aumentar o tempo de transmissibilidade do vírus, já que a população segue sem contato com ele e não cria defesas naturais. Isso significa que o vírus pode continuar contaminando durante um período maior, ainda que de forma mais lenta. “De qualquer forma, é muito melhor você ter 150 mil casos graves de UTI ao longo de um ano do que em um único mês em termos de saúde pública”, analisa.

Henn afirma que há varios estudos com projeção de contaminação e propagação da doença, mas considera que as estimativas são “grosseiras”, já que se baseiam na experiência internacional e não há muitas respostas sobre o comportamento do coronavírus em clima tropical. O clima ainda é uma aposta para uma disseminação mais lenta da doença no país, mas especialistas e autoridades já começam a se preocupar com um possível agravamento diante da chegada do outono, no final deste mês. “A evolução da epidemia é tão dinâmica que as autoridades precisam estar atentas para agir assim que os casos evoluírem”, afirma o infectologista. Para ele, as características climáticas de cada região também deverão influenciar no enfrentamento sobre o coronavírus. Henn diz que o aumento exponencial em locais específicos nos últimos dias, como aconteceu em São Paulo e no Rio de Janeiro, não são indicativos de o país inteiro precisa adotar medidas que essas regiões venham adotar.

Já o infectologista Juvêncio Furtado avalia que o Governo age certo ao analisar primeiro o tamanho do problema para depois adotar medidas mais restritivas. Ele avalia que o SUS tem condições de responder rapidamente ao tratamento de infectados pela sua ampla capilaridade, com ressalvas ao caso de a propagação atingir uma “proporção absurda”, o que ele diz que não está previsto. “Se houver bom uso, sem alarme e fluxo de pessoas em grande escala nas unidades de emergência, acho que a rede tem essa capacidade”, defende. A orientação é de que pessoas que apresentem sintomas procurem os postos de saúde para orientações. Os hospitais deverão receber apenas casos mais graves da doença. Nesta sexta-feira, o Ministério da Saúde discute ações para fortalecer a rede de média e alta complexidade.


El País: Coronavírus acende alerta sobre preparo de hospitais no Brasil para tratar infectados graves

Governo Federal orienta Estados a reverem suas redes hospitalares diante do provável crescimento de pacientes gravemente afetados no país. Declaração de pandemia provoca medidas mais enérgicas de enfrentamento em várias esferas

No mesmo dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o coronavírus é uma pandemia global, o Brasil dobrou o número de casos confirmados da doença ―aos 52 infectados contabilizados pelo Ministério da Saúde somam-se outros 16 confirmados pelo hospital paulista Albert Einstein, em São Paulo, e outro na Bahia, todos divulgados após a atualização do balanço federal. O país ―que até então trabalhava no sentido de evitar a propagação do vírus e apostava no tratamento de casos leves na Atenção Básica― entra em um novo patamar de enfrentamento da doença. Na fase atual, já não é possível identificar quem transmitiu o vírus. E tanto especialistas quanto autoridades de saúde avaliam que a disseminação da doença pode acontecer rapidamente e que, embora tenha uma letalidade relativamente baixa, é preciso preparar as redes hospitalares para receber uma alta demanda de pacientes em estado grave. As ações, apontam, são cruciais para evitar que o Brasil reproduza um colapso no sistema de saúde semelhante ao da Itália. Em três semanas, o país passou de três para 10.000 infectados e tem enfrentado um caos na assistência diante da escassez de insumos e da infecção de profissionais de saúde.

“Temos que estar preparados caso soframos um ataque como o que a Itália viveu”, defendeu o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, durante audiência pública no Congresso. Enquanto pedia mais recursos para ações emergenciais relacionadas ao coronavírus —o ministro falou, depois, em 5 bilhões de reais—, Mandetta afirmou que o Governo Federal voltará a prover médicos para capitais e regiões metropolitanas por meio do Mais Médicos e ampliará o número de postos de saúde com funcionamento em horário extendido para reforçar a Atenção Básica, onde os casos leves deverão ser tratados. Pediu, porém, que todos os Estados reorganizem suas redes hospitalares, inclusive remarcando cirurgias eletivas (ou seja, as que não são urgentes, como intervenções plásticas) e rediscutindo os critérios de permanência em leitos de CTI como medidas de antecipação para o caso de o quadro se agravar no país. "Esses leitos são preciosos e temos que estar preparados”, defendeu.

Gatilho para medidas de restrição
O aumento agudo da doença no Brasil tem levado autoridades públicas a adotarem medidas mais enérgicas, e até controversas, com relação ao enfrentamento da doença. O Rio de Janeiro, que tem 13 casos confirmados, publicou um decreto que permite a internação compulsória de casos graves da Covid-19. O Congresso Nacional anunciou que estão suspensas as visitações públicas na Câmara e no Senado e que os servidores com histórico de viagem ao exterior entrarão em quarentena. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, publicou um vídeo em suas redes sociais no qual sugere que instituições de ensino se preparem para realizar atividades escolares a distância por causa do coronavírus. Também avalia a possibilidade de antecipar as férias escolares. Algumas universidades começaram a testar plataformas de ensino à distância, e o Distrito Federal já decidiu suspender aulas em escolas públicas e particulares nos próximos cinco dias. Não há unanimidade sobre esse tipo de medida. O próprio ministro Mandetta pondera que a suspensão de aulas pode agravar riscos para avós das crianças, que integram o grupo de risco mais alto da doença por conta da idade. “O maior grupo de risco são nossos idosos e doentes crônicos. Este é o grupo que nós queremos superproteger”, argumenta.

Ainda não há muitas respostas sobre a performance do novo coronavírus em clima tropical, e o Governo Federal diz trabalhar com o comportamento apresentado até agora no hemisfério norte. Com a caracterização de pandemia pela OMS, o Brasil não terá mais uma lista de países suspeitos e passará a monitorar qualquer pessoa que venha do exterior e apresente sintomas. Não considera, porém, restringir o trânsito de pessoas, como Donald Trump acaba de fazer suspendendo voos para os EUA vindos da Europa, ou impor quarentenas. “Nós estamos na fase de recomendações. Podemos passar para determinação. Vamos andando de acordo com o que vai acontecendo aqui”, disse Mandetta a parlamentares nesta quarta-feira.

Na semana passada, o Ministério da Saúde já havia mudado a metodologia para testagem do coronavírus. A nova orientação tirou a exclusividade de testes para pessoas com histórico de viagem ao exterior para incluir também os que apresentam quadro respiratório grave, o que permite a identificação de possíveis casos transmitidos no Brasil e oferece maior precisão ao monitoramento de circulação da doença no país. Um sistema robusto de testagem tem mostrado êxito no enfrentamento do novo coronavírus em países como a Inglaterra, por exemplo. Lá, o paciente que apresentar sintomas pode ser testado em casa. No Brasil, o caminho neste sentido ainda é longo. Atualmente, nem todos os Estados conseguem fazer os testes em seu próprio território, e a previsão é de que ainda demorem uma semana para estarem aptos a fazê-lo. “A previsão é de que todas as unidades da federação estejam aptas, até dia 18 de março, com equipamento, com kit pronto para fazer o teste dentro do seu estado”, informa Mandetta. O ministro prevê que as próximas semanas serão duras e que, num país continental como o Brasil, é difícil mensurar o nível de preparação de cada Estado para o aumento da demanda. “Vamos viver umas 20 semanas duras”, disse o ministro ao Estadão.

O vice-presidente do Conselho Federal de Medicina, Alexandre de Menezes Rodrigues, chama atenção para a necessidade de pensar não apenas na prevenção, mas no tratamento da Covid-19. “Grande parte das mortes no mundo foi por despreparo do suporte”, destaca. Ele defende, por exemplo, a necessidade de rediscutir as regras sobre a quantidade de médicos por leitos de UTI. E que o país precisa se preparar para um aumento da demanda de pacientes, já que a permanência de infectados por coronavírus nos hospitais costuma ser prolongada. Para proteger seu corpo médico, hospitais particulares começaram a orientar seus profissionais que evitem viagens. Na esfera pública, ainda não há orientações nesse sentido. Por enquanto, o Governo Federal afirma ter conseguido comprar material de proteção, como máscaras e outros insumos, e orienta que os próprios Estados se organizem para reforçar suas redes hospitalares.

Na ponta, as mudanças ainda começam a ser desenhadas de forma pontual num contexto em que nem o sistema público nem o privado têm grandes margens em relação à disponibilidade de leitos de UTI, onde poderão ser tratados casos graves da doença. “Isso porque esses leitos são caros, e você precisa racionalizar para as necessidades. Os Estados têm que se adequar para essa demanda que virá. São modificações que temos que fazer hoje porque não dá pra esperar o número de casos aumentar para começar”, diz o infectologista da Diretoria de Vigilância Epidemiológica do Estado da Bahia, Antônio Carlos Bandeira. O médico diz que a Bahia tem reativado UTIs pediátricas para receber pacientes graves por conta do coronavírus e que o Estado está hierarquizando o sistema para transferir pacientes a hospitais de referência. “Estamos preparando uma rede com gestores para que possa haver esse fluxo rápido”, explica.

No Hospital das Clínicas, em São Paulo, há um protocolo estabelecido para tratar casos de Covid-19, e profissionais que antes se reuniam semanalmente passaram a discutir diariamente estratégias. Mas não há ainda implementação de medidas antecipando uma fase mais aguda da doença. “A gente prevê a possibilidade de realocar profissionais, adiar eletivas, bloquear uma UTI só para isso. Está previsto, mas ainda está longe de ser implementado”, diz Izabel Marcilio, médica epidemiologista do núcleo de vigilância epidemiológica do hospital. Nesta quinta-feira, o Governo de São Paulo, Estado que mais concentra os casos no Brasil, informará novas ações para enfrentamento da doença. A grande questão será a partir de que momento estabelecer medidas de restrição de circulação.

O fato é que o Brasil tem redes hospitalares muito distintas em cada Estado, o que dificulta prever o limite de atendimento do SUS, conforme ressaltou o próprio ministro Mandetta em entrevista ao Estadão. “O Rio de Janeiro aguenta muito pouco. São Paulo aguenta um pouco mais. O Paraná é nosso melhor sistema, a melhor rede de distribuição. O Acre não tem nenhum caso. O Brasil é um continente”, declarou.


O Estado de S. Paulo: Economistas apostam em agenda de reformas para atenuar efeitos do coronavírus no Brasil

Segundo economistas, parceria entre Executivo e Legislativo para dar andamento às reformas pode reduzir incertezas e atrair investimentos

Medidas que possam reduzir a exposição do Brasil ao caos verificado na segunda-feira, 9, em todo o mundo passam por entendimento entre Executivo e Legislativo para iniciar, de imediato, as reformas urgentes como a administrativa, a tributária e a PEC emergencial, segundo vários economistas ouvidos pelo ‘Estado’.

Mas há também quem defenda a continuidade da redução de juros, liberação de compulsórios e até a suspensão do teto de gastos por dois anos.

“Se tivermos clareza sobre as reformas, como elas vão andar, se virmos um clima de parceria entre Executivo e Congresso em volta de uma agenda que permita reduzir a incerteza doméstica, melhoraria o ambiente de negócios e tornaria o Brasil muito mais interessante do ponto de vista do investimento”, diz Armando Castelar, coordenador da área de Economia Aplicada do Ibre/FGV.

Para José Roberto Mendonça de Barros, economista e sócio da MB Associados, a área de infraestrutura é a que mais precisa de investimentos no momento. “A lei do saneamento, por exemplo, geraria grandes obras públicas e teria efeito social enorme, como a geração de empregos.”

Já Bráulio Borges, pesquisador do Ibre, acredita que a agenda da infraestrutura teria enorme potencial não só para dinamizar a atividade no curto prazo, como aumentar a produtividade brasileira no médio e longo prazo. “Mas essas coisas não saem do papel do dia para a noite.”

De imediato, Borges defende o uso da política monetária para atenuar o impacto do turbilhão externo provocado pelo coronavírus e acentuado pela guerra do petróleo. Ele lembra que, assim como na crise de 2008, hoje o efeito líquido da alta do câmbio e da queda das commodities é desinflacionário. “Por isso há espaço para o Banco Central cortar juros e tentar reativar a economia como já fez no passado.”

Teto de gastos
Sérgio Vale, da MB Associados, também acredita que há espaço para o BC continuar cortando juros, que, para ele, ainda são muito elevados no Brasil na comparação com o resto do mundo. Ele lembra que a regra do teto de gastos impede o aumento dos investimentos públicos e acredita que o mercado faria uma leitura ruim se as regras fossem mudadas, mesma opinião de Borges, para quem não se deve mudar regras “no olho do furacão”.

“Mexer no teto de gastos é suicídio”, concorda Castelar. O professor da Universidade de Brasília, José Luís Oreiro, pensa de forma diferente. “É preciso mudar a política econômica e suspender o teto de gastos por dois anos para aumentar investimentos públicos. Para ele, se o ministro da Economia, Paulo Guedes, não mudar a política econômica, “então que se mude o ministro”.

Para enfrentar o choque externo, Samuel Pessoa, professor da FGV, também defende urgência na aprovação das reformas para arrumar o desequilíbrio fiscal. Isso abriria espaço para uma política fiscal contracíclica, com estímulo à demanda. Ele admite, porém, que o desentendimento entre Executivo e Legislativo impede o processo.

“O governo já estava meio perdido antes da semana trágica”, afirma Mendonça de Barros. O melhor seria o ministro Guedes parar de falar em dólar e se concentrar nas reformas.”

» O que fazer para enfrentar a crise?

José Roberto M. de Barros, economista e sócio da MB Associados
‘País precisa de mais investimento’

“A melhor coisa a ser feita é um trabalho construtivo entre Executivo e Legislativo para acelerar a aprovação da PEC emergencial, que significaria inequívoca melhora na questão fiscal. São necessárias medidas que permitam mais investimentos, como a lei do saneamento básico, que geraria obras públicas e teria enorme efeito social. Outro ponto é a reforma administrativa. De resto, é manter a calma. Não podemos controlar o que vem de fora, mas quem opera câmbio é o Banco Central. Não é papel de ministro falar sobre isso.”

Samuel Pessoa, economista e professor da FGV
‘Reformas trariam equilíbrio fiscal’

“A prioridade é aprovar as reformas emergencial e administrativa. O efeito imediato da aprovação seria arrumar o equilíbrio fiscal estrutural. Essa arrumação abriria espaço para uma política fiscal contracíclica, mas só se criarmos instituições que sinalizem esse equilíbrio lá na frente. As dificuldades do Executivo e Legislativo em fazer política dificultam a aprovação de reformas e a construção do estabelecimento de instrumentos para uma política fiscal. Sem isso, há menor capacidade de enfrentar o choque externo.”

Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia
‘Há espaço para a política monetária’

“O efeito líquido de tudo isso que está acontecendo é desinflacionário. Por isso, há espaço para a política monetária reagir a isso, mas talvez não seja suficiente, pois a atividade vem decepcionando, mesmo com os juros num patamar bastante baixo. Talvez seja preciso outros estímulos. O governo já fala em mais uma rodada de liberação de FGTS. Liberação de compulsório tem o potencial de ajudar, mas o feito não é garantido. No entanto, mudar a regra do teto no meio desse turbilhão todo pode gerar muito ruído.”

José Luís Oreiro, professor da Universidade de Brasília (UnB)
‘Suspender teto por dois anos’

“É preciso parar as reformas que estão em transição e focar em garantir a segurança da população e compensar os efeitos recessivos. Só ter um remédio para doenças diferentes é coisa de maluco. É preciso mudar a política econômica, suspender o teto de gastos por dois anos para aumentar os investimentos públicos. Se investir em infraestrutura, o efeito aparece em três meses. Dificilmente o ministro da Economia, Paulo Guedes fará isso. Se o ministro não mudar a política econômica, então, que se mude o ministro.”

Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV
‘Mexer no teto de gastos é suicídio’

“O que o governo pode fazer é reduzir a incerteza. Fazer parceria com o Congresso com uma agenda clara para o andamento das reformas. Isso diminuiria a incerteza doméstica e melhoraria o ambiente de negócios. Desta forma, o País ficaria mais interessante para atrair o investimento. Cortar juros, fazer política parafiscal e mexer no teto de gasto vão na direção errada. Mexer no teto de gasto é suicídio, pois vai introduzir incertezas sobre a situação fiscal. É preciso dar uma parada e tirar o Banco Central de cena.”

Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados
‘Governo está de mãos atadas’

“O governo está sem opções, com as mãos atadas, como o resto do mundo. A regra do teto de gastos impede o aumento de investimentos públicos e o mercado faria uma leitura ruim se as regras forem mudadas. O jeito seria continuar cortando juros, que ainda estão elevados no Brasil na comparação com o resto do mundo. O País deve fazer um esforço para que a reforma tributária ande o mais rápido possível, o que sinalizaria uma recuperação mais acelerada, sem jogar fora o esforço fiscal que foi feito até agora.”

 


Hélio Schwartsman: Êxito chinês

Surpreende o sucesso do país em conter o alastramento da covid-19

O que surpreende no ritmo de propagação da covid-19 não é a cada vez mais extensa lista de países atingidos, mas o sucesso da China em conter o alastramento da doença.

Se algumas semanas atrás os hospitais chineses estavam apinhados de pessoas infectadas pelo novo coronavírus, agora sobram leitos. Cientistas que conduzem ensaios clínicos de drogas para tratar a doença já não conseguem recrutar pacientes para os testes, como mostrou recente relatório da OMS.

Entender o que está acontecendo pode trazer lições valiosas para autoridades sanitárias de todo o planeta.

A primeira conclusão a tirar é que as brutais medidas de quarentena e isolamento impostas pelo governo funcionaram. Daí não decorre que as técnicas chinesas possam ou devam ser replicadas em países democráticos, mas não dá para fingir que não surtiram efeito ao menos nessa primeira fase da epidemia.

A prova final virá agora, quando as medidas de exceção mais draconianas forem revogadas. Se o contágio sustentado voltar, é porque estamos lidando com um vírus realmente difícil. Se o pior já tiver ficado para trás, é sinal de que vale a pena insistir em tentar isolar cada cadeia de transmissão.

O êxito nos esforços de contenção também é um indicativo de que a proporção de casos assintomáticos e leves que não são detectados é menor do que se especulava. O relatório da OMS traz indícios disso. Em Guangdong, por exemplo, autoridades testaram uma amostra de 320 mil pessoas e apenas 0,14% delas apresentaram resultado positivo para a covid-19. A má notícia aí embutida é que a letalidade do vírus também será um pouco maior.

Outro dado interessante em relação à letalidade é o quanto ela pode variar. Ela foi de 5,8% em Wuhan, onde a epidemia apareceu primeiro e causou mais disrupção, contra 0,7% em outras áreas da China, o que sugere que o caos nos hospitais foi um fator decisivo para o maior número de mortes.


Fernando Gabeira: Olha o corona aí

Num campo político em que sobrevivem grupos antivacina, a orientação baseada na ciência é avanço

Passei o carnaval com um olho no crescimento do coronavírus na Itália. Não me tomem por um velho agourento. Especialistas indicavam que o vírus tinha uma grande possibilidade de expansão no planeta. E a Itália é mais próxima do Brasil que a China.

Busquei contato com brasileiros em Milão. Muitos queriam sair, mas os voos estavam lotados. Descobriram que viajar para o exterior hoje não só aumenta o risco de contágio, mas também o de ficar preso numa quarentena.

Li sobre as primeiras oito vítimas letais na Itália. A sensação é de que a maioria já estava doente: diabete, infarto, câncer.

Até o momento, as evidências são de um baixo índice de mortalidade. Isso indica que a propagação pode matar os mais vulneráveis, como a própria gripe o faz, mas as chances de sobrevivências são altas, mesmo sem existirem ainda um antiviral específico ou vacina contra o novo coronavírus.

Isso confirma as pesquisas com 36 mil pessoas atingidas na China: 80% dos casos foram brandos. Se, de um lado, o índice mortal é baixo, o de propagação pode ser alto.

Outro fator importante é a temperatura. O novo coronavírus surgiu em lugares frios, em pleno inverno. Há indícios de que o vírus sobrevive menos tempo no calor.

O governo brasileiro faz bem em pesquisar o efeito do coronavírus nos trópicos. No entanto, se ele for pouco resistente ao calor, isso não significa que estamos todos salvos. Indica apenas que teremos um fôlego, pois ele pode reaparecer no princípio do inverno, quando, aliás, aplicamos as vacinas contra gripe.

O governo tem tomado todas as medidas aconselhadas pela OMS. O problema é que uma crise desse gênero transcende à competência do setor de saúde.

Já existem tensões, por exemplo, entre o ritmo da economia e as medidas de segurança sanitária. No norte da Itália, alguns industriais acharam um exagero o fechamento temporário de algumas fábricas.

O próprio Donald Trump condenou a imprensa, afirmando que ela se limita a dar más notícias sobre o coronavírus. Alguns dos seus seguidores dizem que se trata apenas de uma gripe, e os exageros servem para enfraquecer Trump.

Ao designar o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, para coordenar a resposta ao coronavírus, quer parecer ter reconhecido a importância do tema.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, disse uma coisa importante num tipo de governo como o de Bolsonaro: vamos apostar nossas fichas na ciência.

Não creio que haja outro caminho além da coleta dos dados, análises e pesquisas científicas. Num campo político em que ainda sobrevivem grupos antivacina, a orientação baseada na ciência é um avanço.

O vírus chegou num momento difícil. O país está, de uma certa forma, dividido. A mais recente crise foi criada pelo próprio Bolsonaro, para variar.

Ele usou sua conta pessoal para divulgar manifestação a seu favor no confronto com o Congresso. Não creio que isto resulte em nada, exceto aprofundar a divisão nacional.

No artigo da semana passada, lembrei como o governo estava isolado. Sua única saída parece ser encarnar o espírito de Hugo Chávez e usar seus adeptos contra Congresso e STF.

Aliás, Congresso e STF que muitos criticamos, mas não abrimos mão de sua existência como instituições independentes.
Toda essa argumentação política parece-me simples. O difícil é constatar que o coronavírus pede uma resposta nacional e solidária.

Certamente, o debate político precisa continuar. Como encontrar nessas ásperas circunstâncias um denominador diante do coronavírus?

O vírus, como temíamos, chegou. Por mais que as pessoas se confrontem, é essencial que percebam a existência do inimigo comum.

Que tipo de acordo pode existir num país politicamente polarizado diante de uma pandemia? A esquerda é focada na distribuição de renda, ainda não chegou a considerar a distribuição de riscos. As multidões que usam transporte coletivo estarão mais vulneráveis.

Diante de novo problema, será preciso evitar o pânico e congelar o vírus da hostilidade para melhor combater o coronavírus.


Hélio Schwartsman: Ciência contra a epidemia

Torçamos para que os terraplanistas do governo continuem longe do Ministério da Saúde

A essa altura, parecem inúteis os esforços para manter o vírus que causa a covid-19 fora de fronteiras nacionais. A progressão da epidemia pelo mundo mostra que a doença, por provocar muito mais quadros leves do que graves, se espalha com facilidade e não será contida por quarentenas.

E o fato de o risco que cada indivíduo corre de morrer por causa da covid-19 ser baixo não significa que ela não vá causar estragos coletivos. No plano sanitário, o que preocupa é a pressão sobre os sistemas de saúde. O objetivo central das autoridades a partir de agora deve ser o de impedir que a curva de novas infecções suba muito rapidamente. Se conseguirmos espaçar o ritmo de contágio, será menor o pico de demanda sobre os hospitais, o que poderá evitar mortes por falta de ventiladores, por exemplo.

E como se faz isso? É preciso conquistar a confiança da população, que terá de ser convencida a mudar comportamentos. É importante, por exemplo, que as pessoas evitem correr para o hospital devido a quadros respiratórios leves. Também devem reforçar a lavagem de mãos e alterar a etiqueta de cumprimentos. Se a situação ficar ruim, deve-se cogitar de medidas mais drásticas como suspender aulas, eventos esportivos e culturais e adotar o trabalho remoto.

O problema é que há muita coisa sobre a biologia do vírus que ignoramos. Ele se espalha com menos eficiência no verão? Pacientes assintomáticos são bons transmissores? Quem já teve a doença se torna imune? Por quanto tempo? Cada resposta pode fazer muita diferença na hora de definir políticas públicas. Se uma infecção prévia não confere imunidade (ou só o faz de forma muito transitória), o modelo epidemiológico a orientar as ações muda substancialmente.

São questões a ser abordadas pela ciência e não pela ideologia. Resta torcer para que o núcleo terraplanista do governo continue com as garras longe do Ministério da Saúde.


Fernando Reinach: Coronavírus veio para ficar

Entramos em uma fase da epidemia em que o objetivo não é mais exterminar o vírus

Fernando Reinach, O Estado de S.Paulo

Já é consenso entre os epidemiologistas que o coronavírus se espalhará por todo o planeta e seremos obrigados a conviver com ele por muitas décadas. A grande dúvida é com que velocidade e intensidade ele se espalhará. É difícil acreditar, mas hoje é mais fácil prever o futuro distante (daqui 3 ou 4 anos) do que o futuro próximo (1 a 2 anos). Entender a causa dessa inversão é essencial para evitar pânico.

Daqui 3 ou 4 anos teremos uma relação com o coronavírus semelhante à que temos hoje com o vírus de sarampogripe e poliomielite. O vírus estará entre nós, mas terá dificuldades de se espalhar. Em 3 ou 4 anos, as vacinas muito provavelmente estarão disponíveis. E nessas condições, o vírus vai aparecer ocasionalmente, em pequenos surtos localizados. É claro que esse cenário não é certeza absoluta, mas é o mais provável dado o que conhecemos sobre epidemiologia, sobre vírus e as doenças que eles causam. Agradeça à ciência.

Agora vejamos por que o cenário de curto prazo (12 a 24 meses) é mais difícil de prever. Como ficou claro na China e agora na ItáliaIrã e Coreia do Sul, esse vírus se espalha rapidamente e infectados, mesmo com poucos sintomas, são capazes de transmiti-lo. E o mais importante é que toda a população mundial nunca teve contato com esse vírus. Em outras palavras, qualquer pessoa é uma vítima potencial. A grande incógnita é o quão rápido o vírus vai se espalhar. A boa notícia é que a humanidade, graças a séculos de investigação científica, é capaz de interferir na velocidade de propagação.

Vejamos possíveis cenários para os próximos 24 meses. No pior deles, o vírus infecta toda a população nos próximos 12 a 24 meses. Nesse cenário, 85% da população terá uma espécie de gripe forte que poderá ser tratada em casa, estará curada e ficará parcial ou totalmente imune ao vírus após uma ou duas semanas. Os 15% restantes terão de ser tratados em hospitais. Aproximadamente 10% da população terá complicações e algo como 2% morrerá.

Nesse cenário, quando a vacina estiver disponível, grande parte da população já estará imune. O principal problema nesse cenário, além de 2% de mortes, é o colapso do sistema de saúde como ocorreu em Wuhan, na China. Em ambientes onde o sistema médico não existe ou colapsa, a taxa de letalidade pode ser muito maior do que 2%.

Os outros cenários envolvem um espalhamento mais lento do vírus. Vamos imaginar o melhor cenário possível. Propriedades intrínsecas do vírus, associadas a variações climáticas e medidas de contenção, garantem que o número de casos por mês nos próximos meses não passe de, por exemplo, 40 mil (cerca de 50% do que tivemos nos últimos 30 dias). Nesse caso teríamos 6 mil hospitalizações por mês e aproximadamente 800 mortes por mês. Após 2 anos, a vacina estaria disponível e entramos em uma nova fase tendo convivido com um número menor de mortes e com um número de hospitalizações administrável. Nessas condições, é possível que a letalidade seja menor do que 2% pois os sistemas de saúde não serão sobrecarregados.

Nesse caso a imunidade contra o vírus no longo prazo vai depender de uma vacinação generalizada mais adiante, pois somente uma pequena parte da população terá sido infectada. Este também é um cenário extremo, difícil de acontecer, pois provavelmente exigiria medidas globais semelhantes às adotadas na China. Os outros cenários estão entre esses dois extremos e, em todos eles, o que determina a velocidade de espalhamento são medidas adotadas pelos governos, a disposição da população de aceitar essas medidas, e o custo para a economia global.

Essas minhas previsões são extremamente rudimentares. Os epidemiologistas que trabalham com modelos matemáticos estão quebrando a cabeça para produzir modelos mais precisos, enquanto outros cientistas tentam desenvolver a vacina. Em todos os cenários, o crucial é ganhar tempo, não deixando o vírus se espalhar rapidamente.

Agora estamos entrando em uma fase da epidemia em que o objetivo não é mais exterminar o vírus. Essa foi a batalha perdida na China nos últimos dois meses. Estamos no início da segunda, que será mais longa e difícil - seu objetivo é atrasar o espalhamento do vírus pelo planeta diminuindo ao máximo sua velocidade de propagação. E nela todos podemos e devemos nos envolver.

*É BIÓLOGO


Folha de S. Paulo: Genoma do novo coronavírus que infectou brasileiro é sequenciado

Cepa encontrada no país se aproxima de patógeno transmitido na Alemanha

Gabriel Alves, da Folha de S. Paulo

O Instituto Adolfo Lutz, em conjunto com o Instituto de Medicina Tropical da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e com a Universidade de Oxford, sequenciou o genoma do novo coronavírus que atingiu um brasileiro.

A pesquisa contou com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e do Medical Research Concil, no Reino Unido. O projeto Cadde, uma parceria entre os dois países para o estudo de arboviroses, desenvolve técnicas para monitorar epidemias em tempo real.

Ao "soletrar" as letras que compõem as "frases" do genoma do Sars-CoV-2, é possível aprender sobre como o vírus se espalhou e até mesmo detectar mutações que podem aumentar ou atenuar sua transmissibilidade.

O primeiro caso de coronavírus foi primeiramente testado pelo Hospital Israelita Albert Einstein e confirmado pelo Instituo Adolfo Lutz em 26 de fevereiro. O paciente esteve no norte da Itália, região que registrou um surto da doença na última semana.

A análise, preliminar, está disponível no fórum de discussão Virological.org, que é acessado por cientistas de todo o mundo.

Para Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical da USP, é importante ressaltar que quanto mais rapidamente as sequências dos vírus forem publicadas, mais se saberá sobre a trajetória da epidemia.

As mutações identificadas eventualmente também podem implicar na necessidade de adaptação dos testes diagnósticos, que buscam idealmente devem identificar regiões do DNA que não mudem tanto. Esses dados também são importantes para a produção de vacinas, já que os anticorpos produzidos têm idealmente que se ligar a todos os vírus daquela espécie, independentemente das cepas.

"A Itália ainda não tem nenhuma sequência enviada. Quando eles começarem a colocar as sequências deles, podem ter uma ideia de onde o surto do país começou. Digamos que apareça um novo caso em São Paulo; um sequenciamento pode ajudar a saber se pessoa pegou o vírus no avião, no aeroporto ou se veio de outro lugar", diz Sabino.

"O feito científico que os pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz concluíram hoje é grandioso e merece todos os nossos agradecimentos. O sequenciamento genético do coronavírus é um trabalho inédito e absolutamente fundamental para que novas vacinas sejam desenvolvidas. Isso mostra o comprometimento do Governo de São Paulo com o combate ininterrupto ao coronavírus e nosso apoio total à comunidade de pesquisadores em saúde", diz em nota o governador de São Paulo, João Doria.

O sequenciamento foi feito por meio de um dispositivo portátil. “Desde a década de 1970 se faz sequenciamento genômico, e a ideia era fazer sequenciamento em campo e trabalhar em tempo real. Esse sequenciador é menor que um celular e conectado a um computador por meio de um cabo USB. Consegue fazer um sequenciamento da célula de fluxo, como se fosse um chip onde estão os nanoporos. Dentro dele, colocamos as sequencias da amostra que vai ser lida ao passar pelos poros”, explica Jaqueline Goes de Jesus, do Instituto de Medicina Tropical.

Análises preliminares indicam que o genoma identificado no Brasil tem diferenças em relação ao de Wuhan, epicentro da epidemia e que duas mutações se aproximam da cepa da Alemanha, diagnosticada em transmissão em Munique, região da Bavária.

“Grupos internacionais têm demorado em média 15 dias para gerar e submeter as suas sequências relativas a casos de covid-19, o que destaca a relevância científica da pesquisa brasileira e o pioneirismo do Estado de São Paulo. Essa conquista certamente contribuirá para aprimorarmos as políticas públicas de vigilância e prevenção da doença”, afirma o Secretário de Estado da Saúde, José Henrique Germann.

Colaborou Cláudia Collucci


Agência Fapesp: Tecnologia que sequenciou coronavírus em 48 horas permitirá monitorar epidemia em tempo real

Karina Toledo, da Agência FAPESP

Apenas dois dias após o primeiro caso de coronavírus da América Latina ter sido confirmado na capital paulista, pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz e das universidades de São Paulo (USP) e de Oxford (Reino Unido) publicaram a sequência completa do genoma viral, que recebeu o nome de SARS-CoV-2.

Os dados foram divulgados nesta sexta-feira (28/02) no site Virological.org, um fórum de discussão e compartilhamento de dados entre virologistas, epidemiologistas e especialistas em saúde pública. Além de ajudar a entender como o vírus está se dispersando pelo mundo, esse tipo de informação é útil para o desenvolvimento de vacinas e testes diagnósticos.

“Ao sequenciar o genoma do vírus, ficamos mais perto de saber a origem da epidemia. Sabemos que o único caso confirmado no Brasil veio da Itália, contudo, os italianos ainda não sabem a origem do surto na região da Lombardia, pois ainda não fizeram o sequenciamento de suas amostras. Não têm ideia de quem é o paciente zero e não sabem se ele veio diretamente da China ou passou por outro país antes”, disse Ester Sabino, diretora do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP.

De acordo com Sabino, a sequência brasileira é muito semelhante à de amostras sequenciadas na Alemanha no dia 28 de janeiro e apresenta diferenças em relação ao genoma observado em Wuhan, epicentro da epidemia na China. “Esse é um vírus que sofre poucas mutações, em média uma por mês. Por esse motivo não adianta sequenciar trecho pequenos do genoma. Para entender como está ocorrendo a disseminação e como o vírus está evoluindo é preciso mapear o genoma completo”, explicou.

Esse monitoramento, segundo Sabino, permite identificar as regiões do genoma viral que menos sofrem mutações – algo essencial para o desenvolvimento de vacinas e testes diagnósticos. “Caso o teste tenha como alvo uma região que muda com frequência, a chance de perda da sensibilidade é grande”, disse.

Vigilância epidemiológica

Ao lado de Nuno Faria, da Universidade de Oxford, Sabino coordena o Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE). O projeto, apoiado por FAPESP, Medical Research Council e Fundo Newton (os dois últimos do Reino Unido), tem como objetivo estudar em tempo real epidemias de arboviroses, como dengue e zika.

“Por meio desse projeto foi criado uma rede de pesquisadores dedicada a responder e analisar dados de epidemias em tempo real. A proposta é realmente ajudar os serviços de saúde e não apenas publicar as informações meses depois que o problema ocorreu”, disse Sabino à Agência FAPESP.

Segundo a pesquisadora, assim que o primeiro surto de COVID-19 foi confirmado na China, em janeiro, a equipe do projeto se mobilizou para obter os recursos necessários para sequenciar o vírus assim que ele chegasse no Brasil.

“Começamos a trabalhar em parceria com a equipe do Instituto Adolfo Lutz e a treinar pesquisadores para usar uma tecnologia de sequenciamento conhecida como MinION, que é portátil e barata. Usamos essa metodologia para monitorar a evolução do vírus zika nas Américas, mas, nesse caso, só conseguimos traçar a origem do vírus e a rota de disseminação um ano após o término da epidemia. Desta vez, a equipe entrou em ação assim que o primeiro caso foi confirmado”, contou Sabino (leia mais em: agencia.fapesp.br/25356/).

Quebra de barreiras

O primeiro caso de COVID-19 no Brasil (BR1) teve diagnóstico molecular confirmado no dia 26 de fevereiro pela equipe do Adolfo Lutz. Trata-se de um paciente infectado na Itália, possivelmente entre os dias 9 e 21 deste mês. O sequenciamento do genoma viral foi conduzido por uma equipe coordenada por Claudio Tavares Sacchi, responsável pelo Laboratório Estratégico do Instituto Adolfo Lutz (LEIAL), e Jaqueline Goes de Jesus, pós-doutoranda na Faculdade de Medicina da USP e bolsista da FAPESP.

“Já estávamos prevendo a chegada do vírus no Estado de São Paulo e, assim que tivemos a confirmação, acionei os parceiros do Instituto de Medicina Tropical da USP. Já estávamos trabalhando juntos há alguns meses no uso da tecnologia MinION para monitoramento da dengue”, contou Saccchi à Agência FAPESP.

“Conseguimos quebrar algumas barreiras com esse trabalho. A universidade treinou equipes e transferiu tecnologia para que o sequenciamento pudesse ser feito no lugar certo, que é o centro responsável pela vigilância epidemiológica. É assim que tem de ser”, disse Sabino.

Além do Lutz e da USP, participam do Projeto CADDE integrantes da Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) e do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE), ambos ligados à Secretaria de Estado da Saúde.

Plano de contenção

O infectologista e professor da FM-USP Esper Kallás tem auxiliado a Secretaria de Estado da Saúde, desde meados de janeiro, a elaborar a estratégia de atendimento de pacientes eventualmente infectados pelo SARS-CoV-2. O Instituto de Infectologia Emilio Ribas e o Hospital das Clínicas da USP foram escolhidos como instituições de referência para atender os casos graves no Estado.

“O HC segue um protocolo para contenção de catástrofe chamado HICS [sistema de comando de incidentes hospitalares, na sigla em inglês], que já foi acionado no atendimento a vítimas do massacre escolar em Suzano [ataque que deixou dez mortos em 2019] e durante a epidemia de febre amarela de 2018. Agora, sabendo que possivelmente há uma epidemia de coronavírus a caminho, já estabelecemos todos os fluxos de atendimento”, contou.

Ainda segundo Kallás, foi criado um grupo de trabalho para discutir protocolos de estudos clínicos que serão feitos com os pacientes diagnosticados e atendidos na rede pública estadual.

“Esse planejamento estratégico e a rápida publicação do genoma viral são indicadores da capacidade que o Estado de São Paulo tem de responder com ciência de alta qualidade e de contribuir para o entendimento das ameaças à saúde da população”, afirmou.

Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.


El País: Da indústria ao mercado de turismo, disseminação do coronavírus já cobra fatura na economia brasileira

Sem receber componentes importados da China, fabricantes de eletrônicos reduzem produção no Brasil. Agências de viagem lidam com preocupação dos clientes e cancelamentos de viagens

A disseminação de casos do novo coronavírus (Covid-19) pelo mundo, inclusive no Brasil, tem elevado a preocupação sobre os possíveis efeitos que a doença terá sobre a economia global. Já se fala em uma redução do crescimento do mundo neste ano, mas ainda é cedo para mensurar qual será o tamanho da queda. No caso do Brasil, que tem como maior parceiro comercial a China ― epicentro da doença ― os impactos não devem ser pequenos. Em 2019, quase 30% das exportações brasileiras tiveram como destino o país asiático, com destaque para a soja, o minério de ferro e o petróleo. Diante da paralisia da economia chinesa neste início de ano, o quadro deve, no entanto, mudar. Segundo José Augusto Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), ainda não há dados concretos para dar a dimensão do problema atual. “O que já sabemos é que, infelizmente, teremos queda na quantidade de exportação e nos preços das commodities, como soja e minério. Para o Brasil é uma perda dupla”, explica.

A equipe econômica do Governo de Jair Bolsonaro ainda avalia os efeitos do coronavírus para uma eventual revisão nas projeções de crescimento neste ano, segundo declaração do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida. O secretário avalia que o risco é tanto no preço de commodities quanto no crescimento menor do mundo. “Se tivermos queda muito forte no crescimento mundial, afeta todo mundo e, claro, o Brasil também”, afirmou Mansueto. Por ora, a estimativa do Governo é que o PIB brasileiro crescerá 2,4% em 2020.

Fábricas reduzem produção

Além de ser um relevante comprador, a China é um grande fornecedor de insumos da indústria brasileira, especialmente a de eletroeletrônicos, que já sente os efeitos do surto da doença. Fabricantes de celulares, como a Motorola, por exemplo, tiveram que reduzir a produção de aparelhos devido a dificuldade de receber os componentes importados do país asiático. Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos de Jaguariúna (SP), cerca de 80% dos funcionários da Flextronics, responsável pela produção de celulares da Motorola, receberam um aviso de férias coletivas de 15 dias que termina nesta sexta-feira. Sem perspectiva de mudanças no curto prazo, a Flextronics prevê outro aviso de férias coletivas para parte dos funcionários no período de 9 de março até o dia 28.

O cenário de falta de componentes eletrônicos para abastecer os estoques da indústria brasileira se agravou nas últimas semanas, conforme levantamento Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee). De acordo com uma sondagem sobre o impacto do coronavírus Covid-19 na produção, 57% das 50 indústrias pesquisadas afirmaram enfrentar neste momento problemas no recebimento de materiais, componentes e insumos provenientes do gigante asiático. Há duas semanas, 52% disseram ter problemas.

As dificuldades do setor concentram-se principalmente entre os fabricantes de produtos de tecnologia da informação (celulares, computadores, entre outros). “O momento é delicado e devemos ter diversas paralisações daqui para frente”, explica Humberto Barbato, presidente executivo da entidade, em nota. A associação afirma que 4% das indústrias pesquisadas registram algum tipo de paralisação motivada pelos impactos do surto de Covid-19, e que 15% programam parar nos próximos dias, de forma parcial.

Outro setor que já sofre as consequências do avanço da doença pelo mundo é o do turismo. Agências de viagens reconhecem que a disseminação da doença para países europeus, como o caso da Itália, preocupa os brasileiros, que já se informam sobre a possibilidade de cancelar passagens já compradas para a Europa. Nesta quinta-feira, a Itália confirmou mais mortes pelo vírus, levando o número de vítimas fatais no país para 17. São 528 casos confirmados, o maior número no continente europeu.

O italiano Leonardo Bonella, proprietário da Genus Europa Tour, explica que a busca por viagens para a Itália, o décimo destino preferido dos brasileiros no ano passado, caiu muito depois do aumento de casos da doença no país. Bonella ainda não teve que cancelar nenhum pacote, mas já precisou acalmar alguns clientes sobre a situação da sua terra natal. "Acho que como sou italiano, eles ficam um pouco mais confiantes quando explico que apenas algumas regiões estão afetadas. É claro que é necessário precaução, mas algumas notícias são alarmistas", diz.

Com muitas ofertas de pacotes com destino para Ásia, Luiz Alvarenga, franqueado da Travelmate Intercâmbio e Turismo em Belo Horizonte, avalia que as decisões dos clientes têm variado. “Tenho uma cliente que fará um curso de três meses em Seúl, na Coreia do Sul, em abril, e ainda quer esperar o desenrolar do caso do coronavírus. Já um grupo que sairia em março para um tour na Ásia teve a viagem cancelada pela própria operadora. Mesmo que os locais não fossem epicentro da doença, não vale a pena ficar com medo de passear na rua”, explica.

Márcio Nakane, gerente da agência de turismo Flaptur, reconhece que a preocupação tem rondado os clientes, mas que os cancelamentos estão concentrados em viagens corporativas. “Os próprios eventos e cursos estão sendo cancelados”, diz. O Procon-SP orienta os consumidores que compraram passagens para países em que casos da doença foram comprovados, a procurarem o órgão se optarem por cancelar a viagem em razão da preocupação com o coronavírus. “Isso porque, nessa hipótese específica, que não tem previsão legal, faz-se necessário negociar com a empresa que não pode se recusar a oferecer alternativas ao consumidor”, explica a nota do Procon-SP.