coréia do norte

Gilles Lapouge: Trump é o problema na falta de acordo nuclear

Sul-coreanos atribuem ao presidente americano a culpa pelo fracasso do diálogo com Kim Jong-um

Em junho, Trump e Kim Jong-un reuniram-se em Cingapura e demonstraram que terminara o longo período de insultos e provocações entre a enorme América e o pequeno país comunista da Ásia. Em vez de nos odiarmos, vamos nos amar. Logo, os americanos descobriram que Pyongyang estava desmantelando seu local de lançamento de foguetes em Tongchang-ri. Então, se falou que a rústica diplomacia de Trump, de homem a homem, contando com a simpatia, funcionou.

Neste mês, Trump e Kim encontraram-se em Hanói. Sempre o sorriso e sempre o entusiasmo. Infelizmente, algumas horas depois, a reunião foi abruptamente encerrada. Os dois retornam aos seus países, rapidamente. A cabeça de Trump está em uma tempestade. A de Kim, impassível... Nenhuma explicação. Mas, menos de 48 horas depois, os americanos observam que os norte-coreanos estão prestes a reinstalar o local do lançador de foguetes que haviam desmantelado oito meses antes.

Essa é a diplomacia de Trump. Ele multiplica os golpes, abre os braços e o coração, fecha de novo o coração e os braços, passa do amor ao ódio num piscar de olhos. Saber exatamente o que aconteceu é quase impossível. Os dois são um mais mentiroso que o outro. Vamos tentar de qualquer maneira folhear os jornais dos EUA e da Coreia do Sul (uma vez que os jornais da Coreia do Norte não são acessíveis).

Vamos abrir o New York Times, jornal de alto conceito e livre. Para ele, Trump errou ao acreditar “que seu relacionamento pessoal com Kim seria suficiente para superar as diferenças”. Apesar disso, o NYT continua convencido de que um acordo é possível. Trump escreveu ao jornal americano, dizendo que estava certo em abandonar o encontro com Kim em vez de aceitar um acordo nuclear ruim. Mas isso mostra o quanto Trump se deixou manipular na sua primeira cúpula com Kim. O líder americano pode até ver um gênio quando se olha no espelho, mas “a arte da negociação” não é seu forte.

E o que pensamos sobre o lado coreano? O jornal sul-coreano Pressian nos diz em um artigo de 28 de fevereiro, assinado por Kim Chun-hyong: “Donald Trump é o responsável. Ele congelou o processo de paz. Como e por quê?”. Segundo o jornal: “Trump reiterou especialmente sua intenção de nada fazer antes mesmo de iniciar as discussões. Trump não parecia querer chegar a um acordo... O fracasso das negociações é atribuível aos Estados Unidos, não à Coreia do Norte”.

O Pressian explica: “Trump questionou o pedido de Pyongyang para suspender completamente as sanções, mas todos os outros elementos de seu discurso deixam claro que este não era o problema. De fato, os americanos queriam vantagens: a destruição da instalação de Yongbyon, ou seja, uma completa desnuclearização”.

Esta é a tese do jornal da Coreia do Sul: o fracasso se deve aos modos hipócritas do americano. Em sua conclusão, Kim Chun-hyong escreve: “Os genes da hegemonia dos Estados Unidos instalaram-se para sempre. Não podemos criticar aqueles que pensam que a Coreia do Sul deve continuar seus esforços, mas é preciso admitir que o desânimo desponta no horizonte. O governo sul-coreano enfrenta um momento de verdade: deve pensar friamente sobre quais devem ser suas escolhas, uma vez que os americanos abandonam unilateralmente esperanças de paz na Península Coreana.” / Tradução de Claudia Bozzo


O Estado de S. Paulo: Após cúpula histórica, Trump diz que interromperá ‘jogos de guerra’ na Península Coreana

Em entrevista coletiva, o presidente americano afirmou que Kim iniciou um processo de destruição de uma grande instalação de testes de mísseis, mas não especificou sua localização

WASHINGTON - Em entrevista coletiva realizada em Cingapura nesta terça-feira, 12, após a histórica cúpula com o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou que seu país irá interromper "seus jogos de guerra" na Península Coreana. Os dois se reuniram para discutir a desnuclearização da região, no primeiro encontro já realizado entre líderes dos dois países. Ao final da reunião, eles se sentaram em frente a jornalistas e assinaram um documento de cooperação.

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Trump destacou que encerrará as manobras militares conjuntas com a Coreia do Sul, mas que ainda não tem previsão para reduzir sua ampla presença militar no país. A suspensão dessas atividades culminará em uma "grande economia" para os EUA, de acordo com o líder americano, que qualificou esses exercícios como "provocativos". "Enquanto negociamos um acordo global, muito completo, acredito que não é apropriado realizar manobras militares."

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O líder americano ressaltou que convidará Kim a visitar a Casa Branca "no momento apropriado" e que o norte-coreano já aceitou o convite. Além disso, afirmou que está aberto a visitar Kim um dia em Pyongyang.

O encontro de Donald Trump e Kim Jong-un em Cingapura

O americano também disse que Kim iniciou um processo de destruição de uma grande instalação de testes de mísseis, mas não especificou sua localização. Ele afirmou que os detalhes sobre este local não estão na declaração conjunta que os líderes assinaram após quase cinco horas de conversas. Para Trump, a destruição desta instalação é uma "grande coisa".

O republicano destacou que Pyongyang tem um "arsenal significativo" de armas nucleares, e que o encontro com Kim deveria ter sido realizado há cinco anos. O presidente americano ressaltou ainda os esforços feitos para pressionar Kim a se livrar desses armamentos.

As negociações com o líder norte-coreano foram "francas, diretas e produtivas", segundo o americano, que acrescentou que abordou a questão dos direitos humanos durante o encontro histórico. Além disso, ele garantiu que as sanções contra Pyongyang prosseguem neste momento. "As sanções serão suspensas quando tivermos certeza de que as armas nucleares não serão mais eficazes", disse.

Trump afirmou ainda que espera que a Guerra da Coreia termine em breve. "Agora podemos ter a esperança de que termine em breve", disse ele, ao recordar que as hostilidades do conflito (1950-1953) terminaram com a assinatura de um armistício e não um tratado de paz.

O republicano afirmou que os EUA não têm muitas informações obtidas por órgãos de inteligência na Coreia do Norte, mas "temos o suficiente para saber que o que eles têm é muito significativo". Trump disse que Kim entende o que Washington tem pressionado durante as conversas e acredita que ele "fará essas coisas".

Ao fim da entrevista coletiva, Trump destacou que "provavelmente precisaremos de outro encontro", ou ao menos uma segunda reunião, com a Coreia do Norte enquanto discutem o compromisso de Kim com a desnuclearização de seu país.

Ainda assim, o líder americano disse que ele e Kim conseguiram abordar mais assuntos do que o esperado durante a cúpula. "Fomos muito mais longe do que eu poderia imaginar."

G-7

Trump afirmou que a reunião do G-7 realizada em Quebec foi boa, apesar das disputas, mas advertiu que as declarações do primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, custarão caro ao seu país. "Tive uma boa reunião com o G-7", disse o americano, ao rebater os comentários de que o encontro foi um fracasso. As declarações do premiê custarão "muito dinheiro" ao Canadá, completou.

Reações

O presidente sul-coreano, Moon Jae-in, qualificou o acordo assinado em Cingapura como um "acontecimento histórico que acaba com a Guerra Fria". "O acordo de Sentosa de 12 de junho ficará registrado como um evento histórico que ajudou a derrubar o último legado que restava da Guerra Fria na Terra", declarou ele após a reunião entre Trump e Kim.

O governo da China, maior aliado de Pyongyang, celebrou a cúpula e fez um novo apelo à "desnuclearização total" de seu vizinho. "Hoje, o fato de que os principais dirigentes dos dois países se sentam juntos para negociações de igual para igual tem um significado importante e constitui o começo de uma nova história", afirmou o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi.

"A China celebra e dá seu apoio", declarou o ministro ao ser questionado se o país sentia estar marginalizado pela aproximação entre Washington e Pyongyang. "É um objetivo que esperávamos e pelo qual trabalhamos."

Wang defendeu uma "desnuclearização total", tal como exige o governo americano. "Ao mesmo tempo é necessário um processo de paz para a península, para resolver as preocupações razoáveis da Coreia do Norte em termos de segurança", afirmou o ministro chinês. "Ninguém pode duvidar do papel importante e único desempenhado pela China. E este papel continuará", prometeu.

A União Europeia (UE) qualificou a cúpula como "passo crucial", que envia um "claro sinal" em direção à desnuclearização. "Esta reunião foi um passo crucial e necessário para aproveitar os avanços positivos obtidos com as relações intercoreanas" até esta data, indicou a chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini. / EFE, AP e AFP


José Monserrat Filho: Primeiro tratado da história que proíbe armas nucleares

“Nada é mais perigoso para a paz do que a existência de um conflito não resolvido e para cuja solução não se prescreve nenhum procedimento obrigatório.” Hans Kelsen (1881-1973), jurista austríaco que se mudou para os EUA em 1940, autor de “A Paz pelo Direito”, publicado em 1944.

O primeiro Tratado Internacional de Proibição das Armas Nucleares surge em tempos de altíssima tensão global. Foi aprovado pela Assembleia das Nações Unidas por 122 países membros da ONU, em 07 de julho deste ano, e lançado à assinatura e à ratificação dos países em 20 de setembro. O Brasil foi o primeiro a assinar. A iniciativa é inédita desde a criação da energia nuclear e a produção das primeiras bombas atômicas – lançadas em 06 e 09 de agosto de 1945 sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão. Nos primeiros quatro meses, os ataques nucleares mataram de 90 mil a 166 mil pessoas, em Hiroshima, e de 60 mil a 80 mil, em Nagasaki. Cerca de metade das mortes em cada cidade ocorreu já no primeiro dia.

Donald Trump, presidente dos EUA, ousou usar a tribuna das Nações Unidas para ameaçar com a destruição total um país membro da organização, sem o apoio de seu Conselho de Segurança. Essa ameaça não resistiria a um julgamento imparcial e justo.

A Organização das Nações Unidas – criada em 1945 – é a primeira organização política mundial com o objetivo inédito, na história do Direito Internacional, de proibir tanto a ameaça quanto o desencadeamento de novas guerras mundiais.

A Coreia do Norte, é verdade, tem construído armas nucleares (que seriam defensivas), em ações condenadas pelo Conselho de Segurança. Mas um bombardeio nuclear sobre esse país teria consequências trágicas incalculáveis não só para a Coreia do Norte, mas também para a Coreia do Sul, o Japão, a China, a Rússia e, certamente, para ampla região da Ásia, além de causar imenso trauma global. A desproporção entre as duas hipóteses é alarmante. Essa crise toda, disse muito bem o ministro do exterior da Rússia, Serguei Lavrov, “tem de ser resolvida de forma cuidadosa.” Ou seja, com diplomacia, inteligência, espírito público, e sem loucuras.

As armas biológicas e químicas já foram proibidas, respectivamente em 1972 e 1993, por tratados internacionais. O Tratado agora criado busca proibir a terceira e última categoria das armas de destruição em massa. As armas nucleares são as mais cruéis e indiscriminadas das três.As principais razões do Tratado de Proibição das Armas Nucleares estão expostas no Preâmbulo. Seus Estados-Partes se declaram “profundamente preocupados com as consequências humanitárias catastróficas que resultariam de qualquer forma de uso de armas nucleares” e “reconhecem a necessidade decorrente de eliminar por completo tais armas, pois esse segue sendo o único caminho para garantir que as armas nucleares nunca sejam usadas novamente, sob qualquer circunstância”.

Consideram-se “conscientes dos riscos causados pelo fato de que continuem existindo armas nucleares, inclusive detonações de armas nucleares por acidente, por erro de cálculo ou de modo deliberado”, e salientam que “esses riscos afetam a segurança de toda a humanidade e que todos os Estados compartem a responsabilidade de prevenir qualquer emprego de armas nucleares”.
Sabem muito bem que “as consequências catastróficas das armas nucleares não podem ser atendidas adequadamente, transcendem as fronteiras nacionais, incidem gravemente sobre a sobrevivência humana, o meio-ambiente, o desenvolvimento social e econômico, a economia mundial, a segurança alimentar e a saúde das gerações presentes e futuras, e tem efeito desproporcional sobre mulheres e crianças, inclusive como resultado da radiação ionizante.” Frisam ainda “o impacto desproporcional das atividades com armas nucleares sobre os povos indígenas”.

Reconhecem “os imperativos éticos para o desarmamento nuclear e a urgência de criar e manter um mundo livre de armas nucleares, mundo que é um bem público mundial de primeira ordem e responde a interesses tanto nacionais quanto de segurança coletiva.

Reafirmam “a necessidade de todos os Estados de cumprirem permanentemente o Direito Internacional aplicável, inclusive o Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Direitos Humanos”. Baseiam-se “em princípios e normas do Direito Internacional Humanitário, em especial no princípio pelo qual o direito das partes num conflito armado de eleger os métodos e meios de combate não é ilimitado, os padrões de distinção, a proibição de ataques indiscriminados, as normas sobre a proporcionalidade e as precauções a serem tomadas num ataque, a proibição do uso de armas nucleares, que, por sua natureza, podem causar sofrimentos supérfluos ou desnecessários, e as normas de proteção do meio-ambiente”.

Estão também preocupados com “a lentidão do desarmamento nuclear, a contínua dependência das armas nucleares nos conceitos, doutrinas e políticas militares e de segurança, e o desperdício de recursos econômicos e humanos em programas de produção, manutenção e modernização de armas nucleares”, sobretudo levando em conta a desigualdade hoje existente no planeta.

As proibições do Tratado Conforme o artigo 1º, cada Estado-Parte compromete-se a jamais e sob nenhuma circunstância:

a) Desenvolver, testar, produzir, fabricar, adquirir de qualquer outro modo, possuir ou armazenar armas nucleares ou dispositivos de explosão nuclear;

b) Transferir a nenhum destinatário armas nucleares e outros dispositivos de explosão nuclear, ou o controle sobre tais armas e dispositivos explosivos, direta ou indiretamente;

c) Receber a transferência ou o controle de armas nucleares e outros dispositivos de explosão nuclear, de forma direta ou indireta;

d) Usar ou ameaçar usar armas nucleares e outros dispositivos de explosão nuclear;

e) Ajudar, estimular ou induzir alguém, de qualquer modo, a realizar qualquer atividade proibida aos Estados-Partes pelo presente Tratado;

f) Solicitar ou receber ajuda de alguém, por qualquer meio, para realizar qualquer atividade proibida aos Estados-Partes pelo presente Tratado;

g) Permitir o estacionamento, a instalação e o lançamento de armas nucleares ou de outros dispositivos de explosão nuclear em seu território ou em qualquer lugar sob sua jurisdição ou controle.

A reação das grandes potências nucleares Nove são hoje os países detentores de armas nucleares: EUA, Rússia, China, França, Reino Unido, Índia, Paquistão, Israel e Coreia do Norte. Nenhum deles assinou o Tratado, e alguns dos mais poderosos dentre eles se opuseram à aprovação do Tratado, argumentando que a proposta ignora “a realidade” do mundo atual, é “idealista”. O fato novo é que, pela primeira vez na história das Nações Unidas, uma maioria de 122 países (o total de membros é de 193) conseguiu se unir e derrotar um pequeno número de grandes potências, cuja liderança tem sido marcada por ameaças de emprego de armas nucleares a quem se atrever a enfrentá-las.

Claro que há algo de irrealismo no Tratado de Proibição das Armas Nucleares. Seus Estados-Partes, obviamente, não contarão tão cedo com o apoio das grandes potências nucleares. Mas algo precisava ser feito, apesar da poderosa oposição minoritária. E foi feito. A longa e tradicional ausência de democracia nas relações internacionais já não funciona com a amplitude de antigamente. Algo parece estar mudando. Ainda bem.

* José Monserrat Filho, mestre em Direito Internacional, vice-presidente da Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA), ex-Chefe da Assessoria de Cooperação Internacional do Ministério da Ciência e Tecnologia (2007-2011) e da Agência Espacial Brasileira (AEB) (2011-2015), Diretor Honorário do Instituto Internacional de Direito Espacial, e Membro Pleno da Academia Internacional de Astronáutica. Ex-diretor da revista Ciência Hoje e editor do Jornal da Ciência, da SBPC, autor de “Política e Direito na Era Espacial – Podemos ser mais justos no Espaço do que na Terra?”, Vieira & Lent Casa Editorial, 2017. E-mail: <jose.monserrat.filho@gmail.com>.