Controle Fiscal

O custo da sobrevida de Temer: apagão fiscal em hospitais e perdão de dívidas a grupos de pressão

Com cirurgias suspensas e bolsistas ameaçados, ajuste fiscal prejudica população para salvação do presidente. Se Dilma e o PT quebraram a economia, Temer atrasa a recuperação

Como custo de sobrevivência do presidente Michel Temer (PMDB), o ajuste fiscal virou promessa distante e os serviços federais sucumbem às barganhas do governo para manter o apoio do Congresso a um presidente acusado de corrupção passiva, investigado por obstrução de Justiça e participação em organização criminosa. A blindagem na Câmara dos Deputados na semana passada adiou o início de uma ação penal contra Temer, mas a sobrevida do presidente custou mais de R$ 4 bilhões em emendas parlamentares antecipadas e mais de R$ 10 bilhões em dívidas refinanciadas em condições generosas para produtores rurais. A salvação estourou uma rebelião na base aliada. PP, PR, PSD e outros partidos do "centrão" cobram ministérios, cargos e verbas para apoiar Temer contra novas denúncias e votações na Câmara dos Deputados.

Em cada fatia cedida do orçamento para grandes doadores de campanha, como os ruralistas, e para interesses paroquiais de parlamentares, Temer destruiu o ajuste fiscal da equipe econômica do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, como mostrou reportagem do EL PAÍS. Essa sobrevida veio com um custo direto, com barganhas no orçamento, e também indireto, com a rodagem de juros da dívida pública em patamar mais alto do que seria esperado em condições normais de governabilidade. Por isso, embora a ex-presidente Dilma Rousseff e o PT tenham quebrado a economia do país e levado as contas públicas a essa situação de descalabro, Temer também não ajuda. O presidente atrasa a recuperação, porque sua permanência no poder custa fatia relevante do orçamento público – até agora, mais de R$ 14 bilhões – e dificulta a queda de juros, essencial para a retomada da atividade econômica.

Para compensar esse “custo Temer”, o presidente tenta manter as expectativas positivas do mercado em seu governo. Tão logo foi salvo de uma ação penal pela Câmara ele renovou promessas de aprovação de uma reforma da Previdência.

Mas a boa vontade do mercado deve ser testada na semana que vem, quando o governo federal deve anunciar uma ampliação da meta fiscal deste ano, de déficit primário de R$ 139 bilhões para R$ 159 bilhões. O acréscimo de R$ 20 bilhões à meta será necessário para evitar problemas com o Tribunal de Contas da União (TCU), que já alertou para o risco de descumprimento. O governo superestimou a previsão de arrecadação e não deve se beneficiar de concessões que ofereceriam receitas extraordinárias. Também deve ser anunciada a revisão da meta fiscal de 2018 para o mesmo patamar. A cifra significa a manutenção do rombo fiscal de 2016, que bateu R$ 159 bilhões e representou 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Se a meta fosse contabilizada em resultado nominal -descontando a inflação-, o desempenho seria pior ainda: 8,9% do PIB. Apenas para efeito de comparação, países da União Europeia ficam sujeitos a sanções se o déficit nominal fica maior a 3% do PIB.

Com um custo tão alto de sobrevivência, o governo Temer já discutiu até subir impostos. Os presidentes da Câmara e do Senado reagiram e avisaram que não aprovariam elevações de tributos. Isso tirou fôlego da discussão e Temer passou a dizer que essa hipótese, mesmo estudada, estava descartada.

Para cumprir a meta fiscal deste ano, o governo contingenciou mais de R$ 42 bilhões neste ano em despesas e impôs um apagão fiscal em várias repartições federais. Isso fez com que cirurgias fossem suspensas em hospitais federais e bolsas de pesquisa ficassem ameaçadas, além de atrasar ou encerrar outros serviços.

“A população fica no pior dos mundos, porque o governo faz concessões orçamentárias para se manter politicamente, sem benefício nenhum para as pessoas. Do ponto de vista fiscal, R$ 10 bilhões [de dívidas rurais] é uma perda tremenda. Não à toa o governo discutiu aumento de imposto de renda uma semana depois de dar perdão de dívida do setor rural”, afirma o economista Hélio Tollini, ex-secretário de Orçamento Federal no governo Fernando Henrique Cardoso e consultor de orçamento da Câmara dos Deputados.

No Hospital São Paulo, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o apagão fiscal é uma realidade que mata e adoece. Como só foram liberadas 70% das verbas de custeio e 40% das despesas previstas com investimentos, desde 31 de março o hospital não agenda cirurgias eletivas – só atende urgências. Pela falta de orçamento, ficou especialmente prejudicado o serviço de Hemodinâmica do complexo hospitalar, que chegou a atender 25 pacientes por dia e hoje só ajuda cerca de quatro pessoas por semana.

Também a pesquisa universitária está ameaçada. O CNPq só possui verbas para pagar 104 mil bolsas de pesquisa até setembro. Para o resto do ano, não há mais dinheiro em caixa. E esse número de bolsas é inferior às 138 mil bolsas financiadas pelo órgão no país no ano passado. Mas o presidente do CNPq, Mario Neto Borges, nega que tenham sido cortadas bolsas ou que tenham sido vetados novos pedido de financiamento. “Pode cortar o salário do presidente do CNPq, mas não vamos cortar bolsas”, afirmou ao EL PAÍS.

O CNPq precisa de R$ 500 milhões para encerrar 2017 sem deixar de pagar nenhum bolsista. Borges fez uma reunião com o ministro de Ciência, Tecnologia e Comunicações, Gilberto Kassab (PSD), para pedir que a equipe econômica libere essa verba. “Kassab falou que vai fazer uma reunião com a área econômica para colocar esse cenário e se diz confiante de que vai convencê-los de que esse valor deve ser liberado, mesmo que seja mês a mês. Não temos plano B, mas estou confiante de que vamos conseguir”, afirmou o presidente do órgão.

Nas últimas semanas, enquanto antecipava mais de R$ 4 bilhões no empenho de emendas parlamentares e cedia a outros grupos de pressão para barrar a denúncia na Câmara dos Deputados, Temer colheu derrotas no Congresso. O governo foi avisado de que não seria aprovado o Programa Especial de Regularização Tributária (Pert), uma espécie de novo Refis lançado pela Medida Provisória nº 783, sem que a medida ofereça um ajuste maior a devedores do Fisco. Com essa medida, o governo esperava arrecadar R$ 13,3 bilhões só neste ano com o refinanciamento de dívidas, mas as condições mais generosas exigidas por deputados impedem qualquer resultado perto disso. Também houve derrota do governo com o fim do prazo para votação da MP 774 de reoneração da folha de pagamento, com que o governo federal esperava retomar a cobrança de encargos previdenciários para arrecadar cerca de R$ 4,8 bilhões neste ano. Esses fracassos deixaram um buraco na meta fiscal.

Enquanto cede a barganhas e coleciona derrotas para recuperar receitas, o governo ainda espera aprovar a reforma da Previdência, algo considerado improvável por analistas. Isso porque os parlamentares estão mais preocupados em votar uma reforma política, para garantir condições mais favoráveis para reeleição em 2018. E, na véspera da campanha de 2018, parece pouco provável alcançar os votos necessários para passar medidas impopulares que prejudicam aposentadorias. No melhor cenário, especialistas cogitam que seja aprovada a elevação da idade mínima para aposentadorias. Parte do mercado financeiro só mantém a confiança no governo Temer pela esperança de que seja aprovada uma reforma da Previdência. “Fico até impressionado de ninguém da equipe econômica ter pulado fora ainda”, afirma Tollini.

O secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, monitora diariamente as despesas do governo federal e não tem dúvida. Para ele, não há nenhuma prioridade de Temer em alcançar bons resultados fiscais. “A prioridade de Temer é a salvação da própria pele. Isso torna a situação muito volátil”, afirma. “Nesse momento de fragilidade política, se avolumam pressões orçamentárias ao presidente e ele acaba cedendo a várias delas”, acrescenta. O custo da sobrevivência de Temer, como se percebe, já passou dos R$ 14 bilhões.

Por Daniel Haidar, do El País


A interminável crise política pode adiar a retomada econômica

Delação "do fim do mundo" e o avanço das investigações sobre a chapa Dilma-Temer colocam em xeque a habilidade do Governo para aprovar novas reformas

A convulsão política interminável no Brasil fez crescer o temor de que a ansiada retomada da economia não se concretize em 2017, ou seja aquém da esperada. Segundo economistas ouvidos pelo EL PAÍS, as investigações em curso derivadas da LavaJato  têm potencial para desestabilizar o Governo de Michel Temer e podem comprometer a habilidade do presidente promover novas reformas econômicas consideradas essenciais para o país, como a da Previdência e a trabalhista. Assim, mesmo com a troca de poder no Executivo, a crise instaurada em Brasília foi às alturas sob a luz das investigações sobre corrupção. O imbróglio político torna-se, assim, o maior entrave para tirar o país do atoleiro em que se encontra, segundo os especialistas.

Com um amplo horizonte de dificuldades, as estimativas de crescimento neste ano são bastante modestas. As estimativas das instituições financeiras sobre a atividade econômica brasileira também não são animadoras. O mercado financeiro projeta que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil feche 2016 com uma queda de 3,49% e calcula, para o ano que vem, um crescimento lento de 0,5%, segundo o último boletim Focus - o levantamento que escuta centenas de economistas de instituições financeiras.

"Estamos vendo o presidente sangrar com a crise ao redor dele. Há um temor muito grande em relação à delação da Odebrecht e o quanto ela pode atingir em peso o Governo Temer e afetar seu capital político", explica Sérgio Valle, economista-chefe da consultoria MB Associados. Para ele, com o ambiente rodeado de turbulências, é provável que Temer enfrente dificuldades em aprovar a impopular reforma da Previdência, considerada imprescindível para garantir o equilíbrio nas contas públicas brasileiras.

A possível decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2017, sobre a possibilidade de cassação da chapa Dilma-Temer apontam um futuro imprevisível no próximo ano. As investigações se iniciaram com uma ação do PSDB, que suspeitava que a campanha eleitoral daquele ano tivesse sido financiada com recursos públicos desviados – algo que tanto a ex-presidenta quanto o atual chefe do Executivo negam. "Se a chapa for cassada e Temer sair da Presidência, haverá uma forte instabilidade, o que atrasaria ainda mais a retomada econômica e afugentaria os investimentos. Seria algo muito turbulento", opina Valle.

É certo que há alguns sinais positivos no cenário, como a tendência de baixa dos juros nos próximos meses, depois que a inflação cedeu, uma vez que a recessão colaborou para a queda de preços. Além disso, há uma expectativa positiva de um ano próspero par ao setor agrícola, com uma esperada supersafra. Uma alta de matérias-primas pode contribuir para uma melhoria no âmbito internacional.  A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) projeta um aumento de 7,2% das exportações brasileiras em relação a 2016. Já as importações devem avançar 5,2% frente aos números registrados neste ano.

Até a chegada do controverso presidente americano  Donald Trump à Casa Braca poderia trazer surpresas. Num momento em que ele assume uma postura provocativa com a China, o xadrez do comércio internacional poderia ganhar novos lances e beneficiar, indiretamente o Brasil. “Somos concorrentes dos EUA em alguns produtos agrícolas que poderíamos importar para a China, por exemplo", explica.

Mas nada de concreto que assegure um futuro alentador para um governo frágil, sujeito até mesmo a ser cassado. O processo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que investiga as contas de campanha presidencial de 2014, pode ser definido em 2017, coloca uma espada na cabeça de Temer. Se houver comprovação de fraude, o TSE poderia pedir a cassação da chapa vencedora das eleições (Dilma-Temer), o que aponta um futuro imprevisível no próximo ano. As investigações se iniciaram com uma ação do PSDB, que suspeitava que a campanha eleitoral daquele ano tivesse sido financiada com recursos públicos desviados. "Se a chapa for cassada e Temer sair da Presidência, haverá uma forte instabilidade, o que atrasaria ainda mais a retomada econômica e afugentaria os investimentos ”, opina Valle.

Para além da sombra da cassação, Temer é a vidraça em meio a uma colheita ruim de dados econômicos derivados da recessão, como o desemprego que penaliza 12,1 milhões de brasileiros – 1,9 milhão deles perderam seus empregos nos últimos 12 meses – e que deve piorar no ano que vem. É ainda o mandatário que aplica remédios amargos garantindo que é o único caminho para reverter o mau agouro. Depois de empenhar-se em aprovar um ajuste fiscal que estabeleceu um teto de gastos por 20 anos, ele trabalha para a reforma da Previdência no próximo ano que afeta diretamente os mais vulneráveis. Assim, sua popularidade, que já é baixa – 8% de aprovação – fica ainda mais comprometida com essa coquetel de más notícias.

Ciente do tamanho da encrenca que precisa administrar, Temer decidiu anunciar na semana do Natal um pacote de medidas para tentar reagir ao cenário pessimista: antecipou a liberação dos saques do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), prometeu a redução dos juros de cartão de crédito e repaginou um programa de manutenção de emprego herdado de Dilma Rousseff.

Para o economista Nelson Marconi as medidas anunciadas são uma resposta ao cenário político deteriorado. “A economia continua patinando e o apoio político está diminuindo. Ele apresenta propostas paliativas, não são de estímulo real à demanda", explica. “O que a economia brasileira precisa é retomar o investimento público. Ao investir, o Governo demande produtos, serviços, contrata mais pessoas e estimula a economia”, explica Marconi.

Silvia Matos, pesquisadora da área de Economia da FGV, observa que parte do inferno astral que o país vive veio de um excesso de otimismo de que haveria uma melhora com o impeachment de Dilma que não se concretizou. “Ficou parecendo que tudo estaria resolvido para a retomada da atividade econômica, mas estamos passando por uma recessão severa, que necessita reformas estruturais muito radicais”, explica.

Os desafios de retomar o crescimento do país não estão concentrados apenas no ano que começa, mas também no cenário político de 2018. Entre os especialistas escutados pela reportagem, há um consenso de que a estabilidade econômica só deverá voltar de forma definitiva caso haja uma eleição presidencial razoável daqui a dois anos. "Dada essa turbulência que estamos vendo nos últimos anos, a chance de você ter um cenário político bem atípico, com muitos nomes, com muitas incertezas está crescendo. Aí a chance de alguém, um salvador da pátria ganhar, e continuar com a instabilidade aumenta", explica o economista Sérgio Valle.

A economista-chefe da corretora XP Investimentos, Zeina Latif, também concorda que há risco das eleições de 2018 serem tumultuadas com candidatos com agendas que não são de continuidade do ajuste fiscal, comprometendo ainda mais a retomada do crescimento. Por isso, para a economista, o curto prazo e o 2017 serão fundamentais para a qualidade da política em médio e longo prazo. Em um cenário benigno, Lafit acredita que uma inflexão da atividade econômica pode ocorrer no último trimestre do próximo ano. "No entanto, até lá, ainda há muito em jogo", afirma.


Fonte: brasil.elpais.com