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Comida, gasolina, conta de luz: por que está tudo tão caro no Brasil?

Comida, gasolina, a conta de luz. Tudo está mais caro no Brasil

Camilla Veras Mota / BBC Brasil

Em agosto, mais uma vez, a inflação oficial do país veio acima do esperado. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA, medido pelo IBGE, acelerou para 9,68% no acumulado em 12 meses, levando a uma onda de revisões entre os economistas.

Nesta segunda-feira (13/9), o Boletim Focus do Banco Central, que colhe estimativas entre dezenas de consultorias e instituições financeiras, registrou a 23ª alta consecutiva da mediana das projeções para o IPCA no fim de 2021, que agora está em 8%.

O aumento generalizado de preços é um produto de diferentes causas, muitas delas combinadas. A BBC News Brasil explora algumas por meio da trajetória dos três elementos que mais têm empurrado a inflação para cima nos últimos meses: combustíveis, alimentos e energia elétrica.

Trajetória da inflação. Acumulado em 12 meses - em %.  .

O efeito cascata da gasolina

O preço médio da gasolina comum no país chegou a R$ 6 na semana até 11 de setembro, conforme os dados mais recentes da Agência Nacional do Petróleo (ANP). O preço máximo, ainda de acordo com a base, passa de R$ 7 em alguns locais.

O preço dos combustíveis no Brasil segue o comportamento dos preços lá fora. Desde 2016, a Petrobras se orienta pelo Preço de Paridade Internacional (PPI), que leva em consideração a cotação do barril de petróleo e o câmbio. Assim, esses dois fatores explicam boa parte do aumento dos combustíveis nos últimos meses.

O preço do barril de petróleo vem em uma sequência de alta forte desde o início deste ano. De um lado, por conta da maior demanda, depois da abertura de muitos países que começaram a vacinar contra a covid. De outro, por conta da própria dinâmica da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep).

Ela concentra cerca de 40% da produção global da commodity e às vezes segura os estoques para valorizar o barril. Em julho, a organização comunicou que voltaria a ampliar gradativamente a oferta, dado o crescimento expressivo dos preços neste ano.

Como a cotação é feita na moeda americana, o dólar também tem impacto direto — e o real segue perdendo valor.

A questão do dólar é um capítulo à parte, que tem inclusive confundido os economistas nos últimos meses, como retratado recentemente pela BBC News Brasil.

De forma resumida, a forte desvalorização do real é reflexo de fatores externos, como a expectativa de crescimento dos Estados Unidos e de aumento dos juros no país, mas também da forte instabilidade interna que o Brasil atravessa.

Os conflitos do presidente Jair Bolsonaro com os demais poderes e a antecipação do debate sobre as eleições de 2022 têm contribuído para construir um ambiente de incerteza que afasta investidores, que preferem levar seus dólares para mercados mais seguros.

De volta aos combustíveis, o impacto do aumento vai bem além de quem precisa encher o tanque. O efeito cascata pressiona custos como o do transporte público e do frete, com reflexo sobre os preços de uma miríade de produtos.

Mulher diante de prateleira de supermercado
Alta do dólar também influencia preços dos alimentos. Foto: BBC/Getty Images

Conta salgada também no supermercado

Inclusive nos preços dos alimentos, que também vêm numa trajetória de alta há meses.

Neste caso, mais uma vez o dólar influencia, e com um duplo efeito. Como as commodities agrícolas — milho, açúcar, carne, café, trigo, laranja — são cotadas em dólar, sempre que ele sobe, o preço delas em real tende a subir também.

Em paralelo, o dólar alto incentiva o produtor a exportar em vez de vender para o mercado interno. Isso reduz a oferta doméstica e também ajuda a empurrar os preços para cima.

Aos dois fatores se soma um outro que tem contribuído para diminuir a disponibilidade interna de alimentos: a seca histórica que afetou o Sudeste e o Centro-Oeste.

A falta de chuvas provocou quebra de safra em importantes regiões produtoras e afetou a cultura do café, da laranja, do milho, da soja, do açúcar, como explicou o gerente de consultoria Agro do Itaú BBA, Guilherme Bellotti.

O milho e a soja, por exemplo, têm uma espécie de efeito cadeia. Eles são matéria-prima para a ração usada na indústria de aves, suínos e bovinos — ou seja, também pressionam o preço das carnes.

O açúcar, por sua vez, é matéria-prima para a produção do etanol — que também é usado na composição da gasolina vendida nos postos.



Mais cara e mais escassa

Para além dos alimentos, a seca também ajuda a explicar o aumento da energia elétrica. Com a redução dos níveis dos reservatórios em hidrelétricas importantes neste ano, foi preciso acionar usinas termelétricas, movidas a gás natural, óleo diesel, biomassa e carvão, para compensar a redução da oferta pelas hidrelétricas e, mais recentemente, importar energia de vizinhos como Argentina e Uruguai.

A energia termelétrica não é apenas mais poluente, é também mais cara, daí a razão porque a conta de energia tem vindo com um adicional, a bandeira escassez hídrica, anunciada pelo governo no último dia 31 de agosto.

Usina de Itaipu
Com redução da produção de hidrelétricas, país necessitou acionar usinas térmicas e até importar energia. Foto: BBC/Getty Images

Até então, o maior valor previsto pelo sistema de bandeiras tarifárias era a bandeira vermelha patamar 2, que estava vigente. A bandeira escassez hídrica vai ser cobrada pelo menos até abril do próximo ano, adicionando R$ 14,20 às contas de luz a cada 100kW/h consumidos. O valor é cerca de 49% maior que o da bandeira vermelha patamar 2, que previa pagamento extra de R$ 9,49 a cada 100kW/h.

Em paralelo, a situação crítica dos reservatórios acendeu um debate sobre os riscos de apagão e de racionamento — e a demora do governo para reagir.

Desde maio, quando o cenário de restrição de chuvas começou a ficar mais claro, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, tem repetido que não existe possibilidade de apagões e racionamento no país. No fim de agosto, quando anunciou a bandeira mais cara, o governo lançou um programa para redução voluntária do consumo de energia.

Dias antes, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informara que, a partir de outubro, a geração seria insuficiente para fazer frente à demanda, sendo necessário aumentar o nível de importação e acionamento de térmicas para evitar apagões.

Supermercado em Brasília, em 27 de fevereiro de 2021, com faixas de preços dos produtos na entrada.
Aumento da cotação do milho e da soja também empurra preços das carnes para cima. Foto: EPA

Mais inflação, menos crescimento

Ao contrário de outros ciclos inflacionários pelos quais o Brasil passou, este não é puxado por uma alta da demanda por parte dos brasileiros, mas por choques do lado da oferta — a seca, o dólar, o petróleo, etc.

De forma geral, os choques causam um aumento de preços temporário e se dissipam. Desta vez, contudo, eles têm sido persistentes e vêm contaminando outros preços, como observou o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves. Em relatório enviado a clientes, ele avalia que a inflação, que até o início da pandemia vinha em uma trajetória benigna, "mudou de patamar".

Como resultado, o Banco Central vem apertando cada vez mais os juros. A Selic mais alta eleva o custo do crédito e contribui para reduzir ainda mais a demanda e desacelerar a economia.

É por isso que, em paralelo às revisões das estimativas para a inflação, os economistas também estão revendo para baixo suas previsões para o PIB (Produto Interno Bruto) de 2022. Entre as casas que reduziram as projeções nesta semana estão J.P.Morgan, de 1,5% para 0,9%; Itaú, de 1,5% para 0,5% e XP, de 1,7% para 1,3%.

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58575812


Arnaldo Jordy: É preciso taxar os bancos

A direção da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) admitiu, em audiência com representações de consumidores, na última semana, que o peso das tarifas no Brasil está atingindo “níveis preocupantes”. Eu diria que os níveis são exorbitantes e têm sacrificado sobremaneira a população, muitos deles acossados pelo desemprego, que atinge 12 milhões de brasileiros e expõe a face mais cruel da crise escancarada desde 2014, no governo de Dilma Rousseff.

Os paraenses conhecem bem a política tarifária injusta para energia. Aqui pagamos uma das tarifas mais caras do mundo, mesmo morando em um Estado produtor e exportador de energia hidrelétrica. O mesmo pode ser dito sobre os preços dos combustíveis e do gás de cozinha. O botijão teve, em 2017, a maior alta em 15 anos. A gasolina e o diesel dispararam com a política da Petrobras de repassar para o consumidor os impactos sazonais e variações externas nos preços do petróleo.

Isso mostra que o governo federal tenta sair do buraco da crise sacrificando o lado mais fraco, o das pessoas comuns, que já pagam a 5ª maior carga fiscal do planeta, muito mais que os bancos, em proporção aos seus parcos rendimentos. E agora, com a privatização da Eletrobras em curso, a lógica do lucro sobre o bolso do consumidor deverá ganhar contornos ainda mais preocupantes. Enquanto isso, o governo federal abre mão de R$ 238 bilhões em incentivos fiscais no Orçamento de 2018.

Então, como enfrentar o déficit fiscal de 170 bilhões de reais ao ano, que está na razão direta de todos esses arranjos econômicos que afetam o cidadão comum? A saída pelos empréstimos está fora de cogitação, pelo endividamento estratosférico que o Brasil apresenta. A receita é letal: a dívida é paga com juros, com o governo tendo um gasto ainda maior para quitá-la, o que resulta no aumento do rombo.

Economistas da USP informam que, este ano, os cinco maiores bancos do país terão lucro líquido total de 120 bilhões de reais. Por que não taxar excepcionalmente esses lucros para cobrir o rombo do país, cujo déficit primário, em doze meses, até janeiro, é de 100,3 bilhões, equivalentes a 1,53% de todo o PIB do Brasil.

Uma reforma tributária viria a calhar, neste momento, para propor uma solução parecida com a que foi adotada na Hungria, em 2010, quando o primeiro-ministro, Viktor Orban, em vez de aumentar o seu endividamento para tapar o rombo, que acabaria ainda maior pelo pagamento de juros dessa dívida, num ciclo vicioso que o Brasil conhece bem, resolveu incentivar a atividade produtiva, pela sua capacidade de gerar empregos e movimentar a economia, e anunciou um imposto especial, válido por três anos, sobre o setor bancário, depois de constatar que este havia sido o setor que mais havia lucrado nos anos anteriores.

Os bancos foram convencidos a contribuir com esse esforço nacional, para que o país saísse da crise. Ao salvar a economia com a taxação extra, a Hungria criou condições para que as empresas pudessem buscar crédito nos mesmos bancos que foram taxados e que recuperaram, no médio prazo, o sacrifício feito naqueles três anos.

No Brasil, bastaria que o país regulamentasse o que diz a Constituição de 1988, que instituiu a taxação sobre grandes fortunas, que nunca saiu do papel. Sem isso, quem ganha menos no Brasil acaba pagando mais imposto, já que a maior parte dos tributos, 56% deles, é cobrada de forma direta, embutida nos preços dos produtos e serviços, que consomem uma parcela bem maior dos rendimentos dos que ganham menos. Uma queda no desemprego já seria suficiente para aumentar a arrecadação e fazer o país sair da crise em que continua atolado e recuperaria a capacidade de investimento do governo nas obras de infraestrutura que o país precisa e no bem-estar da população.

* Arnaldo Jordy é deputado federal pelo PPS-PA