Congresso Nacional

Gaudêncio Torquato: A saída para a crise

A crise que assola a democracia representativa, relembrando as lições de Rogér-Gerard Schwatzenberg, tem como fundamentos, entre outros, o declínio da força dos Parlamentos, a desideologização, o amortecimento dos partidos, o desânimo das massas eleitorais ante o desempenho dos representantes e a escassa capacidade da política para promover avanços nas estruturas do Estado.

Os efeitos da crise se fazem mais fortes em democracias ainda incipientes, onde as instituições não alcançam altos níveis de solidez e, por conseguinte, padecem de frequentes tensões. Nesses espaços, a corrupção acaba ganhando volume.

É o caso do Brasil, que, desde a instalação da República, em 1889, alternou ciclos democráticos com ciclos autoritários. Nossa primeira Constituição, em 1891, abrigou preceitos preservadores de direitos individuais e garantias democráticas, perdurando até 1930, quando o país passou a conviver com desajustes que levaram à centralização autoritária da Constituição de 1937.

O mando autoritário segue até 1945, após a ditadura getulista, reinstalando-se, com a Constituição de 46, os horizontes democráticos que vão até 1964.

O golpe militar fecha novamente os portões democráticos, que começam a ser reabertos a partir de 1982 com a eleição de governadores pela via direta.

Em 1986, o país abre as comportas da redemocratização, com eixos fixados na CF de 88.

Sistema híbrido

Em todo esse tempo, o Brasil conviveu com os elementos tradicionais que ancoraram o regime republicano: o presidencialismo, o federalismo, o bicameralismo, o multipartidarismo, o voto uninominal e dois tipos de sistema eleitoral (proporcional e majoritário), que acabam conferindo caráter híbrido à nossa democracia.

A presença do Estado sempre tem sido muito forte na vida dos cidadãos, a ponto de convivermos com uma “cidadania regulada”, forma que o historiador José Murilo de Carvalho designa de “estadania”, cujas origens apontam para a inversão da pirâmide dos direitos.

Ao contrário, por exemplo, da Inglaterra que, de acordo com Tomas Marshall, implantou, no século XVIII, primeiramente os direitos civis, e somente um século depois, os direitos políticos, fechando a pirâmide, bem mais tarde, com os direitos sociais. Por aqui, invertemos a tríade: implantamos os direitos sociais antes da expansão dos direitos civis.

Dessa forma, os direitos sociais apareceram não como conquista dos trabalhadores, mas como “doação”, um favor, um presente do ditador Getúlio Vargas, fato que acabou tornando as massas “refém” do Estado e da figura do presidente.

Na Inglaterra, tais direitos foram conquistados.

Não por acaso, o presidencialismo exerce entre nós forte atração, sendo o regime de governo mais simpático aos habitantes.

O país caminhou na direção contrária às Nações desenvolvidas, que reduziram o tamanho de seus Estados, conformando-os ao grau de cidadania de seu povo. Portanto, as mazelas geradas pelo patrimonialismo aqui são alimentadas pelas “tetas do Estado”, fato que impede rápidos avanços e dificulta a instalação de reformas fundamentais ao desenvolvimento.

Esse pano de fundo de nossa cultura política explica o agravamento da crise que consome as energias do país e dá vazão à tese: se a democracia representativa atravessa momentos turbulentos em outras regiões do mundo, por aqui vive seu ápice.

Não há mais como sustentar os pilares tradicionais de nossa República. Por isso, avoca-se a necessidade de discutir outras ferramentas que compõem as vias democráticas, a começar pelo sistema de governo.

Nosso presidencialismo já deu o que tinha de dar. Chegou a hora de abrimos um portão no condomínio do presidencialismo.

A via parlamentarista é uma boa saída para a crise. Já está amadurecida a ideia de conferir maior poder aos representantes do povo, atribuindo ao Parlamento o exercício de tarefas hoje atribuídas ao Executivo. Essa alternativa pode equacionar os impasses hoje vividos.

Reforma política

Há, porém, uma barreira para a mudança de regime: a baixa qualidade de nossa representação.

Não dispomos de um corpo parlamentar ajustado ao modelo parlamentarista. Ademais, não há condições de se estabelecer um regime parlamentarista sob o gigantesco balcão que acolhe 35 partidos.

Para a convivência entre os conjuntos da situação e da oposição, o Parlamento carece de um leque de não mais que 7 a 8 partidos. As correntes de pensamento e opinião estariam bem representadas.

O modelo brasileiro continuaria a preservar valores de nossa cultura política. A figura do presidente, por exemplo, ao contrário do simbolismo que detém no modelo alemão, poderia abarcar alguns poderes administrativos.

É o caso de adotarmos modelagem similar ao parlamentarismo francês, também chamado de semi-presidencialismo, um sistema híbrido com essas características: eleição pelo voto direto do presidente da República para um mandato de 7 anos, com direito à reeleição; um gabinete presidido por um Primeiro-Ministro nomeado pelo presidente dentre os deputados do partido ou coalizão majoritária.

O presidente ocupa-se da política externa e da defesa nacional e preside o Conselho de Ministros; nomeia e demite os ministros atendendo solicitação do Primeiro-Ministro.

Será difícil? Sim, mas não impossível.

O nosso conjunto parlamentar precisa enxergar o amanhã, não apenas as conveniências pessoais. Já tivemos experiências parlamentaristas no passado: no 1º e 2º Reinados, com o imperador exercendo o Poder Moderador e, entre 1961 a 1963, no governo João Goulart.

Ocorre que nossa tradição presidencialista sempre deu as cartas. O poder da caneta presidencial (também de governadores e prefeitos) exerce enorme atração.

O roteiro é este: reforma política limitando o número de partidos, implantação do sistema majoritário (ou misto) para a eleição de representantes, adensamento doutrinário das siglas, entre outros aspectos.

O fato é que o país chegou ao final da linha em matéria de vícios, distorções, contrafações e mazelas. Não haverá instituição forte se a política não mudar seus costumes. A taxa de corrupção seria menor com instituições sólidas.

As crises políticas não chegariam a abalar o país. A democracia brasileira daria um salto de qualidade.


* Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação


Marco Aurélio Nogueira: O País possível

Se nada acontecer de substantivo no próximo ano e meio, as eleições de pouco servirão

Conforme o roteiro estabelecido, em outubro de 2018 será eleito um novo presidente, recomposto o Congresso Nacional e alterada a chefia dos governos estaduais. Há uma expectativa de que, então, se iniciará a superação da crise que hoje ameaça derreter a República. Será isso mesmo?

Olhemos para Brasília. Deputados dedicam-se a encontrar brechas para se reeleger. Querem escapar da Justiça e do repúdio dos eleitores e estão dispostos a pagar o preço necessário para conseguir isso. Inventam dispositivos para que candidatos não possam ser presos e para que os partidos sejam regiamente financiados. Não ligam se os remendos que idealizam ferem a dignidade republicana e andam de costas para o que pensam os cidadãos. Acreditam que ao fim e ao cabo conseguirão mais uma vez iludi-los.

Os candidatos presidenciais até agora anunciados, por sua vez, expressam os descaminhos que temos trilhado. São corresponsáveis pelo nível a que chegamos. Não trazem qualquer esboço de novidade, nem sequer na retórica. De Lula a Bolsonaro, passando por Ciro Gomes, Alckmin e Doria, temos mais do mesmo, uma política que insiste em não se renovar.

Falam uma língua que compreendemos, mas que nada diz. O País que nos apresentam é uma ficção que estaria ao alcance das mãos de quem tem “vontade política”.

Lula enche a boca ao falar do seu “projeto político”, mas não o apresenta a não ser como desejo incontido de voltar ao poder, nele acampar para fugir de Moro e fazer as mesmas coisas de sempre. Ciro segue caminho quase idêntico, impulsionado pela boca gulosa, pronta para lacerar os adversários, mas carrega no peito aquela faixa surrada do nacionalismo populista que tanto estrago já causou. Bolsonaro é um caso singular, tamanhas são as aberrações que nele se incrustam: oferece um roteiro teratológico, a meio caminho entre o militarismo autoritário, a ditadura política e o ódio contra minorias, tudo devidamente temperado pela grosseria e pelo horror à política, à democracia, à representação. Já os postulantes tucanos não se preocupam em ir além de um antipetismo visceral, na vã expectativa de que isso mobilize o eleitorado.

Enquanto esses candidatos preparam suas campanhas, a sociedade segue para o precipício. Expõe ao mundo suas vísceras envenenadas, suas chagas históricas, que vão da desigualdade abismal à violência cotidiana, da corrupção pública aos assassinatos por balas perdidas, do despreparo das forças policiais à insanidade das facções criminosas. São índios e ambientalistas dizimados, 50 mil jovens assassinados por ano, crimes aos montes, cidades inseguras, um desencanto que corrói a alma do cidadão, encurralado por processos que não consegue controlar.

Ficamos olhando para as urnas de 2018, como se delas pudesse sair, por encanto, um País pronto e acabado.

Eleições diretas não deveriam ser desperdiçadas. Não podem ser vividas como um episódio a mais de nossa série preferida. Precisam ser preparadas para que representem um avanço. Se nada acontecer de substantivo no próximo ano e meio, porém, elas de pouco servirão, não trarão nenhuma visão de futuro, nenhum entusiasmo cívico. Serão arranca-rabos entre candidatos conhecidos, com estratégias de marketing e campanhas negativas que já vimos para onde nos podem levar.

O nosso é um macroproblema. Não são somente os políticos ou os partidos, tomados em conjunto ou isoladamente. É o sistema todo que apodreceu, corroído pela desqualificação dos quadros e pela corrupção, que corre nas veias aos borbotões. Faltam honestidade e caráter, mas falta também uma visão estruturada sobre o que fazer. É falsa a ideia de que sabemos quais são as prioridades nacionais e que caminhos nos permitirão alcançá-las. Há um déficit brutal de consenso. O legado dos ciclos políticos mais recentes, desse ponto de vista, é trágico.

Não precisamos de mais disputas por cargos, verbas e recursos de poder. Ainda dá tempo de se chegar a um plano que defina prioridades, reformas, estratégias de desenvolvimento e projete a sério um sistema de educação, de saúde, de habitação, de infraestrutura, de ciência e tecnologia. O que houver de energia e discernimento nos partidos, na sociedade civil, nos movimentos sociais precisaria convergir para um ponto mínimo de unidade, a partir do qual possam ser forjadas ideias consistentes, distantes do malabarismo marqueteiro, da demagogia populista e do radicalismo estéril. Ideias que atualizem o País ao mundo, promovam sua interação ativa com a nova sociedade que emerge.

Sem isso, tanto faz saber em quem vamos votar em 2018.

Presidentes são pessoas. Podem pouco. O segredo está nas articulações que os patrocinam e sustentam; está no pacto que podem coordenar, na “teoria social” em que se apoiarem. Mais importantes do que eles são o programa de ação que se dispuserem a cumprir, os representantes parlamentares que com eles governarem, as ideias que os orientarão.

Em vez de ficarmos perdendo tempo para ver se Lula será ou não candidato, se o PSDB virá com Alckmin ou Doria, se Bolsonaro conseguirá encarnar finalmente o Lord Voldemort que carrega no bolso, se a súcia parlamentar será finalmente afastada, o certo seria trabalharmos para projetar o País que queremos. Que não será o País da esquerda, do centro ou da direita que estão aí, porque essas posições nem sequer honram o nome que buscam carregar, ao menos até agora. Na melhor das hipóteses, será um País possível, melhor que o atual.

Ainda dá tempo. Arquivemos o maximalismo que transfere a um presidente “mágico” o poder de reformular tudo. Pensemos no passo a passo, a ser lapidado pela política com um “p” maior, que faça os representantes pensarem mais no coletivo que em seus próprios interesses. Valorizemos a política, não só para termos eleições mais limpas e frutuosas, mas para que nos encontremos com o País em que queremos viver.

*Marco Aurélio Nogueira é professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp

 

 


Roberto Freire: Preocupação na comunidade científica

Uma das áreas mais importantes e estratégicas para o desenvolvimento do Brasil está em estado de alerta. O recente corte de 44% no orçamento destinado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), anunciado em março deste ano pelo governo federal como uma das medidas emergenciais em meio a uma das mais profundas crises econômicas da história do país, repercutiu de forma negativa na comunidade científica. A necessidade de redução dos investimentos da máquina federal por meio do ajuste fiscal, que atingiu praticamente todos os ministérios, e o cumprimento da lei do teto dos gastos públicos, promulgada no fim do ano passado, são dados inexoráveis da realidade, mas é evidente que uma redução significativa em um setor crucial para o futuro do Brasil causa enorme preocupação.

O corte no orçamento do MCTIC para 2017 é de nada menos que 44%, reduzindo o investimento de R$ 5,8 bilhões para R$ 3,2 bilhões. Para que se tenha uma ideia da magnitude dessa redução orçamentária, trata-se do menor valor disponibilizado para a área científica e tecnológica nos últimos 12 anos (desde 2005). O impacto de tamanha diminuição de verba para a pasta foi tão expressivo que uma das mais prestigiadas revistas sobre ciência do mundo, a “Nature”, publicou recentemente uma reportagem em que detalha a precária situação do setor no Brasil e a repercussão do corte orçamentário junto aos profissionais da área.

Nesse diapasão, vale destacar o manifesto publicado por representantes de alguns dos mais importantes centros de pesquisa do Brasil no qual há duras críticas à diminuição do orçamento do MCTIC. Segundo o documento assinado pelos especialistas, a medida “causará danos irrecuperáveis a instituições estratégicas, alijando o Estado brasileiro de instrumentos essenciais para qualquer movimento de recuperação de nossa economia”. O texto ainda chama a atenção para as dificuldades enfrentadas pelos institutos federais de ciência e tecnologia, cuja existência estaria ameaçada. Assinam a nota 19 instituições, entre as quais o Observatório Nacional (ON), o Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa) e o Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA).

Uma das maiores autoridades na área, Mayana Zatz, professora titular do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), lembrou em entrevista recente que o Brasil já tinha, antes mesmo dos cortes anunciados pelo governo, “um orçamento muito inferior aos países do primeiro mundo para a pesquisa científica e tecnológica” (cerca de 1% do PIB, ante mais de 4% de Israel e Coreia do Sul e quase 3% da União Europeia). Em sua avaliação, diante desse novo cenário, “torna-se cada vez mais difícil fazer uma pesquisa competitiva no Brasil”.

Por um lado, é evidente que compreendemos a necessidade de se reduzir gastos em um momento de grave crise por que passa o Brasil. O governo federal deve cortar na própria carne até para dar exemplo e sinalizar claramente aos brasileiros que todos nós devemos somar esforços e ter responsabilidade para a superação de um momento tão difícil. Entretanto, não se pode perder de vista que a área científica é determinante para a construção do futuro. Cortar investimentos de forma abrupta em um setor estratégico significa usar o remédio para matar o próprio paciente.

Como os resultados em ciência, tecnologia e inovação são obtidos somente no médio ou no longo prazo, é inequívoco que, se os cortes não forem revertidos tão logo haja um reaquecimento da economia, serão necessários muitos anos para recuperarmos o tempo perdido. E o mais grave: além de não conseguirmos atrair pesquisadores do exterior, perderemos inúmeros jovens cientistas que se verão sem quaisquer perspectivas de crescimento profissional – a dramática “fuga de cérebros”, cujos prejuízos são irreparáveis ao Brasil.

Nós, do PPS, e eu pessoalmente, sempre tivemos uma preocupação especial com a área científica brasileira. Não foram poucos os momentos em que nos posicionamos no lado oposto ao de setores mais atrasados e obscurantistas da esquerda, inclusive durante os debates a respeito do desenvolvimento da indústria biotecnológica no Brasil – cujo avanço alguns tentavam impedir, especialmente em relação às pesquisas sobre o uso de alimentos geneticamente modificados. Defendemos alterações em alguns artigos da Lei de Biossegurança que criminalizavam a pesquisa e proibiam a utilização, a comercialização, o registro e o licenciamento das chamadas tecnologias genéticas de restrição de uso, por meio das quais há intervenção humana na geração ou multiplicação dos organismos geneticamente modificados. Entendemos que o futuro do país e a melhoria das condições de vida da população não podem ficar à mercê das forças que combatem a pesquisa científica e os avanços tecnológicos.

Nosso compromisso com a ciência brasileira, portanto, vem de longa data. Não se trata aqui de qualquer tipo de oportunismo, muito menos de uma crítica vazia ao atual governo. De forma construtiva, compartilhamos do alerta feito pela comunidade científica e reforçamos a preocupação com o corte orçamentário no setor. A ciência e a tecnologia não representam um entrave para a recuperação da nossa economia, muito pelo contrário. São essenciais para o desenvolvimento do país e a superação da crise. Não podemos comprometer o nosso futuro.

* Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

 


Rubens Bueno: E os bandidos de toga?

Muito se fala hoje em punição para políticos corruptos, no entanto a corrupção dentro do sistema Judiciário continua sendo um tabu, uma verdadeira caixa preta.

Não há dúvidas que magistrados brasileiros têm contribuído de forma efetiva, nos últimos anos, para diminuir a impunidade no Brasil e colocar na cadeia poderosos que ninguém jamais imaginava que seriam alcançados pela espada da Justiça. No entanto, são pouquíssimos os casos de juízes que, flagrados recebendo propina, vendendo sentenças ou praticando outro tipo crime, tenham recebido uma punição exemplar.

Atualmente, os juízes são vitalícios e só perdem os cargos e, consequentemente, as respectivas aposentadorias, por decisão judicial transitada em julgado, desde que seja por ação penal por crime comum ou de responsabilidade. Não creio que hoje eles devam continuar a ter direito a esse privilégio.

Para mudar essa situação apresentei, ainda em 2012, a Proposta de Emenda à Constituição (163/2012) que extingue a aposentadoria compulsória como punição disciplinar para magistrados envolvidos em corrupção e estabelece a pena de perda do cargo.

A proposta aguarda votação na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

A análise do assunto exige pressa pois é uma verdadeira aberração que, em pleno Estado Democrático de Direito, um magistrado, cuja conduta é incompatível com a dignidade, a honra e o decoro, continue a ter aposentadoria como pena disciplinar máxima.

Aposentar juiz que vendeu sentença, aposentar juiz que roubou do povo, que manchou a Justiça brasileira, e dar a ele uma aposentadoria com todos os direitos é um escárnio. Temos que acabar com os privilégios, seja onde for.

Se a proposta já tivesse sido aprovada, casos como o do ex-presidente do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), desembargador Clayton Camargo, acusado de ter dissimulado negociações comerciais e amealhado patrimônio incompatível com a remuneração, poderiam ter destino diferente.

O relator do caso no Conselho Nacional de Justiça sugeriu a punição máxima. E o que é a punição máxima?

A aposentadoria compulsória. Isso é um absurdo completo e por isso temos que mudar urgentemente essa legislação para poder punir com mais rigor os juízes corruptos. Hoje, flagrados, eles acabam sendo agraciados com o direito de ir para casa e continuar recebendo o salário integral.

Na história do Brasil, poucos juízes perderam o cargo. Entre eles estão o ex-juiz trabalhista Nicolau dos Santos Neto, que foi condenado pelo envolvimento, junto com o senador cassado Luiz Estevão, em desvio de recursos da construção do Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo. Outro foi João Carlos da Rocha Mattos. O ex-magistrado foi condenado a seis anos de prisão pelo crime de lavagem de dinheiro.

A PEC que apresentei em conjunto com o deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA) tem o objetivo de mudar essa situação. Precisamos enfrentar esse problema com a seriedade devida.
* Rubens Bueno é deputado federal pelo PPS do Paraná

- Blog do Noblat

 


José Márcio Camargo: O fim da Era Vargas

Ao superproteger o trabalhador, o Estado o tornou incapaz de lutar por seus direitos e deveres

Após décadas de discussões, finalmente foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República uma reforma trabalhista que muda a essência da CLT. Como esta foi uma das reformas mais discutidas no País durante décadas, a crítica de que ela foi aprovada de forma açodada é, no mínimo, desinformação e, no máximo, desonestidade intelectual.

Alguns jovens acadêmicos estão certamente mal informados. Mas, como bons acadêmicos, deveriam se informar antes de se manifestar. Porém, as maiores críticas vêm de corporações, como a da Justiça do Trabalho e dos sindicatos, que sobrevivem do imposto sindical, por serem incapazes de convencer os trabalhadores de sua importância, que estão perdendo seus privilégios e o poder político.

A legislação trabalhista brasileira foi imposta à sociedade pela ditadura do Estado Novo, uma das mais violentas de nossa história. Como foi imposta por um regime fascista, tem estrutura fascista. Um dos objetivos da CLT é proteger o trabalhador da “sanha” das empresas por lucros e evitar o conflito entre trabalhadores e empresas. Sempre que tem um conflito, a solução é dada pela Justiça do Trabalho. E Justiça não se contesta, se obedece. Daí o enorme poder do Estado e a fraqueza dos sindicatos de trabalhadores.

Ao superproteger o trabalhador, o Estado o tornou incapaz de lutar por seus direitos e deveres. Não apenas na relação de trabalho, mas na vida em sociedade. O trabalhador não pode decidir quanto vai poupar para o futuro, isto está determinado pelo FGTS e pela Previdência Social. Não pode decidir como quer dividir suas férias, quantas horas por dia e quantos dias por semana quer trabalhar. Se prefere ter meia hora para almoçar e sair mais cedo para estar com seus familiares. Se prefere ter uma redução de salário, em vez de ficar desempregado. Se quer ou não contribuir para um sindicato ou se prefere ter um contrato individual de trabalho, e assim por diante.

Com a reforma, estas decisões e muitas outras serão negociadas entre o trabalhador e seu empregador. O empregador vai buscar o contrato de trabalho que dará a maior produtividade e o maior lucro possível. O que irá aumentar o potencial de crescimento e de geração de empregos da economia. E o trabalhador irá buscar o emprego que lhe dará o maior salário e bem-estar. Em lugar de esperar pela proteção do Estado, os trabalhadores terão de lutar por suas conquistas.

Se isso significa se filiar a um sindicato, ou investir em treinamento e qualificação, ou investir em educação, ou buscar ofertas de emprego mais compatíveis com suas disponibilidades, será uma escolha do trabalhador. Em momentos de desemprego alto os trabalhadores terão menos poder de barganha e vice-versa. Mas essa é uma característica de qualquer mercado e cabe aos trabalhadores se prepararem para aumentar seu poder de barganha em qualquer situação.

Será uma revolução nos incentivos. Teremos trabalhadores e cidadãos mais responsáveis, mais qualificados, mais produtivos, com mais incentivos a investir na relação de trabalho, mais empreendedores e, portanto, mais capazes de lutar por seus interesses. Teremos menos conflito, mais produtividade, mais crescimento e menos pobreza.

Já em 1994, o então presidente eleito Fernando Henrique Cardoso, em seu discurso de despedida do Senado, apontava para a necessidade de acabar com a chamada Era Vargas, “ao seu modo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista”. Infelizmente, o ex-presidente pouco conseguiu fazer neste sentido.

A aprovação da reforma não é uma demonstração de força de um governo terminal, como sugerem alguns. É o início do fim da Era Vargas. Apesar da enorme crise política, com a aprovação da reforma trabalhista, o presidente Michel Temer começou a cumprir a promessa feita pelo ex-presidente FHC. E por um governo democraticamente eleito. Falta aprovar a TLP e a Previdência. Vamos em frente!
* É professor do Departamento de Economia da PUC/RIO e economista da Opus Gestão de Recursos

 


Roberto Freire: O novo pede passagem

É preciso ter cuidado para identificar os interesses escusos

Em meio à descrença generalizada que se espraia pela sociedade em relação à política partidária e aos políticos, especialmente em função da degradação moral que envergonha o país, parece consensual a tese de que é necessária a aprovação de novas regras válidas já a partir das próximas eleições de 2018. A grande questão é se haverá disposição e coragem para que se leve adiante uma reforma que modifique profundamente as estruturas estabelecidas e, sobretudo, crie condições para o surgimento de mecanismos que libertem a cidadania e possibilitem uma outra política.

No bojo desse inadiável debate, é preciso ter cuidado para identificar os interesses escusos que buscam criar “cortinas de fumaça” para confundir a opinião pública, oferecendo respostas simples para problemas complexos, de modo que nada significativo venha a ser de fato alterado. Em nome dos grandes partidos — justamente os protagonistas das malfeitorias reveladas pela Operação Lava-Jato —, o que tem se buscado é “mudar algo para que tudo continue como está”, para citarmos a frase de Giuseppe Tomasi di Lampedusa em “O Leopardo”, imortalizada no cinema por Luchino Visconti.

A legislação que regula a atividade partidária no Brasil impõe uma série de restrições que impedem a oxigenação do ambiente político e praticamente afastam a possibilidade do surgimento de novas forças representativas da cidadania. Tudo o que se discute no Congresso são meros remendos que continuam a beneficiar a velha ordem. Pouco importa se serão fechadas ou abertas as listas de candidatos ou, em especial, o grande achado das cláusulas de barreira, pois todas essas alterações asseguram a manutenção e a primazia dos atuais grandes partidos. Tais reformas impedem que novos atores de representação da cidadania surjam e se afirmem nos processos eleitorais.

Entre as inúmeras distorções do sistema atual, talvez a mais grave seja o acesso indiscriminado e irrestrito aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV. Diante das facilidades para que todas as legendas recebam o dinheiro do Fundo, foi criado um balcão de negócios à custa do dinheiro público. Isso tem de acabar. Entretanto, ao invés da restrição arbitrária e antidemocrática à criação de novas agremiações, o que se deve limitar é o acesso ao Fundo Partidário apenas às legendas que alcançarem, pelo voto, uma representação mínima na Câmara.

É preciso construir novas regras que, ao romperem com o monopólio dos atuais grandes partidos, garantam o mínimo de visibilidade aos novos entes partidários ou movimentos políticos, inclusive às candidaturas avulsas. A democracia brasileira só avançará se levarmos a cabo uma reforma política que preze a liberdade total e uma maior participação da cidadania, sem nenhum tipo de tutela ou restrição. Que tenhamos coragem de defender e aprovar uma reforma que seja digna do nome e que, efetivamente, mude regras, práticas e costumes que a sociedade brasileira não tolera mais. O novo pede passagem.
* Roberto Freire é deputado federal (PPS-SP) e presidente nacional do PPS

 


Alon Feuerwerker: Dois pontos na análise política: 1) o bom senso e 2) a possibilidade de ele não resolver o problema

Método bom na observação da política: cogitar também o oposto do que indicam o bom senso e a lógica linear. No mínimo, relativizam-se os impulsos vindos do desejo do analista. A política é teatro, e ser brechtiano ajuda. O saudável distanciamento crítico. É sempre prudente pensar que pode acontecer exatamente o contrário do previsto, ou desejado.

O que diz o senso comum? Que a cada denúncia apresentada será mais penoso aos deputados federais bloquearem o processo no Supremo Tribunal Federal contra o presidente, pois o desgaste deles vai ser cumulativo. Isso faz sentido. Apoiar caninamente o governante de popularidade residual tem tudo para virar um problema na hora de pedir o voto do eleitor.

Mas, e o outro lado? A maioria dos deputados elege-se por um sistema quase distrital. Vale o apoio de prefeitos, vereadores, cabos eleitorais. O eleitor vota num número, sem muitas vezes saber de quem é. Os CNPJs estão proibidos nas campanhas. Candidatos dependem cada vez mais de algum orçamento público. E portanto dependem cada vez mais de algum governo.

Um movimento inteligente do poder é tratar de maneira bem distinta amigos e inimigos. Se dois deputados de certo estado ambicionam o Senado, e se recebem do governo tratamento igual, ou parecido, o risco é perder o apoio de ambos. Mas se a traição tem custo alto acaba funcionando o dilema do prisioneiro. O primeiro a fechar tem vantagem.

Se estar de bem com o Planalto é um ativo, ele fica mais valioso à medida que cresce o desgaste do político. Quanto maior o passivo do deputado por ter votado com o governo numa tese impopular, mais dependente ficará desse mesmo governo para manter uma base eleitoral que reproduza seu mandato e lhe garanta mais quatro anos de vida política ativa.

Não se deduz daí que a base reunida por Temer para barrar a primeira denúncia lhe garanta tranquilidade nas seguintes. Será preciso trabalhar, inclusive porque as forças opostas não ficarão paradas, e o fluxo de fatos novos parece garantido. Mas o sistema de estímulos e incentivos é mais complexo do que indicam o bom senso e a lógica linear.

#FicaaDica

O Planalto está mais próximo de bloquear a primeira denúncia do que a oposição de autorizar o STF a receber. O governo tem uma base firme entre 220 e 250 deputados, bem acima do mínimo para sobreviver, 172. Mas os adversários reúnem hoje força suficiente para manter o assunto pendurado, pois o presidente da Câmara decidiu que só tem sessão com 342 presentes.

O ponto fraco do governo é a capacidade de a oposição prolongar o impasse, e manter portanto um sofrimento político que faça crescer no chamado mercado a dúvida sobre o futuro da ambicionada agenda liberal. E o ponto fraco da oposição é que o governo pode jogar com duas táticas para conseguir derrubar a primeira denúncia em plenário.

Há a maneira light de um deputado ajudar Temer agora. Dando quórum. Poderá depois votar a favor do processo, pois é baixa hoje a probabilidade de a autorização conseguir bater 342. Em todo caso, será fácil medir a correlação de forças: descubra quem está obstruindo e você saberá que o outro lado está com a confiança em alta. Ainda que não votar seja hoje a melhor maneira de todo mundo se proteger.

A ampla frente

A Lava-Jato é uma potência e continua com momentum. Mas está cercada. Mais ou menos como o PT e Lula. São de longe o partido e o candidato com maior apoio e prestígio. Para, entretanto, voltar ao poder, precisam de aliados e estão sem. A frente mais ampla do momento é dos que querem se livrar, ao mesmo tempo, da Lava-Jato agora e de Lula e o PT em 2018.

Esse bloco está no Parlamento, na imprensa, nas redes sociais. Temer é sua expressão cristalizada, e aí reside sua força. Como pode sustentar-se um governo alvejado por seguidas acusações e com simpatia popular de um dígito? Por ele ocupar o centro do tabuleiro. E poder, inclusive, aliar-se taticamente à Lava-Jato contra o PT e ao PT contra a Lava-Jato. É o que acontece.

Falta um detalhe

O governo Dilma Rousseff caiu quando Michel Temer chamou os políticos para finalmente repartir o poder. Rodrigo Maia ainda não começou a fazer isso. Quem aliás faz só isso é Temer. Que assim se protege do próprio Maia. Que depende cada vez mais de sua excelência, o fato novo.

* Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


O Globo: Um cenário de perigos para Temer

Temer e seu grupo conseguem contornar resistências na CCJ, mas a demora para que o pedido de licença seja votado no plenário funciona contra o presidente

Editorial O Globo

Sem conseguirem colocar em plenário o mínimo regimental de 342 deputados para votar o relatório aprovado, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), sobre o pedido de licença da Procuradoria-Geral da República para que o presidente seja processado no Supremo por corrupção, restaram a Temer e a seu grupo aceitar o calendário fixado por Rodrigo Maia (DEM-RJ), para a apreciação da matéria no dia 2 de agosto, uma quarta-feira, na volta do recesso.

Frustrou-se, assim, a ideia do Planalto de votá-lo a toque de caixa. E, para justificar a derrota, forjou-se a “narrativa” de que quem precisa obter o quórum é a oposição. Mas esta avisa que no dia 2 ficará à espera da bancada da situação.

Na verdade, estava — e continua a estar — correta a avaliação do governo de que, quanto mais o tempo passa, maior o risco de desgaste do presidente.

Há munição de razoável poder destrutivo na PGR. Considera-se, por exemplo, a possibilidade de Rodrigo Janot, procurador-geral até setembro, ainda desfechar pelo menos mais uma denúncia contra Temer. Poderá ser por obstrução da Justiça, comprovada por gestões junto a Josley Batista, do grupo JBS, para comprar o silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro, inquilinos da Lava-Jato, nas carceragens de Curitiba.

O assunto é tratado de forma dissimulada na conversa com Temer que o empresário gravou, em horas avançadas de uma noite de março, no porão do Palácio do Jaburu, no qual Batista entrou dando nome falso e sem mostrar documento de identificação.

Os fatos tendem a andar de forma mais lenta na Câmara, na tramitação desta denúncia, a de corrupção. E deve vir por aí a delação premiada de Lúcio Funaro, uma testemunha com potencial de ser tão perigosa quanto Rodrigo Rocha Loures, deputado suplente pelo PMDB do Paraná.

Loures foi indicado pelo próprio Temer a Joesley Bastista, para tratar de “tudo” com ele, representante seu de extrema confiança. Logo depois, Loures foi filmado, em ruas de São Paulo, puxando às pressas a tal maleta com R$ 500 mil. Os indícios são de que seriam para o presidente.

Já Funaro, operador financeiro das sombras de Eduardo Cunha e de outros do PMDB — Temer? — já antecipou em conversas antes da delação propriamente dita que entregava malas de dinheiro a Geddel Vieira, ex-ministro de Temer, outro muito próximo do presidente.

Por sinal, na conversa que Joesley gravou com o presidente, ele reclama que, com Geddel fora do governo e investigado pela Lava-Jato, perdera um intermediário privilegiado para comunicar-se com Temer. O presidente, então, indicou Loures.

O tempo não corre mesmo em favor do Planalto. Um indicador pouco risonho para o governo foi a rodada de pressões e de fisiologismo para trocar 13 deputados na CCJ, e conseguir derrubar o relatório anti-Temer.

A oposição também não deverá conseguir colocar 342 deputados em plenário, em 2 de agosto. Diz, inclusive, que não deseja. Há, então, o perigo de Temer continuar exposto às intempéries.

 


Samuel Pessôa: Os subsídios do BNDES

Há dois tipos de subsídio do BNDES. Os explícitos e os implícitos.

A Constituição estabelece que 40% da receita do FAT (Fundo de Amparo do Trabalhador) seja depositada no BNDES. O banco de fomento remunera esses recursos à TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), que é bem menor do que a taxa de captação do Tesouro Nacional.

As operações de empréstimos do BNDES têm como baliza a TJLP. Em geral, o banco cobra em seus empréstimos TJLP e um spread associado ao custo e ao risco de inadimplência da operação.

Muitas vezes o BNDES repassa esses recursos aos demais bancos, inclusive da rede privada. Esses bancos remuneram o BNDES pela TJLP e um spread e cobram do tomador do empréstimo TJLP e um spread ainda maior, que cobre o custo da operação e o risco.

No final das contas, o BNDES tem lucro, pois a taxa que ele paga ao FAT, TJLP, é menor do que a cobrada do tomador final ou do banco que fará o repasse dos recursos.

No entanto, não é verdade que a operação dá lucro para o Tesouro Nacional. O motivo é que os recursos tributários do FAT poderiam ser empregados na redução da dívida pública.

Nesse caso, o Tesouro ganharia (isto é, economizaria) a taxa de juros de captação do Tesouro, bem maior do que a TJLP.

Ou seja, o custo de oportunidade dos recursos do FAT é a taxa de juros de captação do Tesouro Nacional.

A diferença entre as duas taxas é o subsídio implícito na operação.

O fato de a Constituição estabelecer que 40% dos recursos do FAT devem ser direcionados ao BNDES e remunerados à TJLP não altera o fato de que o custo de oportunidade do Tesouro é maior.

A legislação consegue estabelecer um destino para os recursos do FAT e a sua remuneração, mas não consegue alterar o conceito econômico de custo de oportunidade.

Algumas vezes a formulação da política econômica decide que o BNDES deve emprestar, em determinadas linhas, a taxas ainda mais baixas.

Nesse caso, a diferença entre a taxa à qual o banco empresta e a TJLP será paga pelo Tesouro Nacional. O subsídio, portanto, é explícito.

Finalmente, algumas vezes os formuladores de política econômica decidem que 40% dos recursos do FAT por ano em adição à rolagem natural da carteira de empréstimos do BNDES não são suficientes para as necessidades da economia.

Nesse caso, o Tesouro capta recursos no mercado e os empresta ao BNDES, cobrando TJLP.

Entre 2008 e 2014, o Tesouro emprestou R$ 400 bilhões ao BNDES nessas condições.

Alega-se que o BNDES dá lucro. Se a contabilidade das operações do banco levasse em consideração que o custo dos seus recursos é dado pelo custo de oportunidade do Tesouro, saberíamos que o BNDES não dá lucro para o contribuinte.

É por esse motivo que a medida provisória 777 precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional.

A MP estabelece que em cinco anos, e para os novos empréstimos, a taxa de referência dos créditos concedidos pelo BNDES será a inflação realizada ao longo do contrato mais a taxa real de juros dada pela nota do Tesouro Nacional Série B com vencimento de cinco anos (a NTN-B de cinco anos), emitida no mês da concessão do empréstimo.

Ou seja, o juro real da operação será equivalente ao custo de captação do Tesouro para períodos equivalentes ao prazo médio dos empréstimos do banco.

Elimina-se assim o subsídio implícito e sobra o explícito. A transparência agradece.
* Samuel Pessôa é físico com doutorado em economia, ambos pela USP, sócio da consultoria Reliance e pesquisador associado do Ibre-FGV.

 


Valor Econômico: Aos poucos, Temer perde o controle da base governista

 

As condições políticas para o presidente Michel Temer se manter no cargo estreitam-se a cada dia. Depois do primeiro pedido de inquérito feito pelo procurador Rodrigo Janot contra ele - e outros dois estão a caminho - a couraça de proteção do presidente no Congresso começou a rachar. Já não há tanta segurança de que Temer vá conseguir 172 deputados que votem contra a abertura de inquérito no Supremo Tribunal Federal. Mas ainda é mais provável que passe nesse teste.

Acuado, o grupo de Temer está perdendo rapidamente apoio de sua antes gigantesca base governista. As manobras com o objetivo de solidificar uma maioria e escapar do afastamento do cargo feitas por Temer resultam em mais insatisfações e desgastes. O PSDB as condensa até o paroxismo de não conseguir definir se permanece ou sai do governo. Os sucessivos avisos de que poderá desembarcar a qualquer momento não são exatamente proveitosos para as expectativas de Temer.

A troca em massa de deputados na Comissão de Constituição e Justiça, que votará pela admissibilidade do pedido de abertura de inquérito, mostrou que a desconfiança em torno da própria base de apoio se ampliou. A escolha de um deputado pemedebista independente, como Sérgio Zveiter (PMDB-RJ), para a relatoria do caso na CCJ, tornou-se um revés antecipado para Temer. O voto de Zveiter, de que há indícios sólidos de crime e materialidade no pedido da PGR e de que os casos narrados necessitam de investigações, complicou um jogo que deveria ser tranquilo para o governo.

A tentativa de liquidar o primeiro pedido rapidamente também não está dando muito certo. A CCJ permitirá manifestação de 172 parlamentares, o que deve levar a votação final em plenário a ultrapassar 17 de julho, data marcada para o recesso do Congresso. Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara e governista, disse que atuará como árbitro, seguindo o regimento da Casa, sem se dispor a executar truques de todo tipo, como seu antecessor, Eduardo Cunha.

Maia é o sucessor constitucional de Temer caso ele seja afastado para responder a processo no STF e tornou-se alvo da rede de intrigas que naturalmente se tece em torno de um presidente em queda. Em reunião com Temer, o presidente da Câmara falou o óbvio, mas que, na situação em que se encontra seu interlocutor, soou assim mesmo desagradável. Maia teria dito que Temer poderia ser vitorioso contra a primeira denúncia da PGR agora, mas que o apoio às próximas acusações se tornaria muito mais difícil e decrescente.

Maia não faz mais nada para beneficiar o governo por um cálculo óbvio. Como sucessor, não gastará todo seu cacife político para apoiar um presidente que perde aceleradamente as condições de governar. Se a Presidência lhe cair no colo, Maia provavelmente fará mais do mesmo - continuará a defender a equipe econômica, a política econômica que ela executa e procurará contar com a mesma base de apoio que foi de Dilma, depois de Temer e por fim, sua.

Um presidente em apuros perde o controle do processo. O presidente da CCJ é do PMDB, assim como o relator que pediu a admissibilidade do processo. Mesmo a aprovação da reforma trabalhista anteontem no Senado não veio acompanhada só de aplausos. Um acordo para impedir a modificação do projeto e sua volta à Câmara foi dado como inexistente para o presidente do Senado, Eunício Oliveira, também do PMDB, e por Maia, escolhido para liderar a Câmara com o apoio de Temer.

O antecessor de Maia, Eduardo Cunha, organizou o centrão: cativou com a perspectiva de poder um amontoado de partidos oportunistas, sem programa ou ideologia. A fraqueza de Temer resulta no início da debandada do baixo clero - primeiro aos poucos, como acontece agora, depois em massa. A chance de o Planalto reaglutiná-los é remota, embora possível. O fatiamento das denúncias promoverá a paralisia do governo por um longo tempo, sem qualquer garantia de que Temer continuará no poder. Nessas circunstâncias, procura-se o próximo detentor da caneta e os olhos encontram Maia.

O cerco das denúncias contra Temer e seu círculo palaciano, que será prolongado, torna-o não só incapaz de encaminhar as reformas, mas de governar plenamente. Maia tem, em tese, mais chances de fazê-lo e dar à transição o signo da normalidade até as eleições de 2018. Ainda assim, Maia foi mencionado em delações da Lava-Jato e pode ser alvejado, cedo ou tarde.


Ricardo Noblat: O desmanche de um mito

Nunca antes na história deste país um presidente da República havia sido denunciado por corrupção. Michel Temer foi o primeiro, acusado pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, de corrupção passiva. Destinava-se a Temer a mala de dinheiro do Grupo JBS arrastada por rua de São Paulo pelo ex-deputado Rocha Loures (PMDB-PR).

Nunca antes na história deste país um ex-presidente da República havia sido condenado por corrupção. Lula foi ao ser sentenciado pelo juiz Sérgio Moro a nove anos e meio de prisão no processo do tríplex do Guarujá. Se a segunda instância da Justiça confirmar a sentença, ele será preso. Mesmo que não seja, ficará impedido de disputar eleições.

A primeira e única vez até aqui que Lula provou os dissabores da cadeia foi na condição de perseguido pela ditadura militar implantada no país em 1964, e que duraria 21 anos. Muito bem tratado, à época, pelo delegado Romeu Tuma, que depois se tornaria seu amigo e ingressaria na política, Lula fez greve de fome chupando balas. Foi logo solto e virou herói.

Mesmo que por ora solto e candidato a roubar do ex-ministro José Dirceu a condição de “guerreiro do povo brasileiro” conferida pelos militantes do PT, dificilmente Lula será encarado daqui para frente como herói pela larga maioria daqueles que no passado recente o enxergaram como tal. Sua biografia ganhou para sempre a mancha indelével da corrupção.

Pouco importa que ainda ostente o título de campeão das pesquisas de opinião pública com algo como 30% das intenções de voto para presidente se as eleições fossem hoje. . Tais pesquisas também o apontam como campeão de rejeição. Mais de 60% dos entrevistados dizem que jamais votariam nele. De resto, só haverá eleições em outubro do próximo ano.

A condenação de Lula por Moro produzirá efeitos no campo da esquerda. De saída reforçará as chances de Ciro Gomes (PDT-CE) de conseguir o apoio do PT para concorrer à presidência. Não se descarte a hipótese de Dilma desejar a mesma coisa. Afinal, em desrespeito à Constituição, seus direitos políticos foram preservados, embora ela tenha sido deposta.

Se escapar da Lava Jato sem maiores sequelas, pela direita o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) é o nome que terá mais a lucrar lucrar com a condenação de Lula. O prefeito João Dória não será páreo para ele na coligação de partidos a ser encabeçada pelo PSDB. A Dória restará a candidatura ao governo de São Paulo que atrai também o senador José Serra.

Quanto a Temer... Mesmo que a Câmara negue autorização para que seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal, enfrentará uma segunda e talvez a uma terceira denúncia por corrupção e obstrução da Justiça, fora as delações do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e do doleiro Lúcio Funaro. Caso sobreviva, governará como um morto-vivo.


No Senado, Dodge defende lei de abuso de autoridade e admite rever provas

A CCJ do Senado realiza sabatina com a subprocuradora Raquel Dodge, indicada pelo presidente Michel Temer ao cargo de Procuradora Geral da República

REYNALDO TUROLLO JR.
TALITA FERNANDES
DE BRASÍLIA

No início da sabatina no Senado que analisa nesta quarta (12) sua indicação para comandar a PGR (Procuradoria-Geral da República), a subprocuradora-geral Raquel Dodge respondeu sobre temas espinhosos como delações, concessão de imunidade a delatores e supostos abusos da Lava Jato.

Ela se comprometeu com o combate à corrupção e defendeu, genericamente, a edição de uma lei que coíba abusos de autoridade. "A lei de abuso de autoridade vem no socorro da ideia de que, no regime democrático, freios e contrapesos são necessários, controles são necessários, inclusive sobre os órgãos de administração de Justiça", afirmou.

"Ninguém está imune a excessos, nenhuma instituição é imune a erros. E nessa perspectiva de que seja dada ampla autonomia para o exercício da função jurisdicional por juízes e membros do Ministério Público, mas contidos os excessos, é que vejo a importância de se aprovar uma lei que controle o abuso de autoridade", disse.

Um projeto de lei sobre o tema tramita no Senado e já foi duramente criticado pelo atual procurador-geral, Rodrigo Janot, cujo mandato termina em 17 de setembro. Para Janot, o projeto em curso visa intimidar membros do Ministério Público e do Judiciário.

Dodge, que faz oposição a Janot dentro da instituição, não comentou o projeto específico, mas sua fala pôde ser vista como um aceno aos parlamentares e uma abertura ao diálogo maior que a de Janot.

Questionada sobre um suposto "Estado policial", também afirmou que é comum que o Ministério Público revise as provas que ele próprio obteve caso detecte, no curso das ações penais, alguma ilegalidade.

"O grande compromisso do Ministério Público é agir sempre pautado na prova colhida de forma idônea e é preciso que zelemos sempre por esses princípios que são muito caros ao Estado democrático", disse.

"Devo dizer que não é incomum que um órgão do Ministério Público aponte a uma certa altura da ação penal que a prova é inidônea, que a prova é inválida. Esse é um dever que o Ministério Público tem, que é apresentar em juízo uma acusação sempre amparada na prova. Se há excessos, é o que deve ser sempre controlado, e o principal órgão de controle é o Judiciário."

COMBATE À CORRUPÇÃO
Ao responder às perguntas do senador Roberto Rocha (PSB-MA), relator de sua indicação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Dodge repetiu o principal mote de sua campanha para a PGR: "Ningúem acima da lei, e ninguém abaixo da lei", e comprometeu-se com o combate à corrupção.

"Manteremos esse trabalho de enfrentamento à corrupção aumentando, se necessário, as equipes que já o vêm desenvolvendo", disse. "Ao zelar pelo bom gasto do dinheiro público, o Ministério Público cumpre seu dever constitucional", afirmou.

Como vem dizendo publicamente, Dodge disse considerar a corrupção um mal em si que deve ser combatido para que os recursos sejam corretamente aplicados em saúde, educação, saneamento e outros serviços essenciais à população.

Dodge defendeu o instituto das delações premiadas para combater organizações criminosas. Questionada por Rocha sobre a concessão de imunidade penal a delatores, ela disse que há previsão legal. Porém, que é necessário que os criminosos reparem os prejuízos causados na esfera civil.

"Eu vejo a lei 12.850 [que regulamentou as delações, em 2013] como instrumento poderoso que facilita a investigação sobre organização criminosa. No entanto, o Congresso, na lei 12.850, impôs limites, vedações, seja no tocante àquilo que pode ser oferecido, seja no tocante à separação de jurisdição criminal e jurisdição civil", disse, referindo-se à necessidade de devolver o que foi desviado.

Tema polêmico, a imunidade penal foi concedida por Janot aos irmãos Batista, da JBS, em troca de informações que levaram a investigações sobre o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves (PSDB-MG), entre centenas de outros políticos citados. O acordo de delação é duramente criticado por vários políticos, incluindo o presidente.

Sobre o foro privilegiado para autoridades, Dodge disse que o assunto cabe ao Congresso e ao Supremo, e que ao Ministério Público só compete opinar.

"Encontra de minha parte muita simpatia a ideia de que todos os brasileiros sejam submetidos ao mesmo tipo de jurisdição. Compreendo que estamos caminhando dentro de um regime democrático para o amadurecimento das instituições e sempre verificando a pertinência de um instituto diante da realidade brasileira", disse.

A respeito de ter sido indicada por Temer apesar de ter ficado em segundo lugar na lista tríplice para o cargo, Dodge ponderou que a lista não é obrigatória e é uma "sugestão" dos membros da carreira ao presidente da República.

"Qualquer um dos três que figure na lista passou por rigoroso e severo critério dos procuradores da República", afirmou, e, por isso, tem legitimidade.

Acompanham a sabatina, na CCJ, os ex-procuradores-gerais da República Roberto Gurgel e Aristides Junqueira.