Collor

Pesquisa eleitoral destaque | Foto: Shutterstock/Andrii Yalanskyi

Revista online | Cenário eleitoral e guerras de narrativas

Rodrigo Augusto Prando*, especial para a revista Política Democrática online (44ª edição: junho/2022)

Vamos às urnas de dois em dois anos, no Brasil. Alternamos eleições municipais e eleições para deputados, senadores, governadores e presidente da República. Em 2022, nossas instituições e, no limite, a própria democracia terão seu maior teste desde a Nova República. 

A sociedade brasileira encontra-se no bojo de uma cultura política, não raro, autoritária, ainda assentada em elementos do clientelismo, do patrimonialismo e de líderes carismáticos e messiânicos. Há tempos, contudo, encontra-se no léxico da política o termo “narrativa”, seja no campo do marketing e da comunicação política, seja no dos atores políticos, jornalistas e cientistas sociais. As narrativas, assim, constituem armas numa guerra de versões na qual importa menos a trajetória do político, o que ele tem a dizer e os fatos da realidade, e mais aquilo que os indivíduos querem acreditar. Se, não faz muito, as narrativas eram produtos de profissionais do marketing político cujas remunerações eram milionárias, hoje, temos narrativas geradas no âmbito das redes sociais e que tomam proporções inimagináveis e numa velocidade distinta do tempo analógico. 

Após os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (FHC), o Partido dos Trabalhadores (PT), com Lula, assumiu o topo da República. Não tardou para que, objetivando afastar-se do antecessor, Lula e sua militância iniciassem sua fábrica de narrativas. Das muitas e bem-sucedidas narrativas criadas, uma – em especial – chama a atenção: a de que FHC e os tucanos haviam legado, ao país, uma “herança maldita”. Conjuga-se à tese da “herança maldita”, na oratória lulista, a frase “nunca antes na história deste país” com a qual costumava afirmar que era, praticamente, o inaugurador, a força fundacional, de um novo país em detrimento dos governos tucanos neoliberais e insensíveis aos pobres. Ali, surgia, no lulopetismo, com força, a retórica do “nós” contra “eles”. No que tange à comunicação política e a força destas narrativas, pode-se rememorar que os então candidatos do PSDB, José Serra e Geraldo Alckmin, nas disputas com os petistas, se deixaram guiar pelo adversário e esconderam FHC de suas campanhas. 

Coletiva de imprensa | Imagem: Shutterstock/zieusin
E-Título | Foto: Shutterstock/rafapres
Fake news & redes sociais | Foto: Shutterstock/pixxelstudio91
FHC escoltando | Foto: Shutterstock/Nelson Antoine
Jair Bolsonaro discursando | Foto: Shutterstock/Marcelo Chello
Lula de vermelho em discurso | Foto: Shutterstock/JFDIORIO
Pesquisa eleitoral | Imagem: Shutterstock/Andrii Yalanskyi
Votação | Foto: Shutterstock/Nelson Antoine
Campanha eleitoral | Imagem: Salivanchuk Semen/Shutterstock
Coletiva de imprensa
Comunicação política
E-título
Fake news & redes sociais
FHC escoltando
Jair Bolsonaro discursando
Lula de vermelho em discurso
Pesquisa eleitoral
Votação
Campanha eleitoral
previous arrow
next arrow
 
Coletiva de imprensa
Comunicação política
E-título
Fake news & redes sociais
FHC escoltando
Jair Bolsonaro discursando
Lula de vermelho em discurso
Pesquisa eleitoral
Votação
Campanha eleitoral
previous arrow
next arrow

A polarização PT x PSDB deu a tônica da política no plano nacional até 2018, ano em que, numa eleição disruptiva, Jair Bolsonaro, deputado do baixo clero e inexpressivo em seus mandatos, ganhou a eleição. Bolsonaro agudizou a polarização, não mais na direção de um partido ou adversário, mas em relação a “tudo o que está aí”. Bolsonaro e seus bolsonaristas teciam novas narrativas e, na campanha e no governo, assumiram um presidencialismo de confrontação. Tornaram os adversários inimigos – inimigos reais ou imaginários, internos ou externos –, interditaram o debate, atacaram (e atacam), impiedosamente, com mísseis de fake news e torpedos de pós-verdades e, ainda, com narrativas alicerçadas sobre teorias da conspiração e toda a sorte de negacionismos. Cabe, novamente, rememorar 2018, quando, na campanha, os candidatos à presidência montavam suas equipes e estratégias digitais, ao passo que Bolsonaro já era chamado de “mito” há anos.   

O cenário eleitoral em tela traz a musculatura política e eleitoral de Lula, em primeiro lugar nas pesquisas, seguido de Bolsonaro, na segunda posição. Tais forças espremeram as candidaturas da tão desejada “terceira via”, os políticos que buscam se afastar do lulopetismo e do bolsonarismo. Lula está no centro da disputa eleitoral no plano nacional desde 1989. Ele foi derrotado três vezes (Collor, FHC e FHC), vitorioso duas vezes (contra Serra e Alckmin), fez a sucessora, Dilma Rousseff, duas vezes, e, em 2018, teve força, mesmo preso, de lançar Fernando Haddad, que foi derrotado no segundo turno por Bolsonaro. O atual presidente conta com cerca de 30% de intenções de voto, segundo pesquisa Datafolha divulgada em 26/5/22 e, na mesma sondagem, Lula tem 54%, nas respostas estimuladas e apenas com os votos válidos. Bolsonaro teve atuação assaz criticada durante os piores momentos da pandemia, mormente, por sua conduta, no discurso e na prática, negacionista e de desprezo pelas vacinas e pelos brasileiros vitimados pela Covid. Todavia, tem apoio do Centrão e, a seu favor, pesa o retrospecto de que todos os presidentes que concorreram à reeleição foram vitoriosos. 

A guerra de narrativas está na disputa política e na vida cotidiana do brasileiro. Mantendo-se o cenário em voga, os principais atores serão Lula e Bolsonaro, uma disputa com líderes carismáticos e com suas militâncias aguerridas; ambos com alta rejeição. A narrativa lulista é da lembrança positiva de seu governo, escondendo, se possível, Dilma e com um claro aceno ao centro trazendo Alckmin como vice. A narrativa bolsonarista repetirá, com força, nas redes e nas ruas, a estratégia de 2018 de confrontação e de ataques ao sistema eleitoral, tensionando a relação com os demais Poderes e a nossa democracia. 

Sobre o autor

*Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador. Graduado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de junho de 2022 (44ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.

Leia também

Revista online | Voltaremos a Crescer?

Revista online | O que nos dizem aquelas tatuagens nazistas do batalhão Azov

Acesse todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online

Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online


Julianna Sofia: Com mais carinho

Despetização de comissionados lembra a moenda de Collor na caça aos marajás

Passados quase 30 anos, o Estado brasileiro ainda desconhece a verdadeira dimensão das demissões de funcionários públicos promovidas em massa pelo governo Collor (1990-1992).

A caçada aos marajás e o enxugamento da máquina administrativa levaram à defenestração de mais de 100 mil servidores sem estabilidade e celetistas contratados pela União. A revolução liberal extinguiu 24 empresas estatais, e os ministérios foram reduzidos de 23 para 12.

Em 1994, Itamar Franco assinou uma lei para anistiar parte dos desligados, mesmo sob a ameaça demissionária de seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Foram readmitidos 48 mil pela nova norma, que protegia os despedidos ilegalmente —quem sofrera perseguição política ou tinha mandato sindical, por exemplo.

Ao chegar ao Palácio do Planalto, FHC revogou os processos de anistia e revisou todos os casos. Moral da história: apenas 10% dos demitidos voltaram à folha de pagamento do governo, e centenas ainda brigam judicialmente pelo posto perdido.

“Despetizar” cargos comissionados no governo Bolsonaro soa tão arbitrário —só que mais ideologizado e menos disseminado— quanto a moenda instalada por Collor. A caça às bruxas de vermelho na Casa Civil de Onyx Lorenzoni exonerou, por ora, 320 pessoas e emitiu sinal verde para outras instâncias reproduzirem o procedimento. Em órgãos como Apex e ABDI, técnicos dispensados prometem buscar a Justiça.

“Você tem no serviço público funcionários que são realmente funcionários de Estado. O cara passou o governo A, B, C, D e fez ali o trabalhinho dele bonitinho. Não pode pegar esse cara porque estava no governo anterior. O cara é bandido por causa disso?”, disse o vice-presidente Hamilton Mourão, sugerindo que o processo pudesse ter sido feito “com mais carinho”.

O vice vocalizaria a razão nesse tema, não fosse o bla-bla-blá para justificar a promoção questionável do próprio rebento no Banco do Brasil.


Merval Pereira: De volta para o futuro

A História brasileira anda muito repetitiva, o que a transforma em farsa com facilidade. E não apenas pelas semelhanças desta eleição com a de 1989, de que tanto já se falou e que o senador Collor, apresentando-se como candidato, só reforçou.

Em 2005, quando estourou o escândalo do mensalão, todos davam o então presidente Lula morto politicamente, a ponto de o PSDB ter descartado a possibilidade de pedir o impeachment dele. Seria o segundo presidente impedido em pouco tempo, e, além do mais, era preciso evitar “um Getulio vivo”, na definição de Fernando Henrique.

Lula, como anda fazendo agora, chegou a enviar emissários aos tucanos propondo uma negociação: não seria candidato à reeleição, desde que o deixassem terminar o mandato. Deu no que deu, Lula venceu a reeleição.

Naquele ano, seu adversário foi o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que teve mais votos no primeiro que no segundo turno. A votação surpreendente no primeiro turno, em volta de 40%, indicava que poderia vencer a eleição pela fragilidade de Lula diante das acusações de corrupção no mensalão. Mas Alckmin, fundador do PSDB, mas o menos tucano dos tucanos na aparência e no pensamento, cometeu erros crassos, a começar por aceitar fazer uma pausa na campanha entre o primeiro e o segundo turnos. Lula ficou tão abalado com a votação de Alckmin que sumiu de circulação por uns dias.

Na volta, o tucano desfilou com um colete cheio de logotipos de empresas estatais, para desmentir que pretendesse privatizá-las, mesmo depois do sucesso da privatização da telefonia. Hoje, Alckmin apresenta-se novamente como candidato, mas sua candidatura não deslancha, o que faz o PSDB buscar alternativa.

Fernando Henrique diz que o apresentador Luciano Huck “sempre foi muito próximo ao PSDB, o estilo dele é peessedebista. É um bom cara”. Voltamos à coincidência. Ao definir Fernando Haddad — que pode vir a ser seu substituto agora na eleição — como o candidato petista à prefeitura de São Paulo em 2012, Lula disse que ele tinha sido escolhido por ter “cara de tucano” numa cidade tucana. Deu certo na primeira vez, errado na reeleição, quando apareceu João Doria, com mais cara de tucano ainda, e levou no primeiro turno. Nem Doria nem Huck, com estilos tucanos, tem vez na disputa presidencial pelo PSDB hoje — e podem sair pela tangente, em outros partidos. Doria pelo DEM ou mesmo pelo PMDB — ontem ele teve uma reunião com o presidente Temer para debater a campanha presidencial — e Huck, pelo PPS.

De volta ao futuro, o novo advogado de Lula, o ministro aposentado do STF Sepúlveda Pertence, comparou-o a Getulio logo na sua primeira fala na nova função. Disse que perseguição igual, nem mesmo contra Getulio. Temos aí a volta do Getulio vivo que tanto temia Fernando Henrique há 13 anos.

A proposta atual de Lula não tem nem mesmo um começo, pois dizer-se que ele não se candidatará em troca de não ser preso é uma negociação nula. Não há jeito de Lula não ser preso, ou dentro de poucos meses ou no final do processo, mesmo que a nova jurisprudência do Supremo volte à exigência do trânsito em julgado, o que é difícil de acontecer.

Sepúlveda Pertence é velho companheiro de Lula, foi advogado do líder operário durante a ditadura, aventado como vice na primeira vez em que ele se candidatou à Presidência. Não merece a acusação de que entrou na disputa jurídica para constranger seus antigos companheiros de STF. Mas tem uma missão impossível pela frente: anular o julgamento do TRF-4 ou acabar com a Lei da Ficha Limpa, únicas maneiras de evitar a prisão de Lula e conseguir que ele se candidate em outubro. Para retardar a prisão, basta que o plenário do STF mude a jurisprudência sobre o início do cumprimento da pena em segunda instância, o que, se acontecer, não terá sido por influência dele.

O ministro Gilmar Mendes já anunciou que está em transição para mudar o voto, o que inverte o resultado. Mas a ministra Rosa Weber permanece uma incógnita. Ela tem seguido a maioria, a favor da prisão em segunda instância, embora tenha votado contra e continue com o mesmo pensamento. Ela tanto pode manter seu voto, como pode votar a favor da atual jurisprudência apenas para não mudar devido a um caso específico.

No caso de Lula, então, há outra coincidência com o passado. Rosa Weber teve como assessor no julgamento do mensalão ninguém menos que o juiz Sergio Moro. E Lula, no petrolão, foi apanhado numa conversa com Jaques Wagner — que é outro possível substituto de Lula na urna eletrônica — pedindo que ele fizesse pressão sobre Rosa para que tirasse seu caso de Moro. Não deu certo.

Na coluna de ontem, por erro de revisão, o nome do novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz Fux, foi trocado pelo do ministro Ricardo Lewandowski. No blog saiu correto. Peço desculpas aos leitores e aos ministros.

*Essa coluna voltará a ser publicada no dia 27. Bom carnaval a todos.

 

 

 


Míriam Leitão: O buraco de R$ 800 bilhões

A principal emergência para o ajuste das contas é o governo olhar exatamente quanto está gastando com os mais ricos e eliminar esse custo

 O país está acumulando um buraco de R$ 815 bilhões de 2014 a 2020. Houve 16 anos de superávit, de 1998 a 2013. O primeiro déficit foi em 2014, e o governo prevê contas no negativo até 2020. Sair de um buraco desse tamanho é um dilema do país para além desta administração. O governo prevê que as empresas estatais continuarão dando déficit todos os anos.

Com o anúncio de terça-feira, o governo Temer admitiu que não colocará o país nos trilhos, como havia prometido. A promessa não era mesmo de se acreditar, ninguém achava que seria uma ponte sobre o mar vermelho, mas havia uma expectativa de que fosse possível reduzir ano a ano o tamanho do rombo. Agora já se sabe que nem isso acontecerá e será um bom resultado ficar nesses R$ 159 bilhões de déficit este ano e no próximo.

No anúncio, os ministros mostraram a dura realidade dos números de um país em crise fiscal aguda, mas os políticos do centrão não entenderam. E se preparam para retaliar na Comissão de Orçamento. O governo não incorporou, por boas razões, várias propostas que eles fizeram à LDO, que inclusive invadiam atribuições do executivo. Esses vetos, e mais as medidas que impactam o funcionalismo, estão alimentando a reação dos deputados, que alegam também razões políticas para a rebeldia velada. Acham que não foram “prestigiados”. Por isso vão atacar onde for possível: no Refis, que o governo tenta salvar de alguma forma, e na proposta de criação da TLP. Isso sem falar na ameaça que fazem de não votarem a favor da revisão da meta. O Congresso continua não entendendo em que momento estamos. A proposta do deputado Vicente Cândido (PTSP) de volta da doação oculta é suficiente para mostrar que alguns representantes se mudaram para Marte. Menos transparência a esta altura só pode ser piada.

Se o país nada fizer para mudar a maneira como arrecada e gasta, vai revisitar perigos que já havia superado, como o de que a dívida não seja paga. O Brasil viveu esse temor ao fim dos anos 1980 e, de fato, começou a década seguinte com o calote do governo Collor. Tudo terá que ser olhado agora com mais cuidado para o país sair da armadilha em que entrou. A recessão é uma das causas do déficit, mas não só. O superávit primário começou a ser dilapidado nos bons anos, em que houve crescimento com a criação de despesas que se eternizaram.

Será necessário fazer muito para voltar a ter equilíbrio nas contas. Medidas difíceis, como fechar ministérios, eliminar autarquias e vender empresas estatais. O Brasil tem quase 200 empresas estatais. E a maioria é deficitária. Nas previsões do governo divulgadas esta semana, as estatais federais darão prejuízo acumulado de R$ 13,4 bilhões até 2020. Muita gente acha que vender não resolve o problema porque o governo cria apenas receita extraordinária. É verdade, porém, a privatização faz com que sejam eliminadas despesas correntes permanentes. O ganho mais importante é a despesa que não será feita.

As contas apresentadas pelo governo na revisão da meta são até excessivamente otimistas em alguns pontos. Um exemplo é a previsão de que os estados e municípios passarão a ter superávit primário já no ano que vem, de R$ 1,2 bi. E isso apesar de receberem em 2018 menos R$ 8,5 bilhões de transferências federais. Os ministérios da Fazenda e Planejamento preveem novo superávit de R$ 4,7 bilhões em 2019, para estados e municípios, e outro de R$ 16,6 bilhões em 2020. Como conseguirão a façanha na situação falimentar em que se encontram é um mistério que o governo não explicou.

A principal emergência para o ajuste das contas é o governo olhar exatamente quanto está gastando com os mais ricos e eliminar esse custo. Dentro desse projeto é que está a TLP, contra a qual alguns economistas têm se insurgido, estimulando os parlamentares que querem um bom motivo para ficar contra um projeto que prejudica os empresários. O objetivo da nova taxa de juros de longo prazo do BNDES é ir eliminando aos poucos os absurdos, injustos e, por que não dizer, bizarros subsídios às grandes empresas no país. É insensato continuar gastando tanto com os ricos num país que tem tantas carências e tão grave desequilíbrio fiscal. Depois de 15 anos de superavit, governo vai acumular um déficit de R$ 815 bilhões de 2014 a 2020 Empresas estatais darão prejuízo todos os anos, com um rombo de R$ 13,4 bilhões até 2020. É preciso encarar a realidade, cortar gastos, vender empresas e eliminar subsídios aos ricos


Caetano Araújo: Razões da crise

A crise ocupa há tempo o centro do debate no país. Em poucos anos rachaduras na fachada ética da política e alertas na economia transformaram-se numa situação de extrema instabilidade, que ameaça tragar boa parte do sistema partidário. Discute-se hoje, principalmente, os lances mais recentes do processo, seus impactos já verificados e, principalmente, num quadro de grande incerteza, diferentes prognósticos alternativos sobre o futuro imediato, geralmente na perspectiva de suas consequências políticas e eleitorais.

Menos atenção tem recebido, no entanto, a questão, crucial, da gênese da crise. Em outras palavras, como chegamos ao ponto em que estamos hoje? Procuro desenvolver aqui uma resposta tentativa, o embrião de uma hipótese a ser trabalhada. No meu argumento, a origem da crise deve ser buscada em duas dimensões diferentes: o sistema de regras que regula as eleições e as decisões estratégicas dos principais atores políticos do país nos últimos anos. Falo, nesse caso, dos maiores partidos brasileiros, com o evidente protagonismo do Partido dos Trabalhadores, vencedor das últimas quatro eleições para Presidente da República.

Vamos à regra. Praticamos no Brasil nas eleições para deputados (federais, estaduais e distritais) e vereadores o sistema de voto proporcional com listas abertas. Nele os eleitores podem votar em legendas ou em candidatos das listas apresentadas pelos partidos políticos. As listas não são pré-ordenadas, de modo que o total de votos de cada partido (soma dos votos da legenda e de todos os nomes) determina o número de cadeiras que cada um obteve, enquanto a entrada dos candidatos é definida pela ordem decrescente dos votos obtidos.

Importa lembrar que esse sistema é uma invenção genuinamente nacional. Foi formulado por Assis Brasil, na década de 1930, com o objetivo de conciliar o voto em partidos, característico para ele de democracias modernas, com o voto em pessoas, que vigorou durante o Império e a República Velha. É usado entre nós desde 1945, de modo que muito provavelmente não há eleitores brasileiros vivos que tenham conhecido outro sistema.

Alternativas
Na comparação internacional, o sistema não teve tanto sucesso. Apenas a Polônia e a Finlândia nos acompanham hoje. A grande maioria dos países democráticos escolheu entre três outras alternativas: votar em pessoas, adotando o voto distrital; votar em partidos, com o voto proporcional em listas fechadas ou flexíveis; ou votar em pessoas para uma parte das cadeiras e em partidos para a outra parte, nos sistemas chamados mistos.

São conhecidas as críticas ao nosso sistema: personalização das campanhas, com as contrapartidas inevitáveis de sua despartidarização e despolitização; campanhas caras; influência do poder econômico; déficit de legitimidade junto aos eleitores.

Como sabemos, tudo isso é verdade. Aqui candidatos arrecadam e gastam recursos de forma autônoma e concorrem todos contra todos, principalmente contra seus companheiros de legenda. O foco de suas campanhas não é apresentar uma plataforma partidária comum, mas os pontos de singularidade política que os diferenciam dos demais candidatos de seus partidos.

Os poucos dados disponíveis mostram que as campanhas eleitorais no Brasil são as mais caras do mundo e seu custo foi crescente, pelo menos até a recente exclusão das empresas do universo de doadores de recursos. Não são de surpreender, portanto, as evidências do uso crescente de recursos não declarados, portanto ilegais.

Os legislativos que saem dessa peneira são dispersos, fato que acumula dificuldades para presidentes, governadores e prefeitos construírem suas bases de apoio. Não por acaso, todos os presidentes eleitos depois de 1988 foram favoráveis à reforma política.

Para os eleitores, o resultado da dispersão significa perda em termos de fiscalização e controle sobre os parlamentares. No sistema de voto distrital essa fiscalização é exercida diretamente porque os eleitores sabem exatamente quem é o deputado que os representa. No sistema de voto proporcional com listas fechadas ou flexíveis a fiscalização é feita por intermédio dos partidos, que são eleitos a partir de uma plataforma e zelam pelo cumprimento do pacto eleitoral por parte dos deputados.

Voto
No nosso sistema de voto proporcional com listas abertas, a fiscalização direta dos eleitores é difícil, porque o eleitor não pode determinar quem é o seu representante e a fiscalização partidária impossível, por não haver os partidos fortes de que necessitaria. Em compensação, a fiscalização por parte dos financiadores das campanhas é permanente, uma vez que as duas partes se conhecem, sabem quanto foi aportado e a sua importância para trazer o deputado à cadeira que ocupa. Portanto, tampouco é por acaso que legislativos, parlamentares e partidos são campeões na desconfiança dos eleitores, segundo as pesquisas disponíveis.

Esses problemas foram camuflados no passado, em situações em que o número de eleitores era menor, como no período 1945/1964, e as restrições à liberdade de imprensa maiores, como na ditadura militar posterior a 1964. A Constituição de 1988, contudo, consagrou uma série de avanços democráticos que se revelaram incompatíveis com a continuidade da nossa regra eleitoral: sufrágio universal, liberdade de imprensa e autonomia do Ministério Público.

A contradição entre a regra eleitoral e os avanços da Constituição é demonstrada pela sequência de escândalos ligados ao financiamento da política no país a partir da década de 1990. Para ficar só nos principais, tivemos sucessivamente o impedimento de Collor, os anões do orçamento, as operações Satiagraha e Castelo de Areia, o mensalão e, agora, a lava jato, ainda em curso.
Em síntese, nossa regra eleitoral gera um ambiente de competição na qual partidos e candidatos que recusam qualquer recurso de campanha de origem não legal têm dificuldade crescente de concorrer com aqueles que se integram a esses canais de financiamento. Quando isso ocorre a corrupção política deixa de ser residual, ou seja, algo que pode ou não ocorrer em determinado pleito, e passa a ser estrutural.

Resta indagar as razões da persistência dessa regra por quase três décadas. Penso que a resposta deve ser procurada nas estratégias de alianças desenvolvidas pelos maiores partidos brasileiros, em especial o PT.

Tendência
Hoje a situação parece improvável, mas no período entre a posse e a queda de Collor ganhou corpo uma tendência à aliança entre PT e PSDB para as eleições presidenciais seguintes. Essa tendência começou a perder força com a opção do PT de não participar do governo Itamar e, principalmente, com o lançamento do Plano Real, duramente criticado pelo partido. Nos dois mandatos de Fernando Henrique o PT fez oposição sistemática a toda a agenda modernizante do governo e a possibilidade de aliança ficou mais distante.

No início do governo Lula a situação havia mudado. Depois de uma pauta de campanha que aceitou o processo de estabilização da economia, com todas as suas implicações; de uma transição de governo bem-sucedida; da defesa, ainda que tímida, de uma agenda reformista que contou com o apoio do PSDB, na oposição, e do PPS, então no governo, uma janela de oportunidade para uma nova política de alianças do PT parecia aberta. Contra essa nova política, pesavam dois fatores importantes: a forte resistência das bases do PT, educadas num discurso político salvacionista, e a oferta permanente de apoio, mais fácil e imediato, de uma grande massa de deputados situados politicamente entre o fisiologismo e o conservadorismo.

O momento decisivo para a definição ocorreu no início de 2003, quando a proposta de reforma política apoiada por PT, PSDB, PFL, PDT, PSB e PPS, de listas fechadas com financiamento público de campanha, estava a ponto de ser votada em plenário. Por pressão dos demais partidos, o PT retirou seu apoio ao projeto, enterrou a reforma política e demarcou seu campo de alianças, tendo como principal referência aliada a centro-direita conservadora.

Vale lembrar que esse movimento do PT não apenas assegurou mais 15 anos de vigência à regra eleitoral, mas, como a aliança replicou-se nos estados, deu sustentação política a velhas elites regionais e, consequentemente, a suas bancadas parlamentares, concentradas nos partidos contrários à reforma.

O PT teve uma segunda oportunidade de redirecionar sua política de alianças. Em 2013, na onda das manifestações populares, que tinham na mudança da política um dos pontos centrais de reivindicação, a presidente Dilma poderia ter encabeçado uma ampla concertação parlamentar pela reforma política. Ao invés de fazê-lo, optou por insuflar propostas diversionistas que em nada resultaram, como plebiscito ou constituinte exclusiva.

Parece evidente hoje que essa política redundou num fracasso completo. Poderia ser avaliada como um sucesso parcial se os objetivos do governo fossem manter inalterado o status quo econômico, social e político do país. No entanto, à luz dos objetivos declarados nas campanhas do PT, ou seja fazer avançar a democracia e recuar a pobreza e a desigualdade, essa política de alianças deve ser reprovada em toda linha.

Além disso, nas duas variantes que se sucederam, a aliança com o chamado “centrão” aumentou a vulnerabilidade do partido. A tentativa, no primeiro governo Lula, de governar com o seu apoio do PMDB, mas sem a sua participação proporcional, resultou no mensalão. A incorporação do PMDB no governo, por sua vez, alimentou a lava jato.

Erro
Se essa política deve ser vista com as informações de que dispomos hoje, como um erro colossal, como compreender sua adoção e manutenção por anos a fio? É claro que alguns sucessos do governo Fernando Henrique e do primeiro período de Lula alimentaram a visão da política brasileira como o palco no qual dois partidos programáticos gerenciavam o apoio do fisiologismo. Essa imagem de Werneck Vianna, muito citada por Fernando Henrique, descrevia bem a situação do momento. Nada dizia, contudo, sobre a sustentabilidade desse arranjo no médio prazo.

Podemos especular sobre as motivações pragmáticas do PT para se diferenciar do seu concorrente direto nas disputas presidenciais. Podemos ainda discutir uma tendência possível de interpretar o conjunto da política nacional através do prisma da conjuntura paulista. Penso ser mais produtivo analisar as premissas que podem ser usadas para justificar essa opção. Na minha opinião são três essas premissas, todas devidamente desmentidas pelos fatos.

Em primeiro lugar, a preponderância do estado sobre a sociedade, tributária da ideia antiga que faz depender todo movimento de mudança à condução esclarecida de uma vanguarda, capaz de recolher as demandas populares e processá-las na forma de decisões políticas racionais. Nesse aspecto, as jornadas de 2013 mostraram que alguma coisa não funcionava como previsto.

Em segundo lugar, a preponderância do Executivo sobre o Legislativo. Outra ideia antiga que afirma a capacidade de o Executivo impor sua vontade aos legisladores como uma constante da política. O processo de impeachment desmentiu essa premissa, ao menos na sua versão absoluta.

Em terceiro lugar, a neutralidade política do fisiologismo, do atraso, do centrão, qualquer que seja o nome dado ao grupo de parlamentares que se posiciona na política mais do lado da oferta, menos no da demanda, de apoio parlamentar. Menos expostos às cobranças partidárias, esses deputados tendem a ser, no entanto, mais sensíveis às demandas dos grupos empresariais que financiam suas campanhas, como ficou demonstrado em diversas votações em que os interesses do governo foram contrariados nos últimos anos.


No aniversário da República, um momento de nostalgia no #ProgramaDiferente: com FHC, o Brasil era feliz e não sabia!

Neste aniversário de 126 anos da Proclamação da República, o #ProgramaDiferente, da TVFAP.net, é inteirinho com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Isto porque, num momento em que o Brasil atravessa uma das suas mais graves crises políticas, parece oportuno valorizar o papel fundamental de FHC para a estabilização econômica e a consolidação da democracia.

Se compararmos os oito anos do presidente Fernando Henrique, somados aos dois anos do presidente Itamar Franco, depois do impeachment do Collor, com os oito anos do Lula e os cinco da Dilma, dá vontade de voltar no tempo.

Por mais que fizéssemos oposição a FHC, com uma série de críticas ao governo tucano, temos de reconhecer os avanços para o país. Além disso, após virem a público os métodos e os escândalos dos governos petistas, aumenta o nosso sentimento de nostalgia.

Por isso, neste 15 de novembro, foi ao ar um programa especial para valorizar as conquistas democráticas e os princípios republicanos. Também resgatamos um pouco da história do Real, que botou em ordem a economia brasileira a partir do governo Itamar, há 21 anos, e exibimos com exclusividade trechos de um encontro recente com Fernando Henrique, em que ele analisa a atual crise do governo Dilma.

O #ProgramaDiferente é exibido na TVAberta de São Paulo todos os domingos, às 21h30.

Na internet, está disponível na TVFAP.net e em programadiferente.com na íntegra.