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Cláudio Couto: Na disputa pela Câmara, resultado é imprevisível

Presidente Jair Bolsonaro tem motivos adicionais para valorizar a eleição na Casa

A disputa pela presidência da Câmara dos Deputados é crucial no xadrez político brasileiro, pois o chefe máximo dessa casa legislativa detém considerável poder de agenda, cabendo-lhe encaminhar decisões cruciais – em especial as que interessam ao Poder Executivo.

Por determinação constitucional, todo projeto de lei oriundo do Executivo inicia sua tramitação na Câmara, cabendo ao seu presidente determinar – junto com os líderes partidários – a pauta de votações. Também processos de impeachment, para começarem a tramitar, dependem da anuência do presidente da Câmara; daí porque o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) é bastante criticado por não ter dado seguimento às dezenas de pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro.

Considerando esses dois poderes substanciais, é de grande importância para o presidente da República contar com um chefe da Câmara com quem tenha boa relação. Se, mais do que bom relacionamento, contar com um fiel aliado, ou com um serviçal (tal qual o atual procurador-geral da República), melhor ainda. Os antecessores de Bolsonaro puderam experimentar tanto as benesses de contar com aliados, como os dissabores causados por desafetos. O atual chefe do Executivo, incurso em muitos crimes de responsabilidade que motivam seu impeachment e sequioso de fazer avançar sua agenda reacionária de costumes, tem motivos adicionais para valorizar a disputa pelo posto.

O cenário atual, como mostra a pesquisa do Estadão, torna difícil antecipar o desfecho da disputa, já que a maior parte dos deputados prefere não revelar as preferências. Como Rodrigo Maia preconiza o voto aberto, mas Arthur Lira defende o sufrágio secreto, talvez o segredo dos legisladores seja um alento para o candidato bolsonarista. Contudo, não se trata de inferência tão simples, já que muitos preferem o segredo justamente para não se indispor com o Poder Executivo, junto ao qual buscam benesses. Isso, porém, vale mais para os governistas do que para a oposição, que também esconde seu voto. O jogo está aberto.

*Professor de ciência política na FGV Eaesp


Claudio Couto: Os resultados das eleições municipais atrapalham os planos de Bolsonaro para 2022? Sim

Perdeu a oportunidade de criar rede de apoio político e larga em desvantagem

Jair Bolsonaro tentou tomar de assalto o partido pelo qual se elegeu, o PSL, em vez de com ele construir boa relação —o que teria sido útil, considerando que a sigla teve a maior fatia do fundo eleitoral neste ano. Fracassou em seu intento, e a organização seguiu sob controle de seu velho cacique, Luciano Bivar. Depois, ensaiou construir seu próprio partido, o Aliança pelo Brasil. Novamente fracassou e, ao notar que não teria como viabilizá-lo em tempo para as eleições municipais, desistiu.

Com isso, ​Bolsonaro não teve um partido para chamar de seu durante as disputas locais, perdendo a oportunidade que seus antecessores —FHC e Lula— aproveitaram muito bem: fazer crescer sua agremiação pelo país, enraizando-se e criando uma rede de apoio político crucial para as eleições proporcionais vindouras (Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas), mas também para a Presidência da República. Só por isso (obra exclusivamente sua), já sai derrotado das eleições de 2020.

Agora, especula-se que o presidente —eleito por vociferar contra a “velha política”— possa se filiar a um dos partidos do centrão —a quintessência do que ela significa. O mais cogitado é o PP. É aquele que Bolsonaro integrou por mais tempo, a despeito das muitas mudanças de nome, desde que deixou de ser a Arena da ditadura militar e de ter vertebralidade política, tornando-se um mero partido de adesão: esses que apoiam qualquer governo, desde que bem recompensados, sem dar maior importância a ideologias ou programas.

Os partidos do centrão foram os que mais cresceram nesta eleição: PP, PSD, PL, Avante, Patriota, Podemos, PSC, Republicanos, Solidariedade —todos aumentaram o seu número de prefeituras. Até o ex-bolsonarista PSL cresceu. Apenas o jeffersoniano PTB e o MDB, dentre as agremiações de adesão, declinaram —embora este último permaneça o maior em número de governos locais. Hoje estão todos, com parcial exceção do MDB, na base formal do presidente no Congresso. Fosse de fato um governo de coalizão, talvez pudessem caminhar com Bolsonaro até 2022. Contudo, não é o caso.

Ademais, como diz a sabedoria política, o centrão ninguém compra, só aluga. Assim, se o governo seguir errático, improdutivo e perder popularidade país afora da mesma forma como tem ocorrido em grandes cidades, os partidos de adesão se atrelarão a outra candidatura, com maiores chances de ganhos. Ela pode ser de algum partido da centro-direita ou direita tradicional (não bolsonarista) que chegue bem em 2022.

Quem se saiu bem nestas eleições foi o DEM —que não é centrão, ou não teria ficado por mais de 12 anos firme na oposição aos governos petistas. O ex-PFL não só cresceu como ganhou cidades importantes: Salvador e, virtualmente, Rio de Janeiro. Ademais, terá livre de mandato, podendo percorrer o país a partir de janeiro, um dos prefeitos mais populares e jovens do Brasil: Antônio Carlos Magalhães Neto. Considerando-se ainda o contraponto que Rodrigo Maia tem feito ao bolsonarismo no Congresso, há espaço para ocupar o campo da direita com maior moderação e alienar o atual presidente.

Claro que o candidato também pode ser um outsider, como Luciano Huck, embora estas eleições estejam mostrando que o tempo de aventureiros e neófitos parece ter ficado em 2016 e 2018. O astro da TV talvez perca o lugar para um político mais experimentado nas hostes da direita —e esse provavelmente não será Jair Bolsonaro.

*Claudio Couto, professor de ciência política na FGV-Eaesp e coordenador e produtor do canal do YouTube e podcast ‘Fora da Política Não há Salvação