cida damasco

Foto: Beto Barata\PR

Cida Damasco: Nuvens no horizonte

Cenário político instável cria incertezas para nova rodada de reformas

O clima anda mesmo meio estranho. E não estamos falando do efeito do aquecimento global, que às vezes faz a primavera parecer inverno num dia e verão logo no dia seguinte. No caso, trata-se do clima econômico, sujeito a variações extremas conforme o momento e conforme o público. Investidores, analistas e empresários começaram a semana passada animados com sinais de alguma melhora na atividade econômica e com a perspectiva de apresentação das propostas de reformas pós-Previdência. Terminaram frustrados com um novo adiamento do anúncio das medidas, consideradas essenciais para determinar o futuro do País. Como tem sido frequente nos últimos tempos, cada vez que um solzinho pálido surge na economia acaba encoberto pelas chuvas e trovoadas no cenário político – onde, segundo “meteorologistas” experientes, o clima não vai desanuviar tão cedo.

As rumorosas denúncias de ligações do clã Bolsonaro com os envolvidos na morte de Marielle Franco e a defesa do AI-5 pelo filho do presidente e líder do governo, Eduardo Bolsonaro, chegaram a jogar para segundo plano o pacotaço de mudanças preparado pela equipe de Paulo Guedes – que inclui pacto federativo, redução das amarras do Orçamento, extinção de fundos públicos, reforma administrativa, reforma tributária e mudança de regras para agilizar as privatizações. Tudo isso e mais um pouco. Na semana passada, só os mercados pareciam ignorar a instabilidade política e continuavam a exibir recordes atrás de recordes.

Passado o impacto do novo terremoto político, pelo menos momentaneamente, o clima no Planalto é na linha do “agora vai”. Ou seja, a programação é detalhar nesta semana todas as propostas do pacotaço, muitas delas cruciais para que o governo consiga honrar seus compromissos na área fiscal e, com isso, aliviar a pressão sobre a economia real. Apesar das inúmeras pistas dos últimos dias, ainda há dúvidas sobre todas as medidas que virão no pacotaço e mesmo sobre o ritmo de encaminhamento no Congresso.

Já se sabe, de toda forma, que um dos pontos centrais da reforma administrativa será o fim da estabilidade automática para os novos servidores públicos. Sabe-se também que serão propostas a desvinculação de gastos no Orçamento e a definição de gatilhos para barrar efetivamente as despesas em caso de descumprimento das metas fiscais. E ainda que a reforma tributária vai demorar mais, embora tenha a preferência de empresários e líderes parlamentares, como o próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

A proposta tributária de Guedes será limitada, inicialmente, à fusão de PIS, Cofins e IPI. A desoneração ampla da folha de pagamento das empresas foi comprometida pela derrubada da nova CPMF.

Se há uma coisa que não se pode dizer de Guedes é que ele se conforma com pouco. A reforma da Previdência é uma prova da ambição do ministro, que fincou o pé nos ganhos fiscais de R$ 1 trilhão em 10 anos e conseguiu segurar o resultado na marca dos R$ 800 bilhões. O regime de capitalização, contudo, que ele fez questão de incluir no texto, foi rejeitado logo no início da tramitação no Congresso, poupando negociações mais penosas à frente. Tudo indica que agora essa ambição será testada novamente, com as propostas que serão encaminhadas simultaneamente à Câmara e ao Senado. Isso porque elas vão além da reestruturação das finanças públicas, que volta e meia ameaçam entrar em colapso. Miram, na verdade, uma reforma do Estado brasileiro, como o próprio ministro define.

Pela complexidade das medidas antecipadas e, principalmente, pela amplitude dos interesses envolvidos, pode-se imaginar que a passagem pelo Congresso não será rápida nem tranquila. Especialmente porque ocorrerá em plena campanha eleitoral para prefeitos.

Não é compreensível, portanto, que a turma do Planalto continue a estressar suas relações com o mundo político em geral e com a própria base parlamentar. Para garantir a aprovação dos seus projetos no Congresso – ou, em outras palavras, para governar – não basta Bolsonaro agradar àquele eleitorado fiel, que tem demonstrado afinidade cega às suas declarações e ações. Céu de brigadeiro certamente Guedes não terá à sua frente, mas que pelo menos o presidente não atraia mais nuvens no horizonte.


Cida Damasco: O perigo Bolsonaro

Crise com PSL é ameaça, justamente quando há sinais de alívio na economia

Se há alguém que pode comprometer os planos da equipe econômica do governo Bolsonaro, pode-se dizer que esse alguém é o próprio Bolsonaro. Depois de uma penosa negociação para facilitar a aprovação final da nova Previdência no Senado com a liberação de parte dos recursos do megaleilão do petróleo para Estados e municípios, parecia que estava aberto o caminho para o encaminhamento das outras reformas – a administrativa, a tributária, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) emergencial, para cortar despesas, e a chamada PEC DDD, para retirar amarras do Orçamento.

Pois não é que o Planalto implode as relações com o PSL, seu próprio partido, na ânsia de se livrar dos respingos das investigações sobre candidaturas laranjas e promove uma troca intempestiva das suas lideranças no Congresso? Uma crise e tanto no quintal do bolsonarismo, com os oposicionistas limitados a mero espectadores. E uma crise justamente num momento em que será preciso conquistar apoios parlamentares para um conjunto de medidas importantes. Algumas delas bastante indigestas, que contrariam interesses corporativos, como a reforma administrativa, que mexe em salários, carreiras e na estabilidade dos servidores. Depois de várias idas e vindas sobre o cronograma de apresentação das propostas, as últimas notícias são de que primeiro virão a PEC dos gastos e a reforma administrativa. Uma reforma tributária fatiada, com a primeira etapa concentrada na fusão de alguns impostos, ficaria para o fim da fila.

Num cenário político mais tranquilo, isso poderia funcionar como um reordenamento das iniciativas econômicas do governo, um ano depois das eleições, rompendo a aparente paralisia pós-Previdência e respondendo às críticas de que o ministro Paulo Guedes promete mais do que entrega. Agora, porém, qualquer que seja o roteiro, o encaminhamento das mudanças exigirá um esforço redobrado, para convencer os parlamentares de que as necessidades da economia terão de se sobrepor às disputas partidárias – ainda que a experiência mostre que, em muitos casos, a sensibilidade do Congresso a essas argumentações é diretamente proporcional aos agrados feitos pelo Executivo. Lição, por sinal, que vários integrantes do time do Bolsonaro já aprenderam, depois de todo desgaste produzido pelas tentativas de governar com bancadas temáticas e redes sociais, no lugar de acertos formais com partidos.

O partido de Bolsonaro, do qual se espera fidelidade nas votações, está em guerra aberta com o próprio presidente e seus herdeiros. E, mesmo que haja uma acomodação nos próximos dias, favorecida inclusive pela viagem do presidente à Ásia, é quase impossível que a “união estável” seja restabelecida. Além disso, a estridência dos conflitos políticos, extremamente amplificada nos últimos dias, não esgota seus efeitos negativos na complicação do jogo parlamentar e, por tabela, na tramitação dos projetos de interesse do Planalto.

Teme-se também uma contaminação do clima econômico, que começava a desanuviar com algumas providências ensaiadas pela equipe de Guedes para incentivar a demanda de curto prazo – o que vinha sendo recomendado por especialistas de várias tendências, diante da persistente estagnação da economia. A própria evolução na criação de vagas formais no mercado de trabalho, constatada pelo Caged nos últimos meses, contribuiria para reforçar esse quadro de alívio.

A entrada na praça do dinheiro das contas de FGTS e PIS-Pasep, a continuidade da queda dos juros básicos, o 13º salário para o Bolsa Família e o Refis repaginado, tanto para empresas como para pessoas físicas, entre outras medidas, podem não configurar um programa pronto e acabado para reanimar a atividade econômica, mas têm condições de provocar pelo menos um respiro neste final de ano. Nada capaz de acelerar de fato o crescimento, mas suficiente, por exemplo, para levar a expectativa de alta do PIB em 2019 mais para perto de 1% – e, mais ainda, para preparar a entrada em 2020 numa situação um pouco mais confortável.

A questão é que isso depende, em grande parte, do “fator Bolsonaro”. E é aí que está o perigo. O fator Bolsonaro não tem funcionado para reduzir tensões e pacificar o País, como seria de se esperar de um presidente, mas tem agido exatamente na direção oposta.


Cida Damasco: Ecos de Portugal

Claro que o Brasil é o Brasil e ainda não virou um imenso Portugal, como dizia Chico Buarque, mas qualquer experiência que fuja de extremos e busque a conciliação é uma luz num cenário escuro

O Partido Socialista de Portugal, que há uma semana venceu de novo as eleições e renovou o mandato do primeiro-ministro Antônio Costa, decidiu governar sozinho o país e não renovar o acordo informal com parceiros do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, batizado como Geringonça – a intenção é negociar caso a caso, e não ceder às pretensões do Bloco de Esquerda, de fechar um acordo por escrito, com horizonte de toda a legislatura. Mas isso não esvaziou o debate sobre o que permitiu à Geringonça superar a crise econômica de Portugal e o que pode ser replicado em outros países, como o Brasil. A pergunta que mais se ouve por aqui é: “dá para fazer uma geringonça na economia brasileira?”

Os bons resultados de um programa econômico não identificado com “tudo pela austeridade fiscal” se transformaram, como já era de se esperar, em mais um motivo para a polarização que há bom tempo caracteriza a vida do País. De um lado, estão os adeptos da tese de que Portugal mostrou que é possível reativar a economia, sem adotar a receita fiscalista em vigor em vários países. De outro, os defensores da ideia de que a centro-esquerda portuguesa tem demonstrado forte preocupação com o equilíbrio fiscal, o que no Brasil continua patrimônio da centro-direita.

Não é por outra razão que a vitória de Costa e, por tabela, da equipe liderada pelo festejado ministro Mário Centeno ganhou espaço nas redes sociais, como se não estivesse ocorrendo do outro lado do Atlântico. E alimenta posts irônicos contra os brasileiros que estão se mudando para Portugal, em busca de melhores oportunidades de trabalho e maior segurança – grande parte deles atribuindo o quadro desfavorável no Brasil ao domínio da “esquerda” nos últimos anos, traduzido nos governos petistas.

Quando se olha para a economia dos dois países, é até compreensível o interesse despertado pela Geringonça. Não que os governos do Brasil tenham conseguido impor a austeridade na dimensão prometida – está à mostra, para quem quiser ver, a dramática situação financeira dos Estados, como o Rio, apesar dos compromissos assumidos para obter ajuda federal. Mas o discurso do momento é de linha dura no combate aos gastos públicos. Dia sim, outro também, a equipe econômica anuncia alguma medida da reforma administrativa que está em finalização, com foco na compressão das despesas com pessoal: limitações de reajustes salariais, promoções, contratações, e assim por diante.

O lado real da economia, por sua vez, também não manda boas notícias. Os indicadores antecedentes de PIB que serão divulgados nesta semana, IBC-Br e Monitor do PIB, devem confirmar o quadro de uma economia ainda em slow motion. Não é por outro motivo que setembro trouxe de volta uma deflação – pequena, é fato, mas um alerta de consumo fraco. Todas as esperanças de alguma reanimação da atividade econômica a curto prazo dirigem-se para os saques das contas do FGTS e PIS-Pasep e para as novas rodadas de baixas nos juros. Há, além disso, uma torcida para que o BC reforce a aposta “estimulativa” e libere dinheiro dos depósitos compulsórios.

Lá em Portugal, objeto de “inveja” dos brasileiros, é certíssimo que o primeiro-ministro terá desafios no seu novo mandato, que começa em clima de desaceleração da economia mundial. Especialmente a melhora da infraestrutura, que foi sacrificada em nome do corte de despesas do governo. Mas é inegável que ele já mostrou serviço anteriormente.

O governo de Costa tomou a direção contrária das recomendações de entidades financeiras internacionais, ao reduzir impostos sobre alimentação e aumentar o salário mínimo, entre outras medidas. Em quatro anos, reduziu o desemprego à metade, para 6,3%, derrubou o prêmio de risco dos títulos do país, e o PIB, que cresceu 2,4% no ano passado, vem se sustentando em níveis superiores aos da União Europeia, principalmente por causa do turismo – o que permitiu ao país atingir um nível recorde de renda per capita.

Tudo isso sem se afastar das metas dos programas de estabilidade.

Claro que o Brasil é o Brasil e ainda não virou um imenso Portugal, como dizia Chico Buarque. Mas toda e qualquer experiência que, antes e tudo, fuja de extremos e busque a conciliação é uma luz num cenário escuro.


Cida Damasco: Esperança é 2020

PIB de 2019 empaca com demanda sem tração e cenário político nebuloso

Pelo visto, mesmo quem considerava a recuperação da economia uma questão de torcer a favor ou contra o governo Bolsonaro, começa a jogar a toalha. Os indicadores do trimestre ainda não estão consolidados, mas os sinais são de que o PIB do período pode fechar com “crescimento zero” ou até “crescimento negativo”. Aqueles eufemismos aos quais os técnicos gostam de recorrer para amaciar a dura realidade da estagnação ou da recessão. Pior, a essas alturas já se acredita que o ano está perdido.

A esperança, nesse caso, foi protelada para 2020. Exagero? Há quem diga que sim, considerando-se que o governo, sensível a essa situação e a seus desdobramentos políticos, ainda poderia adotar pauta específica para injetar algum ânimo à economia. Essa aparente precipitação, porém, parece ligada a uma preocupação em não repetir o que aconteceu no ano passado – quando os primeiros meses foram de puro entusiasmo com a expectativa de um crescimento nas vizinhanças de 3% e os últimos meses de pura decepção, com a confirmação de que o resultado final do ano ficaria a um terço dessa marca. Por esse raciocínio, é melhor se preparar desde já, para a aterrissagem ser mais suave.

Dois importantes indicadores agregados do comportamento da atividade econômica comprovam que, para dizer o mínimo, a situação está desconfortável. Diagnóstico reforçado pelas filas quilométricas de trabalhadores à procura de um emprego e pela quantidade de lojas fechadas nas ruas e nos shoppings das grandes cidades. Depois de uma alta de 0,3% em janeiro, o Monitor do PIB da Fundação Getulio Vargas (FGV) apontou uma queda de 0,4% em fevereiro, que bateu na agropecuária, na indústria e no setor de serviços. Desempenho definido pela FGV como “modo de espera”.

O mesmo movimento foi detectado pelo Índice de Atividade Econômica do Banco Central, o IBC-Br. Fevereiro mostrou uma queda de 0,73%, a maior em nove meses, desde a parada dos caminhoneiros, em seguida a uma redução de 0,3% em janeiro. Na esteira desses resultados, ganha velocidade a descida das projeções para o fechamento do ano. Embora a Pesquisa Focus, do BC, ainda aponte um aumento de 1,95%, vários analistas já põem suas estimativas mais para perto de 1%. E, se essas apostas mais conservadoras emplacarem, 2019 será o terceiro ano consecutivo praticamente com o mesmo resultado medíocre – foi 1,1% tanto em 2017 como em 2018 –, depois da longa recessão que engoliu 8% do PIB.

Se há quase um consenso de que a economia brasileira não tem força suficiente para acelerar o crescimento neste ano, as recomendações para mudar esse quadro têm divergências. Os devotos do liberalismo radical acreditam que o crescimento só virá mais à frente, como consequência direta das reformas, especialmente a da Previdência, e o “natural” restabelecimento da confiança dos investidores. Na outra ponta estão os adeptos da tese de que será preciso acionar imediatamente instrumentos afiados de incentivo à demanda, mesmo levando-se em conta que alguns artificialismos, nessa direção, já tiveram sua eficiência testada e reprovada em outros governos. Sem isso, não haverá disposição de investimento, ainda que as reformas consigam vencer as resistências do Congresso e sejam aprovadas em tempo razoável.

Cada vez mais, contudo, ouvem-se vozes em defesa da combinação de duas coisas. Cuidar das chamadas mudanças estruturantes, mas também vitaminar alguns setores, como o da construção civil e obras públicas, para que eles garantam algum fôlego à atividade econômica, num prazo mais curto. Aqui é o caso de perguntar: cadê o programa de reativação de obras paradas, tão falado durante a campanha eleitoral?

Como se não bastassem as enormes dificuldades para se identificar e aplicar as terapias indicadas para reabilitar a economia, há ainda essa barafunda na política. Os três Poderes não se entendem e esticam a corda da normalidade democrática. Em pouco mais de uma semana, o presidente desautorizou, numa só penada, o superministro da Economia e a cúpula da principal empresa do País, o Supremo ressuscitou a censura à imprensa e desencadeou uma caça aos críticos nas redes sociais. E o Congresso se aproveita da confusão, dita a pauta conforme seus interesses, expondo a extrema fragilidade da articulação política do governo. Nesse cenário, quem se arrisca a pôr dinheiro para valer – e para ficar – na economia brasileira? Um ano perdido, “apenas”, talvez até seja lucro.