chico rodrigues

Míriam Leitão: Estado geral da democracia

Não precisa fazer interpretações para concluir que a democracia brasileira vai mal. Basta juntar os fatos. Não são feitos mais os ataques verbais às instituições nem as passeatas pedindo o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso, mas isso não significa que o presidente Bolsonaro mudou. Ele é o mesmo que sempre desprezou valores democráticos. A paz com o centrão não é governabilidade, está mais para conluio. Partidos, políticos e o presidente têm o mesmo objetivo: manter o poder e suspender o combate à corrupção.

O episódio do senador Chico Rodrigues traz uma série de lições. Alguém pode concluir que tudo funcionou bem, afinal a Polícia o encontrou, o Supremo o afastou inicialmente, ele próprio pediu afastamento. É uma visão benigna, mas não realista. O fato é que o vice-líder do governo se sente tão à vontade que leva maços de dinheiro para casa. A PF que o encontrou continua trabalhando, mas ela está sendo esvaziada. Até quando terá essa autonomia? Até que ponto poderá chegar? O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, deixou no ar um silêncio eloquente sobre o escândalo. O ministro do Supremo que afastou Chico Rodrigues foi criticado por senadores. Eles não queriam julgá-lo no Conselho de Ética. Os colegas o aconselharam a dar um “jeitinho”: sair por 121 dias, entregar o mandato ao filho suplente e deixar tudo em casa. O presidente da República fingiu que não tinha com ele a anunciada “quase união estável”.

Há outros sinais preocupantes para onde se olhe. O governo inteiro vem sendo militarizado. Ontem, o Senado aprovou sem reclamar os nomes da diretoria da nova Autoridade Nacional de Proteção de dados. Ela será presidida por um militar, e eles serão três dos cinco diretores. O órgão precisa de autonomia em relação ao governo. Ele vai fiscalizar e editar normas da Lei Geral de Proteção de dados de todos nós. Os militares não têm em relação às informações a preocupação de proteger a privacidade. Por treino profissional, e pela ideologia do atual governo, eles tendem a ver isso dentro da doutrina que definem como “de segurança nacional”.

O governo mandou espiões para a última Conferência do Clima, em Madri, como informou o repórter Felipe Frazão do “Estado de S.Paulo”, e deu a eles status de negociadores. Desta forma estava mentindo para a ONU e constrangendo negociadores brasileiros. O general Heleno disse que isso foi feito para vigiar “maus brasileiros”. Essa é uma visão tipicamente autoritária. Quem outorgou ao general o direito de definir quem são os maus brasileiros? São os que desmatam ilegalmente a Amazônia ou os que denunciam que isso está sendo feito?

O Rio, como mostrou o relatório de diversas ONGs, tem 57% do seu território sob o controle da milícia. Isso é uma ameaça nacional. O presidente Bolsonaro e seus filhos têm todo um mar de ambiguidade em relação à milícia, que vai da ligação direta, como a mantida com o o ex-policial militar e líder de bando miliciano Adriano Nóbrega, morto na Bahia, até as frequentes declarações de apoio ao bando.

“Enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se depender de mim terão todo o meu apoio”, disse Bolsonaro em 2003. Em 2018, reafirmou: “Tem gente que é favorável à milícia, que é a maneira que eles têm de se ver livres da violência. Naquela região onde a milícia é paga não tem violência”. O então candidato estava aprovando a extorsão a que estão submetidos os moradores das áreas controladas pelos milicianos. Quando um grupo criminoso tem o apoio implícito ou explícito de quem governa o país, isso é um imenso perigo.

O truque atual é capturar as instituições, esvaziá-las da sua autonomia, mas deixá-las em pé. Assim, alguém pode dizer: mas estão lá as instituições funcionando. A suposta “pacificação” de Bolsonaro não é respeito à autonomia e à independência dos poderes. Ele quer proteção para ele, seus filhos, sua família. Os parlamentares querem que a investigação de corrupção pare de importuná-los, porque já não sabem mais onde enfiar dinheiro quando a Polícia Federal chega. Diante de todos os sinais — e há muitos outros — só o desatento dorme tranquilo com a democracia brasileira.


Bernardo Mello Franco: A segunda obscenidade do senador da cueca

Em 2001, Antonio Carlos Magalhães foi acusado de ordenar a violação do painel eletrônico do Senado. As provas eram fartas, e o Conselho de Ética aprovou relatório favorável à cassação do velho político baiano. Antes que o plenário confirmasse a pena, ele renunciou. O mandato ficou com seu primeiro suplente, o empresário ACM Júnior.

“Tenho a responsabilidade de ser filho do melhor e maior político brasileiro”, discursou o herdeiro ao estrear na tribuna. Na véspera da posse, ele disse que sua missão era “honrar” o patriarca. “Tomarei as atitudes em conjunto com meu pai”, afirmou

Dezenove anos depois, a manobra se repete em Brasília. Flagrado com dinheiro na cueca, o senador Chico Rodrigues se licenciou ontem do cargo. Deixou a cadeira para Pedro Arthur Rodrigues, seu filho mais velho, também filiado ao DEM.

Foi uma jogada ensaiada. Num acordão com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, o roraimense saiu de cena para aliviar a pressão sobre os colegas. A ideia é que ele se esconda dos holofotes até fevereiro. Se tiver sorte, ninguém se lembrará do caso quando a licença acabar. Enquanto isso, seu gabinete ficará sob os cuidados do primogênito.

A grana malocada “entre as nádegas” não é a única obscenidade do caso de Rodrigues. A substituição do pai pelo filho também contribui para desmoralizar o Senado. Mostra que os mandatos continuam a ser tratados como capitanias hereditárias.

A figura do suplente de senador é uma antiga aberração da política brasileira. Distorce a ideia de representação popular e beneficia políticos e empresários sem votos. Alguns titulares entregam a suplência ao financiador da campanha. Outros mantêm a chapa em família: indicam o pai, o filho ou a mulher, caso do emedebista Eduardo Braga.

Ontem o senador Rodrigues disse que está sendo “massacrado”, “ridicularizado” e “humilhado”. “Por trás desse broche de senador, há um ser humano”, choramingou. Faltou explicar o dinheiro que estava por trás daquela cueca.


Eliane Cantanhêde: Por bem ou por mal

Para o ‘senador da cueca’ só restou se licenciar por livre, mas não espontânea, vontade

Muito se falou da vice-liderança do governo e da “união estável” do senador Chico Rodrigues (RR) com o presidente Jair Bolsonaro, mas o agora famoso “senador da cueca” é do DEM e atinge a corrida do partido para polir sua imagem, aprofundar a transição geracional, disputar prefeituras importantes e se colocar o melhor possível para 2022. Daí porque a pressão pelo pedido de licença de Rodrigues. Ou saía por bem, ou saía por mal.

O DEM é o partido dos presidentes do Senado e da Câmara, Davi Alcolumbre e Rodrigo Maia, do prefeito de Salvador, ACM Neto, da ministra Tereza Cristina, do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta e do presidente do Conselho de Ética do Senado, Jayme Campos. Afora Campos, todos têm planos políticos ambiciosos e optaram por um silêncio estridente sobre o vexame do correligionário, a quem só restou pedir licença, “por livre, mas não espontânea, vontade”.

A licença é um alívio para todo mundo. O plenário do Supremo por não ter de julgar amanhã se acata ou não o afastamento do senador determinado pelo ministro Luís Roberto Barroso. O plenário do Senado por não ter de votar a favor ou contra o colega. Para o DEM, a chance de sair de fininho, como Bolsonaro. O problema foi combinar com o “adversário”: Rodrigues não queria aceitar.

Ele é senador, já foi deputado e governador e é empresário bem-sucedido, logo, não é absurdo ter R$ 33 mil em casa, ainda mais porque, cá entre nós, os filhos e a ex-mulher do próprio presidente da República têm mania de pagar apartamentos, planos de saúde e escolas com dinheiro vivo… Então, por que Rodrigues escondeu a grana na cueca? Caracterizou ocultação de provas e agrediu a máxima de que “quem não deve não teme”. O que ele temia, ao ser acusado de desvios milionários na saúde?

Além de espernear diante da polícia, ele resistia também à pressão dos senadores e, particularmente, do DEM para se licenciar, mas eles colocaram a faca no pescoço: ou se licenciava ou seria cassado pelo Conselho de Ética. Nesse script, o STF derrubaria o pedido de afastamento; sem a liminar, não haveria objeto a ser votado pelo Senado e todos viveriam felizes para sempre. Ele, às voltas com polícia, MP e Justiça, mas com o filho na sua vaga.

Depois de Bolsonaro lavar as mãos e se descolar do problema, o principal interessado nesse roteiro é Alcolumbre, que tem quatro pontos em comum com o “senador da cueca”: foram deputados juntos, são senadores, representam o Norte e tentam driblar a Constituição para dar mais um mandato para Alcolumbre na presidência. Até ontem, ele agia, mas não tinha dado um A sobre o escândalo.

Enquanto isso, Bolsonaro se prepara para uma sucessão de vitórias nesta semana no Senado, com a aprovação dos seus nomes para Supremo, TCU, Anvisa, Anac. Afora um ou outro senador de oposição, e só para marcar posição contra, ele vai vencer por lavada, com destaque para o sem currículo Kassio Nunes Marques no STF e o amigão Jorge Oliveira no TCU.

Tudo caminha do jeito que Bolsonaro gosta: saia-justa no Supremo, Congresso às voltas com velhos “probleminhas”, seus escolhidos alçados a cargos-chave sem empecilhos, enquanto, como mostrou o Estadão, a paisagem nos Estados vai sendo salpicada por outdoors e fotos de Bolsonaro em campanha – uma campanha camuflada.

Tudo vai tão bem para o capitão Bolsonaro que ele já se sente à vontade para trocar o general Hamilton Mourão por um vice do Centrão – com aval dos militares. Tempos estranhos, que o DEM via como uma avenida de oportunidades para o centro responsável, mas, com dinheiro em cuecas e a direita e os militares lavando as mãos para os absurdos de Bolsonaro, vai ficando difícil. O negacionismo está em alta e o inaceitável virou moda.


Ricardo Noblat: A saída imoral para salvar o senador do dinheiro na cueca

E não atrapalhar a reeleição de Alcolumbre

O senador Jayme Campos (MT), presidente do Conselho de ética do Senado, sugeriu, ontem, que seu colega Chico Rodrigues (RR), flagrado com 33 mil reais escondidos na cueca, metade entre as nádegas, peça licença do mandato por 120 dias.

A sugestão tem duas razões de ser. A primeira: deixar que o caso esfrie para que Rodrigues salve o mandato. A segunda: tirar Rodrigues de circulação para evitar que seu caso atrapalhe a reeleição para presidente do Senado de Davi Alcolumbre (AP).

Campos, Rodrigues e Alcolumbre são do mesmo partido, o DEM. A eleição do próximo presidente do Senado será na primeira semana de fevereiro de 2021. Se Alcolumbre conseguir driblar a Constituição, se reelegerá com Rodrigues ainda de licença.

Sabe quanto custa um senador por mês? Salário bruto: 33.763 reais. Mais: de 30 mil a 45 mil reais a título de cota para o exercício da atividade parlamentar. Ou seja: para que trabalhe. Mais: apartamento funcional ou auxílio moradia de 5.500.

Chega? Não. Tem mais: ressarcimento integral de todas as despesas médicas, não só as dele, mas do cônjuge e dependentes com até 21 anos de idade, ou até 24 se forem universitários. E mais: 80 mil de verba para gastos com pessoal.

Em resumo: um senador custa mensalmente aos cofres públicos cerca de 170 mil reais. O dinheiro dos impostos pagos por cada um de nós alimenta os cofres públicos. Você concorda que Rodrigues ganhe 680 mil por quatro meses de pernas para o ar?

Por que o Conselho de Ética não se reúne à distância e cassa o mandato de Rodrigues? O Senado não se reúne à distância e aprova até mudanças na Constituição?


Merval Pereira: Senado exposto

A credibilidade pública do Senado enfrentará esta semana tarefas difíceis que as circunstâncias uniram em poucos dias. Caberá aos senadores aprovar a indicação do atual ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência Jorge Oliveira para uma vaga do Tribunal de Contas (TCU) que não existe ainda; sabatinar para a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) o desembargador Kássio Marques, acusado de adulterar seu currículo e de plágio; e tentar salvar o mandato do senador Chico Rodrigues, flagrado pela Polícia Federal com notas de R$ 200,00 escondidas em suas partes íntimas.

A falta de compostura do presidente Bolsonaro veio novamente à tona nas indicações apressadas de seus candidatos ao TCU e ao STF. Quando anunciou que Kassio Marques era o escolhido, a vaga do ministro Celso de Mello ainda não existia, o que havia era data anunciada por ele para se aposentar.

As boas maneiras republicanas, seguidas por todos os presidentes da República, mandam que o nome do sucessor só seja divulgado depois da abertura oficial da vaga, uma média de 150 dias. A mais rápida dos últimos governos foi a indicação do falecido ministro Carlos Alberto Direito seis dias depois da publicação da aposentadoria de Sepulveda Pertence.

Como estamos em tempos estranhos, a maioria dos senadores já fez sua sabatina particular com Kassio Marques em jantares presenciais e conversas digitais, e tudo indica que nem seu currículo fajuto, nem as circunstâncias em que seu nome surgiu do nada, serão levados em conta na hora de sabatiná-lo. O importante é ter entre os ministros do STF mais um “garantista” que vê exageros na Operação Lava Jato.

Também a sabatina de Jorge Oliveira para um cargo que não existe acontecerá no Senado. A melhor definição da situação está no despacho do ministro Dias Toffoli negando ação do senador Alessandro Vieira que queria impedir a sabatina sob a alegação de que a vaga só será aberta em dezembro, quando o ministro José Mucio anunciou que se afastará do TCU.

Toffoli alegou que não há prazo específico para a indicação de ministros do TCU, “não cabendo ao Poder Judiciário exercer juízo censório sobre a oportunidade e a conveniência desse procedimento”. A inconveniência do momento da indicação é apenas um registro a ser feito, que marca mais uma vez a gestão do presidente Bolsonaro como um ponto fora da curva do republicanismo que vai sendo lentamente corroído.

O último desafio do Senado parece estar sendo encaminhado para uma solução imediata que evitará uma confrontação com o Supremo Tribunal Federal que, através do ministro Luis Roberto Barroso, suspendeu o mandato do senador Chico Rodrigues por 90 dias, prorrogável por mais 90.

O plenário do STF vai analisar amanhã a decisão, e provavelmente referendará a liminar de Barroso. Os senadores já estão negociando uma licença de 121 dias para que Chico Rodrigues possa organizar sua defesa diante do Conselho de Ética.

Vai precisar mesmo, pois até o momento a narrativa que vem contando não se coloca em pé. Disse o senador que provará a origem lícita do dinheiro, que seria para pagar os empregados de seus negócios. Por que, então, teve a estranha reação de colocar o dinheiro em local tão abscôndito que constrangeu muitos de seus pares? A possibilidade de vazamento do vídeo é hoje um fantasma a assombrar os senadores que querem salvar Chico Rodrigues.

A suspensão do mandato, por decisão espontânea, seria a melhor solução, mas deixará a descoberto mais uma das disfuncionalidades do Senado. O suplente de Chico Rodrigues é seu filho, que assumirá a vaga com os mesmos compromissos do pai, garantindo que, na sua ausência, nada mudará.

O espírito que levou Chico Rodrigues a enfiar o dinheiro onde não devia se manterá intacto na representação do DEM de Roraima, garantindo inclusive o apoio à reeleição ilegal à presidência do Senado de David Alcolumbre. Que tem sido um dos bastiões do corporativismo na Casa, inclusive nesse caso de Chico Rodrigues.


Bruno Carazza: Siga o dinheiro

Caso do senador devia deixar legado para combate à corrupção

A cada escândalo nós atualizamos as medidas. Em 2005, José Adalberto Viera da Silva, então assessor do deputado José Guimarães (PT-CE) foi preso em flagrante no aeroporto de Congonhas com US$ 100,5 mil acondicionados na cueca e mais R$ 209 mil transportados numa sacola. Doze anos depois, a Polícia Federal precisou de sete máquinas e um dia inteiro de trabalho para contabilizar os R$ 51 milhões, em cédulas de dólares e reais, guardados em malas e caixas de papelão guardadas num dos apartamentos da família do ex-deputado Geddel Vieira Lima (DEM-BA).

Na Lava Jato, o executivo Hilberto Silva, responsável pelo setor de pagamentos do departamento de “Operações Estruturadas” da Odebrecht, acondicionava R$ 500 mil em mochilas que eram distribuídas em hotéis e flats a emissários de políticos dos mais variados partidos. Fernando Migliaccio, seu subordinado, chegou a distribuir R$ 35 milhões dessa forma num único dia. “Foi o meu recorde”, confessou ao Ministério Público Federal. Para comprovar a medida de capacidade pecuniária das bagagens, era de justamente meio milhão o valor contido na mala de rodinhas recebida pelo ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (MDB-PR) em nome de Michel Temer, no episódio da JBS que decretou, na prática, o fim do seu governo. E tudo isso aconteceu numa época em que a maior nota brasileira era a garoupa, e não o lobo guará.

Os R$ 33.150 encontrados na cueca do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) foram motivo de piadas e chacotas, além de ter provocado mal estar na base de apoio de Bolsonaro, de quem era vice-líder. Mas eles representam, sobretudo, nossa incapacidade de aprender com os erros e evitar que eles se repitam.

Traficantes de drogas e armas, terroristas, sonegadores, corruptos e corruptores, entre outros, se valem de pagamentos em espécie para “reciclar” capitais obtidos ilicitamente e tornar mais difícil sua rastreabilidade caso sejam investigados. É por essa razão que organismos internacionais como a Força Tarefa de Ação Financeira (FATF, na sigla em inglês), criada pelos países do G-7 em 1989 para combater a lavagem de dinheiro e o financiamento ao terrorismo, recomendam que transações financeiras envolvendo valores elevados sejam comunicadas aos órgãos de controle para, se for o caso, serem monitoradas mais de perto.

No Brasil, o Conselho de Controle e Atividades Financeiras (Coaf) foi criado em 1998 justamente para cumprir o objetivo de examinar atividades dessa natureza. Desde a aprovação da Lei nº 9.613/1998, instituições financeiras, casas de câmbio, cartórios, joalherias, imobiliárias, concessionárias de veículos e outros estabelecimentos que transacionam bens de luxo devem comunicar ao Coaf operações realizadas por “pessoas expostas politicamente” ou por qualquer cidadão, desde que efetuadas em espécie, em montante acima de R$ 30 mil.

A se julgar pelos casos de corrupção que periodicamente sacodem o país, essas determinações legais não têm sido suficientes. Pouco antes da descoberta de cédulas no cofrinho do senador, a própria família presidencial já vinha sendo assombrada por investigações conduzidas pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro a respeito de diversas transações imobiliárias realizadas em dinheiro vivo que supostamente teriam origem ilícita, seja nas rachadinhas na Assembleia Legislativa fluminense ou talvez em algo até mais grave.

O mais lamentável é que, ao longo de décadas e mais décadas de escândalos de corrupção, avançamos bem menos do que seria necessário para fechar o cerco contra políticos e outros criminosos que se valem de pagamentos em espécie para requentar e ocultar patrimônio obtido de forma ilegal. Ao politizarmos operações como o Mensalão e a Lava-Jato, perdemos a oportunidade de pressionarmos por mudanças legais e institucionais que poderiam tornar mais efetivo o combate a desvios de recursos públicos no país.

E não é por falta de iniciativas legislativas que não tornamos mais efetivo o combate ao “branqueamento de capitais” no Brasil. Ainda em 2011, o PL nº 2.847, do ex-deputado Carlos Manato (PDT-ES), previa a proibição de pagamentos em cash de operações acima de R$ 1.500,00. Já na esteira da Lava-Jato, o PL nº 7.877/2017, do parlamentar paulista Gilberto Nascimento (PSC) atribuía ao Conselho Monetário Nacional a competência para definir um limite a partir do qual só seriam concretizadas transações por meio eletrônico. Mais recentemente, o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) acatou uma das “Novas Medidas contra a Corrupção”, elaboradas por um grupo de especialistas a pedido da Transparência Internacional, e apresentou o PL nº 75/2019, que veda o uso de dinheiro vivo para o pagamento de boletos e faturas acima de R$ 5 mil e outras operações superiores a R$ 10 mil.

Limitar o uso de pagamentos em espécie, a princípio, não traria nenhum prejuízo ao brasileiro comum - de um lado, os não bancarizados não dispõem de renda para compras de elevado valor, e de outro as classes média e alta já se habituaram a utilizar cartões de crédito e débito, DOCs, TEDs e transferência bancárias em seu dia-a-dia. A restrição legal só não avança por falta de pressão sobre justamente as “pessoas politicamente expostas” que se beneficiam do sistema atual ou têm conexões com a criminalidade.

Com o advento do Pix e das novas formas de pagamentos eletrônicos, não haveria motivos para o Brasil não aderir a uma tendência internacional que já inclui China, Índia, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Portugal e Itália. Todos esses países, em alguma medida, já adotaram ações para restringir transações em dinheiro vivo com o intuito de combater a corrupção, a criminalidade e o terrorismo.

O caso dos reais nas partes íntimas do senador Chico Rodrigues talvez não dê em nada - com muita sorte, levará à sua cassação ou a uma condenação judicial. Melhor seria se deixasse como legado alguma mudança efetiva na legislação para tornar mais fácil investigações no estilo “follow the money” - mesmo que as buscas conduzam, ao final, a um lugar sujo e mal-cheiroso.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


Fernando Gabeira: Dinheiro nas nádegas, a pátria no coração

Subiu ao poder um novo e caseiro método de desviar dinheiro público

Convivi cordialmente com Chico Rodrigues na Câmara. Assim como convivi com Bolsonaro e o próprio Severino Cavalcanti, inclusive depois de sua derrubada.

Uso pouco a expressão “baixo clero” ou mesmo “vale dos caídos” para designar aquelas fileiras numa zona de sombra no final do plenário.

Aprendi na cadeia, como se não bastassem outras experiências, a conviver sob o mesmo teto com pessoas que não escolhi. E aprendi também que alguns deputados simples e discretos tinham muito a me ensinar, como era o caso do piauiense Mussa Demes, que sabia tudo sobre política fiscal.

Bolsonaro nunca foi genuinamente contra a corrupção. Ele integrava o partido em que Paulo Maluf era um dos expoentes. Sua luta era basicamente contra a esquerda, e a corrupção só se tornou interessante para ele quando a percebeu como o ponto fraco do governo petista.

Chico Rodrigues de uma certa forma sabia disso. Num encontro com Bolsonaro, ele declara que o presidente soube encarnar o espírito do tempo, preencher essa lacuna de liderança, defender a família, dar exemplos para a juventude.

Traduzindo o discurso de Chico, ele estava dizendo para Bolsonaro: “Vamos nessa, irmão, é por aí que devemos seguir”.

O resultado não custou a aparecer. Chico era um grande companheiro. Elogiava Bolsonaro, empregou em seu gabinete o primo e amigo de Carlos e ganhou o cargo de vice-líder.

Quando o condecorou, Bolsonaro teve a preocupação de lembrar que Chico estudou num colégio militar. Ambos sabem que existe uma aura de seriedade em torno dos militares e querem tirar todo o proveito dela.

Bolsonaro e Chico são o novo poder. No passado, havia dólares na cueca; agora, a moeda na roupa íntima é o real.

Não sei se seria correto invocar Freud para explicar tanto dinheiro nas nádegas. De fato, o sábio austríaco associava o dinheiro a pulsões anais, mas o fazia de uma forma sofisticada. Freud tentava explicar relações obscuras, apontar as bases essenciais de relações que as aparências escondiam.

No caso de Chico Rodrigues, o exemplo é grosseiro e, por que não admitir?, até malcheiroso. Não se trata de uma substituição simbólica do dinheiro pelas fezes, mas sim de uma fusão concreta de uma equivalência metafórica.

O resultado é que Bolsonaro ficou com a retaguarda descoberta. Já estava após a prisão de Fabrício Queiroz. Fica cada vez mais evidente que subiu ao poder apenas um novo e caseiro método de desviar dinheiro público.

O episódio acontece uma semana depois que Bolsonaro afirmou que acabara com a Lava-Jato porque não há corrupção no seu governo. Na semana em que André do Rap foge para o Paraguai montado numa lei que Bolsonaro sancionou, apesar de, na campanha política, ter se declarado o único comprometido com a segurança pública.

A lei parte de boas intenções, mas foi elaborada pelos políticos, pensando apenas neles, sobretudo em ter um horizonte temporal de prisão preventiva para não caírem na tentação de delatar seus esquemas.

Disse que o André do Rap está no Paraguai porque é um lugar para refletir sobre o Brasil. Projetamos uma carga negativa sobre o Paraguai; uísque e cigarros falsificados, até os cavalos que disparam na largada e param subitamente chamamos de cavalos paraguaios.

Os deputados fizeram uma lei imprecisa, o presidente sancionou, um ministro do Supremo a aplicou cegamente, juízes deixaram de opinar, e a própria polícia, diante da libertação de um preso importante, não soube monitorar.

Esse episódio em si já bastaria para que se tivesse uma visão crítica do Brasil, a partir do Paraguai, que tanto subestimamos.

O que surgiu depois, para completar a semana, é chocante: um nobre senador, literalmente, enchendo o rabo de dinheiro.

Seria engraçado se o dinheiro não fosse destinado a atender às vítimas da Covid-19 e se este governo metido a sério não estivesse destruindo nossos recursos naturais num ritmo alucinante.

Isso só reforça o que escrevi há algum tempo: não há nada mais importante para todos do que combater Bolsonaro. Não estou propondo amar uns aos outros. Vamos sair dessa, depois conversamos, ou brigamos, se preferirem.


Eliane Cantanhêde: Quem pode pode!

Em vez de batom, é dinheiro na cueca, mas o senador Chico Rodrigues não será afastado pelo Senado nem pelo STF

A semana passada começou com a canetada do ministro Marco Aurélio, que soltou o líder do PCC André do Rap, e terminou com uma outra liminar monocrática, do ministro Luís Roberto Barroso, afastando o “senador da cueca” do mandato e abrindo uma crise entre Judiciário e Legislativo. O presidente do STF, Luiz Fux, tem ou não razão em mirar o excesso de decisões individuais?

Marco Aurélio já beneficiou 79 presos com base na mesma lei que usou para André do Rap e, segundo levantamento do Estadão, o governo e os cidadãos brasileiros estão consumindo fortunas para recapturar 21 desses presos soltos na leva marcoaureliana. O governador João Doria (SP) calcula gastos de R$ 2 milhões só para André do Rap e desabafa: “Dá vontade de mandar a conta para o ministro!” E não é que dá mesmo?

Aliás, o traficante ofereceu R$ 8 milhões de propina para os policiais que o prenderam, o que é um agravante. Imaginem a irritação desses policiais com todo seu esforço jogado fora e um sujeito deste tipo solto por aí, no bem-bom.

De útil, esse erro serviu para acordar a opinião pública para decisões idênticas que vinham se repetindo; ratificar a posição de Fux ao derrubar a liminar de Marco Aurélio; avisar ao mesmo Fux que presidentes não estão acima dos demais e só agem assim em casos excepcionais; abrir o debate sobre a avalanche de decisões individuais num tribunal de 11 votos.

O efeito prático, porém, foi jogar luzes no artigo 316 do Código Penal. Ao contrário do que se imagina, e até com boas razões, a intenção do legislador não foi beneficiar corruptos e bandidos como André do Rap, mas sim trazer uma solução para um problema crônico: os mais de 200 mil brasileiros que neste momento estão presos provisoriamente, muitos indevida ou até injustamente. O objetivo foi evitar que provisório se eternize.

Não deu certo. Em vez de beneficiar pobres, negros e desvalidos, o artigo 316 é usado por bandidos cheios de dinheiro, como André do Rap. Por isso, o nonsense de Marco Aurélio serviu também para o plenário limitar a abrangência do artigo: ele não obriga a soltura do preso, só abre o questionamento sobre a manutenção da prisão.

Assim como soltar André do Rap causou uma comoção nacional, os R$ 33 mil na cueca do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) mobilizou mídia, redes, chargistas e gozadores em geral. E assim como Marco Aurélio não titubeou em botar um em liberdade, Barroso também não ao afastar um senador do mandato. Nova confusão!

O ministro explica que sua decisão – que só chegou ao Senado na sexta-feira à noite, obviamente para dar tempo a um acordo – não foi por causa da cueca, mas sim porque Rodrigues era simultaneamente (até então) da comissão do Senado sobre recursos da covid e investigado por desvios na Saúde em Roraima. O fato é que isso dividiu o Senado e o STF.

Rodrigues tem a cara do Professor Raimundo do Chico Anísio, mas não é fraco, não. Além da “união estável” com Jair Bolsonaro e da vice-liderança, é amigão do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que depende do Supremo e dos senadores para uma missão que, se não é, deveria ser impossível: a reeleição para o cargo.

Os dois são senadores do Norte e do DEM e Rodrigues liderava as articulações para as ambições continuístas de Alcolumbre, que quebra a cabeça, com a Advocacia do Senado, para sair da enrascada. Uma coisa é certa: com ou sem dinheiro na cueca – que é só a parte pitoresca da história –, o senador não será afastado pelo Senado, nem pelo STF.

Há três anos, a corte decidiu que só Câmara e Senado têm poder para suspender ou cassar deputados e senadores e, vamos combinar, nenhum dos dois tem pressa em julgar colegas, mesmo presos ou de tornozeleira. Não é, deputada Flordelis?


Ascânio Seleme: Um político vulgar

Episódio do dinheiro “entre as nádegas” de Chico Rodrigues é mais um símbolo que servirá para balizar estes tempos

‘Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja”. João Guimarães Rosa inicia assim “Grande sertão: veredas”, um dos mais extraordinários romances da língua portuguesa. “Não tem nada a ver (…) querer vincular o fato de ele ser vice-líder com a corrupção do governo”. Jair Bolsonaro encerra desta forma uma das últimas farsas do seu mandato. Referia-se ao senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado pela Polícia Federal com dinheiro na cueca, e que, segundo o presidente, “gozava de prestígio e carinho de quase todos”.

Na verdade, Bolsonaro enterrou muito antes a promessa de fazer um governo honesto, distante da banda podre do Congresso Nacional. O primeiro passo foi deixar embarcar no seu bonde a velha e conhecida turma do centrão. O senador de Roraima é um quase nada se comparado aos próceres daquele agrupamento. Gente como Arthur Lira, Ricardo Barros, Ciro Nogueira e Valdemar Costa Neto responde a todo tipo de ação na Justiça: fraude em licitações, formação de quadrilha e organização criminosa, lavagem de dinheiro, enriquecimento ilícito e até violência doméstica. O centrão foi criado pelo ex-deputado Eduardo Cunha, que se solto estivesse, certamente apoiaria o governo.

O episódio do dinheiro “entre as nádegas” de Chico Rodrigues é mais um símbolo que servirá para balizar estes tempos. Da mesma forma que um outro episódio de dinheiro escondido na cueca marcou o governo Lula em 2005, quando um assessor do líder do PT José Guimarães foi detido num aeroporto de São Paulo com R$ 100 mil escondido nos fundilhos. Símbolos não faltam nos dias de hoje. No caso da corrupção, houve dois, este do senador da cueca e o da demissão do ministro Sergio Moro. Ou mais, se você quiser incluir os casos das rachadinhas dos filhos que obrigou a aproximação do pai ao Supremo.

Aos poucos, e por contingências nunca nobres, Bolsonaro foi se distanciando dos enunciados da sua campanha e confirmando o que se sabia dele desde o começo, trata-se de um político comum. As promessas de campanha não eram nada mais do que blá-blá-blá. Hoje, o presidente mantém apoio apenas às causas mais retrógradas e que ainda aglutinam parte do seu eleitorado: o apoio às armas, às igrejas evangélicas e ao movimento escola sem partido, e a proibição do aborto, por exemplo. Mesmo na economia, embora ainda seja contido eventualmente pelo ministro Paulo Guedes, já falou em furar o teto de gastos, atribuindo a terceiros a vontade de discutir o assunto.

No campo ideológico, foi orientado pelo centrão a se afastar da gangue de Olavo de Carvalho. Acabaram as passeatas com bandeiras pintadas no mesmo galpão pedindo o fechamento do Supremo e a prisão de Rodrigo Maia. Os haters da internet continuam lá, mas não têm mais o beneplácito explícito do capitão e dos seus três zeros. Isso não significa que não possam voltar a qualquer momento, bastando um estalar de dedos de Bolsonaro. Estão de prontidão, ou de “stand by”, como diria Donald Trump. Eles se envergam facilmente e no fundo o que querem mesmo é dinheiro público.

Por isso, o presidente tem causado estupefação na maioria dos seus seguidores. O que foi feito daquele homem de 2018? Nada. Ele simplesmente não existia. O único e verdadeiro é este que se alia ao centrão, que se cerca de parlamentares do baixo clero, que acha que todo homem fardado é um virtuoso, que não sabe falar direito, que ri da desgraça alheia. Um presidente vulgar, igual a qualquer um dos seus bons e velhos amigos, como o Chico Rodrigues, que antes de se eleger senador foi deputado e parceiro de Bolsonaro em quatro dos seus sete mandatos parlamentares.

A delegada do PT

A delegada de polícia Adriana Accorsi é a candidata do PT para a prefeitura de Goiânia. Trata-se de um caso típico de dupla personalidade. Adriana é filha de Darci Accorsi, figura histórica do partido que foi prefeito de Goiânia nos anos 1990. Ao assumir a persona de delegada, Adriana quer atrair os eleitores bolsonaristas que adoram um farda ou um distintivo. Claro que ela é delegada, mas em outros tempos não faria propaganda dessa condição. No Rio, o candidato a vice na chapa do PSOL é um coronel da mal afamada PM carioca. Por estas e outras é que cresceu 21% o número de candidatos fardados desde as eleições de 2016.

A causa do operário

Rui Pimenta, presidente do Partido da Causa Operária (PCO), disse, em entrevista ao site companheiro Brasil 247, que o PT abandonou o apoio a Lula na recuperação dos seus direitos políticos. Pimenta também atacou Guilherme Boulos, candidato a prefeito de São Paulo pelo PSOL, em razão do seu apoio à tese de uma frente ampla contra Bolsonaro. Portador de naniquismo clássico, Rui Pimenta mostra bem como anda mal a esquerda.

Todos querem mais

Dez dos 54 países africanos fazem eleições presidenciais nos próximos cinco meses. E, destes, nove têm seus presidentes concorrendo à reeleição. Não tem erro, todos os que estão no poder adoram uma reconduçãozinha. Basta acompanhar, eles farão o diabo para se reeleger.

Até Lincoln

Aqui e ali sempre se descobrem exageros em manifestações públicas. No início desta semana, grupos de apoio a comunidades indígenas nos EUA derrubaram uma estátua de Abraham Lincoln, o presidente americano que fez uma guerra civil para acabar com a escravidão. Acusaram-no de ter mandado à forca 38 índios que participaram de um levante no estado de Dakota, em 1862. A história conta uma versão diferente. Logo após o confronto, que deixou entre 450 e 800 civis mortos, 303 sioux foram condenados à forca por um tribunal militar. Exercendo seu poder presidencial, Lincoln suspendeu a execução e salvou a vida de 265 deles por entender que os casos estavam mal instruídos.

Carro elétrico

No Brasil, ainda em 1974, um inovador criou e apresentou ao mercado o primeiro carro elétrico nacional. O engenheiro João Amaral Gurgel, que cinco anos antes criara o primeiro carro brasileiro, inventou o veículo elétrico no auge da crise global do petróleo.

No ano anterior, os membros da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep), majoritariamente árabes, embargaram as vendas para países simpáticos a Israel na Guerra do Yom Kippur e, em seguida, quadruplicaram o preço do produto. A invenção de Gurgel tinha tudo para ser um sucesso, mas naufragou. Mesmo no governo do austero e virtuoso general Ernesto Geisel, quem dava as cartas eram as grandes petroleiras.

Nyt x Nyt

Independência é isso. O jornal “The New York Times” produziu uma excelente reportagem denunciando uma jornalista graduada de seus próprios quadros. Este é diferente do caso de Jayson Blair, jornalista do “NYT” acusado em 2003 de fraudar e plagiar reportagens, e que mereceu matéria do próprio jornal depois dele se demitir.

O caso de Rukmini Callimachi, que criou um falso terrorista para dar cores mais vivas a um podcast que faz para o jornal, foi publicado com ela trabalhando regularmente para o veículo. Quem a denunciou foi um repórter de mídia do “NYT”.

Barra pesada

Se fosse aqui, a campanha de Donald Trump teria sido no mínimo multada pelo TSE, tamanha a sua agressividade. Biden é retratado como um velho gagá em todos os spots de propaganda. A campanha democrata também não fica atrás. Embora seja menos agressiva, tripudia com os maneirismos do adversário.

Adeus esporte

Cerca de 30% dos jovens que interromperam alguma prática esportiva em razão da pandemia não querem voltar à atividade depois de passada a crise. Muitos disseram a pesquisadores do Aspen Institute que só reassumirão a prática esportiva se forem muito bem convencidos. É grave a crise.


Vinicius Torres Freire: Roubança do coronavírus expõe crise política maior no país

Cinco governadores estão ameaçados, mas corrupção é apenas parte do problema

A história repugnante do dinheiro sujo do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) e o fato de essa criatura ser amiga de Jair Bolsonaro ofuscaram um outro fato. O político é acusado de desviar recursos para o combate à Covid, que teria destinado a empresas de parentes e agregados.

Acusações de roubança de dinheiro reservado para atenuar a epidemia ameaçam o mandato de pelo menos cinco governadores, três deles da “nova política”. A cúpula de pelo menos nove governos estaduais é investigada, além de dezenas de prefeituras. Além do problema do roubo, em si, essas crises político-policiais explicitam mais uma vez quão longe do fim está a ruína brasileira.

Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, foi afastado, deve ser deposto e provavelmente preso. Foi surfista eleitoral do bolsonarismo e é do PSC, partido religioso agregado do governo.

O impeachment quase certo de Carlos Moisés, de Santa Catarina, deve ser votado na quarta-feira que vem. É do PSL que elegeu Bolsonaro, partido ora cortado ao meio feito uma laranja.

Um processo de impeachment contra Wilson Lima, do PSL do Amazonas, foi arquivado pelo voto de deputados estaduais, mas o governador é investigado pela Polícia Federal, que uma vez pediu sua prisão, negada pelo STJ. Sua secretária de Saúde passou um tempo na cadeia.

Ibaneis Rocha, do Distrito Federal e do MDB, toureia a Câmara Legislativa (a Assembleia distrital) a fim de evitar a CPI da Pandemia e abanar fumaças de impeachment. Seu secretário de Saúde foi preso. Sim, rolos nos negócios da Covid.
Embora não se saiba a dimensão dos desvios, roubou-se de tudo um pouco na pandemia, em vilarejo e em capital de estado: na compra de máscaras, aventais, fraldas para pacientes, testes, vários fajutos, e de respiradores, alguns imprestáveis. Roubou-se, diz a polícia, na contratação de leitos de hospitais particulares, de hospitais de campanha e de organizações sociais privadas que deveriam gerir a saúde de modo mais eficiente. Hum.

A súbita fartura de dinheiro e as contratações emergenciais facilitaram a lambança, embora não a expliquem. Os seis anos de lavajatismo não passaram o país a limpo, claro, e a administração pública continua uma zorra mesmo quando não se rouba, vide o caso de tanto estado criminosamente falido.

A roubança, por si só, não explica a derrubada de governadores. O farisaísmo e a demagogia moralista ajudaram a levar ao poder gente sem articulação social e política, sem conexões com quadros administrativos e intelectuais relevantes, quando não evidentemente lunática. Para dar um exemplo mesquinho de horro, 2% mais de habilidade política do que Witzel foi o bastante para manter Marcelo Crivella (Republicanos, bolsonaristas) na cadeira de prefeito do Rio.

O desmonte ruinoso da política e das instituições já dura faz sete anos e, como dizia o clichê jornalístico sobre festas de Carnaval, não tem hora para acabar, vide a degradação sem fim do Supremo. Bárbaros da “nova política” e o patriciado cafona da “velha política” são candidatos a tomar as prefeituras em novembro.

Cruzadas moralistas não dão conta de reconstruir a administração pública ou de vaciná-la contra bucaneiros privados. Menos ainda são capazes de abrir o sistema político para gente nova e de repensar um Estado que gasta muito, mal e agasalha interesse privado grosso, escândalos muito maiores, em qualquer aspecto, do que a corrupção


Maria Cristina Fernandes: ‘União estável’ com senador tem fim abrupto

Senador empregou parente dos filhos de Bolsonaro e controlava distrito sanitário especial indígena

O ex-vice-líder do governo Bolsonaro no Senado, Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado com dinheiro grotescamente escondido e afastado do cargo pelo STF, foi o responsável pela indicação de Vitor Pacarat para o Distrito Sanitário Especial Indígena Leste, em Roraima, vinculado ao Ministério da Saúde. Lá, por meio de empresas de aliados, Rodrigues passou a fornecer equipamentos superfaturados.

A proximidade com o governo lhe valeu presença na viagem do presidente a Israel, em 2019, e na visita do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, a Roraima. Em vídeo, ainda na campanha, Bolsonaro diz ter com Rodrigues “quase uma união estável”, que ainda garantiu a um primo dos filhos do presidente, Leonardo Rodrigues, um emprego no gabinete do senador.

Em entrevista na manhã de ontem, à saída do Palácio do Alvorada, o presidente da República, Jair Bolsonaro, disse que a operação de busca e apreensão da Polícia Federal na casa do senador Chico Rodrigues (DEM-RR) é uma demonstração de que seu governo não tem corrupção. Na tentativa de se descolar do vice-líder do seu governo no Senado flagrado com dinheiro grotescamente escondido, o presidente disse que seu governo, na verdade “combate a corrupção”.

Coube ao senador, porém, a indicação, em 2019, de Vitor Pacarat como coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena Leste, em Roraima, um dos 34 DSEIs do país. Os distritos, responsáveis pelas comunidades indígenas, estão sob o chapéu do Ministério da Saúde. As etnias sob a supervisão do DSEI Leste tinham um outro candidato para o cargo e ocuparam as instalações do órgão em protesto.

As investigações da Polícia Federal mostram que, com o advento da covid-19, o senador, por meio de empresas comandadas por familiares e aliados, passou a fornecer equipamentos de proteção individual superfaturados ao DSEI. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) aponta este distrito como um dos recordistas em casos de covid-19 entre as comunidades indígenas do país. O DSEI Leste é responsável pela saúde de 51 mil indígenas de 325 comunidades.

A aproximação entre Chico Rodrigues e o governo também ficou patente quando o senador acompanhou o chanceler Ernesto Araújo na recepção ao secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, em Roraima. O secretário fez da visita um palanque para um discurso ameaçador ao presidente venezuelano Nicolás Maduro na reta final da campanha eleitoral americana. A adesão de Chico Rodrigues aos princípios da política externa bolsonarista também motivou o convite para que integrasse a comitiva do presidente na viagem a Israel, em 2019.

Em vídeo, ainda na campanha eleitoral, Bolsonaro diz que tem, com o senador, seu colega na Câmara dos Deputados por cinco mandatos, “quase uma união estável”. A proximidade também foi retribuída com o emprego, no gabinete do senador, do primo dos filhos do presidente, Leonardo Rodrigues, mais conhecido como “Leo Índio”.

Menor colégio eleitoral do país, com 331 mil eleitores, Roraima costuma ficar de fora das rotas dos candidatos a presidente em campanha. Não foi o caso de Jair Bolsonaro, que lá teve uma de suas mais expressivas vitórias. Alcançou 78,6% dos votos no segundo turno, patamar só batido pelo Acre (82%).

Fez campanha no Estado com um discurso em defesa da mineração em terras indígenas e contra a “exportação” de refugiados pela Venezuela.

Eleito com apoio do presidente, o governador Antonio Donarium (PSL) foi um dos sete a não assinar a carta dos governadores que, no início da pandemia, protestou contra as ameaças do presidente da República às instituições. Foi em Roraima também que o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, foi buscar o empresário e ex-deputado federal Airton Cascavel para o cargo de assessor especial do ministério.


Hélio Schwartsman: Bolsonaro e a corrupção

Há uma semana, ele declarou que não havia corrupção em seu governo

Os deuses sabem ser irônicos. Poucas horas depois de Jair Bolsonaro ter afirmado que daria uma voadora no pescoço de quem praticasse corrupção em sua gestão, a Polícia Federal flagrou o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), vice-líder do governo, com cerca de R$ 100 mil em sua residência, dos quais R$ 30 mil se encontravam em sua cueca, algumas notas "entre as nádegas", como fizeram questão de publicar, por pudicícia, alguns veículos.

A operação policial que apanhou o repleto senador é parte de uma investigação sobre desvio de verbas destinadas ao combate à Covid-19. Uma semana antes dessa pilhéria divina, o presidente declarara que não havia corrupção em seu governo e que por isso ele acabara com a Lava Jato.

Embora Bolsonaro tenha no passado dito que tinha "quase uma união estável" com Rodrigues, esse não é o caso controverso mais próximo do presidente.

Abstraídos os vários rolos de ministros, dois de seus filhos são investigados por desvio de verbas nas famosas "rachadinhas", um nome mais simpático para peculato. Contra o primogênito, o senador Flávio, já há um impressionante acervo de provas. Até a primeira-dama recebeu cheques, cuja soma chega a R$ 89 mil, do arquissuspeito Fabrício Queiroz e de sua fiel esposa.

OK, tecnicamente a família não faz parte do governo, o que, se desobriga o presidente de dar-lhes voadoras no pescoço, não o dispensaria de oferecer explicações à sociedade.

Para quem já atingiu a ataraxia, é possível divertir-se com esse pregar de peças do destino. Mas é preciso reconhecer que, no fundo, a culpa é nossa. Como já escrevi aqui, o Brasil merece Bolsonaro. Ele não apenas foi eleito democraticamente —apesar dos sinais prévios inequívocos de que não era confiável— como sua popularidade vem crescendo —apesar do desastre que é sua administração e da pilha de mais de 150 mil mortos pela Covid-19. Democracia tem consequências.