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Miriam Leitão: Energia em choque

O governo anunciou ontem que vai privatizar a Eletrobras, mas, na área de energia, o que deu choque o dia inteiro foi o conflito com Minas Gerais em torno das usinas da Cemig. A pressão política é para que elas sejam devolvidas à estatal mineira, e a empresa quer que o dinheiro saia do BNDES. Essa é apenas uma das várias frentes de batalha entre a economia e a política.

A venda de ações da Eletrobras, que pode render R$ 20 bilhões e vai diluir a participação da União na estatal, vai no caminho oposto ao que se discutiu o dia inteiro em torno da Cemig. O caso foi criado pela MP 579, de Dilma Rousseff, que impôs às geradoras a renovação antecipada das concessões ou o seu fim na data contratual. O estado era governado pelo PSDB e não aceitou a imposição. Agora, na hora de cumprir o que foi determinado, Minas Gerais é governada pelo PT, partido autor da proposta que agora se contesta. Neste momento, contudo, que a Cemig está para perder as usinas, formou-se uma coalizão em favor da estatal mineira que tem integrantes de diversos partidos. Esse grupo tem pressionado para que não seja feito o leilão que está marcado para o dia 27 de setembro e no qual o governo espera arrecadar R$ 11 bi. O governo conta com os recursos desse leilão para atingir a meta de R$ 159 bilhões de déficit este ano.

A bancada mineira propõe que a Cemig pague pela renovação das concessões de quatro hidrelétricas — São Simão, Miranda, Jaguara e Volta Grande — mas a equipe econômica acha que a estatal mineira não tem as garantias suficientes para fazer frente a um valor tão alto. A empresa não consegue apresentar uma proposta estruturada e tem pedido que o BNDES lidere um pool de bancos para emprestar à Cemig.

Existem outras frentes de problemas entre a política e a economia. A Comissão Mista de Orçamento (CMO) se indispôs com o governo após o veto a várias emendas feitas à Proposta de Lei Orçamentária. O ministro Dyogo Oliveira vai hoje à CMO explicar as razões dos vetos, muitos causados pelo fato de as propostas dos parlamentares terem sido sobre atribuições do executivo. O governo tenta também negociar o salvamento da proposta do Refis, oferecendo o adiamento do prazo de adesão e tentando a reformulação da proposta para evitar o relatório que transformou a renegociação de dívida num perdão dos devedores. Há, além disso, as divisões internas que agravam potenciais conflitos, como no caso da MP 777, que muda a taxa de juros de longo prazo, cobrada pelo BNDES.

O governo está fragilizado politicamente e os parlamentares que votaram para derrotar o pedido de investigação sabem que o presidente depende deles, principalmente diante da potencial ameaça de um novo pedido de investigação. A crise fiscal aumenta a dependência do governo de medidas que passam pelo Congresso. A maioria absoluta das propostas precisa da aprovação dos parlamentares. O governo tem que aprovar a nova meta para 2017, enviar o Orçamento de 2018, depende da aprovação de um projeto do Refis que signifique arrecadação e não doação de recursos a devedores, conta com os recursos do leilão das hidrelétricas mineiras para a meta de 2017. Tudo isso gera atrito entre a equipe econômica do governo e os políticos da base partidária.

Esses conflitos em torno de medidas específicas, e projetos que precisam apenas de maioria simples, servirão de testes para se saber se haverá chance de votação da reforma da Previdência. O risco é votar uma reforma desfigurada. Mas agora o perigo mais imediato é que nessas escaramuças na área fiscal seja difícil atingir-se a meta deste ano. Se o governo Temer ceder à bancada mineira no leilão das usinas, que eram da Cemig, a meta correrá perigo de não ser atingida. Além disso, aumentará a contradição com a decisão anunciada ontem sobre a Eletrobras. Diante de um problema parecido, de perda de ativos da Eletrobras, o governo vai fazer uma oferta primária de ações ao mercado, perdendo o controle da estatal, para que a empresa tenha recursos para pagar ao Tesouro e assim ter de volta as usinas. Não pode fazer o oposto e ajudar a Cemig a manter seus ativos à custa de recursos emprestados por bancos públicos.