Celso Russomano

Bruno Boghossian: Bolsonaro tem peso nulo ou negativo nas eleições municipais até aqui

Agenda conservadora e exploração da máquina do governo não deram resultado para apadrinhados

Há um mês, Jair Bolsonaro desembarcou em Congonhas para uma sessão de fotos com Celso Russomanno (Republicanos), que liderava a corrida pela Prefeitura de São Paulo. O presidente declarou apoio ao "amigo de velha data", e os dois insinuaram que o candidato teria acesso privilegiado ao Palácio do Planalto se vencesse a disputa.

A aliança se mostrou desastrosa para a dupla por enquanto. Russomanno perdeu quase metade de seus pontos nas pesquisas de intenção de voto e viu dobrar seu índice de rejeição. Já Bolsonaro, que pretendia evitar desgastes nas eleições deste ano, ficou associado a um candidato que desabou da liderança e, agora, pode ficar fora do segundo turno.

O derretimento de Russomanno não é um efeito isolado do apoio de Bolsonaro —embora a avaliação do governo na capital paulista seja pior do que na média nacional. Ainda assim, a última rodada de pesquisas do Datafolha mostra que o presidente teve um peso nulo ou negativo nas disputas municipais até aqui.

No Rio, Bolsonaro não conseguiu impulsionar Marcelo Crivella (Republicanos). Na semana passada, o presidente deu uma declaração de apoio encabulada: “Se não quiser votar nele, fique tranquilo”. Depois, mergulhou na campanha e fez uma gravação com o candidato. Resultado: o prefeito ficou estagnado nas pesquisas, com rejeição acima de 50%.

O presidente pode até argumentar que entrou nas duas campanhas a contragosto, mas a história é diferente em Belo Horizonte. Por livre e espontânea vontade, Bolsonaro se aliou ao azarão Bruno Engler (PRTB), com quem tomou café na terça-feira (3). Mesmo com ajuda oficial, o candidato não passa dos 4%.

O desempenho de Engler expõe o fracasso de dois pontos da estratégia eleitoral do presidente: o apelo ao conservadorismo e a exploração da máquina do governo. Num vídeo gravado no mês passado, o candidato bateu bumbo para a agenda de direita, e Bolsonaro ofereceu ao apadrinhado uma “linha direta com a Presidência da República”.


Vinicius Torres Freire: A teoria do esgoto de Bolsonaro e Russomanno

Problemas graves borbulham, podem ferver e país parece ainda mais anestesiado

Celso Russomano (Republicanos) é o candidato de Jair Bolsonaro e da Igreja Universal à prefeitura de São Paulo. Disse a empresários da Associação Comercial desta cidade que os moradores de rua podem ser “mais resistentes do que a gente” ao coronavírus. Como não pegaram Covid em massa, diz o candidato, talvez tenham a imunidade das ruas, onde “convivem o tempo todo” e não têm como tomar banho todos os dias.

Para dizer a coisa de modo sarcástico, é uma teoria higienista ao contrário. Existe “a gente” e existem “eles”, os sem-banho, talvez imunizados pela aglomeração em uma espécie de espurcícia salubre. É uma variante da teoria do esgoto, de Bolsonaro.

Em 26 de março, quando ainda estavam para morrer 150 mil pessoas de Covid, o presidente desta República esgotada dizia o seguinte: “… o brasileiro tem que ser estudado. Ele não pega nada. Você vê o cara pulando em esgoto ali, sai, mergulha, tá certo? E não acontece nada com ele. Eu acho até que muita gente já foi infectada no Brasil, há poucas semanas ou meses, e ele já tem anticorpos que ajuda a não proliferar isso daí”.

Bolsonaro e Russomano devem se banhar em alguma fonte de sabedoria estranha para “a gente” que esperava alguma revolta ou pelo menos comiseração por causa do morticínio. A indiferença, quando não troça, não causa danos relevantes ao prestígio “deles”. Não há organização ou interesse políticos suficientes para cobrar consequências dessas barbaridades.

Os poucos sinais de ira manifesta e coletiva contra o governo se esvaneceram desde julho. Não houve tumulto social algum, menos ainda saques, o que é fácil de entender. Os auxílios emergenciais mais do que cobriram a perda de renda dos mais pobres, na média, embora pesquisas registrem o aumento do número de pessoas que padecem de fome e o emprego para o povo miúdo não venha reaparecendo.

Mesmo as tretas, sururus e indignações entre as elites se dissipam rapidamente, embora alguns de seus motivos continuem a queimar ou ferver nos subterrâneos. Assim que chegaram algumas chuvas, foram passando os protestos mais ruidosos contra as queimadas e outras destruições da natureza. Parece que faz tempo, mas foi no final de setembro que o governo e seu centrão anunciou com estrondo e cara de pau que financiaria um Bolsa Família encorpado com uma pedalada, com o calote dos precatórios.

Como não há oposição política organizada ou partidos políticos com alguma articulação social mais relevante e extensa, tais reações em parte se dissolvem na espuma das mídias sociais, onde a cada minuto há nova maré alta de sujeira e bobagem.

É ilusão de que tudo passa, porém. Parte da finança e da grande empresa se organizou para evitar danos maiores da política do mau ambiente de Bolsonaro, por exemplo. Por falar em finança, as taxas de juros estão quase no mesmo nível para onde pularam no anúncio da pedalada dos precatórios. A degradação financeira e a desconfiança no país estão borbulhando e podem ferver.

Decisões sobre assuntos centrais e urgentes da política econômica foram adiados “sine die”: se haverá burla do teto, se o talho de mais de meio trilhão no gasto federal pode provocar recaída econômica, se haverá “reformas”, se haverá auxílios para os famintos de 2021, sem emprego, se o Brasil será rebaixado à última categoria dos párias ambientais e diplomáticos etc.

O país está anestesiado, imune à indignação geral, talvez por ter se acostumado à aglomeração de sujeira juntada por governantes e candidatos bárbaros.