CEF

Míriam Leitão: O risco da volta do ‘nunca antes’

Caixa, Banco do Brasil e BNDES já vinham passando por grandes mudanças de governança no governo Temer, Bolsonaro seguirá mesmo caminho

O novo governo chega com boas ideias na economia, mas certas mudanças que ele anuncia como sendo novidade absoluta já estavam em curso. Nos bancos federais, por exemplo, os presidentes tiveram liberdade de escolher seus diretores nos últimos três anos. Tudo o que não deveria acontecer é repetir-se no governo Jair Bolsonaro a mesma ideia que estava no discurso de “nunca antes” do ex-presidente Lula. Quando o ministro Paulo Guedes diz que a Caixa foi vítima de assaltos está certo, mas precisa dizer em que tempo. Nos últimos três anos, a Caixa melhorou controles, governança e cobriu um rombo de R$ 20 bilhões.

A cerimônia de posse dos presidentes de bancos públicos foi um bom momento para demonstrar harmonia entre o presidente e seu ministro da Fazenda. Era necessária por causa dos ruídos da última sexta-feira. Bolsonaro voltou a falar do seu “namoro” com Paulo Guedes. Teria sido mais bem-sucedido esse esforço para espantar os temores da última sexta se houvesse algum esclarecimento sobre a Previdência, assunto sobre o qual o presidente Bolsonaro falou em fazer uma reforma mais fraca do que a que tramita no Congresso. Teria sido melhor se fosse dado o recado inteiro. Bolsonaro preferiu falar que vai mudar a distribuição de verbas publicitárias — o que tem todo o direito — ou afirmar que o governo não pode errar, porque do contrário “vocês sabem quem volta”. Na campanha, funcionou apresentar-se como o antiPT. Isso explica o que não fazer. Mas agora, no governo, é preciso dizer o que se pretende fazer.

O ministro Paulo Guedes disse que a Caixa foi tomada de assalto, que foram concedidos “subsídios para os amigos do rei”, e que os bancos públicos foram dominados por “piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano”. Ele é excelente em imagens fortes. Mas isso está meio datado. Operações como Greenfield, Sepsis e Cui Bono desbarataram vários desvios na Caixa e revelaram como se davam as perigosas transações quando reinavam na Caixa pessoas como Eduardo Cunha, Fábio Cleto e Lúcio Funaro. Há boa descrição dos abusos que aconteciam nos relatos das operações. Houve também empréstimos e operações abusivas tanto na Caixa quanto no BNDES para os amigos do rei, um deles, Joesley Batista. Tudo isso remonta aos governos petistas. Nos últimos anos, a realidade é que a Caixa passou por um processo de avanço na governança e no redirecionamento do crédito, sob o comando da então presidente do conselho de administração Ana Paula Vescovi. Havia um rombo de R$ 20 bi que foi resolvido sem aporte do Tesouro. Os últimos integrantes do conselho de administração foram escolhidos por head hunter. Vescovi inclusive foi com o novo presidente apresentá-lo aos representantes de órgãos de controle.

Os bancos vêm mudando há muito tempo. O BNDES está aumentando a transparência dos seus atos e já aprovou a TLP que reduz o diferencial de juros. A TLP foi proposta pela Medida Provisória 777 editada no período em que a presidente do BNDES era Maria Silvia Bastos Marques. Ela também escolheu sua diretoria inteira. O Banco do Brasil vem se tornando cada vez mais eficiente. Guedes disse que isso ficará claro quando abrirem a caixa-preta desses bancos. Ecoava assim a palavra “caixa-preta” que havia sido usada pelo presidente no seu tweet matinal. Sempre haverá como elevar o grau de transparência sobre os empréstimos do banco, mas já foi superado aquele tempo em que se negou ao TCU informações sobre os financiamentos de Belo Monte. Em que o BNDES dizia que eram sigilosos os empréstimos para países estrangeiros ou dizia que feria o sigilo bancário dar detalhes das operações. Houve um avanço grande nesses pontos.

É bom saber que o esforço vai continuar. Ninguém duvidaria que este seria o caminho, por exemplo, de Joaquim Levy no BNDES, que faz parte da modernização do Brasil desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Um fato positivo é a devolução ao Tesouro do dinheiro que fora transferido ao BNDES. Já foram devolvidos mais de R$ 300 bilhões. E agora Levy completará. O importante é que o processo de aperfeiçoamento continue. Muita coisa já foi feita. Muita há por fazer. O governo Bolsonaro não está inaugurando o Brasil.


Eliane Cantanhêde: Aparelhada e abusada

Desvios e aparelhamento da CEF jogam bancos públicos na fogueira da Lava Jato

As revelações sobre a Caixa Econômica Federal trazem à tona como os bancos públicos não escaparam do assalto à administração direta, às estatais e aos fundos de pensão. Regras de governança? Pra quê? E, sem regras de governança, a CEF foi virando mais entre tantas casas da mãe Joana, como a Petrobrás. Aparelhada, abusada, a instituição passou a servir mais aos poderosos de plantão do que à população brasileira.

Por que um banco público precisa de 12 (12!) vice-presidentes? Para acomodar o máximo de apadrinhados políticos? Cada um responda com base no que souber, achar ou quiser achar, mas o fato é que a CEF é alvo de três operações da PF, Patmos, Sépsis e Cui Bono?, sem contar uma quarta, a Greenfield, sobre desvios no Funcef, o fundo de pensão dos funcionários.

Elas apuram empréstimos duvidosos, em torno de figuras bem conhecidas, já atrás das grades, como Eduardo Cunha e os ex-ministros (de Dilma e Temer) Geddel Vieira Lima e Henrique Eduardo Alves. E não é que Geddel, que mantinha um apartamento só para caixas e malas de dinheiro, foi vice da Caixa?!

Era a esse tipo de mandachuva que os demais vices, diretores e funcionários respondiam, sem falar que, indicados por PR, PP, MDB e sei lá mais o quê, os vices tinham de pagar favores, geralmente com juros, correção monetária e muita generosidade.

O resultado é quase aritmético: assim como na Petrobrás, o índice de corrupção na CEF corresponde ao tamanho do rombo, que ninguém sabe como pagar. A ideia mais criativa é abocanhar R$ 15 bilhões do FGTS, que não dá em árvore e não é dessa nem de nenhuma outra mãe Joana, mas efetivamente tem dono: o trabalhador brasileiro.

Os governos desfalcam e criam rombos, e o trabalhador é chamado a arcar com o prejuízo. Mas não fica nisso. Conforme o Estado, de um lado a cúpula da Caixa quer meter a mão na poupança do trabalhador; de outro, articula (ou articulava?) um aumentozinho camarada, de 37%, justamente para sua multidão de vice-presidentes.

Então, além de serem 12 e além de quatro deles terem sido afastados por suspeita de corrupção, os vice vão (ou iriam?) ter uma remuneraçãozinha de R$ 87,4 mil por mês, incluídos “ganhos por metas e desempenho”. A inflação ficou em 2,95%, o reajuste dos bancários foi de 2,75% e o teto constitucional, que vale até para o presidente da República, é de R$ 33,7 mil.

É ou não o fim da picada? Mas os “donos” da Caixa – o PP (que indicou Gilberto Occhi para a presidência) e, quem sabe, o próprio MDB de Temer – já estão em pé de guerra contra o estatuto aprovado na sexta-feira com novas regras para nomeação dos vices. Armados até os dentes, os partidos avisam que as vagas são deles e ninguém tasca. Leia-se: ou mantêm as vagas ou não votam a reforma da Previdência.

Onde a Lava Jato meteu a mão, lá estavam falcatruas na administração federal, nos governos estaduais, na principal estatal e nos fundos de pensão, mas os bancos públicos só sofreram arranhões. No Banco do Brasil, o escândalo ficou praticamente no ex-diretor Henrique Pizzolato e no ex-presidente Aldemir Bendini, também ex-Petrobrás. Mas é a CEF, o “banco do povo”, que joga o setor na fogueira.

Por falar nisso, a Lava Jato escarafunchou as maiores empreiteiras e remexe agora as entranhas do maior produtor de carne, mas nunca chegou perto das instituições financeiras. Como se fosse possível desviar bilhões, Brasil e mundo afora, sem passar pelos bancos.

Aquilo roxo. O lançamento de Fernando Collor à Presidência parece piada (de muito mau gosto), mas aumenta o preço do seu partido no leilão do Centrão e é um soco no estômago de quem liderou seu impeachment. O Brasil derrubou Collor para dar no que deu?

 


O Estado de São Paulo: Uma Justiça sem obsessões

Editorial

Na segunda-feira passada, foi cumprida a ordem de prisão preventiva do sr. Geddel Vieira Lima, decretada pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10.ª Vara Federal do Distrito Federal (DF). Como é de conhecimento público, a biografia do preso não inspira especial confiança. Geddel é alvo de denúncias desde os 25 anos de idade, quando foi acusado de desviar dinheiro do Banco do Estado da Bahia (Baneb). Depois esteve envolvido no escândalo dos anões do orçamento, no qual foi inocentado, e em acusações de mau uso de verbas do Ministério da Integração Nacional. Agora, a Justiça investiga sua atuação como vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal (CEF) durante o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Segundo a delação do sr. Lúcio Funaro, Geddel teria recebido R$ 20 milhões a título de propina por sua participação em esquema de favorecimento a algumas empresas.

Diante de um caso grave assim, era de esperar um estrito cumprimento do processo penal. No entanto, a leitura da decisão da 10.ª Vara Federal do DF revela uma perigosa interpretação da lei e da delação premiada, que, em última análise, afeta as garantias individuais de todos os cidadãos.

Como motivo fundamental para a decretação da prisão, o juiz indica “o recente fato de Geddel Vieira Lima ter entrado, por diversas vezes, em contato telefônico com a esposa de Lúcio Bolonha Funaro, com o intuito de verificar o ânimo do marido preso em firmar acordo de colaboração premiada (...) o que pode caracterizar um exercício de pressão sobre Lúcio Funaro e sua família”.

Ao aplicar a lei dessa forma, entendendo que uma conversa sobre possível delação de um réu é sinônimo de obstrução da Justiça, o juiz inverte a lógica da delação premiada, como se a obtenção de um acordo de colaboração com a Justiça fosse um direito inexorável do Estado. Se, como é óbvio, não cabe às autoridades exigir a realização de um acordo de delação premiada, não se pode criminalizar toda e qualquer ação que tente impedir uma delação.

A ser correta a aplicação dada pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira – e que tem sido pleiteada em diversas esferas pelo Ministério Público –, a opinião de um familiar de um preso para que ele não faça acordo de delação premiada deveria ser considerada obstrução de Justiça, já que estaria dificultando o trabalho das autoridades policiais. Naturalmente, essa interpretação é abusiva e fere as garantias individuais.

Como todo acordo jurídico, o termo de colaboração premiada pressupõe a liberdade entre as partes. E se cada um é livre para ponderar se deve ou não fazer um acordo de delação premiada, também é igualmente livre para receber conselhos, sugestões e ponderações de quem quer que seja. Em sentido estrito, a interpretação da lei que baseia a ordem de prisão de Geddel conduz a uma criminalização da liberdade de expressão.

Logicamente, qualquer tipo de coerção é ilegal. Caracteriza uma violação da liberdade individual, a merecer pronta atuação do Estado. No entanto, as autoridades persecutórias, Polícia Federal e Ministério Público, precisam provar a existência dessa eventual coação. Uma conversa não é, necessária e automaticamente, uma coerção.

No caso em questão, até o juiz admite a falta de provas de uma eventual coação, pois na mesma decisão que manda prender o sr. Geddel autoriza a apreensão dos celulares do político “pela necessidade de buscar elementos quanto à sua atuação (...) no que pertine a contatos com a esposa do réu Lúcio Funaro e investigado na Operação Cui Bono”. Ora, atirar antes e perguntar depois não é uma boa forma de conduzir processo penal.

Seria equívoco não pequeno se o desejo de combater a corrupção e a impunidade levasse a um descarte paulatino da lógica e das garantias do processo penal. A delação premiada deve ser instrumento de auxílio à Justiça, e não uma obsessão que faz inverter o ônus da prova, excluir a presunção de inocência e transigir com as condições para a prisão.

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,uma-justica-sem-obsessoes,70001876968