Cazuza

Valdir Oliveira: O tempo de Cazuza, a escolha de Sofia e a eleição de 2022

O ano era 1988 e o rock brasileiro apresentava mais uma antológica obra-prima de Cazuza. O tempo não para é um desabafo. Cazuza questionava a elite brasileira ao bradar “a tua piscina está cheia de ratos, tua ideia não corresponde aos fatos, o tempo não para”. O tempo cantado era a esperança de mudança para um mundo melhor.

O cansaço das apostas políticas frustrantes se traduz na descrença de dias melhores. Que visão teve Cazuza quando mostrou que sua geração, criada sob a opressão de uma ditadura, quando se libertou, não conseguiu se livrar das mazelas que tanto combateu. A decepção foi revelada com a música Ideologia, quando o compositor diz “o meu partido, é um coração partido”. A inspiração de Cazuza o fazia refletir sobre o paralelo entre um jovem criado numa repressão, com o anseio da liberdade, e um adulto frustrado com a liberdade mal aproveitada por uma abertura política contaminada por velhas práticas. O coração partido do poeta chorava no verso “e as ilusões estão todas perdidas, os meus sonhos foram todos vendidos, tão barato que eu nem acredito”. É a presença do dilema em nossas vidas, o desafio das escolhas.

Esses dias assisti a um clássico, A Escolha de Sofia. Esse filme eternizou o livro de mesmo nome e faz uma viagem ao holocausto, ao campo de concentração de Auschwitz. Uma polaca, filha de um antissemita, é presa pelos nazistas e mandada ao campo de concentração com seus dois filhos, duas crianças. Com feições arianas e não sendo de uma família judia, Sofia tentou uma condição especial na chegada ao campo de concentração por achar que não se enquadrava no perfil de alvo do nazismo. Mas o sadismo de um oficial nazista impôs à ela uma escolha impossível. Escolher, dentre os dois filhos, qual viveria e qual morreria. Não escolhendo, ambos seriam mortos. A impossível escolha de Sofia.

Um conflito insanável para uma mãe. A vida é permeada de decisões difíceis. A inspiração do poeta Cazuza ensina que a vida, às vezes, toma decisões por cada um de nós, lembrado no verso “Já que eu não posso te levar, quero que você me leve”. A escolha entre caminhos. Não escolhido algum, a vida decidirá.

O ambiente político, nos últimos anos, tem sido contaminado pelo extremismo e pelo ódio. Estamos tomados pela teoria do pêndulo, onde a alternância do poder fica na mesmice, ou como cantou Cazuza “um museu de grandes novidades”. A não concordância com posições nos faz optar pelo extremo oposto, como se não pudesse existir o equilíbrio entre pensamentos e teses distintas. Se não existe uma verdade absoluta, o extremo jamais representará o melhor caminho. Não somos binários. As tradicionais peças do xadrez político nos remetem ao quente ou frio, sem que se possa optar pelo morno. O recado da população foi que mudar é preciso. Os movimentos políticos dos últimos dias colocaram o Brasil na gangorra onde o eleitor estará, novamente, em cima ou embaixo. O equilíbrio é importante para que as eleições de 2022, a festa da democracia, não nos imponham a escolha de Sofia.

O eleitor precisa se transformar no protagonista dessa festa. Caso contrário, será submetido ao interesse dos outros, sujeito a quem faz da política a defesa do interesse próprio. Como diz Cazuza “não me convidaram para essa festa pobre que os homens armaram para me convencer”. Se não tomar a iniciativa, o eleitor pagará a conta, mas não entrará na festa, como Cazuza desabafou na canção, “não me ofereceram nem um cigarro, fiquei na porta estacionando os carros”. Essa é a frustração por deixarmos que os outros decidam o nosso destino. O dilema entre o esperar e o fazer, entre o acomodar e o buscar. A escolha entre passar pela vida ou fazer dela a oportunidade de construir seus próprios sonhos.

Não esperar, não pedir, ir lá e fazer. Essa é a melhor tradução para a palavra mudar. Não é fácil sair da zona de conforto para enfrentar a incerteza de um mundo de injustiças e ingratidões. A definição entre o esperar ou mudar é o que pode evitar a escolha de Sofia. Participar da festa pode ser o caminho de quem não quer decidir entre extremos inconciliáveis. Afinal, já ficou provado que o menos ruim não resolve. O chamado da política consciente deve entrar no jogo de 2022 para que se evite a escolha impossível. O rock marcou as gerações com a irreverência de quem quer mudar, de quem não nasceu para esperar, mas para fazer. Sair da zona de conforto e assumir o protagonismo. A arte de Cazuza nos ensinou a não esperar pela felicidade, mas vivê-la diariamente, como no verso “pro dia nascer feliz, essa é a vida que eu quis”. E qual será a vida que fará cada um, e uma nação, feliz?

Valdir Oliveira é superintendente do Sebrae no DF