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Flordelis é cassada pela Câmara por 437 votos e perde imunidade

A perda do mandato de deputada federal já tinha sido aprovada pelo Conselho de Ética da Casa, de forma quase unânime, por 16 votos a um

Camila Turtelli / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA – Quase um ano após o Ministério Público aceitar denúncia contra a deputada Flordelis (PSD-RJ), acusada de mandar assassinar o marido, a Câmara decidiu cassar o mandato da parlamentar, por quebra de decoro, por 437 votos favoráveis. Houve 7 votos contrários à cassação e 12 abstençõesCom a decisão, ela perde a imunidade parlamentar

Flordelis ainda tentou se segurar no cargo. "Vocês colocarão a cabeça no travesseiro e vão se arrepender por condenar uma pessoa que não foi julgada", afirmou a deputada no plenário nesta quarta-feira, 11, antes do início da votação. "Ainda dá tempo de fazer justiça. Não me cassem."

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Os votos contrários à cassação foram dados pelos deputados Carlos Gaguim (DEM-TO), Dimas Fabiano (PP-MG), Fausto Pinato (PP-SP), Glauber Braga (PSOL-RJ), Jorge Braz (Republicanos-RJ), Leda Sadala (Avante-AP) e Maria Rosas (Republicanos-SP). As abstenções foram dadas por Tiririca (PL-SP), Dulce Miranda (MDB-TO), Eli Borges (Solidariede-TO), Gutemberg Reis (MDB-RJ), Haroldo Cathedral (PSD-RR), Hugo Leal (PSD-RJ), Jefferson Campos (PSB-SP), Laerte Bessa (PL-DF), Márcio Labre (PSL-RJ), Paulo Ramos (PDT-RJ), Marco Feliciano (Republicanos-SP) e Stefano Aguiar (PSD-MG).

A perda do mandato de Flordelis já tinha sido aprovada pelo Conselho de Ética da Casa, de forma quase unânime, por 16 votos a um. O relator, deputado Alexandre Leite (DEM-SP), determinou que Flordelis violou o Código de Ética e Decoro Parlamentar e se contradisse sobre fatos envolvendo o crime. “As provas coletadas tanto por esse colegiado quanto no curso do processo criminal são aptas a demonstrar que a representada tem um modo de vida inclinado para a prática de condutas não condizentes com aquilo que se espera de um representante do povo", escreveu o relator.

Flordelis é acusada de ser a mandante do assassinato de seu marido, o pastor Anderson do Carmo, ocorrido em 16 de junho de 2019, na porta da casa onde os dois viviam com os filhos, em Niterói (RJ). O casal havia conquistado notoriedade por ter criado 55 filhos, a maioria adotada.

Ela, que sempre negou ser a mandante do crime, é ré na Justiça e responde por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio, uso de documento falso e associação criminosa armada. Flordelis não podia ser presa até agora por causa da imunidade parlamentar. Ela tem sido monitorada por tornozeleira eletrônica, desde o ano passado.

Nesta quarta-feira, 11, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidiu levar o caso ao plenário em um formato de “projeto de resolução”, o que permitiu aos parlamentares apresentarem destaques, ou seja, adendos à proposta original. Desta forma, a decisão poderia ser adaptada a uma pena mais branda e não apenas se resumir a sim ou não sobre a cassação, caso fosse essa a vontade do plenário.

“Alterei a regra de discussão de cassação de parlamentar no plenário desta Casa por um entendimento da presidência, no sentido de que o plenário é soberano e órgão maior de decisão na casa Legislativa”, justificou Lira no plenário. “Como projeto de resolução e não como parecer, se 103 parlamentares individualmente acharem que a sua cliente [Flordelis] merece em vez de uma cassação ou absolvição uma suspensão de seis meses”, afirmou o presidente da Câmara aos advogados de defesa de Flordelis. Apesar da nova possibilidade, a deputada foi cassada e não houve apoio suficiente para abrandar a pena.

Durante a votação, que durou mais de duas horas, Flordelis passou a maior parte do tempo sentada sozinha no fundo do plenário da Câmara, na companhia de seus advogados.

Nesta terça-feira, 10, um dia antes de ter seu destino político decidido pelos seus 512 colegas, ela enviou uma carta, pedindo "uma chance", a todos os parlamentares. “Uma chance para que eu possa me defender de um processo injusto de homicídio do meu próprio marido. Uma chance para que eu possa cumprir o mandato que eu fui legitimamente eleita. Uma chance para que minha dignidade seja, um dia, restabelecida”, escreveu na mensagem encaminhada por e-mail.

Os advogados de Flordelis defenderam no plenário que ela tivesse a mesma pena dada ao deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). O parlamentar foi suspenso por seis meses, no caso em que ele é acusado de fazer ataques aos ministros do Supremo, mesmo motivo pelo qual o parlamentar foi preso em flagrante em fevereiro.

Foram mais de 11 meses para o parlamento decidir o destino político da deputada desde que o deputado Léo Motta (PSL-RJ) apresentou um requerimento à Mesa Diretora da Casa pela perda do mandato. O processo começou a tramitar no Conselho de Ética apenas em fevereiro deste ano, depois de um hiato do colegiado que ficou suspenso em decorrência da pandemia.

O suplente de Flordelis é o vereador do Rio de Janeiro Jones Moura (PSD), autor de um projeto que autoriza o uso de armas de fogo por agentes da Guarda Municipal carioca. Ele deve assumir o posto em breve.

Antes de Flordelis, a última cassação aprovada pelo plenário da Câmara foi a de Eduardo Cunha, ex-presidente da Casa, com um placar de 450 votos favoráveis e 10 contrários. 

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,cpi-da-covid-decide-propor-indiciamento-de-bolsonaro-por-charlatanismo,70003807803


Roberto Freire: A hora da eleição municipal

Com o impeachment de Dilma Rousseff e a cassação do mandato de Eduardo Cunha, o Brasil segue caminhando em uma marcha da sensatez que vem pautando a política nacional nos últimos meses. É certo que o país será melhor sem uma presidente da República que cometeu crimes de responsabilidade ou um presidente da Câmara que mentiu em depoimento a uma comissão parlamentar de inquérito, além de ter se envolvido em uma série de esquemas de corrupção revelados pela Operação Lava Jato. Mas é preciso ter a consciência de que só evitaremos novas Dilmas e Cunhas se elegermos representantes sérios, competentes e comprometidos com a causa pública no próximo pleito.

Às vésperas de mais uma eleição municipal, programada para o dia 2 de outubro, os brasileiros se voltam para aquele que é o momento mais importante e que definirá os destinos das cidades – e do país – pelos próximos quatro anos. À primeira vista, alguns podem até imaginar que Dilma e Cunha fazem parte de uma realidade distante e que pouco tem a ver com o voto local. Entretanto, talvez tenha sido justamente por relegar o momento eleitoral a segundo plano que hoje a sociedade brasileira assiste, incrédula, a uma profusão de irregularidades e escândalos como os que marcaram os 13 anos de governos lulopetistas. O Brasil só mudará se essa mudança começar nas cidades, com a eleição de prefeitos e vereadores dignos do nosso voto e da nossa confiança.

As eleições de outubro tem uma dimensão e uma importância ainda maiores nesta quadra delicada pela qual passa o país. O poder local é fundamental e deve ser fortalecido. Afinal, não vivemos nos Estados ou na União, mas nos bairros, nos municípios, nas cidades, e é nelas que devemos exercer, primordialmente, nossos direitos e deveres como cidadãos. Entre eles, está o compromisso do voto – e o objetivo comum a todos deve ser escolher os melhores representantes para os Executivos e Legislativos municipais.

Em meio à maior recessão da história brasileira, gerada pela incompetência e irresponsabilidade de Lula e Dilma na condução da economia, não será fácil para o Brasil se recuperar da crise e retomar o caminho do desenvolvimento. O governo de transição do presidente Michel Temer tem uma árdua tarefa junto ao Congresso Nacional para a aprovação de reformas inadiáveis e medidas necessárias do ajuste fiscal, mas é preponderante que encontre no comando das Prefeituras das cidades brasileiras administradores igualmente capazes e responsáveis para levar adiante essa tarefa de reconstrução nacional. Seja nos pequenos, médios ou grandes municípios, a atuação de gestores públicos conscientes do momento enfrentado pelo país será determinante para superarmos a terrível herança deixada pelo PT.

Apesar de terem sido importantes para o Brasil e mostrado a força de nossas instituições democráticas, tanto o impeachment de Dilma quanto a cassação de Cunha foram medidas extremas que tiveram de ser tomadas para punir quem cometeu ilegalidades – mas, evidentemente, não podem ser motivo de júbilo ou comemoração por quem quer que seja. O ideal é que vivêssemos em um país no qual presidentes da Câmara ou da República se comportassem de forma digna no exercício do cargo e concluíssem seus mandatos normalmente. Se, por um lado, a cassação de ambos demonstra o vigor da democracia brasileira, por outro também escancara o quanto ainda estamos distantes do país que queremos construir.

A jornada é longa, o caminho é tortuoso, mas o processo é inevitável. Não há outra possibilidade de desenvolvimento para o Brasil além do voto consciente e da fiscalização permanente dos representantes que elegemos. As eleições municipais que se aproximam podem significar o primeiro capítulo de uma nova página que os brasileiros começarão a escrever. O tamanho do nosso compromisso e a responsabilidade com a qual exerceremos nosso direito inalienável ao voto serão proporcionais às chances de transformarmos as cidades e o país. O futuro começa na urna. (Diário do Poder – 15/09/2016)

Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS


Fonte: pps.org.br


João Domingos: Do céu ao inferno

Diz-se nas rodas políticas de Brasília que a cassação do mandato do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha é apenas uma questão de dias. Três ou quatro, a depender da velocidade da sessão marcada para segunda-feira. O placar apurado pelo Estado mostra que os votos pela cassação podem superar todas as expectativas. A surpresa – exceto liminar numa eventual ação judicial ou manobra regimental de última hora –, se ocorrer, será quanto ao minguado número de votos favoráveis a Cunha, dizem parlamentares que trabalham pela cassação. O que impressiona nessa história toda é a rapidez com que Cunha subiu aos céus e desceu aos infernos. Há pouco mais de um ano ele era muito poderoso.

Tão poderoso que, em 19 de maio de 2015, de forma espontânea foi à CPI da Petrobrás “tirar um sarro”, como se diz por aí, só porque a Procuradoria-Geral da República havia pedido que ele fosse investigado por suspeita de ter se beneficiado do desvio de dinheiro da estatal. Entre um rasgado elogio aqui e outro ali de parlamentares da maioria dos partidos que acompanhavam a sessão da CPI, o deputado Delegado Waldir (PR-GO) perguntou se Cunha tinha contas bancárias no exterior. A resposta foi quase um deboche: “Não tenho qualquer tipo de conta em qualquer lugar que não seja a conta que está declarada no meu Imposto de Renda”.

Como logo surgiram informações em contrário, corroboradas por autoridades da Suíça, Cunha começou a perder terreno. Ainda na liderança do PMDB, ele alimentava a ideia de ser o candidato do partido à Presidência da República em 2018. De forma correta, ele calculou que o PT passaria por um processo profundo de desgaste, abrindo a possibilidade para uma candidatura conservadora. No caso, a dele mesmo. Para que o plano fosse à frente, Cunha precisaria ocupar um cargo importante, como a presidência da Câmara. Isso foi fácil. A seguir, tudo foi encaminhando do jeito que ele queria.

Conquistava mais e mais poder entre representantes de quase todos os partidos. Sua pauta conservadora para a Câmara era muito bem recebida. Os ataques que fazia ao governo petista também. Mas, aí, veio a ideia de aparecer na CPI da Petrobrás. Cunha imaginava que seria coberto de elogios apenas. Mas surgiu a pergunta das contas. E ele disse que não as tinha. Logo, abriu-se o processo no Conselho Ética. Cunha mentira à CPI, foi a acusação. Para tentar atrapalhar os trabalhos no colegiado, Cunha fez tantas manobras que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao STF que o suspendesse das funções legislativas.

O STF assim decidiu. Importante tentar entender por que, estando no céu, Cunha caiu tão rapidamente no inferno. Como toda instituição, o Congresso costuma criar anticorpos para se proteger toda vez que se sente ameaçado. Foi assim com os senadores Antonio Carlos Magalhães e Jader Barbalho quando se envolveram em escândalos. Sem dó nem piedade, senadores que antes eram quase que serviçais dos dois passaram a defender a cassação. Eles renunciaram antes da instauração do processo e conseguiram manter os direitos políticos. Retornaram na eleição seguinte, como se nada tivesse acontecido.

Fariam o mesmo se estivessem no papel de juízes, como estavam os senadores que os abandonaram. Com Cunha acontece a mesma coisa. Ele se tornou uma espécie de câncer para a Câmara, pois é mais rejeitado do que a ex-presidente Dilma Rousseff. Mantê-lo vivo compromete a imagem de todos os deputados. Cunha tem feito um apelo a todos para que o ajudem. Dessa vez, sem a arrogância que o marcou ao depor à CPI da Petrobrás. Mas os deputados, pensando nas próximas eleições, já estão noutra. Só Cunha não percebeu. (O Estado de S. Paulo – 10/09/2016)


Fonte: pps.org.br