Cármen Lúcia

Brasil não tem 'poder moderador', diz Cármen sobre Forças Armadas

Ministra afirmou que as Forças Armadas têm um "papel importante" na história do país, mas disse que elas "não podem ser um poder à parte"

Rebeca Borges / Metrópoles

ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que a falta de harmonia entre os Três Poderes tem sido alvo de “xingamentos, afrontas e desatendimento”. A declaração foi dada em entrevista ao jornal O Globo, publicada nesta terça-feira (17/8).

“As Forças Armadas ajudam enormemente a Justiça Eleitoral na época das eleições de São Gabriel da Cachoeira a Santo Angelo no Rio Grande do Sul. Mas elas não são um Poder à parte, porque a Constituição disse quais são os poderes da República, no artigo segundo, o Legislativo, Executivo e Judiciário. Não temos quarto Poder hoje”, declarou a ministra.

Ao jornal, Cármen Lúcia afirmou que as Forças Armadas têm um “papel importante” na história do país, mas disse que elas “não podem ser um poder à parte”. A magistrada também pontuou que “não há poder moderador no estado brasileiro”.PUBLICIDADE

A afirmação é feita dias depois da realização de um desfile de tanques militares da Marinha na Esplanada dos Ministérios.

O ato ocorreu horas antes de a Câmara dos Deputados votar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelecia a adoção do voto impresso. A PEC foi rejeitada na Casa, com 229 votos favoráveis, 218 contrários e uma abstenção.

Parlamentares criticaram o desfile de blindados e avaliaram o evento como uma forma de intimidação das Forças Armadas ao Congresso Nacional.

Sobre os ataques ao Poder Judiciário e aos ministros do STF, proferidos frequentemente nos últimos meses pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Cármen Lúcia afirmou que os conflitos só podem ser resolvidos com “convivência harmoniosa”.

Ela pontuou que o ministro Luiz Fux, presidente do STF, tentou dialogar com o presidente, mas se afastou “quando não teve a resposta de diálogo que pretendeu”. “Uma sociedade não pode viver com essa audição permanente de xingamentos, de afrontas, de desatendimento à harmonia que é exigência constitucional. É difícil mas é imprescindível continuar insistindo para sempre.

PEC do Voto Impresso e ataques ao STF

Na última quinta-feira (10/8) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabeleceria a adoção do voto impresso foi derrubada na Câmara por 218 votos contrários, 229 favoráveis e 1 abstenção. Apesar de ter mais votos favoráveis do que contrários, a PEC precisava do apoio de, ao menos, 308 parlamentares para ser aprovada.

Grande defensor do modelo de impressão do voto, o presidente Jair Bolsonaro alega que já houve fraude no sistema eletrônico de votação. No entanto, instado pelo STF a apresentar provas, ele não conseguiu comprovar as irregularidades.

Isso fez com que o ministro Alexandre de Moraes incluísse o chefe do Executivo federal entre os investigados no inquérito que apura divulgação de notícias falsas e ataques ao STF. O processo corre em sigilo na Corte.

Além de alegar, sem provas, de que há fraudes no sistema eleitoral brasileiro, Bolsonaro realiza diversos ataques ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na última semana, após a derrota da PEC na Câmara, o mandatário disparou críticas ao magistrado.

“Por que essa vontade enorme, esse trabalho enorme, do ministro Barroso, que é também o presidente do TSE, contrário ao voto impresso? Ele se reuniu com lideranças partidárias e, logo depois da reunião, essas lideranças, a maioria delas que eram favorável ao voto impresso, mudaram de lado. O que foi oferecido pra eles? O que aconteceu?”, questionou, em entrevista à rádio Jovem Pan.

Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/brasil-nao-tem-poder-moderador-diz-carmen-sobre-forcas-armadas


Míriam Leitão: 'Ofender mulher é crime', diz Cármen

Cármen critica a violência contra a mulher, os ataques à imprensa e diz que o conflito entre os poderes é inconstitucional

A liberdade de imprensa é um bem da sociedade, quando um jornalista é atacado isso corrói a democracia. Quando acontece, como agora, a agressão a uma jornalista, de forma desrespeitosa, todas as mulheres em qualquer profissão ficam mais vulneráveis. Essas declarações são da ministra Cármen Lúcia do Supremo Tribunal Federal (STF), que eu entrevistei ontem, sobre violência contra a mulher e as recentes ofensas a jornalistas. Sobre o crescimento da violência contra a mulher, ela disse que isso define o país. “Uma sociedade que bate em mulher, mata a mulher, não é uma sociedade do bem-estar”.

No domingo será o Dia da Mulher, e como em todos os anos os debates ocorrem antes e depois do dia 8. E é fundamental que o tema esteja em pauta porque tem aumentado muito os casos de feminicídio e de agressões físicas e verbais. A ministra falou também de outro tipo de violência, a que se dá através da exclusão de participação. A mulher é sub-representada em qualquer instância da estrutura de poder. Inclusive no Judiciário:

— Vamos ter eleição este ano, mas não teremos no TSE nenhuma mulher, nem como substituta. Saindo a Rosa (ministra Rosa Weber) não teremos nenhuma. Passei uma resolução no Conselho Nacional de Justiça para tentar colocar mais mulheres nos órgãos colegiados. Vejo uma luta enorme das mulheres. É preciso olhar o conjunto, porque somos uma sociedade machista. Não gostar de mulher é direito, ofender a mulher é crime. É preciso respeito por todos.

Perguntei especificamente sobre as agressões contra as mulheres jornalistas que houve recentemente através das redes sociais, estimuladas por pessoas do governo, inclusive o presidente:

— Acho isso muito grave. Primeiro é mais uma manifestação de um Brasil varonil. O Brasil é feito só de varões? No caso de profissões como a do jornalismo que dão voz e vez aos que não têm as informações, nem a voz para se manifestar. A imprensa cumpre esse papel. Não há democracia sem imprensa livre. Não há democracia sem que o jornalista possa exercer de forma independente, plenamente e sem peias, a sua profissão. O que seria de nós se não houvesse uma imprensa livre, disposta a falar. Nós cidadãos dependemos dela, nós, inclusive, servidores públicos. Quando está bem, a imprensa elogia, como acontece agora com o ministro da Saúde. Por outro lado, essa mesma imprensa tem o dever de crítica para que a gente saiba o que precisa melhorar. Segundo, a agressão à imprensa é um mal que é feito a toda a sociedade, porque isso corrói a democracia. No caso de uma jornalista criticada dessa forma desrespeitosa, quando isso acontece é como se todas as mulheres em todas as profissões ficassem mais vulneráveis.

A ministra falou também de um outro efeito colateral. A de que jovens jornalistas possam se sentir intimidados, diante do ataque aos profissionais mais experientes e mais reconhecidos na profissão.

Perguntei sobre o risco do avanço da censura, e a ministra, autora do contundente voto “cala a boca já morreu”, deixou claro que nenhuma censura é tolerável:

— Não pode haver censura. A Constituição não permite nenhuma forma de censura. Simples assim. Constituição é lei. Não é aviso, não é proposta, não é sugestão. Não é alternativa para se cumprir ou não. Quando se censura, você não amordaça apenas uma pessoa, mas põe um cala boca na história de um povo.

Sobre o atual conflito entre poderes, a ministra Cármen Lúcia disse que isso também contraria o espírito da lei maior.

— A Constituição brasileira estabelece expressamente que os poderes são independentes e harmônicos entre si. Os agentes públicos que ocupam cargo nos órgãos de cúpula de todos os poderes têm o dever constitucional de não contribuir para a desarmonia. Se a Constituição determina harmonia, a desarmonia é inconstitucional. Simples assim.

Ao fim da entrevista, a ministra voltou a falar da discriminação contra a mulher, contando que o texto constitucional é até redundante para deixar claro. Estabelece a igualdade, e depois fala de não haver diferença entre homens e mulheres:

— O que a gente busca é a igualação, a dinâmica da igualdade, a conquista de novos espaços, é vencer o preconceito. É preciso respeito pela palavra do outro, pela mulher, pelo índio, pelo gay. Nós merecemos respeito, todos nós pela humanidade.


Luiz Carlos Azedo: Prisão quase inexorável

A presidente do STF, Cármen Lúcia, sepultou as possibilidades de reverter a decisão dos desembargadores de Porto Alegre, que condenaram Lula a 12 anos e 1 mês de prisão, antes de a pena começar a ser executada

Complicou-se ainda mais a situação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ontem sofreu mais uma dura derrota judicial: o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Humberto Martins rejeitou o pedido de habeas corpus preventivo da defesa. Lula está condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre, em regime fechado e execução imediata. Apenas um embargo de declaração de seus advogados o mantém em liberdade.

A defesa de Lula recorreu ao STJ com o argumento de que a medida fere a Constituição, que diz: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Ocorre que uma súmula do STF determina que os réus condenados em segunda instância comecem a cumprir a pena imediatamente, independentemente da posterior apreciação do caso pelos tribunais superiores. A defesa de Lula tentou atalhar o TRF-4 com o pedido de habeas corpus.

A defesa de Lula persistiu na politização dos processos judiciais aos quais responde, ao afirmar que a prisão de Lula teria “desdobramentos extraprocessuais, provocando intensa comoção popular — contrária e favorável — e influenciando o processo democrático”. Martins rechaçou os argumentos: “O receio de ilegal constrangimento e a possibilidade de imediata prisão não parecem presentes e afastam o reconhecimento, nesse exame liminar, da configuração do perigo da demora, o que, por si só, é suficiente para o indeferimento do pedido liminar”. Segundo o ministro, não existe ameaça de prisão ilegal, o que justificaria o habeas corpus preventivo.

A decisão do ministro surpreendeu o mundo político. Há duas semanas, Martins deu liminar a favor da posse de Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho. Mas a decisão foi cassada pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, que ontem descartou a possibilidade de rever a jurisprudência da prisão após condenação em segunda instância em razão da situação de Lula. “Em primeiro lugar, o Supremo não se submete a pressões para fazer pautas. Em segundo lugar, a questão foi decidida em 2016 e não há perspectiva de voltar a esse assunto”, disse a ministra. Martins e a presidente do STF, portanto, estão em sintonia.

Afronta

A estratégia de Lula em relação aos processos que enfrenta na Operação Lava-Jato vem se revelando um fracasso absoluto. Na medida em que a primeira condenação, a nove anos e meio de prisão, pelo juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal, saiu da primeira para a segunda instâncias (no caso, o TRF-4), o petista subiu o tom dos ataques ao Judiciário, ao mesmo tempo em que reforçou o discurso político de que haveria um complô para fraudar as eleições, impedindo-o de disputar a Presidência. Esperava que isso tivesse repercussão favorável nos tribunais superiores, que não são formados apenas por juízes de carreira. Deu tudo errado.

O que está sendo posto em xeque, com a estratégia do PT, é o respeito à Constituição e à democracia por Lula e seus aliados, exatamente o contrário do que apregoam com base no senso comum de que o julgamento das urnas seria mais legítimo do que o dos tribunais. Há todo um debate no mundo jurídico sobre a execução de penas a partir da segunda instância, que é adotada em vários países democráticos. No caso brasileiro, esse recurso foi acolhido porque o princípio do “transitado em julgado”, principalmente nos casos de crimes de “colarinho branco”, estava sendo um instrumento de impunidade.

Recentemente, porém, a discussão voltou à baila no Supremo Tribunal Federal (STF). A mudança de opinião do ministro Gilmar Mendes, que era favor da execução da pena após condenação em segunda instância, e a entrada do ministro Alexandre de Moraes, no lugar do falecido ministro Teori Zavascki, alimentam as especulações sobre a revisão da jurisprudência. A aposta da defesa de Lula era explorar essa contradição e protagonizar uma alteração na jurisprudência. A radicalização do seu discurso político e a postura desrespeitosa em relação aos magistrados que o condenaram acabaram provocando um efeito contrário. Agora, a decisão de Carmem Lúcia sepulta as possibilidades de reverter a decisão dos desembargadores federais de Porto Alegre, antes de a pena começar a ser executada.

Além disso, afasta a possibilidade de Lula disputar as eleições, pois está inelegível. Para isso, seria necessário revogar a Lei da Ficha Limpa, que exclui da disputa eleitoral quem foi condenado em segunda instância. Sem garantia de registro, a candidatura de Lula está natimorta. Mesmo assim, a estratégia do PT é “vitimizar” o ex-presidente da República e manter sua pré-candidatura enquanto for possível. Entretanto, o estratagema somente afronta ainda mais o Judiciário. Não tem eficácia jurídica.


Merval Pereira: Defesa da democracia

Dois anos e quatro meses depois de ter tomado a já famosa decisão a favor da liberdade de expressão, liberando as biografias não autorizadas com a frase de uma brincadeira infantil — “Cala a boca já morreu, quem disse foi a Constituição” — para garantir um dos mais importantes direitos humanos, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármem Lúcia, outra vez assumiu posição de vanguarda democrática.

O ponto central era o mesmo, a possibilidade, negada pela ministra, de uma censura prévia, desta vez no caso das redações do Enem, cujo edital repetia uma determinação que há anos vigora, a partir de governos petistas, que afinal foi derrubada na Justiça. Anular, dando nota zero a redações cuja abordagem pelo candidato fosse considerada atentatória aos direitos humanos.

Diversos movimentos consideram que, por ser uma decisão subjetiva, essa determinação constrangia os candidatos, impedindo-os de defender pontos de vista que pudessem ser criticados pela banca examinadora. Assim como impedindo o “cala boca” governamental, a ministra decidiu que biografias não podem ser previamente censuradas por qualquer cidadão ou autoridade, pois exigir prévia autorização seria o mesmo que impor censura, também agora a ameaça de impugnação anterior à realização da prova deixou de existir.

O sentido da decisão de Cármem Lúcia foi o mesmo nos dois casos: a liberdade de expressão — tanto de informar quanto de ser informado — tem na Constituição uma proteção, como exigência para a manutenção de uma democracia pluralista.

O ex-presidente do Supremo, ministro aposentado Ayres Brito, havia se pronunciado anteriormente na mesma direção, afirmando que a decisão de dar nota zero às redações que fossem consideradas atentatórias aos direitos humanos representava uma censura prévia. Para o ministro, a banca examinadora, caso a caso, pode decidir se uma redação merece ser impugnada por ofender os direitos humanos.

O mesmo argumento foi usado por Cármem Lúcia: “Não se desrespeitam direitos humanos pela decisão que permite ao examinador a correção das provas e a objetivação dos critérios para qualquer nota conferida à prova. O que os desrespeitaria seria a mordaça prévia do opinar e do expressar do estudante candidato”, afirmou a presidente do STF.

Ela atendeu a liminar concedida pelo desembargador Carlos Moreira Alves, do TRF da 1ª Região, que suspendia esse trecho do edital a pedido da Associação Escola Sem Partido, para a qual o critério não é “objetivo” e tem “conteúdo ideológico”. O caso foi levado ao Supremo em recursos da Advocacia Geral da União e da Procuradoria Geral da República.

A norma do Inep, que já existia há anos, foi adotada pelo governo Temer, e o próprio ministro da Educação, Mendonça Filho, chegou a fazer um apelo aos candidatos para que não desrespeitassem os direitos humanos em suas redações no Enem. Embora fosse um apelo correto, o sentido de apoiar a portaria do Inep dava à tentativa de censura prévia um endosso governamental na mesma linha de governos anteriores.

Para Cármem Lúcia, o cumprimento da Constituição da República “impõe, em sua base mesma, pleno respeito aos direitos humanos, contrariados pelo racismo, pelo preconceito, pela intolerância, dentre outras práticas inaceitáveis numa democracia e firmemente adversas ao sistema jurídico vigente. Mas não se combate a intolerância social com maior intolerância estatal. Sensibiliza-se para os direitos humanos com maior solidariedade até com os erros pouco humanos, não com mordaça.”

O tom didático da decisão da presidente do STF ficou claro: “O que se aspira é o eco dos direitos humanos garantidos, não o silêncio de direitos emudecidos. Não se garantem direitos fundamentais eliminando-se alguns deles para se impedir possa alguém insurgir-se pela palavra contra o que a outro parece instigação ou injúria. Há meios e modos para se questionar, administrativa ou judicialmente, eventuais excessos. E são estas formas e estes instrumentos que asseguram a compatibilidade dos direitos fundamentais e a convivência pacífica e harmoniosa dos cidadãos de uma República.”

Depois de decisões polêmicas na judicialização da política, que provocaram muitas críticas, Cármem Lúcia voltou a assumir a defesa da democracia em questões que afetam o dia a dia do cidadão comum, uma boa maneira de valorizar o pluralismo democrático.

 


Luiz Carlos Azedo: Supremo deu o recado

Cármen Lúcia disse que o Ministério Público continuará o trabalho de combate à corrupção, mesmo após a saída de Janot da PGR

Ao manter o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, à frente das investigações sobre o presidente Michel Temer, neste fim de mandato, o Supremo Tribunal Federal mandou um recado para o mundo político: restaure-se a moralidade. Nove ministros da Corte rejeitaram o pedido de afastamento: Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Não participaram da decisão os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.

Em seu voto, a presidente do STF, Cármen Lúcia, disse que o Ministério Público continuará o trabalho de combate à corrupção, mesmo após a saída de Janot da PGR, e que as “instituições são mais importantes que as pessoas”. Não foi uma declaração descontextualizada da troca de guarda na PGR, porque sinaliza o que já se esperava: Raquel Dodge, que substituirá Janot a partir da segunda-feira, não será complacente com os malfeitos apurados na Operação Lava-Jato.

“Há instituições sólidas hoje no Brasil, o Ministério Público é uma delas. O Supremo não permitirá que a mudança de um nome, o afastamento de um nome, altere os rumos”, disse a presidente da Corte. Cármem Lúcia foi explícita quanto ao fato de que todos os processos que se referem à matéria penal não serão interrompidos, apesar das pressões. Esse foi o teor da recente conversa entre a presidente da Corte e a nova procuradora-geral. “O processo penal e a busca de apuração de erros praticados no espaço público, como se tem no espaço privado, não vão parar”, ressaltou.

A expectativa agora é quanto à segunda denúncia contra Michel Temer. O caminho ficou aberto para que isso ocorra nas próximas 48 horas, porque a segunda decisão da Corte, sobre essa possibilidade, foi adiada para a próxima semana, por causa da apreciação do Código Florestal. A sessão foi encerrada por Cármem Lúcia sem que os ministros do STF analisassem o pedido de Temer para impedir Janot de apresentar uma nova denúncia. Outro pedido era para que a Corte examinasse a validade das provas entregues pelos delatores da J&F, que embasam as investigações, mas o relator da Lava-Jato, ministro Luiz Edson Fachin, manifestou-se contra a apreciação da validade das provas no momento.

A sessão do Supremo surpreendeu pelo estilo pessedista (a cúpula do antigo PSD só se reunia quando tudo já estava resolvido). O ministro Gilmar Mendes, crítico implacável da Lava-Jato e desafeto declarado de Janot, permaneceu no seu gabinete na primeira votação. Em nota, disse que “possui posição consolidada a respeito da interpretação restritiva das regras de suspeição e impedimento previstas na legislação brasileira”. Barroso, principal defensor de Janot e da Lava-Jato, não compareceu porque estava num seminário na Universidade de Yale, nos Estados Unidos.

Janot também não compareceu, foi representado pelo vice-procurador-geral da República, Nicolau Dino, que chamou de “absolutamente infundadas” as acusações. Ele foi o mais votado na eleição interna do Ministério Público para o cargo de procurador-geral, mas foi preterido por Temer, que indicou Raquel Dodge. “Nada, absolutamente nada autoriza a conclusão de que haveria inimizade capital entre o procurador e o presidente da República”, afirmou.

Enquanto isso, segue o baile. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestou depoimento ontem, em Curitiba, perante o juiz Sérgio Moro, e não foi preso, como temiam os petistas. Continuará respondendo ao processo em liberdade. Lula foi agressivo, mas o magistrado não caiu na armadilha e evitou polêmicas. Uma nova denúncia foi feita por Janot no fim da tarde, desta vez contra o presidente do DEM, senador José Agripino Maia (RN), cujo teor foi mantido em sigilo.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ontem, suspendeu a carteira do ex-procurador Marcelo Miller, por 90 dias. Desde março, Miller é investigado pelos colegas por sua atuação no escritório Trench, Rossi, Watanabe, que defendia a JBS no acordo de leniência. O escritório informou à coluna que não foi responsável pela entrega da gravação da conversa entre Joesley Batista e o executivo Ricardo Saud ao Ministério Público, como publicamos na terça-feira. Quem entregou a gravação foi a defesa na “delação premiada”, o processo criminal.

Seminário
Começa hoje, no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, o seminário internacional “Desafios políticos de um mundo em intensa transformação”, organizado pela Fundação Astrojildo Pereira (PPS) e o Instituto Teotônio Vilela (PSDB). Entre os palestrantes, Adrian Wooldridge, Stefan Folster e Gianni Barbacetto, além de políticos dos dois partidos, como Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin, Cristovam Buarque, Roberto Freire e José Aníbal. A grande ausência será o prefeito de São Paulo, João Doria, que está em Buenos Aires

 

 


Merval Pereira: A voz do STF  

A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, foi fundamental para desarmar os espíritos na sessão de ontem. A ausência do ministro Gilmar Mendes e do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na primeira parte, em que foi tratado o pedido da defesa de Temer de suspeição de Janot, permitiu que a discussão se desse em termos estritamente técnicos. Gilmar mesmo disse que assistiu de seu gabinete à sessão e, como não havia divergência, não se pronunciou.

Logo no início, Cármen Lúcia também desarmou uma pequena manobra do advogado de Temer, Antonio Cláudio Mariz, que queria que os dois assuntos, suspeição e suspensão da segunda denúncia, fossem julgados ao mesmo tempo.

O advogado já antevia que o pedido de suspeição não seria aceito e pretendia encurtar o julgamento. Chegou a dizer que, se pudesse, desistiria da suspeição, mas não conseguiu evitar que o plenário se manifestasse a favor do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, por unanimidade dos presentes: 9 a 0, já que o ministro Luís Roberto Barroso também não estava no plenário.

Por fim, ao encerrar a sessão antes que o segundo tema fosse julgado, a presidente do Supremo jogou um balde de água fria para acalmar os ânimos de seus pares, deixando para a próxima semana a discussão sobre se uma segunda denúncia deve ser sustada até que se encerrem as investigações sobre as delações de Joesley Batista e seus executivos na JBS, as quais o procurador-geral da República quer rescindir com base em novos áudios.

A nova denúncia, assim, pode ser apresentada sem problemas por Janot antes que ele saia do cargo, na sexta-feira, mas dificilmente terá andamento antes que o pleno do Supremo decida a questão de ordem que está em pauta. O relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Luiz Edson Facchin, provavelmente receberá a denúncia, mas não dará andamento a ela, aguardando a decisão do Supremo. Não precisa nem sobrestá-la, basta que a analise com atenção, até a próxima sessão.

Mesmo que decidisse enviar a denúncia à Câmara, o que pode fazer, pois não há decisão sobre o assunto que o impeça, seria um ato inócuo, já que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que tem maioria governista, alegaria que não pode decidir sobre o tema sem que o STF se pronuncie.

O importante na sessão de ontem foi o comprometimento de uma maioria firme do plenário, com nove ministros se pronunciando a favor da Operação Lava-Jato e do trabalho do Ministério Público. Certamente o ministro Barroso, que está em viagem nos Estados Unidos, seria o décimo voto.

A presidente Cármen Lúcia salientou que não importa quem esteja à frente da Procuradoria-Geral da República: “Há instituições sólidas hoje no Brasil, o Ministério Público é uma delas. O Supremo não permitirá que a mudança de um nome, o afastamento de um nome, altere os rumos, porque as instituições são mais importantes que as pessoas, evidentemente”, disse.

Esse foi o recado mandado ontem pelo Supremo Tribunal Federal para o cidadão brasileiro, o da garantia de que as investigações continuarão, sob sua supervisão, mesmo com o fim do mandato de Rodrigo Janot, que será substituído pela procuradora Raquel Dodge na próxima segunda-feira, e com a provável substituição do diretor-geral da Polícia Federal, que está sendo coordenada pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim.

Como este nosso processo de crise política sofre reviravoltas a todo momento, a tentativa de postergar ou mesmo inviabilizar uma segunda denúncia acaba sendo, no atual cenário, mais prejudicial a Temer do que parecia anteriormente.

Com a possibilidade de seu ex-ministro Geddel Vieira Lima fazer uma delação premiada, quanto mais demorar o processo na Câmara, pior para o governo, pois, mesmo que não estejam na denúncia de Janot, eventuais acusações de Geddel contra o presidente, de quem é íntimo há 30 anos, terão o mesmo efeito do depoimento de Antonio Palocci sobre o ex-presidente Lula. Criarão um ambiente político que certamente afetará negativamente a tramitação do processo na Câmara.

 

 


Folha de S. Paulo: Supremo sofre agressão inédita, diz ministra Cármen Lúcia

A presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministra Cármen Lúcia, informou na noite desta terça-feira (5) que pediu à Polícia Federal e à PGR (Procuradoria-Geral da República) uma investigação imediata para apurar as declarações feitas pelos executivos da JBS Joesley Batista e Ricardo Saud em conversa gravada acidentalmente.

"Agride-se, de maneira inédita na história do país, a dignidade institucional deste Supremo Tribunal Federal e a honorabilidade de seus integrantes", diz Cármen Lúcia.
A ministra diz que os investigadores devem informar datas de início e fim para o trabalho.

Ela informou que exige "investigação imediata, com definição de datas para início e conclusão dos trabalhos a serem apresentados, com absoluta clareza, a este Supremo Tribunal Federal e à sociedade brasileira, a fim de que não fique qualquer sombra de dúvida sobre a dignidade deste Supremo Tribunal Federal e a honorabilidade de seus integrantes."

Para a ministra, "impõe-se, pois, com transparência absoluta, urgência, prioridade e presteza à apuração clara, profunda e definitiva das alegações, em respeito ao direito dos cidadãos brasileiros a um Judiciário honrado", afirmou.

Nos grampos entregues pela J&F na semana passada, aparece um áudio em que Joesley Batista e Ricardo Saud, executivo da empresa, falam sobre um diálogo com o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, que teria sido gravado.

Na conversa entre os dois delatores, Saud cita ainda pelo menos três ministros do STF: Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes.

O nome "Marco Aurélio" aparece na conversa, mas não é uma referência ao ministro do STF Marco Aurélio Mello e sim, a Marco Aurélio de Carvalho, advogado e sócio do ex-ministro da Justiça em um escritório.

JBS
Em nota, a JBS pediu desculpas pelas declarações dos delatores e disse que as afirmações não eram verdadeiras.

"A todos que tomaram conhecimento da nossa conversa, por meio de áudio por nós entregue à PGR, em cumprimento ao nosso acordo de colaboração, esclarecemos que as referências feitas por nós ao Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República e aos Excelentíssimos Senhores e Senhoras Ministros do Supremo Tribunal Federal não guardam nenhuma conexão com a verdade. Não temos conhecimento de nenhum ato ilícito cometido por nenhuma dessas autoridades", diz o texto.

"O que nós falamos não é verdade, pedimos as mais sinceras desculpas por este ato desrespeitoso e vergonhoso e reiteramos o nosso mais profundo respeito aos Ministros e Ministras do Supremo Tribunal Federal, ao Procurador-Geral da República e a todos os membros do Ministério Público."

 


O Estado de S.Paulo: Onda de rejeição alcança até ministros do Supremo

Repúdio ao Executivo e Legislativo chega ao Judiciário, revela pesquisa Ipsos; apenas Moro e Joaquim Barbosa mantêm índice elevado, apesar de queda de aprovação

Daniel Bramatti e Gilberto Amendola, O Estado de S.Paulo

A onda de rejeição a políticos e autoridades públicas já não se limita ao governo e ao Congresso e chegou com força ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. Pesquisa Ipsos mostra que, entre julho e agosto, houve aumento significativo da desaprovação a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Até o juiz Sérgio Moro enfrenta desgaste: apesar de seu desempenho ainda ser majoritariamente aprovado pela população, sua taxa de rejeição está no nível mais alto em dois anos.

A pesquisa avaliou a opinião dos brasileiros sobre 26 autoridades de distintas esferas de poder, além de uma celebridade televisiva, o apresentador de TV Luciano Huck. Quase todos estão no vermelho, ou seja, são mais desaprovados do que aprovados. As exceções são Huck, Moro e o ex-presidente do Supremo Joaquim Barbosa. Os dois últimos são responsáveis pelos julgamentos dos dois maiores escândalos de corrupção do País: mensalão e Operação Lava Jato.


Para Danilo Cersosimo, um dos responsáveis pela pesquisa, o aumento do descontentamento com o Judiciário pode estar relacionado “à percepção de que a Lava Jato não trará os resultados esperados pelos brasileiros”. Outros levantamentos do Ipsos mostram que o apoio à operação continua alto, mas vem caindo a expectativa de que a força-tarefa responsável por apurar desvios e corrupção na Petrobrás provoque efeitos concretos e mude o País. “Há uma percepção de que a sangria foi estancada, de que a Lava Jato foi enfraquecida”, disse Cersosimo.

Na lista de avaliados pelo Ipsos estão três dos 11 atuais integrantes do Supremo: Cármen Lúcia, a presidente; Edson Fachin, relator dos casos relacionados à Lava Jato; e Gilmar Mendes, principal interlocutor do presidente Michel Temer no Tribunal. Os três enfrentam deterioração da imagem.

Além de Moro e Fachin, há na lista outros dois nomes relacionados à Lava Jato: o do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da operação em Curitiba. Eles também sofrem desgastes.

O descontentamento com Gilmar cresceu ao mesmo tempo em que ele ficou mais conhecido: até maio, mais da metade da população (53%) não sabia dele o suficiente para opinar. Agora, esse índice caiu para 30%. Já a taxa de aprovação se manteve praticamente estável, oscilando em torno de 3%. A avaliação crítica é maior nas faixas mais escolarizadas: chega a 80% entre os brasileiros com curso superior, e é de 50% entre os sem instrução.

Nos últimos meses, Gilmar, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), se notabilizou por constantes e duras críticas ao que classifica como abusos na atuação do Ministério Público Federal em grandes investigações no País, incluindo a Lava Jato. O ministro protagonizou embates com o procurador-geral da República e chegou a chamar Janot de “desqualificado”.

Na pesquisa Ipsos, o chefe do Ministério Público Federal – que vai deixar o cargo em breve – teve seu desempenho reprovado por 52% dos entrevistados. A avaliação favorável ficou em 22%.

Evolução. Cármen Lúcia teve aumento de 11 pontos porcentuais em sua taxa de desaprovação entre julho e agosto, de 36% para 47%. Já sua aprovação está em 31% – queda de cinco pontos porcentuais em um mês e de 20 pontos desde janeiro. A avaliação favorável de Fachin caiu, em um mês, de 45% para 38%, enquanto a desfavorável subiu de 41% para 51%.

Conhecido por sua atuação no julgamento de acusados no escândalo da Lava Jato, Moro, titular da 13.ª Vara Federal de Curitiba, tem seu desempenho aprovado por mais da metade da população (55%). Sua taxa de desaprovação, porém, subiu nove pontos porcentuais no último mês, de 28% para 37% – o ponto mais alto na série histórica do Ipsos, que teve início em agosto de 2015.