camara dos deputados

Cristina Serra: A ultradireita se prepara para 2022

Mudanças nas estruturas das polícias preparam terreno para radicalização em 2022

Reportagem de Felipe Frazão em "O Estado de S. Paulo" revelou que tramitam na Câmara dos Deputados projetos para diminuir o poder e o controle dos governadores dos estados e do Distrito Federal sobre as polícias civis e militares.

São várias propostas de mudança na estrutura desses aparatos policiais. Uma delas é a criação da patente de general para os policiais militares, nível hierárquico exclusivo das Forças Armadas. Hoje, os PMs chegam, no máximo, a coronel. Os comandantes-gerais também seriam nomeados a partir de uma lista tríplice formulada pelos oficiais.

Os chefes das duas polícias passariam a ter mandato de dois anos e haveria regras estritas para suas exonerações. O governador só poderia destituir o comandante da PM por motivo "relevante" e "devidamente comprovado". Já o chefe da Civil só perderá o cargo se a dispensa for aprovada pelo Legislativo estadual, "por maioria absoluta" de votos. E as polícias civis seriam ligadas a um certo Conselho Nacional da Polícia Civil, no âmbito do governo federal.

Há uma extensa e perniciosa tradição de rebeliões nas polícias, e nisso elas não diferem da atuação das Forças Armadas no Brasil. Mais recentemente, episódios corroboram a preocupação com o extremismo cada vez maior desses contigentes. Foi o que se viu, por exemplo, em 2017, no Espírito Santo, e quase um ano atrás no motim de policiais militares no Ceará, que terminou com um senador baleado.

As propostas abrem as portas, definitivamente, para a partidarização das forças de segurança e a formação de esquemas de poder paralelos que escapariam totalmente de qualquer forma de controle político-institucional. Se aprovadas, teriam o efeito de um anabolizante nas fileiras policiais, sob a égide escancarada do bolsonarismo. Os partidos progressistas têm que exigir do candidato à presidência da Câmara que apoiam o firme compromisso de conter a agenda da ultradireita. Esses projetos preparam o terreno para a radicalização em 2022.


Baleia Rossi: Câmara livre

Parlamento tem de ser independente para estar à altura de suas missões

A Câmara dos Deputados precisa ser independente. Essa sentença já foi repetida a ponto de ter ganhado a condição de aforismo. Está no discurso de todos — inclusive daqueles a quem não interessa que a Casa seja independente. Como tudo que é dado como certo, o conceito parece ter se perdido. É necessário que fique claro por que onze partidos representando 54% dos deputados se uniram em torno dessa ideia e de uma candidatura única para a presidência da Câmara.

O Parlamento tem de ser independente para estar à altura de suas missões. A mais óbvia, a de legislar, deve ser cumprida com autonomia, mas também em harmonia com o Executivo e o Judiciário. As demais tarefas exigem um distanciamento maior dos outros poderes.

É atribuição do Parlamento fiscalizar o Executivo. A Câmara tem, inclusive, uma comissão permanente para monitorar os gastos federais. A função de vigilância desaparece se a direção da Câmara for subserviente ao governo.

A Câmara é o espaço de representação da sociedade. Quanto mais setores da população abriga, mais legitimidade tem. Por isso, não é espaço para vencedores e derrotados. Ao contrário, é onde forças antagônicas são impelidas a dialogar e buscar consenso.

O Brasil enfrenta um momento crucial de sua história. A maior crise econômica já registrada foi sucedida pela devastação da pandemia de Covid-19. Ainda é impossível aquilatar a devastação de vidas e famílias, empregos e renda, empresas e contas públicas, aspirações e esperanças.

Com responsabilidade, condução forte e segura, a atual direção da Câmara liderou a criação do auxílio emergencial de R$ 600, da PEC de Guerra e o auxílio aos estados e municípios. Essas conquistas aplacaram parte da destruição causada pela pandemia. Mas as crises sanitária e econômica continuam.

É necessário criar novos consensos para superar a situação dramática que vivemos. Os brasileiros devem ter acesso às soluções da ciência para retomar o crescimento econômico e a redução das desigualdades. Legislativo, Executivo e Judiciário precisam buscar a harmonia, não subjugar o outro.

A Câmara deve defender a Constituição e as liberdades individuais. Combater o extremismo, a discriminação e violência de todas as espécies. Buscar alternativas à perda de renda dos mais pobres enquanto durar a pandemia, sem descuidar das contas públicas.

Os deputados têm mostrado ano após ano estar à altura do seu papel. Não se esquivaram de decisões difíceis. É injusto tentar nivelar o Parlamento por baixo, lhe imputar traições e negociações subalternas. Beira a injúria e desvaloriza os parlamentares e seus mandatos.

O centro democrático e a esquerda democrática constituíram uma frente ampla em defesa da Câmara. Um grupo tão grande, claro, é heterogêneo. Essa é uma de suas virtudes, e não uma fraqueza. Afinal, uma das belezas da democracia é respeitar quem pensa diferente.

A frente ampla é o oposto de sectarismos e de exclusão. É união, concessão e apoio mútuo. As conversas com outros partidos prosseguem. Esperamos receber novos parceiros em breve. A Câmara é de todos e cumprirá sua missão se todos os eleitos exercerem seus mandatos com liberdade, independência e autonomia.

*Baleia Rossi é deputado federal (MDB-SP)


Ricardo Noblat: Rodrigo Maia eleva o tom e chama Bolsonaro de covarde

E o impeachment, hein?

Ou o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) está convencido de que elegerá Baleia Rossi (MDB-SP) para sucedê-lo na presidência da Câmara, e por isso elevou o tom de suas críticas ao governo e a Jair Bolsonaro, ou teme perder a parada, e por isso decidiu ir para o tudo ou nada. A primeira hipótese é a mais provável.

Maia diz estar acostumado a viver sob pressão desde que dividiu o útero de sua mãe com uma irmã gêmea. Ela nasceu primeiro. Ele atrasou-se um pouco. Desde então parece sempre apressado. De mais a mais, não gosta de levar desaforos para casa – e costuma respondê-los de bate pronto.

Bolsonaro está jogando pesado para derrotar Maia, elegendo para o seu lugar o deputado Arthur Lira (PP-AL). Não perde uma ocasião de fustigá-lo, nem Maia deixa passar a ocasião de dar o troco. Foi o que voltou a fazer em defesa do ministro da Saúde de quem, por sinal, não gosta nem um pouco.

A VEJA publicou que Bolsonaro culpa o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, pela perda de popularidade e o atraso na compra e no início da vacinação em massa contra o coronavírus. Maia meteu-se no imbróglio. Em sua conta no Twitter, o deputado chamou Bolsonaro de covarde.

Em seguida, entrevistado pelo apresentador José Luiz Datena, da Rede Bandeirantes de Televisão, Maia reafirmou o que havia postado e justificou-se:

– Chamei, porque quem nomeia os ministros, quem determina a política é o presidente. Se o ministro errou, quem errou foi o presidente. O ministro é um subordinado do presidente. Quando ele quer transferir para o ministro a responsabilidade, é um sinal de covardia total.

Ao Painel, coluna da Folha de S. Paulo, foi além:

– Está na hora de todo mundo colocar de forma clara essa indignação. Não podemos mais aceitar um ministro que não entende de saúde e um presidente irresponsável que nega o vírus. Estamos cansados desse negacionismo e dessa irresponsabilidade. Está na hora de uma reação forte de todos os brasileiros.

Nas redes sociais, Maia não respondeu à pergunta mais insistente que por lá apareceu: estaria disposto a abrir um processo de impeachment contra Bolsonaro a quem culpa por uma parcela das mais de 200 mil mortes provocadas pelo vírus? Maia tem até o último dia deste mês para fazer isso se quiser.


O Estado de S. Paulo: Baleia lança candidatura à presidência da Câmara e prega independência em relação ao Planalto

Deputado tem o apoio do atual presidente da Casa, Rodrigo Maia, e de outros 11 partidos

Anne Warth e Camila Turtelli, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA  – No lançamento oficial de sua campanha à presidência da Câmara, nesta quarta-feira, 6, o deputado Baleia Rossi (MDB-SP) imprimiu um tom de independência em relação ao Palácio do Planalto e escolheu a defesa da vacina contra o coronavírus, aliada à busca de alternativas para o fim do auxílio emergencial, como suas principais bandeiras. A pauta representa a tentativa do candidato do MDB de se aproximar cada vez mais de partidos da oposição, que decidiram compor seu bloco de apoio.

Baleia chegou a dizer que o Congresso poderá até mesmo se reunir em caráter extraordinário, no recesso parlamentar, caso seja preciso votar alguma medida para que a vacina se torne uma realidade. “Por sugestão de vários líderes de nosso bloco, conversei com Rodrigo Maia para que, se necessário for, possa de maneira inédita fazer uma convocação da Câmara com Senado, para, se precisar, votar alguma medida urgente ainda em janeiro. Estamos a postos e o presidente já deu ok”, disse Rossi, em referência a Maia, presidente da Câmara.

A eleição que vai renovar o comando da Câmara e do Senado ocorrerá em 1.° de fevereiro. O principal adversário de Baleia é o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), líder do Centrão. Lira tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro e de dez partidos, que reúnem 203 deputados. Baleia, por sua vez conta com o aval de 11 siglas, que vão de espectros políticos de centro e de esquerda e somam 278 parlamentares. Para ganhar a eleição, o candidato precisa ter votos de 257 dos 513 deputados.

A campanha de Baleia apresentou um vídeo para destacar tudo o que a Câmara fez sob o comando de Maia. “Todo mundo sabe o que foi 2020. Você já parou para pensar o que seria do Brasil na pandemia se a Câmara não fosse livre e independente?”, perguntou um narrador, citando votações importantes na Casa, como a aprovação do auxílio emergencial e a ajuda financeira para Estados e Municípios. Muitas das propostas ali mencionadas ou não tiveram respaldo do Palácio do Planalto ou foram modificadas pela Câmara.

Presidente do MDB, Baleia disse que os partidos do bloco pensam de maneira diferente em algumas pautas, como a participação do Estado na economia, mas estão juntos na defesa da democracia e da Câmara independente. “Vivemos um momento histórico, sim, e vale esse registro porque desde a redemocratização do nosso País não tínhamos a união de partidos que pensam diferente formando uma frente ampla”, argumentou. “Existe um motivo para isso: nós somos o que a sociedade espera. A sociedade quer mais união e compaixão, respeito, igualdade, a sociedade espera a luta por democracia”, afirmou.

Em seu pronunciamento, Baleia também pregou a necessidade de a Câmara debater uma solução para o fim do auxílio emergencial. Foi uma forma de se contrapor ao governo Bolsonaro, que afirmou não ter recursos para mais nada porque o Brasil está “quebrado”. O benefício foi pago a 67,8 milhões de pessoas para a população mais vulnerável, como forma de ajudar no enfrentamento dos efeitos econômicos da pandemia do novo coronavírus. Custou R$ 322 bilhões, mas terminou em 31 de dezembro.

“Parecia que íamos virar o ano e a pandemia ia acabar. Essa não é a realidade. Hoje temos milhões de brasileiros que vão deixar de receber o auxílio emergencial e voltar a ter grandes dificuldades do mais básico, que é ter alimento na sua mesa”, argumentou Baleia. “Entendo que temos de buscar uma solução: ou aumentando o Bolsa Família ou buscando novamente um auxílio emergencial para os mais vulneráveis”.

Sempre ressalvando que a Câmara não pode ser “submissa”, o deputado lembrou a aprovação do Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb) e deu uma estocada indireta em Lira ao dizer que partidos do Centrão obstruíram a votação. “Estamos juntos para fazer as reformas que Brasil precisa”, observou o candidato do MDB, autor da proposta de reforma tributária enviada à Câmara no ano passado. “É importante voltar a olhar a pauta com responsabilidade fiscal, votando reformas”.

Na semana passada, Baleia conquistou o apoio de partidos da oposição, como PT, PDT, PSB, PCdoB e Rede, provocando forte revés à candidatura de Lira e ao Palácio do Planalto. A bancada do PSOL ainda está dividida sobre lançar candidatura própria ou aderir à campanha do candidato do MDB. Até agora, o Solidariedade dá respaldo a Lira, mas ameaça mudar de lado.

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O Estado de S. Paulo: Candidatos 'independentes' ameaçam embaralhar disputa e forçar 2º turno na Câmara

Para ganhar a eleição, o candidato precisa ter a maioria dos votos dos 513 deputados, ou seja 257

Camila Turtelli, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A candidatura de deputados de forma "independente", sem o respaldo de seus partidos, ameaça embaralhar a disputa pela presidência da Câmara, em 1º de fevereiro, e pode levar a decisão para o segundo turno. Além dos dois favoritos, Baleia Rossi (MDB-SP) e Arthur Lira (PP-AL), outros quatro deputados podem entrar no páreo.

Fabio Ramalho (MDB-MG) é um desses candidatos. Ele manteve promessa feita na última eleição e vai concorrer pela segunda vez à presidência da Casa, apesar de o presidente do seu partido, Baleia, ser o indicado no bloco de 11 legendas formado por Rodrigo Maia (DEM-RJ). O grupo reúne 280 parlamentares, mas, como o voto é secreto, as "traições" são comuns nestas disputas.

Para ganhar a eleição, o candidato precisa ter a maioria dos votos dos 513 deputados, ou seja 257. Caso nenhum atinja o número no primeiro turno, é realizada uma nova rodada de votação no mesmo dia, apenas com os dois primeiros colocados.

Em 2019, quando tentou pela primeira vez comandar a Câmara, Ramalho obteve 66 votos e ficou em segundo lugar, atrás do próprio Maia, com 334 votos. Naquele ano, Ramalho também disputou sem o apoio do MDB e tentou conquistar os colegas com um discurso em defesa da classe política e também pelo estômago - ele é conhecido por oferecer refeições em seu gabinete, principalmente durante longas votações. Com a pandemia, trocou a culinária por uma campanha pelo telefone.

Ramalho tem a simpatia de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e, ao longo de 2020, organizou almoços, sempre bem servidos de comida mineira, no Palácio do Planalto, a aliados do governo. Ele acredita que terá mais votos desta vez do que em 2019, mas não se arrisca a dizer de quais partidos devem sair esses apoios.

No bloco de apoio a Lira, que reúne dez legendas e 203 parlamentares, o deputado Capitão Augusto (PL-SP) também segue na disputa como "avulso", apesar de seu partido ter indicado o deputado Marcelo Ramos (PL-AM) como primeiro vice-presidente na chapa do líder do Centrão. Augusto preside a chamada bancada da bala no Congresso, que reúne 304 parlamentares.

"Existe a possibilidade, ainda que remota, de eu conseguir ir para o segundo turno. Lembrando que o voto é secreto e temos quase 300 novos deputados, ficando impossível prever qualquer resultado. Acredito que as bancadas temáticas terão uma força grande nessas eleições", disse. Augusto está em campanha desde o início do ano passado e acredita que terá cerca de 80 votos, abocanhando apoio também da bancada da Bíblia.

Há ainda a possibilidade de o Novo, com oito deputados, lançar um candidato próprio. Em 2019, o novato Marcel Van Hattem (RS) representou a sigla na disputa e obteve 23 votos. O PSOL, com dez parlamentares, também discute se lança um nome independente ou se adere ao bloco de Baleia. A bancada está dividida e tem reunião agendada para o dia 15.

O azarão e Bolsonaro

Em fevereiro de 2005, foi um candidato avulso quem levou o comando da Câmara. O azarão Severino Cavalcanti (PP-PE) foi eleito sem o apoio do seu partido, mas com promessas de elevar salários e em defesa dos deputados.

Na votação do primeiro turno, com o PT rachado, Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), candidato do governo, somou 207 votos; Severino teve 124 votos e Virgílio Guimarães (PT-MG), 117 votos. A eleição teve ainda José Carlos Aleluia (PFL-BA) com 53 votos e o atual presidente da República, Jair Bolsonaro, na época deputado pelo PFL, com apenas 2 votos.

No segundo turno, Severino foi eleito com 300 votos. Mas durou pouco no cargo. Sete meses após assumir e em meio a denúncias de corrupção e nepotismo, ele renunciou para evitar ter o mandato cassado. Severino até tentou voltar à Câmara anos depois, mas não foi eleito. Conseguiu um mandato como prefeito de João Alfredo, no interior de Pernambuco, entre 2009 e 2013. O ex-deputado morreu em julho passado, aos 89 anos.


O Estado de S. Paulo: Receita cobrou de Lira imposto sobre ‘rachadinha’

Candidato à presidência da Câmara foi autuado em R$ 1,9 milhão, em 2009, por não pagar imposto no período em que é acusado pelo MP de operar esquema em Alagoas

Breno Pires e Lorenna Rodrigues, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Candidato do presidente Jair Bolsonaro na disputa pelo comando da Câmara, o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) foi cobrado pela Receita Federal em R$ 1,9 milhão por ter deixado de pagar impostos sobre recursos obtidos no tempo de parlamentar na Assembleia Legislativa de Alagoas. A autuação do Fisco ocorreu em 2009, período em que, segundo o Ministério Público, Lira chefiou um esquema de “rachadinha” no Legislativo estadual. O Conselho Administrativo de Recursos (Carf) confirmou a multa cinco anos depois.

Nas declarações entre 2004 e 2007, Lira omitiu rendimentos por meio do recebimento de depósitos bancários de origem não identificada, não pagou imposto sobre verbas de gabinete que, na visão da Receita, tinham natureza remuneratória e recebeu recursos acima do que a lei e as normas da Assembleia permitiam à época. A Receita avaliou que o deputado teve um “acréscimo patrimonial” e teria de recolher Imposto de Renda sobre esse montante.

O esquema da “rachadinha”, no qual um político fica com parte do salário dos funcionários de seu gabinete, propiciou a Lira um rendimento mensal de R$ 500 mil, quando era deputado em Alagoas, segundo denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República. Autuado pelo Fisco, Lira recorreu ao Carf, mas teve o recurso negado por unanimidade. Decidiu, então, aderir ao Programa Especial de Regularização Tributária (PERT), em 2017, reconhecendo o imposto devido. Atualmente, ele faz o pagamento parcelado.

A assessoria do deputado confirmou a adesão ao programa para regularizar sua situação na Receita. “O contribuinte Arthur César Pereira de Lira aderiu ao PERT e está rigorosamente em dia com o pagamento das respectivas prestações”, disse a assessoria. A Receita, por sua vez, informou que, por força do sigilo fiscal estabelecido pelo Código Tributário Nacional (CTN), não comenta a situação de contribuintes específicos.

O PERT foi criado por Medida Provisória, em 2017, no governo do ex-presidente Michel Temer, para ajudar as empresas em um momento de crise econômica e alavancar a arrecadação federal, que vinha em queda. Ficou ainda mais “generoso” após tramitar no Congresso, que aumentou descontos e flexibilizou condições de pagamento, contando ali com a ajuda do próprio Lira.

Na sessão de votação da MP, em 3 outubro de 2017, quando já havia aderido ao parcelamento, o deputado apresentou emenda para dar 100% de descontos em encargos legais devidos, como honorários advocatícios. O abatimento não existia no texto original.

A bancada do PSOL chegou a encaminhar, no mesmo dia, uma proposta para que deputados e senadores não pudessem renegociar os próprios débitos. Lira votou contra. “Nós entendemos que a medida não tem, absolutamente, critério constitucional”, afirmou o deputado naquela sessão. “(Todos) podem e devem aderir ao REFIS se por acaso tiverem necessidade.”

Confissão

A adesão ao PERT configura confissão irrevogável por parte do contribuinte de que o imposto é devido. Pelo programa, dependendo da modalidade de pagamento escolhida, o desconto chegava a 90% nos juros devidos, a 70% das multas e a 100% dos encargos legais. O pagamento poderia ser parcelado em até 175 vezes.

Na investigação que levou à autuação do deputado, a Receita alegou que Lira aumentou seu patrimônio ao utilizar verbas de gabinete para quitar dívidas pessoais. “Constatou-se que parte dos recursos recebidos a título de verba de gabinete foi utilizada para quitação de empréstimos pessoais”, destacou o Fisco. “Tal aplicação dos recursos é contrária às destinações previstas na Resolução n° 392/95 e configura acréscimo patrimonial.”

A Receita apontou que Lira não conseguiu comprovar a origem de recursos referentes à sua movimentação bancária e à destinação dos recursos recebidos como verba de gabinete. O procedimento tramitou de maneira independente das investigações nas esferas cível e criminal que o deputado enfrenta.


Carlos Melo: O governo Bolsonaro precisaria se reinventar, mas isso é muito improvável

Com saída de Rodrigo Maia do comando da Câmara dos Deputados, presidente perde apoio para agenda reformista

Não há o que inventar: à luz dos dados e das evidências, o País precisa de reformas estruturais para sanear o ambiente de negócios e retomar o desenvolvimento econômico e social. Além disso, urge para políticas públicas capazes de mitigar os efeitos da grande crise, recolocando as pessoas no mundo do trabalho e ampliando seus horizontes no futuro. Bem ou mal, 2020 parece ter convencido parte do Congresso Nacional e dos formadores de opinião a esse respeito; percebeu-se que, ainda que não possa nem deva ser abandonada, a agenda fiscal não basta.

Mas nada é simples: mesmo ciente do óbvio, nos últimos anos o País tem ficado pelo caminho se arrastando de crise em crise. Na pandemia, um tolo maniqueísmo que contrapôs a saúde à economia atropelou a agenda e deixou sequelas na inteligência. Na miséria da política e no auge da indigência intelectual, ao final, nem a saúde nem a economia foram poupadas. Restou o pior de três mundos: quase 200 mil mortes, explosão do gasto fiscal e um extraordinário contingente de desempregados e desalentados, dependentes de mais recursos. 

No Brasil, o óbvio precisa gritar mais alto: a economia depende da política e a política depende da liderança dos agentes, a começar pelo Poder Executivo. Jair Bolsonaro e seu governo, no entanto, precisariam se reinventar; mas a mostra de dois anos de mandato diz que isso é improvável. Não há curva de aprendizado a considerar, o presidente se mantém atado ao fel do ressentimento, ao negacionismo, ao senso comum; sua obsessão é a reeleição. O imperativo da Grande Política também grita, mas o bolsonarismo, desconhecendo o que é, não pode ouvi-lo.

À exceção de parte da imprensa e da opinião pública, a verdade é que, no Congresso Nacional e no meio empresarial, nenhum outro presidente recebeu tantos gestos de indulgência e tolerância. O Parlamento não apenas impediu erros crassos do governo, como melhorou medidas que, ao final, bancaram a popularidade do presidente, como o auxílio emergencial. O corporativismo e os desatinos vieram de Bolsonaro, não do Congresso. Em 2020, não foram armadilhas da oposição que pesaram, mas a ausência de governo.

A não ser por um possível esgotamento da tolerância e da indulgência, não há sinais de que todo o resto possa mudar. Para 2021, as condições gerais tendem a se repetir e o quadro a ficar mais dramático. Ademais, quando as fichas são depositadas no Centrão, qualquer esperança se dissipa: ao Executivo faltam ideias, iniciativa, habilidade; ao Centrão falta interesse para mudar. No melhor cenário, a estratégia será defensiva: diminuição de prejuízos políticos, no máximo a defesa do teto de gastos ou, paradoxalmente, seu desmoronamento em nome da popularidade, sem riscos de responsabilização do presidente.

Arthur Lira (PP-AL), candidato de Bolsonaro, não é liderança que se fez com ideias, princípios e bandeiras econômicas. Ele e seus aliados têm a oferecer apenas aquilo a que o governo pode recompensar. Não se trata de reformas e, provavelmente, sequer maioria no longo prazo – caso a popularidade despenque. O pacote do Centrão se resume à blindagem política e animação eleitoral, não passa por transformações que firam interesses nos grotões e currais eleitorais. Enquanto houver recursos, a voracidade fisiológica não encontrará saciedade. O “depois” fica para as calendas gregas; o compromisso do fisiologismo é sempre imediato e consigo próprio. Outro óbvio.

Também é óbvio que a vitória de Lira não é trivial; neste início de ano, é mesmo incerta. A despeito do poder da máquina federal, um triunfo de Rodrigo Maia, por meio da candidatura de Baleia Rossi (MDB), é bastante plausível. Evidente que o MDB e seu redor tampouco têm intolerância à lactose dos recursos federais. Mas os preços subirão e a relação será mais dura. Sobre Baleia, haverá maior pressão quanto às prerrogativas da Câmara e algum compromisso com a esquerda será inevitável. Mais que Maia, Rossi será cobrado a se posicionar diante de sandices e excessos. Claro que o debate reformista não estará obstruído, mas óbvio que nada se fará sem o cálculo de perdas e ganhos políticos: 2022 já começou e o bloco de Maia não estará do mesmo lado que Bolsonaro; logo o calor reformista da Câmara, na hipótese de favorecer o governo, obviamente, se abrandará. Mais provável é que crises entre Executivo e Legislativo sejam mais corriqueiras e mais tensas, talvez com maiores consequências do que até aqui.

Ao jogar Rodrigo Maia e seu grupo para a banda da oposição, Bolsonaro dispensou o parceiro da agenda que jamais foi capaz de elaborar. Resultado: perdeu apoio reformista e ganhou pressão fisiológica. A insensatez é o seu Norte. Isso sem mencionar o que arde fora do Congresso: o desastre da pandemia, o agravamento da crise econômica, a barafunda da vacina, a pressão de Estados e municípios, a crise social, as “rachadinhas”, os filhos, a ignorância ideológica; o isolamento internacional, a desinteligência com a China, a desafronta de Joe Biden. Óbvios que também gritam alto.

* Cientista político e professor do Insper

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Carlos Andreazza: Pós-Maia

Ele não foi mau presidente da Câmara graças, sobretudo, à escolha pela atividade política

Rodrigo Maia não foi mau presidente da Câmara. Melhor nos últimos dois anos que no biênio anterior, em que vislumbrou nas flechadas de Janot contra Temer a chance de chegar à Presidência da República. Terá amadurecido. Não que precisasse crescer muito. Mais provável sendo que tenha se beneficiado ante a pequenez média dos pares; assim como Mandetta — um Oswaldo Cruz diante do general Pazuello. O estadismo possível no Brasil pazuellizado de Bolsonaro: o por contraste.

Entre o início de 2019 e o fevereiro próximo, Maia terá gerido a pior composição da história do Parlamento, em que a renovação bolsonarista plantou volume sem precedente de desqualificados e delinquentes. Seu maior mérito consistiu mesmo em se ter investido como agente político, trabalhando por meio da política, num período em que a criminalização da política tornou-se grande eleitora. Dessa forma — com respeitável consciência institucional — conseguiu edificar o orçamento de guerra e planear o chão para o auxílio emergencial, sem o qual o país teria se convertido em caos.

Maia não foi mau presidente da Câmara graças, sobretudo, à escolha pela atividade política — que cultivou como instrumento para administrar um Parlamento infiltrado por roedores da democracia representativa. Terá, entretanto, na última hora, posto em xeque seu algum legado, ao projetar o próprio futuro num atentado contra a Constituição: o que lhe garantiria o direito de se reeleger.

Tinha um reino, acreditou que, via Supremo, continuaria a ter — e optou por dividir para imperar. Só que perdeu o reino e ficou com a divisão. Deu chance a Arthur Lira; e madeira aos cupins. Avaliou que, desde um lugar de poder, autorizado à reeleição (mas afirmando não a querer), poderia estimular vários candidatos dentro de seu grupo — apostando num impasse de que ascenderia como solução pacificadora. Negligenciou a tessitura política por meio da qual lideraria — com segurança — a escolha do sucessor. Botou todas as fichas no golpe encomendado por Alcolumbre. Viu a Corte constitucional trair o prometido. E passou a ter de pelejar para que o que era seu não derretesse em anarquia.

O café esfriou. O poder se foi. No instante em que o STF lhe disse não: foi-se. Daí que não mais exista um “grupo de Maia”. Existiria, antes, se tivesse admitido o limite imposto pela lei. Existiria, depois, se a blitz contra a Constituição tivesse prosperado. Não prosperou. Melhor assim. Porque não há Lira ou qualquer outro bolsonarista de aluguel que legitime gambiarra em nome do equilíbrio republicano. E porque não será difícil — na política, com política — derrotar Lira.

Derrotá-lo passa mesmo, necessariamente, pela dissolução da ideia de “grupo de Maia”. Derrotá-lo — o candidato do personalista Bolsonaro — passa pela impessoalidade; por comunicar que se reage, de modo suprapartidário, ao que seria explícita tentativa de o governo interferir para comandar a Câmara. O texto é bom. É preciso trabalhar, porém. Sai de cena o “grupo de Maia”. Mas não Rodrigo Maia.

Sai de cena o “grupo de Maia”, já substituído por um pela independência do Parlamento, mobilizado, diferenças à parte, contra o domínio do Legislativo pelo Planalto. Foi essa a abordagem que costurou o bloco de 11 partidos. Uma rede que abarcaria 281 deputados. Sabe-se, no entanto, que a adesão de siglas não significa que os votos de seus integrantes acompanhem o movimento. Sabe-se também que o governo desdobrou o mapa de cargos para comerciar apoios a Lira. Fala-se num mercado de 500 crachás para que Bolsonaro seja senhor da Câmara. E quem tem ministérios a ofertar nunca será carta fora do baralho — tanto mais em eleição secreta.

O Planalto age. Sua ação ostensiva, contudo, é também a alavanca para o seu revés. Um Parlamento comprado pelo governo — à luz do dia — em troca de apoio a um candidato a presidente da Câmara é prato cheio para a campanha de oposição a Lira. Na verdade, oposição a Bolsonaro.

O bloco pela independência do Legislativo agrega-se por uma bandeira. Fácil de apregoar e altamente competitiva. A ver, como ressalva, se a escolha do nome a encarnar o pacto — é Baleia Rossi, mas poderia ser qualquer outro — será capaz de sustentar a coesão do conjunto. Não se trata de preocupação supérflua. Afinal, a escolha, tendo havido postulantes, significa que houve derrotados; logo, frustrações a pacificar.

Comenta-se que o Planalto quer o Parlamento para desdobrar a tal agenda de costumes. É falso. Isso virou secundário. A base social de Bolsonaro lhe será fiel mesmo não tendo atendidas suas demandas, digamos, culturais. A eleição de Lira é decisiva para o governo porque escancararia a porta para o pleno exercício do populismo econômico que, ao mesmo tempo, amarra a sociedade protetora com o Centrão e robustece a musculatura de Bolsonaro para 2022.

A derradeira avaliação da presidência de Maia dependerá de seu erro não lhe botar esse ônus na conta.


Ricardo Noblat: Tenebrosas transações pavimentam a eleição na Câmara

A Nova Política a pleno vapor

Quem diria que no governo do ex-capitão Jair Bolsonaro a Operação Lava Jato seria largada ao Deus dará, ao sol e à chuva para se desidratar. Largada, não: a palavra certa é esvaziada, nos seus estertores, a um passo de sucumbir.

Afinal, Bolsonaro pegou carona nos feitos da Lava Jato para se eleger presidente da República. Prometeu mundos e fundos para atrair a companhia do ex-juiz Sérgio Moro. E bradou que com ele no poder, o combate à corrupção jamais teria fim.

Há muitas formas de corromper, e nem todas tipificam crimes previstos no Código Penal Brasileiro. Exemplo? O loteamento de cargos no governo em troca de aprovação de matérias do seu interesse no Congresso. O é dando que se recebe.

É natural que partidos identificados com as ideias do governo dele possam participar. Presidente algum governa sozinho. Até ditadores precisam de ajuda para governar. Outra coisa é distribuir cargos no varejo para alcançar determinados fins.

No momento, é o que ocorre com a disputa pela presidência da Câmara dos Deputados. Bolsonaro carece ali de votos para eleger Arthur Lyra (PP-AL), seu candidato à sucessão de Rodrigo Maia (DEM-RJ). Fazer então o quê? Acenar com cargos.

Não está em discussão à vista de todos medidas para atenuar os mais graves problemas do país. Esperar que se discutisse algo ambicioso, um projeto de país pós-pandemia – por que não? -, seria exigir demais dos medíocres personagens em cena.

Tudo se resume a: o presidente da Câmara é quem manda na pauta. É ele quem define o que será votado, como e quando. Pode ser pressionado a pôr em votação o que não quer, mas tem meios e modos para tentar impor sua vontade.

É um cargo-chave para quem governa. Daí porque os presidentes da República procuram manter uma relação amistosa com quem preside a Câmara. Se for um aliado, tanto melhor. Bolsonaro quer um presidente da Câmara servil.

E para isso está disposto a pagar qualquer preço. Liberar o pagamento de emendas parlamentares ao Orçamento da União? Moleza. De resto, é obrigatório. Só que a liberação sairá mais rápida se o autor ou autores da emenda votarem em Lira.

Dir-se-á que os presidentes que antecederam Bolsonaro agiram assim. Mas nenhum deles submeteu-se ao voto popular garantindo que faria o contrário – Bolsonaro submeteu-se. A Velha Política daria vez à Nova, não lembra? Já esqueceu?

É conveniente esquecer como Bolsonaro o fez, como fizeram os generais que o cercam e que sempre mantiveram distância das figurinhas do Congresso encrencadas com a Justiça, mas dispostas a se encrencarem mais se o prêmio compensar.

Há um lote de centenas de cargos a serem repartidos com quem se disponha a apoiar Lira, por sinal um político que responde a processos, assim como boa parte dos seus pares. Cargos para chamar de seus e para facilitar futuras negociatas.

Outra vez, ao povo cabe assistir, bestificado, tenebrosas transações.


Merval Pereira: A traição decidirá

O ex-presidente Tancredo Neves afirmava que voto secreto “dá uma vontade danada de trair”. Nada mais certo quando vemos as traições sendo negociadas à luz do dia, em troca de emendas e cargos. Traições dignas do nome, e traições travestidas de ação política, como os partidos de esquerda que cogitam lançar candidaturas próprias quando sabem que, com isso, estarão selando a vitória do candidato do Palácio do Planalto.

Por isso, quem vai decidir a sucessão na Câmara dos Deputados é a traição, que ocorre sempre nas votações secretas, e não apenas nas eleições congressuais. Na Academia Brasileira de Letras (ABL), por exemplo, há uma taxa histórica de “traição”, o candidato vencedor tem que contar com cinco votos a mais, pelo menos, do que o mínimo necessário.

No caso da Câmara, é tradicional essa taxa de “traição”, mas desta vez ele está sendo negociada abertamente. O PT começou conversando com o candidato do Planalto, deputado Artur Lira, alegando a necessidade de ter um espaço institucional na Mesa Diretora. Lira nega, mas há quem confirme que nessas conversas, até mesmo mudanças na Lei da Ficha Limpa foram abordadas, para favorecer o ex-presidente Lula.

Como a posição ficou esquisita, o PT voltou a se reunir com o grupo do presidente da Câmara Rodrigo Maia, e reivindicou a primeira-vice presidência da Mesa, exigência justa por ser a maior bancada da Câmara. Para valorizar sua posição na negociação, voltou a insinuar que lançará uma candidatura própria. Também o PSOL pensa lançar seu candidato.

PDT, PCdoB e PSB trabalham para que a esquerda esteja unida em apoio a um candidato lançado contra o do Planalto, para garantir a independência em relação a Bolsonaro. A presidência da Câmara está denunciando que o governo está estimulando por baixo do pano uma candidatura de esquerda para enfraquecer o campo adversário.

Claro que se uma bancada de 54 deputados como a do PT lançar seu candidato próprio, sem a menor chance de vencer, estará favorecendo a candidatura do governo, que tem sua base já montada. O PSB teve que tomar uma posição oficial contra o apoio ao candidato do governo, pois havia dissidentes negociando individualmente.

Uma votação de 80 a 0 no diretório nacional decidiu não apoiar o candidato do governo. O deputado Alessandro Molon foi incisivo: “É preciso preservar a independência da Câmara e proteger o Brasil de Bolsonaro”. Se a esquerda se unir em torno do grupo de Rodrigo Maia, a disputa fica parelha. A esquerda, como sempre, é o fiel da balança.

O deputado Molon é o que defende com mais ênfase a união da esquerda, lembrando que uma candidatura isolada não tem a menor chance de ganhar, e pode dar a Artur Lira a chance de vencer no primeiro turno. No momento, há a possibilidade de essa união vingar dentro do grupo, mas o PT continua considerando apresentar um candidato único da esquerda, mas dentro do bloco de Rodrigo Maia, que tem como mais provável candidato o deputado do PMDB Baleia Rossi.

O PT acha que a esquerda, com metade do bloco, tem o direito de indicar o candidato. A decisão deve sair em duas etapas. Na primeira, talvez hoje, a esquerda unida anunciará que faz parte do bloco de Rodrigo Maia com outros seis partidos conservadores. A segunda etapa será a escolha do candidato que una todo esse grupo. Como a eleição é 1º de fevereiro, ainda há tempo de chegar a um consenso, ou melhor, ao candidato que mais agregue apoios no grupo.

Cada disputa para a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado tem sua própria importância, mas esta está revertida de um significado especial, pois o presidente Jair Bolsonaro está empenhado pessoalmente.Toda vez que um presidente da República se mete na disputa interna da Câmara, a chance de ser derrotado é grande. Já deu em Severino Cavalcanti, já deu em Aécio Neves quebrando um acordo com o então PFL, que teve consequências graves para o governo Fernando Henrique.

Desta vez, está em jogo a agenda política do governo, que tem predominância nos temas regressivos de valores da sociedade e do meio-ambiente, em detrimento das reformas estruturais necessárias.


Rosângela Bittar: Depois da meia-noite

Rumo à reeleição, afloram os piores instintos políticos. A busca por adesões excita os currais

Para quem não está entendendo o sucesso da plataforma eleitoral antipovo do candidato Arthur Lira à presidência da Câmara, inclusive com o embarque da esquerda na caravana bolsonarista, aqui vai uma explicação. O deputado alagoano e suas costas quentes exploram muito bem, pois a conhecem profundamente, a oportunidade que o calendário oferece.

O tempo do Congresso se divide em dois. No primeiro, os dois anos iniciais do mandato, procuram-se realizar os avanços e as reformas. No segundo biênio, o bom senso dá lugar ao vale-tudo da renovação dos mandatos. Quando coincide com a campanha da reeleição também do presidente da República, a confluência de interesses chega ao paroxismo. É o que está se vendo neste momento.

Deputados e senadores só pensam em poder, emendas e cargos que os ajudem eleitoralmente. No Senado, os prazos são outros, pois o mandato é de oito anos, mas a essência é a mesma.

O ex-deputado e ex-ministro Roberto Brant, com sabedoria mineira, costumava comparar o que ali se passava com as diferentes etapas de uma festa: até a metade, os convidados mantêm a compostura e a elegância, conservam o glamour das novas ideias que trouxeram de casa. Mas, ao bater a meia-noite, tendem ao desespero. Jogam para o ar o que tinham de melhor e partem para o uso e o abuso.

Rumo à reeleição, afloram os piores instintos políticos. A busca por adesões excita os currais. Principalmente se quem vai exercer o poder o faz em nome do presidente da República.

Avanços políticos, alguns verdadeiramente civilizatórios, como foi a extinção do imposto sindical, voltam à mesa de negociação com cínica naturalidade. Celebrado no passado como novo sindicalismo, tal como Jair Bolsonaro foi celebrado como nova política, o malfadado imposto foi reprovado com amplo apoio popular. Para os que dele viviam, os chamados pelegos, a extinção teria sido a razão do enfraquecimento dos sindicatos. Raciocínio que é uma impostura. Sem ele, os sindicatos ganharam autenticidade. Ao associar-se ao projeto, a esquerda atinge o trabalhador em uma de suas mais difíceis conquistas.

Na cabala de votos, sobretudo do PT, o candidato bolsonarista se solidariza também com o período do uso da Petrobrás na montagem de um extenso esquema de corrupção. Acena com a facilitação da volta da candidatura Lula por intermédio da desmoralização da Operação Lava Jato, já abalada por certos equívocos dos principais condutores das investigações. Momento em que os extremos se encontram. Todos deliram na mesma farra eleitoral embora saibam que, Lula, candidato, nunca mais.

Incluiu-se na barganha temática um tranco na Lei da Ficha Limpa, outro avanço com apoio popular prestes a ser perdido. O candidato bolsonarista promete atenuar a lei, quem sabe, abrindo uma janela de fuga. As lacunas são conhecidas, entre elas uma das piores é o poder de juízes locais de fustigar os inimigos políticos com um peteleco jurídico, mas não é nesta circunstância que a discussão será justa e eficiente.

De posse da chave do cofre do governo nesta campanha, o candidato bolsonarista à presidência da Câmara promete reabastecê-lo de recursos, com a aprovação da também defenestrada CPMF. Uma regressão em proporções nunca vistas, camuflada pela infamante versão de que o único obstáculo ao absurdo imposto sobre transações era um capricho do atual presidente da Câmara. O fantasma da meia-noite da virada do mandato vestiu, com isso, sua máscara. A Câmara inteira era aliada da sociedade, contra o imposto. Não se sabe como será agora.

Se ficar a serviço deste projeto de poder, o Congresso deixa de ser proteção para ser ameaça. Pode-se prever o quadro de desequilíbrio que vem por aí. A economia, mal; a recuperação, incerta; o desemprego, subindo; o isolamento internacional, absoluto; o Congresso, servil. Para a sociedade, perplexa, nega-se até a vacina contra a morte.


O Estado de S. Paulo: Disputa pela Câmara já divide grupo ligado a Maia

Após STF barrar reeleição, siglas discutem nomes de candidatos, e Planalto entra na sucessão no Congresso; líderes querem evitar que um partido controle as duas Casas

Camila Turtelli, Daniel Weterman e Jussara Soares, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Uma disputa interna ameaça desidratar o bloco de aliados do presidente da CâmaraRodrigo Maia (DEM-RJ), para a eleição da cúpula do Congresso, em fevereiro de 2021. Desde domingo, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu barrar a possibilidade de recondução de Maia ao comando da Câmara e de Davi Alcolumbre (DEM-AP) à presidência do Senado, as negociações entre os partidos se intensificaram e o Palácio do Planalto entrou no jogo com mais “tinta na caneta”. Agora, o vice-presidente da Câmara Marcos Pereira (Republicanos-SP), ameaça sair do grupo de Maia e lançar candidatura avulsa, abrindo um racha no bloco.

Pereira está insatisfeito com o que considera predileção de Maia por outros pré-candidatos à sucessão na Câmara, como os deputados Baleia Rossi (MDB-SP) e Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB). “Não aceito entrar em jogo jogado”, disse ele ao Estadão/Broadcast. Bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, Pereira preside o Republicanos e está sendo cortejado pelo deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), rival de Maia e pré-candidato à presidência da Câmara. Chefe do Centrão, Lira conta com o apoio do Palácio do Planalto.

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A reportagem apurou que na negociação para que Pereira apoie Lira entrou até mesmo a oferta de um ministério. O vice-presidente da Câmara foi ministro da Indústria e Comércio Exterior no governo de Michel Temer, mas negou que tenha sido convidado novamente para ocupar uma cadeira na Esplanada. “Não procede”, disse. Na semana passada, um dos quadros evangélicos do Republicanos no Maranhão ganhou a presidência da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

A ideia de Maia é lançar um candidato com apoio de um bloco formado por DEM, MDB, PSDB, Cidadania, além do Republicanos, PSL, PROS e partidos de oposição. Se todas essas legendas estivessem unidas, o bloco do presidente da Câmara reuniria aproximadamente 300 dos 513 deputados para enfrentar Lira e o Centrão. O problema é que, além de divergências entre os que já acompanham Maia há algum tempo, a esquerda também está dividida. 

Com cerca de 130 votos, siglas como PT, PDT, PSB, PSOL e PCdoB são hoje consideradas como “fiel da balança” na eleição da Câmara. O PT e o PSB estão rachados e alegam que precisam saber quem será o candidato de Maia. Negociam, ainda, cargos em comissões e na Mesa Diretora, além de emendas ao Orçamento.

Antes do racha, o grupo de Maia havia acertado que a escolha do candidato do bloco à presidência da Câmara seria feita até o dia 15. Além de Pereira, que ameaça sair do grupo, estão nessa lista os deputados Baleia Rossi (MDB-SP), Elmar Nascimento (DEM-BA), Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-AL) e Luciano Bivar (PSL-PE). Ribeiro é do mesmo partido de Lira e sua eventual entrada no páreo poderia provocar outra crise política.

Maia não quis se manifestar sobre as defecções no grupo. Seus interlocutores, porém, disseram que já fazem as planilhas com previsão de quantos votos o bloco terá sem contar com a participação de Pereira. 

Mesmo partido

Como se não bastassem as disputas internas, há também mais um impasse: líderes de partidos da Câmara e do Senado tentam evitar que os comandos das duas Casas fiquem mais uma vez nas mãos de um mesmo partido. Atualmente, o DEM tem a presidência da Câmara e do Senado. 

A ideia, agora, é construir uma “solução casada”. Isso significa que, para o MDB conseguir o apoio de outras legendas a um candidato à sucessão de Alcolumbre no Senado, o deputado Baleia Rossi, que comanda o partido e é um dos cotados para presidir a Câmara, deve abrir mão da disputa.

Fora do jogo por determinação do Supremo, Alcolumbre é apontado como forte cabo eleitoral. O presidente do Senado dava como favas contadas que a Corte avalizaria sua entrada na eleição, embora a Constituição proíba a recondução na mesma legislatura. A solução jurídica estava acertada entre a maioria dos magistrados, mas a pressão da opinião pública pesou para a mudança.

Com 13 integrantes, o MDB vai reivindicar a presidência do Senado por ser a maior bancada. Os líderes do governo no Congresso, Eduardo Gomes (TO), e no Senado, Fernando Bezerra Coelho (PE), são citados para a vaga por auxiliares do presidente Jair Bolsonaro. O líder da bancada do MDB, Eduardo Braga (AM), também é pré-candidato a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Simone Tebet (MS), se apresentou para a disputa interna no partido.

Líder do DEM no Senado, Rodrigo Pacheco (MG) entrou na “lista” de Alcolumbre. Pacheco pretende se apresentar com um perfil independente. “Vamos encontrar um caminho que seja bom para o Senado e para o País”, afirmou. Na tarde de ontem, ele foi recebido por Bolsonaro para uma audiência no Planalto. Oficialmente, o encontro foi para tratar do nível da represa de Furnas, em Minas.

Segunda bancada no Senado, com 12 integrantes, o PSD também se movimenta para lançar candidatura no Senado. O líder da bancada, Otto Alencar (BA), e os senadores Antonio Anastasia (MG) e Nelsinho Trad (MS) são apontados como possíveis nomes. No PSDB, Tasso Jereissati (CE) é visto como “terceira via”, mas ainda não entrou no páreo. Correm por fora, na outra ponta, os senadores Major Olímpio (PSL-SP) e Álvaro Dias (Podemos-PR), que fazem oposição a Alcolumbre.