Bolsonaro
Fernando Abrucio: O que está em jogo é o silêncio da Câmara
Eleição para a Mesa da Câmara definirá se teremos efetiva separação entre os Poderes ou cooptação de um dos pilares da democracia pelo bolsonarismo
Dois mil e vinte e um já começou, mas o ano político se inicia em 1º de fevereiro, quando forem eleitos os presidentes da Câmara e do Senado. Ambas as Casas são muito importantes para o equilíbrio democrático do país, realizando a dupla tarefa de tomar as decisões últimas sobre as legislações nacionais e de gerar contrapesos ao Executivo. Mas a disputa entre os deputados terá um efeito mais forte no cenário político porque é na Câmara se reside a esperança tanto do presidente Bolsonaro como daqueles que desejam um Congresso mais independente. O resultado desse pleito definirá se haverá uma efetiva separação de Poderes ou a cooptação de um dos sustentáculos da democracia pelo Palácio do Planalto.
Cinco fatores explicam a maior relevância política da eleição para presidente da Câmara. A primeira é que o Senado, mesmo que eleja alguém razoavelmente alinhado ao Executivo, tem uma configuração que lhe garante maior independência. Algumas razões estruturais explicam esse comportamento senatorial. Os senadores, em geral, pretendem representar o conjunto de seus Estados, o que lhes leva a ter maior parcimônia decisória, tornando-os menos vinculados a uma temática ou à pressão de um único grupo de interesse.
Além disso, são menos suscetíveis ao fisiologismo do varejo que os deputados, porque normalmente têm uma posição política mais forte, advinda de sua trajetória com experiência em vários postos públicos - alguns são ex-governadores, foram ministros e até presidente da República -, o que se soma à aquisição de um mandato maior, de oito anos.
Há, ademais, questões conjunturais que afetam a configuração política do Senado. Se forem somados os integrantes o grupo intitulado Muda Senado com os membros dos partidos mais de centro-esquerda, chega-se a um número de cerca de 30 senadores, ou um pouco mais, contingente capaz de evitar qualquer agenda mais extremista do presidente Bolsonaro. Basta lembrar o caso do projeto de regulamentação do Fundeb que foi aprovado inicialmente pela Câmara, cujo objetivo era direcionar recursos da educação pública para igrejas, e que em apenas um dia foi rechaçado pelos senadores. Além desse episódio, a rejeição da indicação de um embaixador muito ligado ao ministro da Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o mais ideológico do governo, realçou a independência da Casa.
Em resumo, no Senado não haverá espaço para a agenda populista de extrema-direita do bolsonarismo-raiz, bem como há um sentimento de autoproteção institucional mais forte. A Câmara é a arena legislativa onde o presidente Bolsonaro pode reduzir parte do contrapeso democrático que o Congresso Nacional deve, constitucionalmente, exercer sobre o Poder Executivo.
Desse modo, o que explica a relevância da eleição na Câmara é ela ser o ramo legislativo em que o Executivo tem mais capacidade de exercer seu poder sobre a carreira política de seus componentes. Os instrumentos de cooptação são variados: cargos, verbas, imagens junto com o presidente da República que demonstrem prestígio político, entre outros, são moedas de troca pelo apoio ao governo. Todos os deputados podem, em algum grau, ser seduzidos por esses agrados, mas há um grupo que se destaca nesta relação simbiótica: os vinculados historicamente ao chamado Centrão, nomenclatura criada ainda no período Sarney.
O Centrão não tem um tamanho único ao longo dos mandatos presidenciais, variando conforme a dança proposta pelo Executivo e de acordo com os humores da sociedade. Assim, esse grupo aceita apoiar o Executivo em troca de benesses, mas só fica fiel no relacionamento enquanto o presidente tiver popularidade suficiente para reduzir o desgaste derivado do fisiologismo desbragado. De todo modo, seu núcleo duro tem sido composto por cerca de 200 deputados, número insuficiente para aprovar uma ampla agenda legislativa, mas grande o bastante para proteger o presidente e para garantir que a agenda presidencial seja no mínimo discutida pela Câmara. É nesse time que Bolsonaro hoje se apoia, embora no passado o chamasse, pejorativamente, de “velha política”.
Para Bolsonaro, ganhar a eleição na Câmara é fortalecer o Centrão e, consequentemente, dar poder ao grupo que mais depende das benesses do Executivo para sobreviver. Eis aí, em síntese, o segundo fator que explica a relevância desta disputa pelo comando dos deputados: está em jogo se haverá uma Câmara mais ou menos subserviente ao Executivo. Negar isso é como acreditar que a Terra é plana e que as vacinas contra a Covid-19 vão transformar pessoas em jacaré.
Muitos podem retrucar dizendo que vários deputados que não apoiam Arthur Lira, o candidato oficial de Bolsonaro, têm cargos no governo, tiveram a execução acelerada de suas emendas parlamentares e votaram muitas vezes com o Executivo, em especial em agendas econômicas mais liberais, embora o presidente tenha comemorado mais a aprovação do novo Código Nacional de Trânsito do que qualquer reforma econômica. Mas há uma sutileza aqui que define o aspecto central da gestão de Rodrigo Maia na Câmara, presente agora na candidatura oposta ao bolsonarismo: o Legislativo foi ciente de sua independência, o que gerou uma postura aberta ao diálogo com a sociedade em sua pluralidade.
É isto que, como terceiro motivo, está em jogo na eleição da Câmara: a sua abertura para ouvir e levar em conta as demandas de diversos atores sociais. O grande Ulysses Guimarães, um dos principais responsáveis pela volta do Brasil à democracia, defendia que o Parlamento deveria ser uma caixa de ressonância da sociedade. Foi isso que aconteceu quando a Câmara aprovou um auxílio emergencial maior do que o proposto pelo presidente da República, ao definir ações na saúde mais condizentes com as prescrições científicas e ao defender a federação nas brigas de Bolsonaro com os governadores.
A eleição de um candidato vinculado a Bolsonaro vai ter o efeito inverso. Os cooptados pelo Executivo governarão a Câmara, de modo que, condizente com o jogo fisiológico, estarão mais preocupados em beneficiar seus currais eleitorais do que em ouvir, por exemplo, a comunidade científica ou instituições de defesa dos direitos humanos. Quando esse grupo do Centrão faz acenos ao mercado ou a outras instâncias mais gerais, trata-se de puro jogo de cena. A prova dos nove é que só receberam o apoio do Executivo, com a consequente promessa de mais cargos e verbas, porque se ganharem deixarão de fiscalizar as políticas públicas, facilitando o caminho das medidas atuais, como o Plano Nacional de Imunização, que está mais para um “Plano Nacional de Improvisação”.
Para os que se preocupam com o futuro da economia, das empresas e do emprego no Brasil, passar o comando da Câmara a “estadistas de província” é o primeiro passo para que o desgoverno reinante vigore sem contrapesos até 2022.
Uma possível vitória de Arthur Lira, na verdade, corresponde à contraposição entre a agenda bolsonarista, que ignora aspectos técnicos das políticas públicas e está mais preocupada em defender valores do que em produzir resultados, e uma agenda que possa sofrer a interferência da sociedade. Nos dois últimos anos, a propostas legislativas mais importantes foram aprovadas com pouquíssima influência positiva do Poder Executivo, inclusive a reforma da Previdência, que só foi piorada pela interferência do Palácio do Planalto, em nome da defesa de interesses corporativos. Embora o Ministério da Economia tenha enviado algumas PECs ao Congresso Nacional, a mobilização pessoal do presidente da República em torno delas é quase zero. Alguém acredita que Arthur Lira o convencerá a participar mais ativamente da mobilização da base governista em prol dessas mudanças legislativas reformistas?
É preciso deixar bem claro que o centro das preocupações legislativas de Bolsonaro está em duas questões: a discussão de projetos vinculados à defesa de valores do conservadorismo bolsonarista, como o “homeschooling” ou o porte de armas, e a autoproteção do presidente e de sua família. Todo o restante da agenda é para enganar a plateia. Isso porque Bolsonaro só pensa na eleição de 2022, por meio de uma estratégia eleitoral que evita qualquer desgaste por meio de reformas. Suas metas são barrar qualquer tentativa de impeachment ou punição aos filhos e estabelecer-se como o defensor do conservadorismo moral brasileiro.
Portanto, a importância da eleição da Câmara está, em quarto lugar, vinculada à seguinte pergunta: os deputados vão se pautar pela agenda legislativa que se combina com a estratégia eleitoral e de sobrevivência política dos Bolsonaro, ou vão se guiar por um programa de atuação autônoma que pense em como garantir que o país não afunde mais nos próximos dois anos?
Dessa pergunta deriva um último fator que realça a importância da votação entre os deputados e que deveria estar na cabeça de cada um deles na hora de sua escolha: votem pensando nos 200 mil mortos pela Covid-19, naqueles milhões que estão sem emprego, nas empresas que fecharam, na enorme desigualdade social do país. Isso será muito mais relevante para suas reeleições e para o futuro do Brasil do que seguir um presidente negacionista e isolado pelo mundo que lhes dará cargos e benesses estatais em nome do silêncio.
*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas.
César Felício: Sinais de alerta
Ao se olhar para o futuro, é bom recordar as lições de 1984
Poucos homens públicos personificaram a elite nacional como Jorge Bornhausen. Aos 83 anos, o ex-governador de Santa Catarina, ex-presidente do PDS, partido de sustentação do regime militar, ex-ministro nos governos Sarney e Collor e dirigente máximo do PFL até o início dos anos 2000 continua frequentando círculos políticos e empresariais em São Paulo. Tenta, na medida de suas forças, lançar um alerta em relação a 2022: para se articular uma alternativa a Bolsonaro fora do espectro da esquerda, é preciso conversar sem pretensões presidenciais colocadas.
Bornhausen votou em Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais de 2018, movido por sua repulsa ao PT, nada mais do que isso. Afirma que não tinha ilusão alguma. “Não podia esperar muito de alguém que fez a apologia do coronel Ustra ao votar o impeachment de Dilma Rousseff”, afirmou, se referindo ao militar que comandou o DOI-Codi paulista nos anos 70 e se envolveu em diversos episódios de tortura a presos políticos.
Ele é taxativo: o presidente da República não tem equilíbrio mental, nem capacidade e nem competência para o cargo. Suas declarações recentes sobre o processo político nos Estados Unidos e seu comportamento relacionado à covid-19 reforçaram esta impressão. O saldo administrativo lhe parece desastroso.
No entanto, nada leva a crer que Bolsonaro não conclua o mandato, mesmo com a incapacidade do governo de governar. A pandemia, que ultrapassou ontem a marca dos 200 mil mortos, conspira a favor da permanência. “Política não se faz sem reunir as pessoas”, comenta Bornhausen, referindo-se tanto às ruas quanto aos gabinetes em Brasília. O agravamento da doença constrange a mobilização dos opositores do presidente, mas não a de seus aliados.
A possível vitória do deputado Arthur Lira à presidência da Câmara poderá ter efeito análogo à de Aldo Rebelo contra José Thomaz Nonô em 2005, ocasião em que, com aquela escolha, ficou sepultada a possibilidade de um impeachment contra o presidente da República de então, Luiz Inácio Lula da Silva. “A aliança do Bolsonaro no Congresso ocorreu na prisão de seu comparsa, Fabrício Queiroz. Bolsonaro quer evitar as possibilidades de impedimento futuro e a eleição na Câmara vai ser um fator explicativo para a sociedade. Trata-se de uma união entre especialistas em rachadinha”, comenta.
Neste quadro, a maior liderança da oposição fora da esquerda, o governador de São Paulo João Doria, não tem tido respostas na opinião pública ao seu sucesso no combate à emergência na saúde. Doria tem 10,8 milhões de doses disponíveis ou para envase da vacina contra a covid. Bolsonaro, de seu lado, tem zero. Desdenha da vacina como a raposa das uvas. A impopularidade do governador tucano, contudo, é um fato.
“O momento exige romper a tradição personalista que marca o Brasil. A experiência da Aliança Democrática de 1984 poderia ser aproveitada. Ali partiu-se primeiro de um princípio, depois dos nomes”, diz, relembrando um instante em que foi protagonista.
Em 1984, no processo de sucessão indireta do então presidente João Figueiredo, a dissidência do PDS, à qual Bornhausen veio a se somar, tinha presidenciáveis fortes, como o então vice-presidente Aureliano Chaves. O PMDB, maior sigla da oposição, tinha como referência política o presidente da sigla, Ulysses Guimarães, e como referência eleitoral o governador de São Paulo, Franco Montoro. Os dois lados se uniram, contudo, para forjar a eleição do governador mineiro Tancredo Neves, o nome que mais compunha.
“O governador Doria parece aceitar a ideia de reunir agremiações em torno de um projeto, disposto a concorrer e disposto a abrir mão. O nome, pode ser Luciano Huck. Ou o governador gaúcho Eduardo Leite. Ou o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta”, comenta Bornhausen.
Ciro Gomes, que foi seu candidato a presidente em 2002, também entraria no jogo se assumir compromissos em comum com este campo. Moro não, na visão de Bornhausen, por não demonstrar apetite para a política. Ele vê um arco partidário possível para essa reedição da Aliança Democrática que abarca PSDB, MDB, DEM, Cidadania, Podemos, PSD e Republicanos. Os dois últimos, curiosamente, hoje estão muito associados ao bolsonarismo.
O fio condutor entre Donald Trump e Jair Bolsonaro não é a conduta lunática de seus adoradores, o fanatismo religioso de conveniência, o anticomunismo e a construção de narrativas mentirosas nas redes sociais, ao sabor dos ressentimentos provocados pelas transformações sociais.
O que une os dois líderes, nesse momento, é o populismo, em um dos traços mais marcantes já catalogados por esse modo de se fazer política: o anti-institucionalismo. Trata-se do apelo às massas para que sejam rompidos todos os mecanismos formais de mediação social. Nem Congresso, nem o Judiciário, nem partidos, nem entidades de classe, imprensa, nem absolutamente nada resta em pé no caminho.
De um lado estará o povo, movido pelo seu único intérprete, e também o impulsionando: o formidável demagogo, que incorpora em si o sentimento legítimo da nação, que é o que emana das ruas. Do outro lado, estão os inimigos. Não são adversários, são inimigos. São as instituições, o establishment, os que não carregam a pátria no coração, os que não pertencem, os que não são.
Parece fascismo? Parece. Mas é populismo. Ao arengar as massas, antes da invasão do Capitólio, Trump se desnudou de maneira didática. Não é razoável pensar que ele tencionasse impedir a posse de Biden com o desvario de anteontem. A mensagem é para 2024. Será acima das instituições que tentará se manter no jogo. “Trump se enfraquece dentro do Partido Republicano, mas não como movimento. Neste sentido, pode ser que se reorganize fora do partido”, comentou Carlos Poggio, professor de relações internacionais da PUC-SP.
Desde os quartéis, Bolsonaro escarneceu da autoridade, jogou para a plateia e estabeleceu divisões irreconciliáveis. Poggio frisa que Bolsonaro foi o único líder a bancar a narrativa de Trump de que houve fraude na eleição dos EUA. “Não há outro sentido nessa postura que não seja o de fortalecer uma posição doméstica”, disse. Bolsonaro há tempos desacredita o processo democrático, inclusive a própria eleição que venceu. A literatura sugere que estrondo e fúria não garantem permanência de populistas, como o exemplo de Trump sugere. Mas a institucionalidade é mais fluida no Brasil. Cabe o sinal de alerta.
Fernando Dantas: E se acontecer no Brasil?
Para cientista político Octavio Amorim, invasão do Capitólio reforça que centrodireita e militares têm papel fundamental para evitar que Bolsonaro atente contra a democracia nos próximos dois anos. Mas para derrotar Bolsonaro nas urnas, o dever de casa principal está com a esquerda
A invasão ontem do Capitólio por uma horda de extremistas, atiçada pelo presidente derrotado Donald Trump, trouxe de imediato o temor de que fatos semelhantes, ou até piores, possam ocorrer no Brasil em 2022, caso de Bolsonaro seja batido nas urnas.
Após o tumulto em Washington DC, Bolsonaro voltou a lançar suspeitas completamente infundadas sobre a eleição nos Estados Unidos e sobre o sistema eleitoral brasileiro.
Para o cientista político Octavio Amorim Neto, da Ebape-FGV, o risco é real: “Se uma democracia tradicional e antiga com os Estados Unidos podem passar por isso, imagina a nossa no Brasil, que tem 35 anos – está claro que bravatas presidenciais podem ter consequências radicais e deletérias para a democracia”.
Por outro lado, ele nota, “a ideia da necessidade de defender a democracia do extremismo de extrema-direita se fortalece no mundo inteiro com a invasão do Capitólio”.
Amorim cita editoriais da The Economist e do Financial Times, bíblias do establishment global, de ontem para hoje, com esse teor.
Mesmo aliados importantes de Trump, como o seu vice, Mike Pence, e o líder no Senado, Mitch McConnell, se distanciaram como puderam do episódio de ontem, condenando fortemente os invasores e contribuindo para que a certificação de Joe Biden como próximo presidente dos Estados Unidos ocorresse hoje com tranquilidade no Congresso.
O caos de ontem fez com que vários membros republicanos do Congresso que sinalizavam votar contra os resultados da eleição no Arizona e na Pennsylvania mudassem de posição. Ao final, a vitória de Biden foi confirmada por maciça maioria.
Amorim Neto lembra também da carta aberta, do início de janeiro, exortando as forças armadas norte-americanas a não se envolverem nas tentativas desesperadas de Trump de invalidar a eleição. O documento foi assinado pelos dez ex-secretários de Defesa ainda vivos, incluindo dois que serviram ao próprio Trump. A iniciativa foi coordenada pelo arquiconservador Dick Cheney, que serviu ao presidente George W. Bush.
No Brasil, essa ficha global que caiu, da necessidade de a direita que se pretende decente desembarcar definitivamente do trem do populismo de extrema-direita, pode ter efeito até na eleição para presidência da Câmara, na visão do analista.
O temor do risco à democracia representado pelo extremismo de direita poderia trazer mais alguns votos de centro-direita para a candidatura do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que disputa a presidência da Câmara com Arthur Lira (PP-AL), apoiado por Bolsonaro.
“Os políticos têm que analisar seriamente esse tipo de decisão, é hora de deixar de lado o cálculo individualista e a política do varejo, e pensar de forma mais ampla em qual candidatura fortalece o regime democrático no Brasil”, diz o cientista político.
Segundo Amorim Neto, “a bola está com a centro-direita e o Exército”, em termos de conter as ações antidemocráticas de Bolsonaro nos dois anos que lhe restam de governo. Na sua visão, são esses dois atores que mais têm o poder de subtrair do atual presidente a capacidade da atentar contra a democracia.
O cientista político diz que é difícil traçar a linha entre direita e centro-direita hoje em dia, com atores políticos em constante mudança (como João Doria). Mas a frase acima, sobre o papel da centro-direita, abarca, na sua definição, todos aqueles do centro à direita que não fazem parte do grupo extremista que apoia Bolsonaro de forma incondicional.
O papel do Exército também é fundamental. Amorim Neto observa que, em entrevista hoje à BBC sobre a invasão do Capitólio, o célebre cientista político norte-americano Steve Levitsky, autor do recente bestseller “Como as Democracias Morrem”, declarou que o “autogolpe” de Trump só fracassou por não ter apoio dos militares.
Um complicador adicional no caso brasileiro – e também americano, de certa forma – é o cultivo constante que Bolsonaro faz das forças policiais, especialmente da PM, a cujas formaturas o presidente comparece o mais que pode.
Embora em última instância o poder armado superior esteja com os militares, a capacidade de forças policiais, mobilizadas em favor de um presidente, de facilitar e até alimentar movimentos revoltosos não deve ser subestimada. Há uma especulação, inclusive, de que certa leniência da polícia diante dos invasores do Congresso americano poderia estar ligada à simpatia por Trump de grande número dos policiais envolvidos.
Amorim Neto nota que, durante a campanha presidencial, uma associação policial dos Estados Unidos chegou a apoiar Trump, o que deveria ser um ato impensável, a seu ver.
Mas o cientista político acrescenta que, se, em termos de refrear as ações autoritárias de Bolsonaro até 2022, “a bola está com a centro-direita e os militares”, em termos de derrotar o atual presidente na próxima eleição, “a bola está com a esquerda”.
Para ele, “se a esquerda continuar no seu gueto, lançar um candidato como Lula e fazer uma campanha radical, estará ajudando Bolsonaro a se reeleger, caso o presidente sobreviva ao dificílimo ano de 2021 e chegue competitivo a 2022”.
Segundo Amorim Neto, “a esquerda precisa ter sabedoria, se unir, e pensar seriamente em apoiar um candidato de centro em 2022”.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 7/1/2021, quinta-feira.
El País: Brasil chega a 200.000 mortes na pandemia com SUS sob pressão
País enfrenta um cenário difícil com doença mais uniforme entre as regiões enquanto a estratégia de vacinação segue imersa em dúvidas. Atrasos em testes e na atualização de prontuários turvam análise
Beatriz Jucá e Jorge Galindo, El País
O Brasil supera a dura marca de 200.000 mortes pela covid-19 em sua contagem oficial com um cenário nebuloso pela frente. O país está prestes a entrar na sazonalidade que favorece a circulação de vírus respiratórios e espera um repique pelas aglomerações das festas de fim de ano enquanto se vê imerso em uma série de obstáculos para iniciar a vacinação e ainda não tem uma política efetiva para frear os contágios mesmo com a iminência de uma variante do coronavírus mais transmissível. É neste cenário que o país conta, nesta quinta-feira, 200.498 mortes por coronavírus durante a pandemia e 7,96 milhões de casos ―mais de 87.000 deles registrados nas últimas 24 horas, um pico. Se no início da crise sanitária algumas regiões emanavam maior preocupação no país continental, a situação agora é grave nas mais diversas regiões. Nos últimos meses, o Brasil viu o vírus se espalhar pelo seu território de forma mais uniforme e agravar, por exemplo, a situação em regiões ao sul, que inicialmente tinham mais fôlego pela baixa concentração de casos e agora sofrem com seus sistemas de saúde abarrotados.
Depois de atingir os primeiros 100.000 mortos oficiais pela covid-19, em agosto, o Brasil não registrou picos agudos de mortes por covid-19 como nos primeiros meses da crise. A estratégia brasileira focou basicamente em uma gestão de leitos por prefeitos e governadores, que decidiam ampliar ou reduzir as medidas restritivas frequentemente conforme os dados locais. Em geral, só iniciativas pontuais de restrição circulação foram novamente impostas de agosto para cá, algumas delas só com a intervenção da Justiça, como em Manaus. Medidas para rastrear casos e de fato tentar frear os contágios não foram implementadas como uma política pública robusta. As mortes por covid-19 foram distribuídas em um espaço maior de tempo, mas o Brasil nunca chegou a conseguir controlar de fato a pandemia. Foram mais de 200.000 mortes registradas oficialmente desde março, data do primeiro óbito. Cerca de metade delas a cada cinco meses de pandemia no país.
Mas a perda humana de uma das maiores crises sanitárias pode ser ainda maior. O excesso de mortes já havia ultrapassado 200.000 em relação à média de anos anteriores em meados de novembro, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass). Além disso, o sistema do Governo Federal que registra hospitalizações e mortes por covid-19, o Sivep-Gripe, indicava nesta quarta-feira, dia 6, as cifras de 187.800 óbitos confirmados e outras 80.000 mortes por síndrome respiratória aguda grave (uma complicação da covid-19 e de outras síndromes gripais) não especificadas, nas quais podem estar incluídos casos de coronavírus não registrados por exame por motivos que vão de problemas da coleta à dificuldades de detecção pelo teste laboratorial. A Vital Strategies —uma organização global composta por especialistas e pesquisadores com atuação junto a Governos— já alertou sobre a possibilidade de casos omissos sob a justificativa de que a OMS determina que casos em que os pacientes apresentaram três ou mais sintomas clínicos de covid-19 deveriam ser diagnosticados como suspeitos. O Ministério da Saúde tem dito que os casos são revisados e só depois incluídos no sistema de monitoramento.
Soma-se a isso a demora nas notificações e o represamento de dados que pesquisadores brasileiros têm ressaltado neste momento, quando a demanda por internação hospitalar de infectados pelo coronavírus voltou a crescer em diversos Estados. Isso porque, com a base de atendimento lotada, as fichas demoram a ser preenchidas e notificadas no sistema federal, atrasando a cadeia de dados. O cenário ainda é influenciado pelo represamento durante os feriados de fim de ano, quando tanto laboratórios quanto hospitais atuaram com equipes reduzidas, em regime de plantão.
Pandemia interiorizada
Se antes havia uma ampla concentração nas populosas capitais e cidades metropolitanas, o interior do país já está marcado pelo avanço do vírus e enfrenta a pandemia com sistemas de saúde mais frágeis. O mais recente boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, com dados até o dia 26 de dezembro, mostra que 56% das novas mortes por covid-19 na referida semana já se concentravam em cidades do interior. Esta interiorização da mortalidade é observada desde setembro, quando a concentração de mortes começou a se equiparar entre estes dois perfis.
Em vários Estados, gestores trabalham para tentar ampliar leitos de UTI, mas agora enfrentam maiores desafios para contratar profissionais da saúde, exaustos pelo trabalho na linha de frente ao longo de meses. O Amazonas ―Estado onde já se ventilou a teoria de ter chegado a uma imunidade de rebanho sem vacina e a um preço alto de mortes― vive uma nova onda preocupante. O próprio ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, já afirmou que o Amazonas está caminhando para as proporções do ano passado. E o governador Wilson Lima tem dito que trabalha contra o tempo para abrir mais leitos hospitalares, transformando espaços administrativos em hospitais em salas com leitos clínicos e as de leitos clínicos em terapia intensiva. Lá, a Justiça determinou maiores restrições após o Governo relaxar medida sob pressão de comerciantes e empresários.
Em um contexto em que os vizinhos da América Latina já reagem à alta de casos de covid-19 com novas restrições, o Brasil segue inerte. E parece repetir a mesma posição errática do começo da pandemia. A guerra política entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador João Dória na corrida por uma vacina geraram um clima tenso no país, embora, nos últimos dias, há uma pequena sinalização de trégua, com a decisão do Ministério da Saúde de comprar a vacina paulista desenvolvida com os chineses, a Coronavac. O Governo Federal enfrenta pressão da sociedade, de governadores e até da Justiça para antecipar uma estratégia nacional de imunização depois de atrasos nas negociações tanto de vacinas quanto de insumos. O Governo de São Paulo está na iminência de pedir a autorização para uso emergencial à Anvisa da Coronavac e promete começar a vacinar grupos prioritários no dia 25 de dezembro. Enquanto isso, o Governo Bolsonaro corre contra o tempo para tentar iniciar a vacinação antes. Prometeu começar cinco dias antes de São Paulo, no dia 20 de janeiro. Os cronogramas sobre o quantitativo de vacinas que devem estar disponibilizadas nos postos nos próximos meses ainda não estão definidos.
“A gente lamenta, mas a vida continua”
Já o presidente Jair Bolsonaro segue com declarações que põem em xeque a segurança de vacinas em um momento em que a confiança na ciência é fundamental para garantir uma campanha de vacinação ampla. Especialistas têm sido categóricos ao dizer que a estratégia de imunização é coletiva e que, para chegar à almejada proteção, é preciso que a maioria da população receba os imunizantes. Mesmo que a vacinação comece nas últimas semanas de janeiro, os meses seguintes deverão ser de muito trabalho para garantir esta cobertura vacinal. Mesmo os que receberem a vacina deverão seguir os cuidados como distanciamento e uso de máscara, já que há um tempo até o corpo desenvolver uma resposta imune e a maioria das vacinas necessita de duas doses para uma proteção admissível.
Numa mudança de tom, o Ministério da Saúde emitiu nota de pesar pelas vítimas da pandemia. Assinada pela pasta, o informe expressa solidariedade aos familiares que perderam seus entes queridos e diz fazê-lo em nome do presidente. Pazuello também falou pela primeira vez em “guerra” total contra a doença, que deve estar acima “das ideologias”. “O Ministério da Saúde está trabalhando incansavelmente, acompanhando pesquisas científicas e reforçando diálogos entre o Brasil e outros países para garantir vacinas seguras e eficazes à população”, prometeu o ministério. Já Bolsonaro, em uma transmissão ao vivo nas redes sociais, voltou a questionar os dados sobre mortes, falando que pessoas morreram “com” covid-19, como se fosse possível separar as causas. “A gente lamenta hoje, estamos batendo 200 mil mortes. Muitas dessas mortes com covid, outras de covid, não temos uma linha de corte no tocante a isso aí. Mas a vida continua...”
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Fernando Luiz Abrúcio: Ameaça à democracia será contínua nos próximos 2 anos
Mesmo que por vezes faça recuo táticos, como aliar-se ao Centrão, Bolsonaro nunca abandonou o objetivo final de quebrar o contrato democrático instaurado pela Constituição de 1988
Anteontem foi o dia da vergonha para a democracia americana. Trump tentou dar o primeiro golpe de Estado da história dos Estados Unidos, mas, felizmente, fracassou. Ninguém pode dizer que o assalto ao Capitólio foi inesperado. O trumpismo buscou solapar as instituições democráticas desde sua campanha eleitoral de 2016. A estratégia populista e autocrática foi reproduzida durante quatro anos, sem que tivesse havido uma reação à altura do sistema político. Parece que se caminha para um “happy end”, porém, o custo foi muito alto, e o Brasil precisa aprender com essa experiência.
Bolsonaro idolatra Trump e procura imitá-lo, embora pareça ser ainda mais irresponsável e autoritário, como mostram o descaso com as vacinas e seus elogios à tortura realizada no regime militar. Ou seja, o presidente brasileiro potencializa o que há de pior no seu ídolo, algo que tem um efeito terrível para um país com democracia mais recente e com um desenvolvimento econômico e social bem menor.
Quando fala que o Brasil terá problemas semelhantes se não for adotado o voto impresso, Bolsonaro anuncia não apenas sua estratégia para 2022. Ele segue uma linha de atuação, adotada desde a eleição de 2018, de solapar continuamente as instituições democráticas, em nome de um populismo autoritário cujo objetivo é destruir a democracia e concentrar o poder em suas mãos. Mesmo que por vezes faça recuo táticos, como aliar-se ao Centrão após a prisão de Fabrício Queiroz, o presidente nunca abandonou o objetivo final de quebrar o contrato democrático instaurado pela Constituição de 1988.
Muitos apontam agora o risco que corremos em 2022. É preciso corrigir essa impressão: a ameaça antidemocrática tem sido cotidiana e será contínua nos próximos dois anos. O sistema político não tem respondido à altura porque as consequências já se fazem presentes num país à deriva, com desesperança na saúde, na economia, na educação e em termos de desigualdade social. Ou os democratas brasileiros reagem logo, ou em 2022, mesmo que Bolsonaro fracasse no golpe, o Brasil já estará em frangalhos.
*DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP E PROFESSOR DA FGV-EAESP
Folha de S. Paulo: Lira é alvo de ações penais no STF e acusado de violência doméstica
Deputado responde a processo de corrupção passiva, e ex-mulher diz ter medo 24 h por dia; denúncias são infundadas, afirma ele
Constanza Resende, Folha de S. Paulo
Candidato à presidência da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) é alvo de ações penais no STF (Supremo Tribunal Federal) e de uma recente acusação enviada à Vara de Violência Doméstica do Distrito Federal.
A medida decorre de um documento apresentado pela sua ex- mulher, mãe de seus dois filhos, Jullyene Cristine Santos Lins, em agosto do ano passado, ao STF.
Na petição, anexada a um processo em que Jullyene acusa Lira de injúria e difamação, ela afirma que “o medo a segue 24 horas por dia, pois sabe bem o que o querelado [Lira] é capaz de fazer por dinheiro”. Por outro lado, Lira diz que, ao longo do tempo, as denúncias da ex-mulher "mostraram-se infundadas".
Jullyene diz que o deputado, com quem foi casada por dez anos, faz insultos não só contra ela, “mas também tentando diuturnamente promover o afastamento familiar dos filhos, principalmente o mais novo, com discursos de ódio e chantagens emocionais”. Cita o “enquadramento do querelado na Lei Maria da Penha e necessidade de proteção urgente” para ela e o seu atual companheiro.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu em outubro que o caso fosse encaminhado para um dos Juizados de Violência Doméstica “do local dos fatos”.
O parecer foi aceito pelo ministro relator do caso no Supremo, Luís Roberto Barroso, que encaminhou a um Juizado de Violência Doméstica de Brasília. Lira, porém, apresentou recurso contra a decisão, que deve ser julgado pelo STF em fevereiro.
Em outra decisão do tribunal, de 2018, o deputado perdeu o registro de sua arma, uma pistola de marca Glock calibre 380, por decisão do ministro Edson Fachin, e teve que entregá-la à Polícia Federal para destruição.1 8
O processo foi aberto em decorrência de outra ação de violência doméstica movida por Jullyene contra Lira, em que o deputado foi absolvido nove anos depois. Em 2006, ela apresentou queixa por lesão corporal contra o então deputado estadual à Polícia Civil.
Afirmou no depoimento que, após ficar sabendo que ela estava se relacionando com outro homem, depois da separação, Lira foi até sua residência e a agrediu com tapas, chutes, pancadas e “arrastada pelos cabelos, tendo sido muito chutada no chão”.
Disse que, indefesa, perguntava o porquê daquilo, ao que o deputado a chamava de "rapariga e puta". Acrescentou que, no momento em que agredia, Lira colocava a mão em sua boca para abafar seus gritos e dizia que mataria a declarante para ficar com os seus filhos.
A agressão, segundo ela, durou 40 minutos. A babá teria ouvido gritos de socorro e ligou para a mãe de Jullyene, pedindo ajuda. Esta teria chegado ao local e expulsado o homem, que chegou a dizer, segundo ela, que "onde não há corpo, não há crime”.
Jullyene anexou fotos das lesões ao processo e o caso foi parar no STF. Em 2015, Lira foi inocentado do caso, após ela mudar a versão da história, assim como todas as testemunhas, e dizer que fez a denúncia “por vingança”.
Em 2007, ela fez outra denúncia contra Lira, desta vez por ameaça. Segundo a acusação, a ex-mulher afirmou que Lira disse à babá que “os seus dias estavam contados” e que iria buscar o filho menor, mesmo sem sua permissão. A babá confirmou a denúncia, e Lira foi indiciado no Tribunal de Justiça de Alagoas.
O desembargador Orlando Monteiro Cavalcanti aceitou a denúncia, em dezembro de 2007, e proibiu Lira de manter contato pessoal, telefônico, por escrito, ou qualquer outro meio com a vítima, seus familiares, ou testemunhas do caso.
Lira teria recusado a aceitar a ordem dizendo ao oficial de Justiça "eu recebo já essa merda”. Depois disso, o desembargador o enquadrou no crime de coação no curso do processo e mandou prender Lira. O caso também foi parar no STF, mas prescreveu e o deputado não recebeu punição.
Na acusação feita no ano passado, Jullyene diz que o único objetivo de Lira é “continuar coagindo e assustando quem há 12 anos sofre com processos judiciais intermináveis, intervenção com busca e apreensão em casa pela Polícia Federal”.
Ela também acusou Lira de ocultação de bens —segundo ela, o deputado tem um patrimônio de R$ 11 milhões. A denúncia foi enviada ao Ministério Público de Alagoas, que investiga o caso.
Além disso, Lira, apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na eleição para a presidência da Câmara em fevereiro, responde a dois processos no STF.
Um deles é sob acusação de corrupção passiva, em denúncia oferecida em abril de 2018 pela PGR.
Lira, segundo o órgão, teria recebido propina de R$ 106 mil do então presidente da CBTU (Companhia Brasileira de Transportes Urbanos), Francisco Colombo, em 2012. Em troca, teria prometido apoio político para se manter no cargo.
O valor foi apreendido no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com um assessor parlamentar de Lira, que tentava embarcar para Brasília com o valor escondido nas roupas. Em novembro, a 1ª Turma do STF rejeitou um recurso do parlamentar e decidiu mantê-lo como réu.
O deputado também responde ao inquérito chamado “quadrilhão do PP”, por suposta participação em esquema de desvios da Petrobras. De acordo com a acusação, desdobramento da Lava Jato, integrantes da cúpula do PP integrariam uma organização criminosa, com ascendência sobre a diretoria da Petrobras, e que desviava verbas em contratos da estatal.
A denúncia foi aceita pela 2ª Turma do Supremo, em junho de 2019, mas a ação penal ainda não começou a tramitar.
Já em junho do ano passado, a PGR denunciou Lira sob acusação de corrupção passiva por supostamente ter recebido R$ 1,6 milhão de propina da empreiteira Queiroz Galvão em troca de apoio do PP para a permanência de Paulo Roberto Costa como diretor da Petrobras. Porém, três meses depois, a PGR voltou atrás da denúncia e disse que havia fragilidade nas provas produzidas por ela própria.
No STJ (Superior Tribunal de Justiça), tramita um recurso movido por Lira para tentar liberar bens que foram bloqueados em uma ação da Lava Jato há quatro anos. Ele e o seu pai, Benedito de Lira (PP), ex-senador e atual prefeito de Barra de São Miguel (AL), tiveram bens bloqueados no valor de até R$ 10,4 milhões.
O pedido decorreu de uma ação da 11ª Vara Federal do Paraná de improbidade administrativa em que os dois são acusados de se beneficiar de R$ 2,6 milhões desviados da Petrobras.
No mês passado, Lira também foi absolvido das acusações de prática de "rachadinha" pelo Tribunal de Justiça de Alagoas. A denúncia contra Lira pedia a condenação do deputado por peculato, a proibição do exercício de função pública e ainda pagamento de indenização por dano moral coletivo.
Ele havia sido acusado pela PGR de desvio de verbas da Assembleia Legislativa de Alagoas, por meio de apropriação de salário de servidores e empréstimos na rede bancária pagos com verba de gabinete. O juiz Carlos Henrique Pita Duarte aceitou a tese da defesa de que a Justiça Federal não deveria atuar no caso porque os fatos são relacionados a supostos desvios de recursos estaduais.
PROCESSOS JÁ JULGADOS FORAM ARQUIVADOS, AFIRMA DEPUTADO
Por meio de sua assessoria, Arthur Lira afirmou que todos os processos da Lava Jato que vieram a julgamento foram arquivados e os próximos devem ter o mesmo desfecho.
"Três processos no STF foram arquivados e, no quarto processo, a própria Procuradoria-Geral da República pede o encerramento. Em outro, a acusação nem sequer possui amparo legal válido para o período questionado. É natural, portanto, a solicitação da liberação dos bens bloqueados referentes a essas acusações", disse.
Sobre os relatos da ex-mulher, Lira diz que as denúncias dela sempre se mostraram infundadas.
O parlamentar disse ainda que seu patrimônio "é declarado publicamente a cada nova eleição". "As alegações de ocultamento estão relacionadas a patrimônio que já está em posse da ex-mulher, por meio de um acordo judicial. Ou seja, não pertencem mais ao deputado e a disputa judicial está encerrada. A guarda dos filhos também está decidida pela Justiça", disse.
O deputado afirmou que possuía posse de arma "para mantê-la em sua residência". "Na sua renovação de posse, por ter processo na Justiça em andamento e em cumprimento ao Estatuto do Desarmamento, foi indicado que não poderia renovar o registro. Assim, o deputado solicitou a transferência de titularidade para entregá-la a um terceiro."
Também disse que nunca foi preso ou detido. "Por estar em uma sessão, não pôde receber um oficial de Justiça no exato momento em que chegou à Assembleia Legislativa de Alagoas. O oficial não quis aguardar o final da sessão e retornou ao tribunal. A ordem de prisão que se seguiu foi feita de forma ilegal e abusiva."
Jullyene e o advogado dela não responderam à reportagem.
El País: Bolsonaro apoia Trump e diz que houve fraude nos EUA enquanto mundo critica assalto ao Capitólio
Premiê do Reino Unido, Boris Johnson, diz que imagens são “vergonhosas” e ministro alemão fala em “democracia pisoteada”
Os principais líderes mundiais assistiram com espanto ao ataque à sede do Congresso dos EUA por manifestantes instigados pelo presidente Donald Trump. A seriedade dos acontecimentos no Capitólio dos Estados Unidos levou à condenação de grande parte dos líderes mundiais, que concordam em pedir calma e respeitar a vontade das urnas. Não foi, no entanto, o caso de Jair Bolsonaro.
Um aliado entusiasta de Trump, Bolsonaro, um dos últimos líderes a parabenizar Joe Biden pela vitória nos EUA, deu apoio tácito à investida incitada pelo republicano quando perguntado por apoiadores nesta quarta-feira. “Eu acompanhei tudo. Você sabe que eu sou ligado ao Trump. Você sabe da minha resposta. Agora, muita denúncia de fraude, muita denúncia de fraude. Eu falei isso um tempo atrás”, disse o brasileiro, em referência ao ainda ocupante da Casa Branca.
Ato seguido, Bolsonaro voltou, novamente sem provas, a dizer que sua eleição em 2018 também foi alvo de fraude. “A minha eleição foi fraudada. Eu tenho indícios de fraude na minha eleição. Era para eu ter ganho no primeiro turno.” O brasileiro insiste tanto na tese infundada de fraude como na campanha de desconfiança sobre o sistema eleitoral brasileiro que deixa poucas dúvidas de que seguir a estratégia de Trump, de questionamento de resultados eleitorais e incitação da base radical, faz parte de um roteiro que ele pode acionar em 2022. Os presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, criticaram os acontecimentos em Washington.
Veja a seguir a reação de líderes internacionais. A maioria escolheu a rede social Twitter para tornar pública sua reação.
Reino Unido. O primeiro-ministro Boris Johnson, também um aliado de Trump, condenou o que aconteceu: “Imagens vergonhosas no Congresso dos Estados Unidos. Os Estados Unidos representam a democracia em todo o mundo e agora é vital que haja uma transferência de poder pacífica e ordeira.”
Alemanha. “Trump e seus apoiadores devem definitivamente aceitar a decisão dos eleitores americanos e parar de pisotear a democracia”, tuitou o ministro das Relações Exteriores alemão, Heiko Maas.
OTAN. O secretário-geral da Aliança Atlântica, o norueguês Jens Stoltenberg, chamou os violentos protestos em Washington como “cenas chocantes” e destacou que “o resultado dessas eleições deve ser respeitado”.
Rússia. “De DC vêm imagens no estilo Maidan”, tuitou o número dois do embaixador russo na ONU, Dmitry Poliansliy, referindo-se às mobilizações populares que culminaram na derrubada do aliado presidente ucraniano de Moscou, Viktor Yanukovich. “Alguns dos meus amigos perguntam se alguém vai distribuir cookies como nas travessuras que Victoria Nuland estrelou”, referindo-se ao comportamento do número dois na diplomacia dos EUA durante uma visita à Ucrânia em 2013.
União Europeia. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, expressou sua confiança na “força das instituições americanas e na democracia. Uma transição pacífica está no centro”, tuitou a líder europeia. “Joe Biden ganhou a eleição. Estou ansiosa para trabalhar com ele como o próximo presidente dos Estados Unidos.” Da mesma forma, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, declarou que “contamos com os Estados Unidos para permitir uma transferência pacífica do poder para Joe Biden”.
Espanha. O presidente de Governo (premiê) Pedro Sánchez tuitou: “Estou acompanhando com preocupação as notícias que chegam do Capitólio, em Washington. Estou confiante na força da democracia americana. A nova presidência de Joe Biden vai superar este momento de tensão, unindo o povo americano.” Por sua vez, a ministra das Relações Exteriores, Arancha González-Laya, lembrou que “a democracia se baseia na transferência pacífica do poder: quem perde tem que aceitar a derrota. Confiança plena nos senadores e deputados para cumprir a vontade do povo. Confiança total no presidente eleito Joe Biden.”
Argentina. O presidente Alberto Fernández expressou sua “rejeição aos graves atos de violência e indignação do Congresso” e confiou em que “haverá uma transição pacífica que respeite a vontade popular”. Ele enfatizou seu “forte apoio ao presidente eleito Joe Biden”.
França. De Paris, o ministro das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian, condenou o “sério ataque à democracia” que representa o ataque ao Capitólio em Washington por partidários de Trump: “A vontade e o voto do povo americano devem ser respeitados”.
Venezuela. “Com este lamentável episódio, os Estados Unidos sofrem o mesmo que geraram em outros países com suas políticas agressivas”, diz um breve comunicado, que também condena “a polarização política e a espiral de violência”.
Ribamar Oliveira: Cai gasto com pessoal civil; sobe com militares
Técnicos creem que gasto com pessoal tenha caído em 2020
Um fato pouco comum merece ser registrado. De janeiro a novembro do ano passado, a despesa da União com os seus servidores civis ativos foi 0,5% menor do que aquela registrada no mesmo período de 2019, em termos nominais, de acordo com dados do Tesouro Nacional. Em compensação, o gasto com os militares ativos aumentou 12%, na mesma comparação.
A expectativa na área técnica é que esse quadro tenha se mantido no período janeiro a dezembro. Os técnicos trabalham com a previsão de que a despesa da União com pessoal ativo e inativo, civil e militar, tenha caído em 2020, em termos reais (descontada a inflação), na comparação com 2019.
O efetivo controle do gasto com pessoal civil no ano passado decorreu da lei complementar 173, que proibiu a concessão de qualquer vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados de estatais. A LC 173 proibiu também criar cargo, emprego ou função, alterar estrutura de carreira e instituir ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza.
No caso dos militares, no entanto, a situação foi diferente. O aumento das despesas no ano passado refletiu, principalmente, o impacto orçamentário decorrente da lei 13.954/2019, que reestruturou o Sistema de Proteção Social dos militares das Forças Armadas.
Na época em que o projeto de lei que trata do assunto foi encaminhado ao Congresso, o governo informou que a reestruturação traria uma economia de R$ 10,5 bilhões em dez anos, com um ganho fiscal de R$ 97,3 bilhões e com elevação das despesas em R$ 86,6 bilhões.
Não foram apenas os militares que tiveram aumentos em 2020. A União foi obrigada, por emendas constitucionais aprovadas pelo Congresso, a incorporar no seu quadro de pessoal os servidores civis e militares dos extintos territórios de Rondônia, Roraima e Amapá. Houve também a anualização do aumento remuneratório concedido aos docentes do Ministério da Educação.
As proibições previstas na LC 173 valem até 31 de dezembro de 2021. Por isso, o governo continuará mantendo controle sobre a despesa com o pessoal ativo civil durante todo este ano. Para eles, não haverá reajuste ou qualquer outro tipo de vantagem. Os militares, no entanto, continuarão tendo aumento, em decorrência da lei 13.954/2019.
Haverá também elevação da despesa com pessoal decorrente da medida provisória 971/2020, que aumentou a remuneração da polícia Militar, do Corpo de Bombeiros Militar e da Polícia Civil do Distrito e dos extintos territórios. Mesmo com todos esses aumentos, a expectativa da área técnica é de que a despesa da União com pessoal civil e militar, ativo e inativo, continue sob controle neste ano.
Outro gasto da União que surpreendeu favoravelmente em 2020 foi com benefícios previdenciários. O Orçamento do ano passado previa uma despesa de R$ 677,69 bilhões, mas ela deve ter ficado ao menos R$ 8 bilhões menor, de acordo com estimativa de técnicos ouvidos pelo Valor
Ainda não é possível saber as razões para a forte queda do gasto previdenciário em 2020. Evidentemente, a despesa caiu em decorrência das mudanças nas regras de acesso aos benefícios, previstas na reforma da Previdência. Mas, o próprio governo projetou uma economia muito pequena nos primeiros anos da reforma. Ela irá crescer ao longo dos próximos anos.
A despesa previdenciária pode ter caído também por conta da não concessão de benefícios em função da pandemia da covid 19, que provocou, no ano passado, a suspensão do atendimento presencial nos postos do INSS. O estoque de pedido de benefícios não analisados, que já era alto no fim de 2019, deve ter aumentado durante o ano passado por causa da crise sanitária.
Para este ano, o governo terá que reprogramar as despesas com benefícios previdenciários que constam da proposta orçamentária, enviada ao Congresso Nacional no fim de agosto. A principal razão é que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que é utilizado para corrigir o salário mínimo e todos os benefícios previdenciários e assistenciais, ficou muito acima do imaginado.
A proposta orçamentária foi elaborada com a previsão de um INPC de 2,09% em 2020, mas o governo agora estima que o índice ficou em 5,22% - mais do que o dobro do previsto inicialmente. Isto significa que o acréscimo da despesa, em relação a este ano, também será o dobro da projetada.
Um fato surpreendente foi o aumento exponencial do chamado “empoçamento” das dotações orçamentárias no ano passado. O “empoçamento” ocorre quando o Tesouro Nacional libera o dinheiro para um determinado ministério ou órgão público e ele não consegue gastar. O dinheiro fica parado, pois o governo, na maioria dos casos, não tem liberdade para usar os recursos para pagar outras despesas.
De janeiro a novembro, o “empoçamento” estava em R$ 34,8 bilhões. Para se ter uma ideia do que isso significa, em 2019 o “empoçamento” foi de R$ 17,4 bilhões. O forte aumento decorreu, principamente, da sobra de recursos destinados ao pagamento de benefícios do Bolsa Família, de acordo com fontes ouvidas pelo Valor. As pessoas optaram pelo auxílio emergencial, em vez do Bolsa Família. E a sobra de recursos ficou parada, com o governo não podendo usá-la em outras despesas.
Ascânio Seleme: Contaminando Eduardo Paes
Correr para o colo de Bolsonaro foi um tremendo erro de cálculo político
Reza o manual das boas maneiras políticas que se devem dar pelo menos cem dias antes de criticar mais duramente um governante recém-eleito. Até mesmo o bispo Marcelo Crivella mereceu essa deferência quando iniciou seu ruinoso mandato como prefeito do Rio há quatro anos. Eduardo Paes recebeu a mesma benevolência ao assumir pela primeira vez a prefeitura. Talvez merecesse igual cuidado agora, apesar de ser um gato já bem escaldado. Mas não. Desta vez não dá para esperar o fim da “lua de mel”.
Primeiro. Como pode um prefeito que vem do campo democrático correr, antes mesmo de tomar posse, para o colo do presidente Jair Bolsonaro? Claro que Paes sabia muito bem que estava tratando com um homem perigoso, instável, que gera permanente risco para as instituições. Um presidente que apenas continua na cadeira porque os líderes que temos no Congresso são os que já vimos e sobre os quais já falamos. O presidente a que Paes se alinhou cometeu mais de uma dúzia de crimes de responsabilidade.
O prefeito vai dizer, e já disse antes, que precisa governar e fazer entendimentos em favor do Rio, do povo do Rio. Claro, mas para isto existem os canais tradicionais. Entendimentos se fazem pelos diversos mecanismos de interlocução entre os municípios e a União. Pelos secretários com ministros, por entidades municipais e federais, com os instrumentos que permeiam as diversas camadas de poder, formando pontes entre as instâncias. O prefeito não precisava pedir a bênção do presidente. Não precisava, não devia e de nada adiantará o gesto prematuro.
Se puxar o saco do presidente adiantasse, o abilolado bispo Crivella teria feito uma boa gestão, com dois anos cheio de dinheiro e projetos. E, se não fosse reeleito diante da “bonança”, pelo menos não deixaria um rombo de R$ 10 bilhões. Correr para o colo de Bolsonaro não foi apenas um tiro n’água. Foi um tremendo erro de cálculo político de Paes. Na terça passada, Bolsonaro disse que “o Brasil está quebrado” e que não pode fazer mais nada. A frase poderia ser lida assim: “Não adianta ninguém vir aqui me bajular, porque não tem dinheiro”.
Ainda durante a campanha, o então candidato afirmou, numa reunião virtual com dirigentes da Associação Comercial do Rio, que aqueles que o consideravam um bom gestor veriam que ele é “melhor ainda na articulação política”. Segundo reportagem do “Valor Econômico” do dia 5 de novembro do ano passado, ele destacou que o encontro se devia a sua “astúcia política”. Pois o astuto Eduardo Paes não esperou a posse para colar sua imagem na do homem que pisa sobre as instituições democráticas, despreza a vida humana e debocha da tortura.
Ao sair do encontro de uma hora com Bolsonaro, no dia 15 de dezembro, Paes disse que a “conversa foi muito agradável” e afirmou que seria um parceiro do presidente no Rio. Aproveitou e bancou seu porta-voz, anunciando uma MP que liberaria (?) R$ 20 bilhões para a compra de vacinas. E disse que o Rio queria ser a “vanguarda” da vacinação. Bobagem. Depois da posse, avisou que não fará nada e seguirá o plano de Bolsonaro. Quer dizer, o Rio não será vanguarda de coisa nenhuma, ao contrário.
É grave, mas tem mais. Na segunda-feira, num movimento típico do negacionismo bolsonarista, a prefeitura anunciou que vai fechar para carros as pistas da orla nos fins de semana. Para explicar a medida que nenhum infectologista entendeu, garantiu que ela foi “respaldada” pela Secretaria municipal de Saúde. Sim, e daí? Em seguida, inventou que a proibição de lazer na orla levou as pessoas a se aglomerarem nos calçadões. E fez gracinha, ao dizer que tem ainda de levar em conta “questões ligadas à saúde mental” das pessoas.
Embora seja tão letal quanto o coronavírus, o bolsonarismo é eliminado sem vacina. Basta um pouco de bom senso e um passo atrás. Mas tem que ser rápido, se não a doença entranha e gruda. Paes ainda pode ser descontaminado.
Zeina Latif: Levanta, sacode a poeira...
Desafio das instituições democráticas é evitar nova década perdida no País
A crise atual é grave, mas será ainda mais perversa se não tirarmos lições dos erros e também dos acertos.
Começando pelos acertos, o Legislativo não ficou paralisado. Além das medidas anticrise, foram aprovadas reformas – marco do saneamento básico, lei de licitações, nova lei de falências – e outras tantas avançaram – lei do gás, marco legal de cabotagem e independência do Banco Central.
A Câmara, liderada por Rodrigo Maia, teve importante papel em frear centenas de iniciativas irresponsáveis, que iam desde suspender o pagamento de contas de consumo à proibição de cobrança de juros pelos bancos. Medidas que desorganizariam a economia e pesariam nas contas públicas. Agravariam a crise e deixariam um rastro de insegurança jurídica.
O Congresso tampouco deu ouvidos a recomendações equivocadas de política econômica, como a de permitir o financiamento dos gastos públicos com emissão monetária. A PEC do orçamento de guerra proveu maior poder de ação ao Banco Central de forma prudente. A aceleração recente da inflação serve de alerta contra propostas inadequadas para um país emergente com graves problemas fiscais.
Houve muitos acertos do Banco Central, no timing e no desenho das medidas para injetar liquidez no sistema monetário e, de forma inédita, elevar substancialmente a capacidade de empréstimo dos bancos, medida que ultrapassou R$ 1,5 trilhão. Além disso, teve participação nas políticas de socorro a empresas. Também merece destaque o avanço da agenda estrutural, como o lançamento do Pix – desconhecido por Bolsonaro. O prêmio internacional de “presidente de Banco Central do ano” recebido por Roberto Campos Neto diz muito.
Os bancos contribuíram para o bom funcionamento do mercado de crédito. O setor reagiu bem às políticas governamentais. Houve expressivo aumento da repactuação de dívidas e do chamado crédito direcionado, que inclui as medidas de socorro governamental, com destaque para o crédito a micro, pequenas e médias empresas.
Na recessão anterior, os bancos foram muito conservadores. A frágil situação das empresas foi agravada pela falta de crédito, aprofundando a crise. Lições foram aprendidas. O aumento do estoque de crédito livre em novembro estava em 17% na comparação anual (25% na pessoa jurídica), ante recuo de 3% no biênio 2016-17 (queda de 12% na PJ).
Moral da história: aqueles muitas vezes vistos como “vilões” tiveram importantes acertos. Congresso, Banco Central e bancos foram parte da solução.
Já os erros foram bastante discutidos ao longo do ano, a começar pela gestão da saúde, que deixa uma sensação de que 2020 não acabou. Sem vacinação, a incerteza da recuperação da economia é grande, com graves consequências sociais. As medidas de socorro a indivíduos e empresas expiram, mas a doença, não.
O baixo crescimento torna a economia mais vulnerável a choques. Não convém se iludir com a projeção de crescimento de 3,4% em 2021 das instituições financeiras. Ela embute um quadro de estagnação, pois a cifra reflete basicamente o que os economistas chamam de carrego estatístico – uma combinação de base de comparação baixa (a média de 2020) e ponto de partida mais elevado por conta da recuperação no último semestre.
Do lado fiscal, as falas do presidente revelam grande incômodo com as restrições orçamentárias e, ao mesmo tempo, indisposição para avançar com reformas estruturais, mesmo em meio à crise, que costuma ser estímulo para enfrentar o custo político de reformas. Aumentou a chance de “furo” do teto de gastos, o que implicará mais incertezas, ainda que não a ponto de haver um choque de juros pelo BC este ano.
Apesar dos riscos para 2021, essa não é a maior preocupação, mas, sim, um governo que, ao não agir à altura dos desafios, coloca a cada dia mais um tijolo na construção de outra década perdida.
Impedir esse cenário é o grande desafio das instituições democráticas, contendo retrocessos, promovendo o debate público, reconhecendo erros e acertos e construindo alternativas políticas para o futuro.
*Consultora e doutora em economia pela USP
Maria Hermínia Tavares: Os fantasmas do chanceler
O mal causado pela caça aos fantasmas é real e presente
Inaugurando 2021, o chanceler Ernesto Araujo divulgou no Twitter sua mensagem de Ano-Novo. Trata-se do palavroso artigo "Por um reset conservador liberal", publicado no blog onde costuma expor sua míope e bizarra visão dos problemas mundiais. Para o ministro, no ano que passou teria ficado clara a gigantesca trama de interesses contra a liberdade e a dignidade humanas.
Os agentes da urdidura seriam —vale a pena transcrever— "a grande mídia; o narcosocialismo, a corrupção; a bandidagem em geral (crime organizado); o sistema intelectual politicamente correto; o climatismo (uso da questão climática como instrumento de controle econômico); o racialismo (programa de organização da sociedade segundo o princípio da raça); o covidismo (a histeria biopolítica e sua utilização como mecanismo de controle); o terrorismo; o multilateralismo antinacional (distorção e manipulação do sistema multilateral composto pelos organismos internacionais); a ideologia de gênero; o abortismo; o trans-humanismo [sic]; o anticristianismo e a cristofobia; o esquema de alguns megabilionários ou trilionários; o elitismo transnacional; e o marxismo de mercado megatecnológico ou neomaoísmo". Ufa!
Formando uma confraria espectral, estariam ligadas por uma invisível estrutura, de tal forma que "quando você compra a biopolítica do "fique em casa" talvez esteja ajudando o narcotráfico".
Fantasias maquiavélicas, com menção frequente a forças ocultas e inimigos externos, sempre habitaram a retórica da extrema-direita. Cumprem papel importante na arregimentação dos "nossos" contra "os outros". Muitas vezes serviram para justificar, por exemplo, a ação internacional de grandes potências, da supremacia ariana do nazismo à Guerra Fria entre o Ocidente e o bloco soviético.
Mas os pesadelos que assombram Araújo geraram um caso muito raro de política externa totalmente assentada numa teoria conspiratória da cena mundial. É o que argumentam os pesquisadores Feliciano de Sá Guimarães, Davi Moreira, Irma Oliveira e Silva e Anna Carolina de Mello em artigo ainda inédito sobre o lugar da ideia de "globalismo" na política externa de Bolsonaro. Intitula-se "When Conspiracy Theories Capture Foreign Policy Narratives" (Quando teorias da conspiração capturam as narrativas de política externa)."Globalismo" é a condensação daquele rol de fictícias ameaças à nação.
Para o país, o mal causado pela caça aos fantasmas é real e presente. Manifesta-se como descrédito internacional, isolamento e desmoralização de um serviço diplomático até então conhecido por sua competência.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Ricardo Noblat: Bolsonaro ameaça repetir aqui o que Trump fez no seu país
É aconselhável não subestimá-lo
O presidente Jair Bolsonaro adiantou-se ao anúncio do fracasso do golpe tentado por seu ídolo Donald Trump para confirmar indiretamente o que muitos acham que ele fará caso seja derrotado nas eleições do ano que vem.
Sim, ele está disposto a recusar nesse caso o resultado das eleições e a proclamar que elas foram roubadas. Exatamente como fez Trump, novamente citado por ele como seu grande amigo só por tê-lo encontrado menos de meia dúzia de vezes.
Como de hábito, ao cumprimentar uma cada vez mais rarefeita plateia de devotos às portas do Palácio da Alvorada, Bolsonaro não apenas disse que a eleição do democrata Joe Biden foi fraudada como também a que ele disputou aqui há dois anos.
Não lhe pediram provas da fraude aqui e nos Estados Unidos, mas ele voltou a repetir que elas existem, embora nem mesmo Trump tenha apresentado as suas até hoje. Não fosse a fraude, segundo Bolsonaro, ele teria sido eleito no primeiro turno.
O presidente do Brasil foi o último chefe de Estado do mundo a parabenizar Biden pela vitória que agora chama de fraudulenta. Seu filho Eduardo, o Zero Três, visitou, esta semana, a Casa Branca acompanhado da mulher e da filha recém-nascida.
Eduardo já morou nos Estados Unidos, já tentou ser embaixador em Washington, é lobista de empresas americanas fabricantes de armas e, ultimamente, depois de sucessivas visitas a Las Vegas, aposta na legalização dos jogos de azar no Brasil.
O que o Brasil ganhou com a falsa amizade entre os Bolsonaro e a família Trump? Nada. O que poderá perder depois da chegada de Biden à Casa Branca? A ver.
6/1/2021, o dia da maior infâmia à democracia americana
O golpe fracassado de Trump
Se a democracia ainda funciona nos Estados Unidos depois da infâmia que sofreu ontem, antes ou ao fim do seu mandato o presidente Donald Trump deveria sair algemado e preso da Casa Branca. Seria o preço a pagar pela tentativa de golpe que fez seu país parecer com uma República de Bananas.
Alguns comentaristas de televisão se referiram ao dia 6 de janeiro de 2021 como um dos mais controversos e polêmicos dos últimos 200 anos. Não foi. Foi mais que isso. Foi o dia da vergonha para um povo que se apresenta como guardião planetário da mais bem sucedida experiência até aqui de autogoverno.
O que aconteceu pode abrir um grave precedente – a recusa do lado perdedor a aceitar o resultado de eleições certificadas como limpas e justas de acordo com as leis. Na eleição de 1876, foram os democratas brancos que usaram a violência para invalidá-las. Desta vez, os republicanos brancos.
Nas duas ocasiões o que esteve em jogo foi a manutenção do poder. Quem o detinha – o Partido Republicano — não queria perdê-lo. Trump é o maior responsável pelo golpe aparentemente abortado, mas logo abaixo dele vem o Partido Republicano que aderiu à campanha de mentiras sobre a eleição do democrata Joe Biden.
Sob pena de se repetir, tudo deverá ser investigado à exaustão, assim como a suspeita de cumplicidade de forças policiais que facilitaram a invasão pelos manifestantes do prédio do Congresso. A questão angustiante que fica não terá resposta tão cedo: a democracia estará em declínio inexorável, e logo no seu berço?