bolivar lamounier

Bolívar Lamounier: A semente do mal

O presidente faz questão de demonstrar insensibilidade social e desprezo pela lógica

 “... do mal será queimada a semente/

e o amor será eterno novamente”

Nelson Cavaquinho, Juízo Final

Para o poeta Manuel Bandeira, o verso “tu pisavas nos astros distraída”, de Orestes Barbosa e Sílvio Caldas, é o mais bonito da língua portuguesa. Sem pretender contestar sua avaliação, atrevo-me a pôr o verso de Nelson Cavaquinho mais ou menos no mesmo plano.

A grande diferença é que o verso de Orestes e Sílvio é estritamente lírico; o de Nelson Cavaquinho pode ser lido em qualquer plano, inclusive no social e no político. É essa a linha que tentarei desenvolver neste artigo. Quais são, no momento, os males que precisamos queimar para que o amor de todos em relação a todos possa prevalecer pelo menos como aspiração?

A indagação, como se vê, já traz implícita uma afirmação: a quadra em que nos encontramos não é a do bem. É a do mal.

Começa pela pandemia, sobre a qual poderíamos ter feito muito mais, mas que, estritamente falando, não decorre da maldade que todos temos na alma.

Suponhamos, então, que sejamos capazes de vencer a pandemia em mais alguns meses. A partir daí, qual ou quais males deveremos combater com todas as nossas forças? A estagnação econômica, sem dúvida; a desigualdade de renda e riqueza; os milhões de crianças que mal e mal conseguimos tirar das trevas do analfabetismo. Tudo isso é certo.

Arrisco-me, entretanto, a afirmar que não iremos muito longe se antes não compreendermos o que vem acontecendo no plano das instituições e da política. O mal, como esclareceu Thomas Hobbes (1651), é antes de tudo “a guerra de todos contra todos”, e não há como queimá-la senão construindo e respeitando a institucionalidade política. O homem é o lobo do homem.

Não por acaso, a tradução mais expressiva do verbo latino rebellare é a que surge como nos séculos 17-18, com a doutrina contratualista. Fazendo contraponto com rebelar-se, pegar em armas contra o governo, acepções mais estreitas, os contratualistas passaram a entender rebellare em seu sentido mais literal: “voltar ao estado de guerra”. O contrato social, geralmente codificado em Constituições, estabelece os termos mediante os quais os homens se poriam ao abrigo de instituições de governo, com a condição de que estas também respeitem e cumpram o pacto.

O “amor”, ou pelo menos a paz, o respeito mútuo e a civilidade, permanece como aspiração na medida em que essa condição for observada; se não o for, cedo ou tarde sobrevirão a anarquia, o caos e a guerra civil. A recaída no estado de guerra poderia ser causada por qualquer um dos principais grupos ou instituições que compõem a sociedade, em especial por um governo tirânico, ou por súditos que se recusassem a reconhecer a legitimidade de um governo que fizesse por merecê-la.

Deixando para trás a argumentação abstrata, cumpre-nos, pois, indagar onde, no Brasil de hoje, estão as sementes do mal. Há multidões armadas ocupando as ruas e praças, atacando autoridades, destruindo propriedades e patrimônios? Não, não há. E, no entanto, nenhum cidadão na plenitude de suas faculdades mentais dirá que estamos em paz, convivendo e colaborando uns com os outros como devemos.

É certo que nem todos os males decorrem da ação ou omissão dos atuais titulares das mais altas esferas institucionais. Alguns deles foram em mau momento insculpidos no próprio texto constitucional de 1988, o melhor exemplo sendo, sem dúvida, o inciso LVII do artigo 5.º: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Salta aos olhos que esse dispositivo estabelece que nossa sociedade será regida por duas justiças, uma para os ricos e outra para os pobres. Os que dispuserem de meios para remunerar advogados caros podem protelar indefinidamente, até a prescrição, os processos em que forem enquadrados. Os que não dispuserem caem na categoria dos três pês (pobres, pretos e putas), cujo destino é se amontoarem em masmorras sub-humanas, não raro se entrematando ou se decapitando uns aos outros. Temos como mudar isso? Sim, convocando outra assembleia constituinte, dado que tal alteração exigiria a convocação de outro poder constituinte originário.

A antípoda do trânsito em julgado é a conduta do atual presidente da República, e não só em conexão com o combate à pandemia de covid-19. Nesse particular, o presidente Bolsonaro já defendeu todas as posições concebíveis, como que fazendo questão de demonstrar não só sua insensibilidade social, mas também seu desprezo pela lógica. Contrapondo-se de forma flagrante ao que a Constituição estabelece no tocante à competência da União, dos Estados e municípios, Sua Excelência sabota as ações dos agentes de saúde, movido não só por um instinto semelhante ao de Iago no Otelo de Shakespeare, mas também com o objetivo, claramente, de se manter bem visível no meio do pandemônio da pandemia. A liturgia do cargo, a obrigação de se pôr como símbolo e exemplo para as demais instituições e para a sociedade não parecem passar-lhe pela cabeça.

*Sócio-Diretor da Consultoria Augurium, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências


Bolívar Lamounier: Sob o império da mentira

Cúpula dos três Poderes hoje provavelmente é a pior composição da nossa História

Faz tempo que nós, brasileiros, vimos sentindo nossa autoestima baixar cada vez mais. Não vendo muito de positivo a celebrar, ressaltamos nossos defeitos, que, de fato, não são poucos.

Mas, sinceramente, nunca me ocorreu que tantos de nós fôssemos imbecis, canalhas e irresponsáveis como essas multidões que estão antepondo todo tipo de obstáculos ao combate à pandemia. Pondo em risco não só a nossa vida, mas também a deles.

A pandemia já ceifou quase 300 mil vidas e uma parcela importante dessa perda se deve ao comportamento do insano que nos preside. Seu objetivo parece ser muito mais o de impedir a ascensão eleitoral do governador João Doria do que livrar o nosso país dos riscos trazidos pelo coronavírus. Sabotando o trabalho dos agentes de saúde, fomentando aglomerações, insuflando fanáticos que o apoiam, mentindo sem nenhum pudor (por exemplo, quando afirma que o Supremo Tribunal Federal o impede de agir), ele vem tornando nossa tragédia muito maior do que ela precisaria ser. Hoje somos uma “ameaça global” e uma vergonha para o mundo.

Era o caso de esperar mais de um capitão excluído das Forças Armadas por indisciplina para em seguida se tornar um lídimo representante do “baixo clero” na Câmara dos Deputados? Justiça feita, ele não é um caso isolado. O que hoje temos na cúpula dos três Poderes é provavelmente a pior composição da nossa História. No próprio Supremo, guardião da Constituição, alguns ministros parecem empenhados tão somente em combater o combate à corrupção.

O império da mentira parece não ter limites. Veja-se o caso de Lula. Minutos após ter suas condenações pelo triplex e pelo sítio em Atibaia invalidadas pelo ministro Fachin, fazendo pose de estadista ele proferiu uma mentira que o futuro certamente lembrará como um notável paradoxo. Afirmou ter sido “vítima da pior mentira jurídica de nossa história”. Proferiu, portanto, uma mentira que se autodesmente, como na história do cachorro correndo atrás de seu próprio rabo. Mesmo o período de um ano e meio em que esteve preso em Pinheirais é uma grande mentira, pois esteve confortavelmente instalado, com direito a televisão e a visitas de seus advogados e outras pessoas. Lula sabe muito bem que, no espaço de dois ou três meses, sob os governos militares, muita gente sofreu centenas de vezes mais do que ele.

Lembremos, contudo, que algumas das piores coisas que ouvimos ultimamente não são mentiras. Minutos após ser empossado como presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Arthur Lira (PP-Alagoas) manifestou sua intenção de restabelecer a coligação entre partidos nas eleições legislativas. Essa, sim, é de cabo de esquadra.

A revogação das coligações (efetivada na reforma de 2017) foi a única medida séria que logramos aprovar no terreno da reforma política em mais de 30 anos de tentativas. A referida modalidade de coligação era uma evidente fraude da vontade do eleitor e da consistência que temos o direito de esperar dos partidos políticos. Minigrupos que, isoladamente, não conseguiriam atingir o chamado quociente eleitoral, habilitando-se a participar da distribuição das cadeiras, aliavam-se – como se fossem um partido! – a fim de atingi-lo. Concretizado esse objetivo espúrio, separavam-se, juntavam-se a outros e faziam o que bem entendiam com a parcela da representação popular que supostamente teriam angariado.

A vedação das coligações foi aplicada na eleição municipal de 2020, com resultados por enquanto modestos, mas positivos.

A intenção externada pelo presidente da Câmara é um péssimo augúrio. Sugere que uma parte da classe política persiste na obtusidade que a caracteriza há várias legislaturas. Que não compreende que o Brasil precisa de uma reforma política séria e abrangente, sob pena de não lograr o impulso necessário para retomar o crescimento econômico e a busca do bem-estar. Nesse mister, não estamos lutando para evitar um retrocesso, estamos metidos até o pescoço num retrocesso gravíssimo, que implica nossa permanência num nível de pobreza avultante por toda uma geração. Tal reforma terá de ser feita, cedo ou tarde, e num contexto preocupante. Trata-se de uma reforma difícil, que por certo envolverá alterações constitucionais, portanto, um desafio de grande monta para a atual geração política, sabidamente mediana.

Trinta e cinco anos atrás, no Congresso Constituinte, qualquer cidadão informado não precisaria de mais que cinco minutos para apontar dez, quinze ou vinte líderes de expressão nacional. Falo da qualidade de tais líderes, não da ideologia de tal ou qual. De A a Z, dispúnhamos de figuras públicas habilitadas a representar a sociedade nos escalões mais altos. Lá estavam Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Mário Covas, Roberto Campos, Delfim Netto, Fernando Henrique Cardoso.

Hoje, se me permitem um breve resumo, temos um cenário extremamente preocupante para as próximas duas ou três décadas e uma classe política, ao que tudo indica, despreparada para enfrentar esse magno desafio.

*Sócio-Diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências


Bolívar Lamounier: Tentando enxergar o que está à vista

E o que está à vista não é o Jardim do Éden, mas a guerra de todos contra todos de ‘O Leviatã’

Onde estarão dentro de 25 anos os meninos que vão nascer na presente década? É cabível supor que muitas delas vão se conhecer revirando lixo em algum aterro. Algumas estarão distribuindo drogas nos bairros ricos, a serviço de traficantes. Muitas estarão cometendo assaltos e outras tantas estarão atrás das grades.

Projeções macabras fazem mal tanto à alma de quem as escreve como à de quem as lê. Mas são úteis como alerta, sobretudo quando o alerta de que se trata diz respeito simplesmente à necessidade de tentarmos enxergar o que está à nossa volta.

É bem singela a constatação que me leva a aborrecer os leitores com essa previsão macabra. Não, caro leitor, não vou falar da pandemia; a realidade que tenho em mente estava aqui muito antes dela. Somos, como os economistas não se cansam de repetir, um país aprisionado na chamada “armadilha da renda média”. Chegamos até com certa facilidade a uma renda per capita de US$ 10 mil por ano, mas quem afirmar que conseguiremos dobrá-la num horizonte de 20 a 30 anos o faz por sua conta e risco. E não nos esqueçamos de que esse será ainda um resultado medíocre. A renda per capita, como todos sabemos, é apenas uma fórmula, um resumo aritmético de uma infinidade de condições sociais. Neste ano da graça de 2021, há na área educacional uma experiência bem simples que o leitor pode fazer sem grande esforço. Vá a uma escola da periferia e convide a garotada a fazer alguns exercícios de tabuada. No trajeto de volta ao centro, ligue o rádio e tente se informar sobre o que o Ministério da Educação anda fazendo. Ou pelo menos adivinhar o nome do atual ministro. Seja paciente.

Se 60% ou 70% dos nossos jovens se deparam com dificuldades quase insuperáveis nas matemáticas, nas ciências e até no simples manejo do idioma, é forçoso inferir que, hoje, muitos deles já são fortes candidatos ao desemprego e à pobreza. Não resvalar para o crime já é um belo feito. No mundo quase totalmente urbano e crescentemente automatizado em que estamos entrando, cuja agricultura já quase não cria empregos, o que está à nossa vista não é o Jardim do Éden. É muito mais um cenário como o pintado por Thomas Hobbes em O Leviatã (1651): uma “guerra de todos contra todos”. Mas eis aqui um possível paradoxo. Hobbes ao menos discernia a possibilidade de alguma ordem se todos se submetessem a uma autocracia férrea, no pressuposto de que preservar a vida, sob quaisquer condições, seria um quadro aceitável em comparação com a guerra generalizada. Viver sob ditaduras será, então, a nossa salvação? Dobrando ou não a nossa anêmica renda per capita, viveremos sob uma robusta segurança garantida pelo Estado, vale dizer, por aqueles, anjos ou bandidos, que o controlarão?

Suscitar essa indagação no presente momento é a pior ideia que nos poderia ocorrer. Hoje o inquilino do Planalto é simplesmente o mais despreparado dos presidentes que nos foi dado ter desde o marechal Deodoro. Jair Bolsonaro não é apenas iletrado, é irascível e ignorante. Deixemos de lado sua atuação no combate à pandemia, sabidamente insensível e irresponsável, levando a extremos inconcebíveis suas chances de sabotar o trabalho dos agentes de saúde. Se Sua Excelência compreendesse que sua missão só pode ser sanar as cicatrizes da eleição de 2018, buscando a convergência e a pacificação, já seria alguma coisa. Mas, para o capitão presidente, seu papel deve ser justamente o oposto disso. Seu objetivo é a reeleição em 2022, e salta aos olhos que ele a vê como favas contadas, bastando-lhe para tanto manter e estimular a radicalização.

Claro, não creio que Jair Bolsonaro tenha poderes demiúrgicos. Sozinho, não é capaz de produzir nem o bem nem o mal em escala superlativa. Vez por outra deixa escapar uma aspiração ditatorial, mas ditadura, sobretudo num país populoso e diversificado como o Brasil, só existe com a colaboração das Forças Armadas, e estas servem ao Estado, não a um caudilho qualquer – missão que começaram a definir já nos anos 1930, sob a influência predominante do general Góes Monteiro. Seus timoneiros nem sempre acertaram o curso, mas a identidade da organização militar é essa.

Derrocamento dessa ordem, nem os outros dois Poderes me parecem capazes de causar. O que eles podem fazer – e inequivocamente insistem em fazer – é dificultar as reformas sem as quais permaneceremos por 30 anos ou mais no sufoco da “renda média”. Na Câmara, por exemplo, os óbices chegam ao disparate de às vezes se tentar desfazer alguns avanços que a duras penas logramos implantar na esfera da reforma política – entre os quais devemos destacar o fim das coligações partidárias nas eleições legislativas. Dias atrás o novo presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL), manifestou a intenção de restaurar aquela excrescência, responsável direta pela cacofonia partidária em que temos vivido.

Eis aí uma clara ilustração de que nosso problema como país ainda não é tentar enxergar mais longe. É tentar enxergar o que nos queima diariamente os olhos.

*Sócio-Diretor da Augurium Consultora, é membro das academias paulista de Letras e Brasileira de Ciências


Bolívar Lamounier: Sonâmbulos e furibundos

Não podemos descartar um retrocesso abrupto, muito cruel para as almas mais frágeis

O espetáculo circense encenado no Congresso Nacional na última segunda-feira causou grande impacto, mas não diferiu em natureza de tudo a que temos assistido há vários anos no próprio Congresso, na Presidência da República, no Supremo Tribunal Federal e na Procuradoria-Geral da República.

A impressão é de que nada faz sentido; de que somos um país de sonâmbulos, incapazes de perceber o que acontece à nossa volta e, principalmente, o que nos aguarda ao longo desta década. Sonâmbulos, mas sonâmbulos furibundos. Subjacente a essa estranha coreografia, há uma briga de foice. Ou uma batalha entre dragões-de-comodo, se preferirem. Batalha por cargos, verbas e, sobretudo, vantagens eleitorais, cada um já pensando em reeleição.

E quem são os dragões? Por hábito, ou por preguiça mental, nos acostumamos a dizer que são partidos políticos, não nos dando conta de que o Brasil já não tem partidos. Ter 20 e tantos partidos na Câmara, o maior deles mal ocupando 15% das cadeiras, e não ter nada é a mesma coisa. Tal coreografia talvez até fosse engraçada se não fosse macabra, pois, entre agressões e afagos, os furibundos dançam sobre os mais de 220 mil cadáveres da pandemia, sujeitando a um cruel sarcasmo milhões de cidadãos que sobrevivem graças aos auxílios emergenciais, 20 e tantos milhões sem trabalho e o desencanto permeando a quase totalidade dos lares.

O leitor talvez pense que exagero quando afirmo que o Brasil já não tem partidos políticos. Dá-se que, na acepção que me parece aceitável, partido político é uma organização capaz de conter o apetite dos grupos corporativistas, dentro e fora da máquina pública, transcendendo-os, agregando-os e direcionando-os para o bem público. No Brasil de hoje, o que vemos é precisamente o oposto. Vemos interesses estreitos – alguns empenhados num “liberou geral” contra o ambientalismo, outros em erodir a hierarquia das Polícias Militares, outros, capitaneados pelo próprio capitão, em armar a população civil –, cada um mais forte que a maioria dos partidos. Por essas e outras é que, se o governo tivesse um norte inteligível, não teríamos abandonado o debate sobre a reforma política, sem dúvida a mãe de todas as reformas.

Até recentemente, o grande mal político brasileiro era o chamado patrimonialismo. Grupos incapazes de tocar uma verdadeira economia de mercado se incrustavam (incrustam-se) no casco do Estado e dele se apropriaram, mantendo aparências de legalidade, e às vezes nem tanto, como vimos poucos anos atrás na Petrobrás. Grupos incapazes, grupos falidos e oligarquias de diversos tipos invertem a ordem lógica das coisas, valendo-se do poder político para granjear poder econômico, quando o normal, ou relativamente normal, seria o oposto. Inspirados no grande clássico de Raymundo Faoro Os Donos do Poder, pensávamos que o patrimonialismo era um mal em decadência, nos estertores, abrindo espaço para um grande bem que denominávamos “modernidade”. Não reparamos que tal história pode ser contada ao contrário. Desde os famigerados tempos da ditadura getulista, a apropriação do público pelo privado só fez aumentar, dando corpo ao que, com dor na alma, somos obrigados a designar como um “patrimonialismo moderno”. Infelizmente, sabemos hoje que “patrimonialismo” é só uma parte da perversa história política brasileira. Agora temos o corporativismo, um patrimonialismo “democratizado” e dividido entre n grupos, que cedo ou tarde tornará o País virtualmente ingovernável.

Voltemos aos sonâmbulos. Nunca vi um deles caminhando numa casa, mas imagino que ele possa meter a cabeça num armário ou se cortar seriamente numa cristaleira. Se forem vários, e furibundos, poderão quebrar toda a casa e sucumbir entre seus escombros. Essa, justamente, é a hipótese que me ocorre quando vejo o governo mais preocupado em importar revólveres do que em empreender uma abrangente reforma do Estado, uma reforma administrativa séria e um amplo programa de privatização, assestando, assim, um golpe de morte no patrimonialismo e no corporativismo.

“Ora, direis, ouvir o Guedes! Decerto perdeste o senso.” O bravo quixote que se propunha a destruir os moinhos mais dispendiosos por ora mal consegue dar palpites na formatação dos auxílios emergenciais. De fato, o presidente que se elegeu prometendo extirpar a “velha política” acaba de trazê-la com mala e cuia para dentro da máquina do Estado. Na última segunda-feira, a prometida austeridade fiscal levou uma banana, pois o que vimos foi o presidente jogar alguns milhões aos nossos furibundos gladiadores, com o objetivo de impedir um eventual impeachment e debilitar aquele que parece ser seu principal contendor na eleição de 2022.

Excetuada a hipótese de alguma luz desconhecida iluminar as mentes brasilienses, infiro que os próximos dez anos não nos serão benfazejos. Num cenário ameno, teremos mais do mesmo. Mas não podemos descartar um retrocesso abrupto, muito cruel para as almas mais frágeis.


Bolívar Lamounier: O canto de sereia do capitão

Seria conveniente que o presidente Bolsonaro falasse menos, ou com mais responsabilidade

A um capitão excluído das Forças Armadas por indisciplina é talvez possível dispensar um entendimento exato do artigo 1º., parágrafo único, da Constituição brasileira de 1988, onde se lê: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

A hipótese da dispensa fica, porém, sem efeito caso o referido capitão, por circunstâncias diversas, seja alçado à condição de presidente da República. Daí a gravidade da declaração proferida na última segunda-feira pelo sr. Jair Bolsonaro, afirmando que a existência de um sistema político democrático depende das Forças Armadas, declaração não só estapafúrdia, mas também eivada de um mal disfarçado tom de ameaça. Corretíssima, portanto, a interpelação que lhe dirigiu o general da reserva Santos Cruz, que apontou o disparate presidencial e qualificou como “covarde” o matiz de ameaça nele contido. No modo mais protocolar que seu cargo exige, também o vice-presidente Hamilton Mourão, ao mesmo tempo que descartou o recurso ao impeachment, frisou que a conduta de Jair Bolsonaro ainda não representa um risco para a democracia, mas que os contrapesos institucionais deverão ser acionados, naturalmente, caso tal risco venha a se configurar.

Nenhuma pessoa de bom senso exige conhecimentos constitucionais especializados do presidente da República, mas, no plano da realidade, e dada a natureza política do cargo que exerce, é lícito esperar que ele perceba a infinita complexidade dos processos políticos e, em particular, das relações entre militares e sistemas políticos. Estas variam no espaço e no tempo, entre países e ao longo da História, podendo-se facilmente identificar situações em que as Forças Armadas respaldaram as instituições democráticas e situações em que fizeram o oposto, contribuindo para a sua derrubada. No Brasil, em 1937, elas fizeram vista grossa para o advento da ditadura getulista. Em 1945, com o retorno dos “pracinhas” que haviam ido à Itália combater o fascismo, o marechal Mascarenhas de Moraes foi a Getúlio e disse-lhe sem meias-palavras para sair e que sua sucessão se daria mediante eleições limpas e livres.

Sobre o golpe de 1964 penso que não há e nunca haverá consenso. Há quem opine que os militares derrubaram o governo João Goulart com o objetivo de implantar uma ditadura e quem afirme o contrário, entendendo que o fizeram como uma intervenção preventiva, de curto prazo, para prevenir a tomada do poder pela esquerda. Certo é que o ciclo militar durou 21 anos e mesmo nesse período, sem exceção, a sucessão presidencial suscitou sérias dificuldades entre os comandantes militares. Exceção, se assim a podemos chamar, foi a de 1985, quando as disputas eleitorais e a mobilização popular culminaram na eleição do civil Tancredo Neves no colégio eleitoral. (João Figueiredo, o último dos presidentes generais, recusou-se a passar a faixa a José Sarney, vice de Tancredo Neves, mas esse é um detalhe já perdido na História.)

Nossos exemplos caseiros são minúsculos no cotejo com as catástrofes e os sofrimentos que se deram no século 20 como consequência das relações entre o poder político, de um lado, e forças militares e paramilitares, de outro. Desse ponto de vista, nada se compara ao advento dos regimes totalitários na Europa e na Ásia (Alemanha, URSS e China, principalmente).

Sobre o caso alemão permito-me reproduzir aqui o registro que fiz em meu livro Tribunos, Profetas e Sacerdotes, págs. 96-97: “No dia 02 de agosto de 1934, uma hora após a confirmação da morte do presidente Von Hindenburg, (Hitler) manda anunciar a fusão dos cargos de presidente da República e primeiro-ministro, que daquele momento em diante se concentrariam em suas mãos. No mesmo dia, os líderes das Forças Armadas e toda a oficialidade do Exército são convocados a jurar lealdade ao novo comandante em chefe. A forma do juramento era significativa: o Exército fora convocado para jurar fidelidade não à Constituição, não à Pátria, mas à pessoa física de líder: ‘Faço perante Deus este juramento sagrado: serei incondicionalmente obediente ao Führer do Reich e do povo alemão, Adolph Hitler, comandante supremo das Forças Armadas, e estarei pronto, em qualquer momento, como um bravo soldado, para hipotecar minha vida, nos termos deste juramento’”.

O que se passou nos anos seguintes não requer elaboração. O extermínio de milhões de judeus e de cidadãos de outras minorias é fato sobejamente conhecido. O que em geral não se sublinha na extensão necessária é o destino daqueles que hipotecaram a vida ao Führer. Ao fim da guerra, só na União Soviética cerca de 3 milhões de alemães se encontravam detidos como prisioneiros de guerra, sobrevivendo em condições atrozes até 1947.

Seria, pois, de toda a conveniência que o presidente Jair Bolsonaro falasse menos, ou falasse com mais responsabilidade, ou recorresse a assessores que lhe preparassem especulações mais adequadas.

*Sócio-diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências


Bolívar Lamounier: Entre dois vazios

O presidente quer extravasar impulsos narcisistas que não consegue controlar?

Na tradição liberal, a atividade política é entendida como a arte de equacionar os problemas da sociedade com o mínimo possível de confronto e violência. Uma arte que pressupõe o uso do poder do Estado, mas de forma comedida, guiada por um sentimento de proporção.

Em seu primeiro ano de governo, Jair Bolsonaro ignorou solenemente esse ensinamento fundamental da história política ocidental. Orientado, segundo se diz, pelo sábio da Virgínia, ele adotou uma linguagem radical, como se as urnas lhe houvessem conferido autoridade para mudar as próprias bases da sociedade e do sistema político. Como se a maioria eleitoral lhe tivesse outorgado autoridade para fazer o que lhe aprouvesse. Para refazer os fundamentos da economia e liquidar o que denominou “velha política”. Não hesitaria sequer em intervir no campo dos valores e comportamentos, implantando uma nova moralidade.

Por mais críticos que sejamos das estruturas e práticas públicas vigentes em nosso país, salta aos olhos que o bolsonarismo da primeira fase não se deixava pautar por uma perspectiva de comedimento e proporção. Em vez de se acomodar à distribuição de forças e objetivos corporificada na Constituição e nas leis, não disfarçava sua preferência por uma linha de terra arrasada, bem próxima do que o filósofo Bernard Yack denominou o mito da revolução total.

Nem de longe advogo uma opção pelo status quo. Sabemos todos que o Estado brasileiro está desde há muito corroído por interesses patrimonialistas e corporativistas, e pela corrupção sistêmica. Que nossa economia está travada, desprovida de dinamismo, excessivamente fechada e, portanto, incapaz de superar a chamada “armadilha do crescimento médio”. Que nossas desigualdades sociais, em si inaceitáveis, são diariamente reforçadas por um sistema educacional calamitoso. Que nosso sistema político é manifestamente disfuncional. Não há como ignorar ou subestimar a gravidade de tais desafios, mas o imperativo de superá-los terá de ser compatibilizado com o regime democrático, cujos pilares são, como antes argumentei, o comedimento e um sentimento de proporção.

É óbvio que o projeto inicial do bolsonarismo – se assim pode ser denominado – não poderia dar certo. Nenhuma sociedade, e em particular as regidas por regimes democráticos, se deixa dobrar com a facilidade que ele pressuponha. Ele haveria de esbarrar, como esbarrou, na diversidade corporificada nas instituições do Estado e na miríade de grupos e associações existentes no País. Se tais restrições em alguma medida sempre se impõem, mais dramaticamente ainda se impuseram a partir do momento em que o Brasil e o mundo inteiro sofreram o tremendo impacto da covid-19. Incapaz de levar avante o esforço (sem dúvida, louvável) de ajuste nas contas públicas, o governo viu-se forçado a trilhar o caminho inverso, destinando cifras consideráveis ao combate à doença.

Foi assim, forçado pelos equívocos intrínsecos de sua fantasia inicial e pela chegada da pandemia, que o presidente Bolsonaro se viu obrigado a retroceder. Obrigado não só a desistir do combate ao que vagamente denominava “velha política”, mas a trazer uma parte concreta dela – o chamado Centrão – para dentro do Estado. Não só a desistir do combate à corrupção, mas a aliar-se aos que se empenhavam em deter seu ímpeto, levando de roldão os avanços logrados pela Lava Jato. A opção que lhe restou para conservar certa similitude com o personagem fantasioso que inicialmente quis encarnar foi assumir uma conduta irresponsável em relação à pandemia, solapando abertamente a ação dos agentes médicos que lhe fazem frente nos níveis estadual e municipal.

Quanto ao projeto inicial, o passar do tempo não deixa dúvidas. Era um vazio, um oco total. Um buraco negro que só poderia perdurar engolindo toda a luz que em volta dele restasse. Seu fracasso nos arremessou de volta não ao ponto onde nos encontrávamos, uma vez que, bem ou mal, tínhamos uma agenda de reformas razoavelmente bem delineada. Arremessou-nos a um ponto anterior, a uma molécula nefasta na qual o populismo e a irresponsabilidade do presidente se sobrepuseram ao desafio das reformas que cedo ou tarde teremos de enfrentar.

Sabemos todos que, enquanto não dispusermos de um remédio ou de uma vacina eficaz, milhares de vidas continuarão a ser diariamente ceifadas. Que, por ora, o que podemos fazer é observar estritamente o distanciamento e o uso de máscaras. Isolado em suas crenças, na contramão do resto do mundo, Bolsonaro insiste em fazer o oposto: sai à rua sem máscara, aglomera-se com correligionários e chega mesmo a abraçar crianças e bebês. Cria esse espetáculo para propagandear o remédio milagroso que julga ter descoberto. Com que objetivo? Essa pergunta não parece comportar uma resposta racional. Pretende manter-se na crista da onda, de olhos fitos na eleição de 2022? Despreparado para a vida pública e para o cargo que ocupa, quer extravasar impulsos narcisistas que não consegue controlar?

Só Deus sabe.

*Cientista político, é sócio-diretor da Augurium Consultoria e membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências


Bolívar Lamounier: Bolsonaro: seis por meia dúzia?

Vamos lá, capitão, mostre sua coragem! Visite um hospital, conheça o trabalho que o pessoal médico faz nas UTIs

Na eleição presidencial de 2018, dezenas de milhões de brasileiros optaram pelo voto útil mais inútil de nossa história. Queriam se livrar do PT, mas arranjaram Bolsonaro. Como escreveu o filósofo americano Andrew Peirce, todo problema é causado por soluções. Pelas vagas indicações programáticas feitas durante a campanha, é plausível que a emenda tivesse saído um pouco melhor que o soneto. Mas não saiu, por várias razões, entre as quais duas são óbvias. Primeiro, porque o coronavírus não estava a fim de cooperar. Ao contrário, está deitando e rolando. O brasileiro médio não se distingue por um sentimento acentuado de responsabilidade ou por uma disposição a colaborar. Adora aglomerações.

A segunda razão chama-se Jair Messias Bolsonaro. Ignorante, autoritário e irresponsável, ele parece passar o dia todo pensando “naquilo”: tumultuar o país, com uma indisfarçável intenção de arrastá-lo para um golpe militar. Ou seja, o Brasil, quando mais precisava de um líder sensato e apaziguador, tornou-se refém de um especialista em dividir e desorganizar. Se conhecesse um pouco mais de história, perceberia que o primeiro a ser defenestrado por um golpe será justamente ele, Jair Bolsonaro. Conseguirá ser nomeado para nossa embaixada (que no momento está fechada) em Vanuatu.

Dado vivermos sob o regime presidencialista de governo é difícil vislumbrar uma alternativa legítima e constitucional até 2022. Tivéssemos o parlamentarismo, a solução para a crise institucional permanente que temos tido e a recuperação da legitimidade estariam ao alcance da mão: bastava antecipar as eleições gerais previstas para 2022. Renovar o Congresso, sem qualquer trauma ou ruptura, e organizar um novo governo. Conferir ao sistema
a flexibilidade que ele não possui.

Esse, porém, é um oásis distante. Mesmo depois do desastre dos governos Lula e Dilma, e experimentando agora o desgoverno Bolsonaro, o brasileiro médio acredita piamente que nossa versão de presidencialismo populista é o único modelo que se adapta ao Brasil. O único capaz de assegurar a “governabilidade”. Oremos, pois, para que, nos dois anos e meio de mandato que lhe restam, Bolsonaro ao menos demonstre alguma empatia pelas cerca de 40 mil familiares enlutadas.

Que troque o escárnio por alguma compaixão. Que visite um hospital, conheça o trabalho que o pessoal médico faz nas UTIs, quem sabe até colabore em alguma tarefa que não requeira conhecimento especializado. Vamos lá, capitão, mostre sua coragem.


Bolívar Lamounier: Elegia para um país à deriva

Triste como se comporta um presidente, que deveria contribuir para desarmar os espíritos

Em janeiro de 2019 Jair Messias Bolsonaro subiu a rampa do Palácio Planalto convencido de que seus eleitores lhe haviam outorgado um mandato para fazer o que bem entendesse. É um fato comum no sistema presidencialista de governo.

O eleito tende a pensar que dezenas de milhões de eleitores compareceram às urnas com um único pensamento. Sabiam exatamente os objetivos que o candidato de sua preferência deveria perseguir, e por que deveriam fazê-lo. Uma parte deles por certo se lembrava de que, na democracia, o poder é exercido dentro de limites estipulados na Constituição e nas leis, e também pela existência do “outro”, ou seja, dos adversários, que foram derrotados, mas não deixaram de existir.

Embora típico do sistema presidencialista, no caso de Bolsonaro o sentimento de onipotência a que acima me referi apresenta riscos adicionais de suma importância.

Primeiro, ele vê aquela enorme massa de votos como a voz do “povo” - de todos os brasileiros - e a escolha dele entre os diversos candidatos como um reconhecimento dos méritos que supostamente possui. Ora, ninguém ignora que a maior parte de sua votação se deveu à rejeição generalizada ao PT e ao desastroso legado dos governos petistas; e, complementarmente, ao péssimo desempenho dos partidos de centro, que não conseguiram se unir em torno de uma candidatura e de símbolos apropriados ao tenso momento sob o qual o Brasil tem vivido já há vários anos.

Uma pequena parcela do eleitorado intuiu que o candidato pretendia fazer reformas. Designado com antecedência, Paulo Guedes sinalizava uma orientação liberal na economia, e ele mesmo, Bolsonaro, falava em acabar com a “velha política”, expressão tão vaga como o “contra tudo o que aí está” dos primórdios do PT. A cereja do bolo - quero dizer, a parte mais esdrúxula do imaginário mandato bolsonarista - ficou a cargo do sábio da Virgínia. Seria o combate a um moinho de vento por ele denominado “marxismo cultural”.

Mas os riscos embutidos na visão política de Bolsonaro vão muito além dos que acima tentei alinhavar. Mais grave, ao que tudo indica, é o fato de tal visão existir muito mais no campo da psicologia que no do raciocínio.

Parco em letras, Bolsonaro parece travar uma luta diária contra os limites que o sistema político lhe impõe e seu fígado, que o estimula a derrubá-los. Desconhece por completo o significado e o alcance da expressão “liturgia do cargo”. Não compreende que, uma vez investido na suprema magistratura do País, ele não mais se pertence.

Sua propensão a demonstrar “franqueza” tem muito de infantil. Como chefe de Estado, ele deve se comportar com moderação e comedimento, abstendo-se de recorrer a termos inadequados à posição que ocupa e de insultar integrantes dos outros Poderes e jornalistas.

Esse perfil assaz telegráfico que estou tentando traçar indica que o presidente tem uma indisfarçável inclinação autoritária, ditatorial, mas isso ainda é dizer pouco. Não por acaso, o último rumor que nos devia atormentar - a iminência de alguma aventura golpista - passou a frequentar diariamente as páginas dos jornais.

Do fígado, que ele a duras penas tenta controlar, vez por outra emergem traços francamente paranoicos, notadamente a percepção de que decisões ou pronunciamentos contrários a seus desejos são indícios de alguma conspiração. Vale dizer, da perfídia de inimigos empenhados em apeá-lo do poder.

A controvérsia sobre o artigo 142 da Constituição, que supostamente confere às Forças Armadas a faculdade de intervir como um poder moderador na eventualidade de conflito entre os Poderes, deu à conjuntura o toque pitoresco que talvez lhe faltasse. O que se pode sensatamente afirmar, especialmente em relação ao Exército, é que sua excessiva presença no governo empresta uma aura de veracidade a essa tolice, com grave prejuízo para sua imagem institucional.

Salta aos olhos que a chegada da covid-19 - bem como a atribuição, pelo Supremo Tribunal Federal, da responsabilidade primária pelo combate à epidemia aos Estados e municípios - elevou os riscos precedentemente mencionados à enésima potência. Ignorando e contrariando - exatamente como fez Donald Trump, nos Estados Unidos - o diagnóstico elaborado pelos serviços de inteligência, Bolsonaro retardou o sentimento de urgência que se impunha. E levou-o a solapar tais esforços, descumprindo deliberada e ostensivamente as recomendações adotadas não só no Brasil, mas em quase todo o mundo.

É triste ver comportar-se dessa forma um presidente que deveria contribuir para o desarmamento dos espíritos e para a eficácia do atendimento aos doentes. Um homem corajoso, ex-atleta, não se deixaria intimidar por uma “gripezinha”.

Uma palavra de preocupação ou compaixão pelas famílias enlutadas não parece compatível com tal perfil. Pena não ter ele até agora demonstrado sua coragem, passando um dia num hospital e colaborando, quem sabe, em tarefas que não requerem conhecimentos específicos de saúde.

*Sócio-diretor da Consultoria Augurium, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências