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Ricardo Noblat: Ações policiais do governo remetem à época do regime militar

Bolsonaro cria mais um órgão de segurança

E assim se passaram os últimos 10 dias. No primeiro, quando Rubens Valente, colunista do UOL, informou que o Ministério da Justiça pusera em prática desde junho uma ação sigilosa sobre um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança identificados como integrantes do “movimento antifascismo” e três professores universitários, o que fez André Mendonça?

O ministro da Justiça limitou-se a responder com uma nota onde disse ao que se presta a Secretaria de Operações Integradas, uma das cinco subordinadas diretamente a ele. Sobre a ação sigilosa posta em prática pela Secretaria e que dera origem a um relatório, nem uma palavra. Na semana passada, com o assunto ainda quente, Mendonça afirmou que desconhecia qualquer relatório.

Anteontem, ao ser perguntado sobre o assunto em entrevista, o ministro disse que nem confirmava, nem desmentia a existência de um relatório sobre servidores que em suas redes sociais tivessem se manifestados como antifascistas. Mas, que mandara abrir uma sindicância para apurar tudo, uma vez que numa democracia a livre manifestação de pensamento é assegurada.

Ontem, antes do início dos trabalhos da comissão de sindicância formada só por representantes do governo, Mendonça anunciou que decidira substituir o chefe da Diretoria de Inteligência da tal secretaria, Gilson Libório Mendes, coronel reformado, designado por ele para o cargo há dois meses, e autor do relatório. Dá para acreditar que Mendonça não soubesse de nada?

Do relatório constam nomes e, em alguns casos, fotografias e endereços de redes sociais das pessoas monitoradas. Investida das atribuições de serviço de “inteligência” por um decreto de Jair Bolsonaro assinado no seu primeiro dia como presidente da República, a Secretaria de Operações Integradas não submete todas as suas ações a acompanhamento judicial.

Ela opera nos mesmos moldes dos outros órgãos que realizam normalmente há anos o trabalho de inteligência no governo, como o Centro de Inteligência do Exército e o Gabinete de Segurança Institucional. Para Bolsonaro, antifascistas são “marginais, terroristas” que “querem quebrar o Brasil”. Quanto a fascistas propriamente ditos, o presidente nunca disse o que são.

O relatório do Ministério da Justiça foi produzido menos de uma semana depois da declaração de Bolsonaro sobre os antifascistas. A certa altura, ele registra: “Verificamos alguns policiais formadores de opinião que apresentam número elevado de seguidores em suas redes sociais, os quais disseminam símbolos e ideologia antifascistas”. Não há lei que criminalize o antifascismo.

Fazem parte do relatório dois manifestos – um de 2016, assinado por policiais “em defesa da legalidade” que estaria ameaçada pelo impeachment aberto contra a então presidente Dilma Rousseff, e o outro deste ano, que condena o fascismo sem mencionar Bolsonaro nem o seu governo. E cópias em PDF do livro “Antifa – o manual antifascista”, e de um “manual de terrorismo BR”.

Disponível na internet e escrito em linguagem de adolescente, o “manual” diz ter receitas para fabricação de bombas caseiras e atos de “anarquia”. O relatório não oferece qualquer explicação que permita ligar esse “manual” aos antifascistas – sejam os antifascistas monitorados pela Secretaria, sejam outros. A juntada do livro e do “manual” funciona como uma simples sugestão.

Bolsonaro, e muitos que o cercam são fissurados em teorias conspiratórias. Na reunião ministerial de 22 de abril passado, Bolsonaro queixou-se do aparelho de inteligência do governo que não o informava direito. Na última sexta-feira, ele criou o Centro de Inteligência Nacional, um novo órgão da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) comandada por um delegado da sua confiança.

Dentre outras atribuições, o Centro deverá planejar e executar atividades de inteligência destinadas “ao enfrentamento de ameaças à segurança e à estabilidade do Estado e da sociedade” e implementar a “produção de inteligência corrente e a coleta estruturada de dados”. A ABIN começa a lembrar o Serviço Nacional de Inteligência (SNI) da época da ditadura militar de 64.

Rodrigo Maia garante uma boa noite de sono a Bolsonaro

Sem impeachment
Era tarde quando as mensagens de ministros e de amigos começaram a aparecer no celular de Jair Bolsonaro, e todas com a mesma informação: em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, acabara de dizer que arquivará os mais de 50 pedidos de abertura de processo de impeachment contra ele.

Razão do arquivamento: “Destes [pedidos] que estão colocados, eu não vejo nenhum tipo de crime atribuído ao presidente, de forma nenhuma”, explicou Maia. Cada um dos pedidos lista uma série de supostos crimes cometidos por Bolsonaro. O que Maia quis dizer é que nenhum deles lhe pareceu convincente e bem fundamentado. Irá arquivá-los antes do final deste ano.

Nem por isso Maia poupou Bolsonaro de críticas. Sobre o Covid-19, afirmou que Bolsonaro “errou na questão ao minimizar o impacto da pandemia, a questão da perda de vidas. Vamos chegar a 100 mil vidas perdidas. Ele minimizou, criou um falso conflito.” E baixou o pau na Lava Jato, que chamou de uma “operação política”. Elogiou Augusto Aras, Procurador-Geral da República.

“Os fatos mostraram que excessos ocorreram [na Lava Jato] e cabe ao procurador-geral, junto com a corregedoria e com o Conselho Nacional do Ministério Público, tomar decisões a respeito”, disse. “Acho que Aras está indo no caminho correto, organizar o processo para que esses excessos não se repitam mais no nosso país.” Bolsonaro e Aras tiveram uma boa noite de sono.