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Bruno Boghossian: Senador da cueca simboliza relação de Bolsonaro com baixo clero

Presidente levou representantes da planície da política para o Palácio do Planalto

O presidente não gostou da repercussão da batida policial que encontrou dinheiro na cueca do senador Chico Rodrigues (DEM). “Não tenho nada a ver com isso”, reclamou. O que se sabe do caso até agora não sugere uma conexão entre os desvios e o Palácio do Planalto, mas o protagonista do escândalo simboliza bem as relações políticas de Jair Bolsonaro.

Agora notório, Rodrigues foi um deputado típico do baixo clero por cinco mandatos. Nunca liderou a bancada de um partido e só presidiu uma única vez uma comissão da Câmara. Foi na planície que ele conheceu Bolsonaro, um político que habitou esse território por três décadas.

Num vídeo que voltou a circular depois da operação, o hoje presidente chama Rodrigues de “velho colega de Câmara” e brinca que a relação de 20 anos entre os dois era “quase uma união estável”. Não foi surpresa, portanto, quando o parlamentar inexpressivo se tornou vice-líder do governo no Senado, nos primeiros meses de mandato de Bolsonaro.

A função é quase alegórica. Quem apita, na maioria dos casos, é o líder de fato. Ainda assim, ela carrega algum peso –tanto é que, no meio do ano, o presidente usou os cargos de vice-líder na Câmara para mudar o perfil do governo: afastou deputados da chamada ala ideológica e instalou ali parlamentares do centrão.

Além da longevidade conjunta no baixo clero, o que uniu a dupla foram conexões políticas igualmente desimportantes. Na antiga gravação, Rodrigues enalteceu Bolsonaro por seu patriotismo e pela “defesa dos princípios da família”. Depois, já no Planalto, o presidente elogiou a postura do aliado contra a obrigatoriedade da troca de taxímetros.

Bolsonaro carregou para o gabinete presidencial as companhias e a lógica política de seus anos no Congresso. Estão com ele a mesma retórica vazia, as mesmas plataformas frívolas e as mesmas bandeiras moralistas. Rodrigues expõe ainda o hábito de certos personagens que costumam cultivar outros valores. Estes são guardados em dinheiro vivo.


Bernardo Mello Franco: O baixo clero sobe a rampa

Festa da vitória de Bolsonaro teve discurso anticomunista, oração com pastor e aceno às bancadas conservadoras do Congresso

Na primeira aparição como presidente eleito, Jair Bolsonaro fechou os olhos, baixou a cabeça e fez silêncio para ouvir apalavra de Magno Malta. De camiseta amarela e relógio de ouro no pulso, o dublê de senador e cantor gospel festejou a vitória de “um cristão verdadeiro, um patriota”. “Os tentáculos da esquerda jamais seriam arrancados sema mão de Deus”, celebrou.

O tom de pregação também marcou o discurso de Bolsonaro. Ele começou citando uma passagem bíblica: “Conhecerei a verdade, e a verdade vos libertará”. Depois agradeceu as orações de eleitores e definiu sua chegada à Presidência como “uma missão de Deus”.

Foram sinalizações claras ao eleitorado evangélico, que impulsionou sua vitória. No Ibope de sábado, ele ostentava 27 pontos de vantagem neste segmento religioso. Entre os católicos, Fernando Haddad aparecia dois pontos à frente.

Sete dias depois de ameaçar os opositores coma cadeia ou o exílio, o presidente eleito tentou se reapresentar como conciliador. No discurso lido, prometeu um governo “defensor da Constituição, da democracia e da liberdade”. “Não é a palavra vã de um homem. É um juramento a Deus”, disse.

Em outro momento, ele afagou as Forças Armadas com uma homenagem ao comandante da tropa na Guerra do Paraguai. “Não sou Caxias, mas sigo o exemplo deste grande herói brasileiro. Vamos pacificar o Brasil”, afirmou.

Antes de surgir diante das câmeras, Bolsonaro saudou os seguidores em seu ambiente favorito: as redes sociais. Mais à vontade, definiu seus eleitores como “integrantes de um grande exército que sabia para onde o Brasil estava marchando e clamava por mudanças”.

Na fala de improviso, o presidente eleito voltou a soar como o candidato em campanha. Atacou a “grande mídia”, prometeu combater o “comunismo” e acenou aos velhos companheiros do Congresso. “Todos os nossos compromissos serão cumpridos com as variadas bancadas”, disse.

A frase é uma senha de que Bolsonaro encampará as agendas dos ruralistas, da frente evangélica ed abancada da bala. O capitão construiu sua carreira no chamado baixo clero, esnobado por seguidos governos. Agora a turma vai subir a rampa do Planalto a seu lado.