bacurau

‘Bacurau, muitos amaram, outros odiaram’, afirma Martin Cezar Feijó

Historiador faz comentário do filme em artigo de sua autoria publicado na nova edição da revista Política Democrática online

“Bacurau (Brasil, 2019), dos brasileiros Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, é um filme polêmico, gerou debates polarizados, muitos amaram, outros odiaram, nem sempre por razões cinematográficas, em grande parte por razões políticas e ideológicas, mas, antes de tudo, é um filme. E bom. Cumpre o que se propõe: contar uma história atual, mesmo que anuncie se passar em um futuro próximo”. O comentário sobre o filme é do historiador Martin Cezar Feijó, em artigo de sua autoria publicado na nova edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania, em Brasília.

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Feijó, que também é doutor em comunicação pela USP e professor de comunicação comparada na FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), ressalta que o objetivo do seu texto não é fazer uma crítica cinematográfica, mas um comentário cultural. “O filme estreou mundialmente no Festival de Cannes deste ano e levou o Prêmio do Júri. O que não é pouco”, lembra.

O autor ressalta que o filme também ganhou como melhor filme no Festival de Munique. E deve participar ainda em muitas competições internacionais.  “Está, portanto, fazendo uma carreira internacional vitoriosa, com boas avaliações em Paris ou Nova York, por exemplo. E, o mais importante, atraindo um grande público. Um filme que se assiste com grande atenção”, afirma.

Com um grande elenco. E que conta uma história original, da ameaça a uma comunidade por um grupo de atiradores estrangeiros, dotados de aparelhos sofisticados como drones e se comunicando em inglês através de satélites. “A população da cidade também, apesar de pobre, é bem atualizada, reconhecendo tecnologias e até reclamando quando não recebe sinais para seus aparelhos de telefones celulares”, observa.

Os invasores, segundo o autor, apesar de serem em sua maioria constituídos de norte-americanos, têm entre eles dois brasileiros da região Sudeste, revelando no decorrer do filme um divertimento entre pessoas que querem descarregar frustrações alvejando uma população pobre impunemente. Até com a ajuda de líderes políticos regionais.

Integram o conselho editorial da revista Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho. A direção da revista é de André Amado.

 

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Revista Política Democrática || Martin Cezar Feijó: Bacurau - um faroeste do século 21

O artigo de Martin Cezar Feijó, segundo o autor, não tem o objetivo de fazer uma crítica cinematográfica, mas um comentário cultural. Polêmico, Bacurau é, antes de tudo, um filme, cumprindo o que se propõe: contar uma história atual

Bacurau (Brasil, 2019), dos brasileiros Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, é um filme polêmico; gerou debates polarizados; muitos amaram, outros odiaram, nem sempre por razões cinematográficas, em grande parte por razões políticas e ideológicas; mas, antes de tudo, é um filme. E bom. Cumpre o que se propõe: contar uma história atual, mesmo que anuncie se passar em um futuro próximo.

Até porque o objetivo deste texto não é fazer uma crítica cinematográfica, mas um comentário cultural. O filme estreou mundialmente no Festival de Cannes deste ano e levou o Prêmio do Júri. O que não é pouco. Também ganhou como melhor filme no Festival de Munique. E deve participar ainda em muitas competições internacionais.

Está, portanto, fazendo uma carreira internacional vitoriosa, com boas avaliações em Paris ou Nova York, por exemplo. E, o mais importante, atraindo um grande público.

Um filme a que se assiste com grande atenção. Com um grande elenco. E que conta uma história original, da ameaça a uma comunidade por um grupo de atiradores estrangeiros, dotados de aparelhos sofisticados como drones e se comunicando em inglês através de satélites. A população da cidade também, apesar de pobre, é bem atualizada, reconhecendo tecnologias e até reclamando quando não recebe sinais para seus aparelhos de telefones celulares.

Os invasores, apesar de serem em sua maioria constituídos de norte-americanos, têm entre eles dois brasileiros da região Sudeste, revelando no decorrer do filme um divertimento entre pessoas que querem descarregar frustrações alvejando uma população pobre impunemente. Até com a ajuda de líderes políticos regionais.

Uma questão social vem à tona no decorrer da narrativa. Racistas demonstram todo um ódio quando descarregam nos brasileiros do grupo muitos tiros por “não terem entendido” que deveriam respeitar regras e serem submissos a seus “superiores” estrangeiros.

É neste ponto que o filme revela seu caráter político – na linha de Brecht, até didático –, assim como fica explicita uma vocação para aderir a uma resistência que se organiza na comunidade. Até um proscrito foragido é convocado à resistência, que desenterra armas para a população se preparar para o enfrentamento ao ataque de que está sendo ameaçada.

O tiroteio corre solto, os invasores são mortos até entre si, e suas cabeças cortadas, lembrando a morte dos cangaceiros liderados por Lampião, em 1938.

Enquanto gênero, Bacurau pode ser visto como parte de um cinema de ação, conhecido como western. Até pela localização geográfica em que a ação se passa – Oeste de Pernambuco.

Western, um gênero decisivo, a ponto de o crítico francês André Bazin escrever que o gênero se confunde com o próprio cinema. E que mantém sua vitalidade, apesar das variações, em toda a história do cinema. Bacurau é definido por um de seus diretores, Kleber Mendonça Filho, em entrevista à revista Veja, como um faroeste e não um panfleto, como às vezes é visto e analisado.  Claro que o filme faz referências não só aos filmes de faroeste, como ao maior cineasta da história do cinema brasileiro, Glauber Rocha, para quem o cangaço e o messianismo, a partir de Euclides da Cunha, demonstram um Brasil pouco conhecido nas metrópoles.

Mas Bacurau é, antes de tudo, um filme. Um filme de ação. Violento, sim. Mas que deve ser visto em sua estrutura narrativa como um filme que provoca emoções, uma catarse. Que alguns amam, outros odeiam. Um filme político na melhor tradição do cinema, que entretêm e faz pensar nesses tempos sombrios em que a cultura vem sendo cerceada de várias formas, de censura a bloqueios burocráticos. Portanto, é muito bom o sucesso de um filme que emociona, conta uma história de ação e resistência, e enfrenta uma situação que revela nos comentários emitidos muito mais uma relação subjetiva e, portanto, ideológica, do que estética.

Que Bacurau siga sua trilha de sucesso e abra caminhos para mais filmes ousados no cinema brasileiro.