América do Norte

Rubens Barbosa: ‘O perigoso caso de Donald Trump’

Durante a campanha eleitoral, Jeb Bush previu corretamente que Donald Trump era o candidato do caos e, caso eleito, seria um presidente do caótico. Questões de guerra e paz, armas nucleares, imigração e previdência social, que afetam milhões de pessoas nos EUA e em outros países, são tratadas surpreendentemente de maneira pública, muitas vezes contrariando as posições de seus ministros, em tuítes matinais.

Decorridos dez meses da posse e diante das atitudes desconcertantes de Trump, aumentam as incertezas sobre as perspectivas do atual governo norte-americano. O formato e o estilo de seus pronunciamentos públicos, sem precedentes na história política de Washington, a atitude quase autoritária de impor a sua vontade contra a de seus ministros e a maneira como pauta a imprensa, atacada e desprezada por ele, causam perplexidade não só na política interna, sobretudo na relação com o Congresso, mas igualmente ao redor do mundo, em especial entre os principais aliados dos EUA na Europa e na Ásia.

As ações unilaterais de Trump, em muitos casos incoerentes, estão mudando políticas em vigor sem definições alternativas. Disputas com aliados republicanos, opositores democratas e membros de seu ministério começam a ser percebidas como ameaças à estabilidade do governo, como indicam os primeiros pedidos de impedimento apresentados ao Congresso. Em várias frentes, como saúde, imigração, na chamada guerra cultural, que se estende da briga com atletas por seus protestos contra a violência policial na hora do hino nacional à suspensão da proteção contra a discriminação a transgêneros no trabalho, Trump coleciona derrotas, embora muitos (mais de 38% da população) ainda o apoiem, pelo que entendem ser a defesa dos valores americanos, perdidos com Barack Obama.

A crescente falta de credibilidade da administração Trump entre os governos europeus, em particular o da Alemanha, começa a acarretar um gradual afastamento nas posições defendidas pelos dois lados. Em termos de segurança e defesa, de um lado, e de comércio, de outro, percebe-se uma gradual desvinculação da Europa e a busca de um caminho próprio na defesa de seus interesses.

Para justificar essa percepção, cabe mencionar o que está ocorrendo em três áreas: política interna, comércio exterior e política externa.

Em termos de política doméstica, a guerra com a imprensa (CNN, NBC) pelo que ele diz serem notícias falsas (fake news) acerca da ação da Rússia durante a eleição presidencial, que levou à designação de um promotor especial para investigar essa interferência, a tentativa de revogar todas as políticas internas e externas aprovadas por Obama e a maneira pouco solidária como tem tratado a sorte do povo de Porto Rico depois da destruição pelo furacão Maria são alguns exemplos da divisão existente na sociedade norte-americana.

Quanto ao comércio exterior, basta citar o conflito com a Organização Mundial do Comércio (OMC), severamente afetada pela recusa dos EUA de discutirem a nomeação de juízes para o órgão de apelação do mecanismo de solução de controvérsias, em Genebra, pondo em risco um dos pilares mais importantes da instituição. Também a crise com o Canadá e o México na discussão do Nafta, chamado por Trump de o pior acordo negociado pelos EUA, pode criar um clima de incerteza comercial com repercussão global e uma repercussão negativa política e econômica no México na antevéspera da eleição presidencial, que poderá beneficiar o candidato da oposição e de tendência antiamericana, Manuel Lopes Obrador. O governo de Washington apresentou sete propostas de mudanças, incluindo uma que determina que o acordo seja renovado a cada cinco anos, introduzindo uma insegurança jurídica que os governos canadense e mexicano consideram muito difíceis de aceitar (non-starters). A retirada dos EUA do acordo com a Ásia – Transpacific Partnership (TPP) – e a revisão do acordo comercial com a Coreia do Sul agregam mais um elemento de dúvida quanto à palavra de Washington nas negociações internacionais.

No capítulo da política externa, Trump conseguiu a proeza de juntar ao mesmo tempo dois desafios nucleares, com o Irã e com a Coreia do Norte. A não certificação do acordo multilateral sobre o programa nuclear iraniano não retira os EUA do acordo, mas transfere para o Congresso o exame de novas sanções econômicas pelo que ele considera descumprimento do acordo. Isso só fez aumentar a divisão com a Rússia, a China e os países europeus consideram que o Irã está cumprindo os termos do acordo. As manifestações contraditórias em relação aos programas nuclear e balístico de Pyongyang e as ameaças à China para que interrompa o comércio bilateral com Kim Jong-un, a saída da Unesco, assim como as restrições ao Banco Mundial em razão de empréstimos à China e o esvaziamento do Acordo do Clima de Paris isolaram ainda mais os EUA. A ameaça de intervenção militar na Venezuela alienou o apoio dos países latino-americanos. As marchas e contramarchas em relação à Rússia e à China (considerada o maior inimigo dos EUA) introduzem mais um elemento de incerteza em termos geopolíticos.

As seguidas manifestações de Trump – verdadeiro reality show – com sinais contraditórios não estão sendo levadas a sério e são entendidas e ignoradas como expressões de autossuficiência patológica. O comportamento do presidente norte-americano levou um grupo de 27 psiquiatras e psicanalistas a publicar o livro O Perigoso Caso de Donald Trump (The Dangerous Case of Donald Trump), de grande sucesso editorial nos EUA.

Fora o fato de estar em jogo a credibilidade da palavra do governo norte-americano, sobram razões de justificada ansiedade no mundo.

O Estado de São Paulo

* Rubens Barbosa é presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice)

 

 


FMI reduz a previsão de crescimento para o Brasil e a América Latina

Fundo confirma que a América Latina deve superar a recessão, mas diminui previsão de crescimento

O Fundo Monetário Internacional tenta ser mais otimista ao afirmar que o crescimento ganha mais vigor neste ano após um 2016 decepcionante. Segundo a última revisão dos números da economia global, a América Latina superará dessa forma a recessão, ao se expandir 1,2% nesse ano. Mas também será menor do que o esperado. São quatro décimos a menos em relação ao projetado há três meses e o órgão alerta sobre o impacto negativo da incerteza política em um cenário de baixa produtividade, investimentos frágeis e comércio internacional sem incentivo.

A saída da recessão na região é atribuída ao salto dado pela economia brasileira, a maior do subcontinente. A diminuição das tensões políticas internas e a recuperação do mercado das matérias-primas ajuda. Isso permitirá que ao invés de se contrair 3,5%, cresça um tímido 0,2% nesse ano e acelere a 1,5% no próximo. Mas a expansão é três décimos menor do que o esperado — em outubro a previsão do Fundo para o Brasil era de um crescimento de 0,5%.

As economias latino-americanas terminaram o ano com uma contração de 0,7%, um décimo pior do que o previsto no final do ano. Dessa forma, já se adiantou o pior cenário e que o índice cairia dois pontos percentuais ao longo de 2017. O de 2018 se mantém em 2,1%. O crescimento para a região nesse ano fica assim a menos da metade do caminho do 3,4% esperado para a economia global. As economias emergentes e em desenvolvimento crescerão 4,5%.

O Banco Mundial publicou a atualização de suas projeções há uma semana. O órgão calcula que a expansão da economia global irá acelerar 2,7% nesse ano. O crescimento no grupo dos países emergentes e em desenvolvimento subirá de 3,4% em 2016 a 4,2% em 2017. A América Latina crescerá 1,2%. Mas o Banco Mundial alerta que, apesar a da melhoria, a incerteza domina.

A equipe liderada por Maurice Obstfeld, o economista chefe do FMI, faz uma análise semelhante. A conjuntura global enfrenta um panorama mutável. “Os riscos são significativos e de difícil previsão”, indicam. Citam expressamente o impacto das políticas isolacionistas e protecionistas. Na América Latina, dizem, a revisão para a queda reflete uma menor expectativa de recuperação a curto prazo na Argentina e no Brasil e os problemas que o México enfrentará em relação aos EUA.

Represálias comerciais

O México, pelo contrário, estancou. A expansão passará de 2,2% em 2016 a 1,7% nesse ano. É uma diminuição de seis décimos na previsão, a segunda maior depois da Arábia Saudita. O pessimismo é atribuído à vitória de Donald Trump e ao fato das condições financeiras serem mais restritivas pelo enfraquecimento da taxa de câmbio. A previsão para 2018 também é de queda, 2%. Na espera de que as reformas estruturais comecem a dar frutos, o temor é o impacto da nova direção da política comercial nos EUA.

Os efeitos da mudança de governo em Washington vão em duas direções. Por um lado, o incremento dos investimentos em infraestrutura e o corte de impostos podem acelerar o crescimento dos EUA. Isso, a princípio, é bom para os países que fazem negócios com a maior economia do mundo. Mas o protecionismo de Donald Trump pode acabar com esse impulso e criar tensões, o que se soma a uma aceleração do aumento da taxa de juros.

O impulso do plano econômico do presidente eleito ainda demorará dois anos para ser sentido e dependerá, de qualquer forma, do que for adotado no Congresso. A maior potência do planeta crescerá 2,3% nesse ano, saindo de um anêmico 1,6% em 2016. É uma revisão com aumento de um décimo em relação ao previsto há três meses. E crescerá dois décimos em 2018, até 2,5%, quase meio ponto percentual a mais.

O FMI volta a afirmar que as reformas estruturais são a prioridade por conta do fraco ritmo de crescimento da produtividade. Na maior parte dos casos vê a possibilidade de apoiá-las com incentivos fiscais. Ao mesmo tempo, defende uma maior integração econômica pela via da formação dos empregados para assim conseguir enfrentar o desafio da globalização e da mudança tecnológica, que se intensificará no futuro.


Fonte: brasil.elpais.com


‘Trumpeconomics’, um salto no vazio

Programa econômico de Trump coloca em perigo o comércio mundial

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, apresentou um programa econômico contraditório, mal-alinhavado e construído fundamentalmente sobre as ideias, claramente nocivas para o crescimento econômico norte-americano e mundial, do protecionismo mais arcaico e da negação do multilateralismo. Não surpreende, pois, que hoje muitos economistas — e também mercados e investidores — queiram se proteger por trás do argumento, fraco mas plausível, de que as declarações incendiárias de campanha e as propostas desatinadas tropeçarão em breve no realismo que qualquer ação de governo impõe. A pergunta pertinente é se o isolacionismo hostil defendido pelo candidato Trump é compatível com uma economia globalizada onde o presidente Trump teria que operar.

Existem razões para um otimismo moderado. O protecionismo proposto pelo candidato, suas investidas contra a globalização e suas ameaças de tarifas e barreiras são ideias de difícil execução. Não é possível desvencilhar-se dos acordos econômicos e ambientais firmados pelos EUA, e dentro do Partido Republicano tampouco existe um acordo monolítico sobre essa neurose protecionista que afeta o presidente eleito. Isso embora seja evidente que o instrumento comercial decisivo para a Europa, o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP), sofrerá importantes atrasos ou um congelamento quase definitivo.

O protecionismo é um grave risco para os EUA, a zona do euro e os países emergentes

A concepção protecionista de Trump multiplica o risco de uma recessão global justamente porque cerceia a raiz de qualquer possibilidade de crescimento do comércio internacional; sem o TTIP, a zona do euro perde um instrumento básico para recuperar taxas de crescimento, emprego e renda do euro. Para os países emergentes, as expectativas são ainda piores: dependendo de cada caso, o protecionismo planejado atrasará suas respectivas recuperações durante trimestres ou até mesmo anos.

Como os interesses das empresas norte-americanas no mundo vão além do fundamentalismo isolacionista do novo presidente, é provável que os lobbies intercedam para mitigar as arestas mais radicais do discurso. Convém contrastar a violenta antiglobalização de Trump com a experiência dos que tomariam as decisões econômicas reais no novo Governo. Os temores fatalistas gerados por programas incendiários talvez sejam mitigados depois, quando se leva em conta que a nova equipe econômica tende mais ao realismo. Ainda que as ameaças lançadas contra Janet Yellen, a presidente do Federal Reserve (o banco central norte-americano), não sinalizem nada positivo.

Washington não pode nem deve romper seus compromissos econômicos internacionais

Os mercados mundiais, no momento, optaram por esperar e ver o que acontece. Após uma reação inicial de temor, os investidores ponderam que as propostas do presidente eleito não são disparatadas quando se leva em conta o crescimento econômico interno, mas são contraditórias. Trump propõe ao mesmo tempo reduzir os impostos — algo que Reagan fez com maus resultados, embora a economia vudutenha atraído seguidores na Europa e, sobretudo, na Espanha — e desenvolver um ambicioso plano de investimento em infraestrutura. Gastar mais dinheiro contando com menos receita implica, de forma imediata, elevar o déficit e o endividamento do país; é muito elevada a probabilidade de que sejam necessárias novos aumentos de impostos no médio prazo. O plano estratégico carece de nuances. Uma aposta no petróleo e no carvão é simplesmente regressiva, pois solapa a criação de postos de trabalho com maior valor agregado nas novas energias.

Há outra consequência previsível: as taxas de juros terão que subir (nova pressão sobre a Fed) e também terá de haver uma apreciação do dólar. Para a Europa, o efeito pode ser uma melhora na competitividade — num mercado mundial não protecionista — e, se a expansão fiscal e monetária consolidar o crescimento americano, um incentivo poderoso para que Bruxelas, Berlim e Frankfurt aceitem finalmente a expansão fiscal.

A trumpconomics parece hoje um perigoso salto no vazio. Rompe a fraca relação do comércio mundial, cujo fortalecimento era uma das esperanças para uma recuperação mais pujante; materializa a ameaça de uma guerra comercial entre as áreas monetárias; quebra o ajuste gradual das taxas de juros dos EUA, tendência que era — e já é — um reconhecimento dos compromissos de Washington com a economia global; expõe o mundo a uma nova recessão e propõe o agravamento da desigualdade nos EUA. Washington não pode nem deve se retirar dos compromissos com o equilíbrio econômico geral e com a arquitetura das instituições multilaterais. Essa é a ameaça iminente que Trump representa.


Fonte: brasil.elpais.com


Cai um muro, ergue-se outro

Há 27 anos os alemães derrubaram o muro de Berlim com as próprias mãos. Nesta quarta, os EUA ergueram outro

Neste dia 9 se completam 27 anos que milhares de alemães derrubaram, com as próprias mãos, o muro que por mais de duas décadas dividiu Berlim entre oriental e ocidental. A marca visível de uma guerra fria que incentivou ditaduras e repressão política pelo mundo. E nesta quarta, justamente quando se comemora o aniversário da queda do muro de Berlim, é eleito nos Estados Unidos um presidente que propõe construir uma nova muralha de mais de 3 mil quilômetros de extensão na fronteira entre os Estados Unidos e o México. O objetivo de Donald Trump é conter a imigração ilegal de latino-americanos. A obra, orçada em cerca de 8 bilhões de dólares, seria paga pelo governo mexicano. Para isso, Trump planeja bloquear a transferência de dinheiro de imigrantes ilegais dos EUA para o México até que o governo do país vizinho concorde em arcar com o custo da obra.

O discurso contra os imigrantes hispânicos ocorre num momento de crise econômica e falta de empregos e rendeu muitos votos da classe média branca ao bilionário norte-americano. Mas entre o discurso radical de campanha e a realidade existe um fosso enorme. Uma distância que, se não for respeitada, colocará o mundo de volta ao seu pior passado. Um confronto não ideológico, como foi o da extinta União Soviética contra os Estados Unidos, mas da perseguição das minorias como fez Hitler com os judeus na Alemanha nazista. É bom lembrar que Trump também defendeu a proibição da entrada de muçulmanos no país, a vigilância das mesquitas pelo serviço de inteligência e o uso da tortura em suspeitos de terrorismo para arrancar confissões de supostos atentados.

Mas até onde Donald Trump está realmente disposto a investir nessa verdadeira guerra interna contra os imigrantes? Até que ponto, por exemplo, ele irá avançar na radicalização contra a colônia latina que hoje representa mais de 55 milhões de pessoas? Convenhamos: não seria prudente para um governo em início de mandato e cercado de desconfiança internacional enfiar a mão nessa cumbuca. Principalmente depois que ele obteve parte dos votos de hispânicos em estados como a Flórida, que acabaram por garantir sua vitória no país. Trata-se de um eleitorado latino conservador e religioso, que não raro é machista, homofóbico e contra o aborto. E, portanto, alinhado com o pensamento do novo presidente.

Por tudo isso, não acredito que Trump irá cumprir a promessa bizarra da construção física de um muro. Mas acho bem plausível que ele, com suas políticas públicas, amplie ainda mais o muro invisível de preconceitos e de exclusão contra os latinos na sociedade norte-americana. Daqui para frente vai ser bem mais difícil para os hispânicos tentarem a vida nos Estados Unidos. E mais difícil ainda para os ilegais permanecerem no país. Mas quem sabe essa não seja a janela que se abre para os latino-americanos começarem um novo sonho em seus próprios países. Agora, gostem ou não, o futuro é aqui nestas outras Américas, Central e do Sul.