Alon Feuerwerker
Alon Feuerwerker: Para a defesa de interesses, manobras complexas
Governos que se mantêm apesar das crises induzem a celebrar e elogiar a institucionalidade; já governos que fracassam e caem têm sempre a tentação das teorias conspiratórias. Mas a realidade, em última instância, é uma só: cabe a qualquer governo cuidar de suas bases de sustentação, sem elas está fadado à ruína. Seja qual for a "institucionalidade".
E quando a ruína vem, abre-se a possibilidade de uma ofensiva do inimigo, que costuma ser implacável e brutal. E que só freia quando se estabelece uma nova correlação de forças, mais equilibrada. Ainda não chegamos a esse ponto nos Estados Unidos. A coalizão política, social e cultural organizada pelo Partido Democrata contra Donald Trump só começou seu avanço.
E com a ordem de não fazer prisioneiros.
E a ofensiva ali se espalhará por todos os fronts. A guerra cultural será particularmente cruenta, na tentativa de ajustar as contas com as raízes mesmo da formação nacional norte-americana e daí buscar uma legitimidade de tipo completamente novo. Até chegar o dia em que tudo isso vai cansar e os robespierres de hoje forem encaminhados à guilhotina.
Claro que em pleno século 21 essa é apenas uma figura de linguagem. Mas os precedentes históricos são vários.
E o que temos a ver com isso, tirando o óbvio interesse pelo espetáculo? O que os americanos vão fazer com o país deles é assunto deles, mas o problema é se tratar de uma superpotência, a maior, e com armamento capaz de destruir a civilização algumas vezes. E qual será o melhor meio para os novos detentores do governo ali buscarem mais apoio num país fraturado?
Além de fazer a revolução interna, tentar restabelecer a liderança planetária que vai escorrendo pelo ralo do fantasma da decadência econômica.
A política de Donald Trump para fazer a América grande de novo sustentava-se no resgate das raízes nacionais e, principalmente, no buy american and hire american. Os americanos comprarem produtos americanos e produzirem em casa. Joe Biden repete o buy american, mas a ambição dele é maior: remontar a hegemonia planetária.
Aí cada país, dos maiores aos menores, precisará entrar num jogo de manobras complexas, buscando no todo e em cada situação defender seus próprios interesses, e ao mesmo tempo adaptar-se aos interesses de quem tem a vantagem da força. Porque, novamente, nunca é prudente subestimar a correlação de forças.
E qual o desafio maior do Brasil na nova conjuntura? Talvez saber qual é exatamente o interesse nacional neste momento da nossa história. Dificuldade que aliás começa pela dúvida, espalhada sistematicamente na periferia do sistema global: faz sentido falar em “interesse nacional” já passadas duas décadas deste novo século?
Fazendo um certo reducionismo caricatural, o Brasil parece estar dividido entre quem preferia engatar incondicionalmente nosso vagão na locomotiva trumpista e quem agora está pronto a bater continência à nova ordem, também de modo incondicional, desde que receba de fora o apoio suficiente para fazer aqui dentro seu próprio ajuste de contas.
Não chega a ser animador.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Lição de Brasil
De vez em quando é preciso ser otimista. E hoje é um dia assim. Depois da espera, não um, mas dois registros de vacinas contra a Covid-19 foram pedidos à Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa.
Da CoronaVac, parceria entre a chinesa Sinovac e o Butantan, e da AstraZeneca/Oxford, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz. A primeira é a aposta do governo de São Paulo (João Doria). A segunda é a aposta principal do governo federal (Jair Bolsonaro).
Está instalada a competição, começou a corrida. Em disputa, não apenas os imunizantes, mas a estrutura e os instrumentos, principalmente as seringas. Quem vai ganhar ao final? Quem mais eficazmente realizar a missão nos próximos meses. E a vacina que se provar mais efetiva no essencial: imunizar a população contra o SARS-CoV-2, inclusive suas novas variantes.
Restam dúvidas? Que sejam esclarecidas pela Anvisa, perfeitamente equipada para tanto.
O episódio é mais uma lição de Brasil. Sobre nosso país, nunca convém otimismo excessivo sobre as possibilidades, mas tampouco é conveniente ceder ao catastrofismo. É o caso agora. A Covid-19 não vai desaparecer num passe de mágica por aqui, mas não seria sensato supor que ficaríamos para trás enquanto o mundo todo já estivesse se vacinando em massa.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Free speech e controle
O Facebook e o Twitter cortaram temporariamente a possibilidade de o presidente Donald Trump postar nas redes sociais dos dois conglomerados. É um dos mais nítidos sinais de já haver, na prática, um novo governo em Washington.
Ao longo do mandato de Trump, as redes conviveram bem com a utilização desses canais pelo presidente, inclusive quando ele propagava informações não comprovadas, ou não comprováveis. As sobre a pandemia são um exemplo. A preocupação com o combate às fake news só apareceu depois que ele perdeu a reeleição.
Seria ingenuidade imaginar que mesmo os maiores conglomerados econômicos não precisem, em algum momento, bater continência para o poder. Mais confortável é quando podem fazer isso alegando a "defesa da democracia e das liberdades". É o best-case scenario de agora.
Do episódio, fica pelo menos uma preocupação. Quem define o que pode ou não ser postado nas redes? Dar esse poder aos governos parece excessivo? E dar esse poder às próprias empresas, é aceitável? E como o direito ao free speech sobreviverá a tudo isso?
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Uma data (realmente) histórica
Todo fenômeno histórico precisa, quando estudado, receber uma data fundadora, com um acontecimento determinado. É apenas uma convenção, mas útil para estudar a explicar o andamento da história em termos mais didáticos.
Foi assim com o século 20, dito o século curto, pois teria começado na Primeira Guerra Mundial e terminado no colapso da União Soviética. E a metodologia vale sempre, com a vantagem de conferir ao analista e estudioso o poder de ajeitar o calendário para fundamentar uma tese.
Hoje é um dia assim, ficará disponível para os historiadores quando precisarem explicar os acontecimentos que contribuíram para a disfuncionalidade da democracia nos Estados Unidos. Pois nunca antes ali os derrotados recusaram reconhecer a vitória do adversário depois de abertas as urnas.
Outros poderão argumentar que não, que a confusão toda começou quando os democratas tiraram do baralho a carta da "conspiração russa que elegeu Trump", e que levou ao impeachment dele. Bem, fica a critério de cada um, e cada um tem o direito de ter suas preferências.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Só lá na frente
Assim é a política. O quase ex-presidente Donald Trump acha pouco os US$ 600 que o Congresso quer dar a título de auxílio a milhões de americanos por causa da crise provocada pela Covid-19. Trump quer que sejam US$ 2.000. O problema? O valor aprovado foi fruto de um suado acordo neste pedregoso fim de ano entre deputados e senadores democratas e republicanos (leia).
Para quem está indo embora, jogar para a plateia e provocar confusão tem um custo apenas relativo. No caso de Trump, com um ingrediente adicional: ele está muito longe de pretender se aposentar, e um de seus alvos principais desde agora são os homens e mulheres do partido dele que correram, uns mais rapidamente, outros mais devagar, a reconhecer a vitória de Joe Biden.
E no Brasil? A criação de empregos vai razoavelmente bem, segundo o Caged (leia). Mas a recuperação leva mais gente a procurar emprego, e daí crescem também as taxas de desemprego (leia). Uma dúvida que continua é se a recuperação vai resistir ao fim do auxílio emergencial, que deixará o palco junto com 2020. Mas isso só saberemos lá na frente.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: O PIB
O PIB do terceiro trimestre veio um pouco abaixo das expectativas, com um crescimento de 7,7% em relação ao anterior. A boa notícia é que indústria, comércio e investimentos puxaram o índice para cima (leia).
Ainda que no acumulado final do ano a maior parte das atividades vá mostrar queda em relação a 2019.
Os números positivos do Caged de outubro (leia) já haviam sido um indicador de recuperação. Mesmo a recente alta na taxa de desemprego medida pelo IBGE refletiu mais o aumento da busca por trabalho que qualquer outra coisa.
A dúvida agora é se a recuperação vai resistir ao fim dos mecanismos financeiros de suporte criados para enfrentar as consequências da pandemia. O governo parece apostar que sim, pois até o momento deixou de lado qualquer ideia de prorrogá-los. Até o momento.
Passadas as eleições municipais, o ritmo de recuperação da economia em 2021 vai ajudar a desenhar o retrato político do ano, com a óbvia consequência na sucessão presidencial de 2022. Pois daqui a dois anos, com as vacinas, espera-se que a Covid-19 tenha deixado de ser assunto.
Não custa ser otimista.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Caged x PNAD
Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o Brasil criou em outubro 395 mil vagas a mais de emprego formal do que eliminou. Um recorde absoluto para um mês na série histórica que vem desde 1992 (leia).
Mas segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), o desemprego já aflige 14,6% dos brasileiros. É o resultado do 3º trimestre de 2020. Uma alta de 1,3 ponto percentual sobre o trimestre anterior. Também é a maior taxa da série histórica com a metodologia atual, iniciada em 2012 (leia).
O governo bate bumbo com o primeiro número, e naturalmente a oposição cuida de divulgar o segundo. Mas quem está certo, afinal? Provavelmente ambos.
A retomada dos empregos em carteira parece robusta, e há alguma possibilidade de 2020 acabar zerado na criação versus destruição de empregos formais. Mesmo que o saldo final seja algo negativo, se o número for pequeno será uma conquista e tanto em ano de Covid-19 descontrolada por aqui.
Mas o desemprego também cresce, porque tem mais gente procurando emprego e o mercado não absorve. É uma consequência da metodologia.
O fato é que a economia parece retomar. A dúvida é se, e quanto, ela vai resistir no pós- pandemia ao fim do auxílio emergencial e das demais medidas de emergência.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: E o que vem depois da eleição?
O dado óbvio a olhar daqui por diante, definido o quadro municipal, serão as pesquisas de popularidade do presidente da República. Não há como imaginar a sucessão de 2022 sem esse eixo de organização do pensamento. E sem base orgânica, o chefe do governo depende disso mais do que o normal. A outra variável? Como os partidos resolverão o dilema entre a necessidade de fazer bancadas de deputados e a vontade de ter candidaturas à Presidência.
O sistema partidário brasileiro funciona de modo peculiar. Talvez seja caso único no mundo em que uma constelação de legendas, nenhuma com massa crítica para construir sua hegemonia, migra da órbita de um personagem político para outro, e sempre submetidas à força gravitacional do poder. E depois das eleições submetem o poder à força gravitacional delas quando se reúnem no Congresso Nacional.
"A PRINCIPAL LUTA DE JAIR BOLSONARO NOS ENSAIOS PARA 2022, SABE-SE, DEVE SER CONTRA OS QUE O APOIARAM EM 2018 MAS PREFEREM UMA ALTERNATIVA PRÓPRIA"
No campo governista, dos partidos que concordam no essencial com a agenda do Palácio do Planalto, é razoável supor que se Jair Bolsonaro chegar a 2022 competitivo nas simulações eleitorais terá uma possibilidade bem razoável de atrair boa parte das agremiações que se deram bem nacionalmente nesta eleição municipal, também e principalmente pelo acesso privilegiado de seus parlamentares ao Orçamento Geral da União.
Aliás, mesmo que o presidente esteja enfraquecido, essas legendas poderão aliar-se a ele para garantir as posições na máquina durante o período eleitoral, e conforme o andar da carruagem cristianizá-lo na campanha. Não chegaria a ser novidade. Esse poder de barganha dos partidos anda meio relativizado desde que o horário eleitoral no rádio e tv não se mostra tão vital assim, mas continua sendo uma variável a considerar com seriedade.
Inclusive porque cada partido que você atrai é menos um para engrossar as fileiras da concorrência.
A principal luta de Jair Bolsonaro nos ensaios para 2022, sabe-se, deve ser contra os que o apoiaram em 2018 mas preferem uma alternativa própria. E os segundos turnos municipais mostram que essa facção tem uma vantagem na disputa da pole-position antibolsonarista. Tem mais facilidade para receber o voto maciço da esquerda do que quando precisa retribuir.
Para a esquerda, a equação apresenta mais variáveis em aberto. Ao contrário da miríade das legendas da direita, ela precisa se preocupar seriamente com o atingimento da cláusula de desempenho na eleição para a Câmara dos Deputados. E, também ao contrário do campo oposto, chegará a 2022 sem o controle da máquina federal e desidratada de máquinas na maior parte do país. Qual será então a melhor fórmula para ela?
Uma possibilidade é buscar desde logo a convergência para lançar candidaturas majoritárias competitivas e ancorar os diversos partidos nesses projetos mais robustos. Ou vai ser o cada um por si, como foi na maioria das disputas municipais? É uma dúvida cruel. E os números finais deste novembro eleitoral precisarão ser analisados com lupa por quem, daqui a dois anos, terá como principal desafio não cair para a Série B da política.
Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
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Publicado originalmente na revista Veja edição 2.715 de 2 de dezembro de 2020
Alon Feuerwerker: As dúvidas sobre o frentismo em 2022
Confirmou-se que o primeiro turno das eleições municipais trouxe a capilarização dos partidos da base do governo, e que por isso tinham, e aproveitaram melhor, o acesso ao orçamento federal. Viu-se também um certo movimento de continuidade, natural e esperado em meio a uma pandemia. Notou-se ainda a resiliência da esquerda, fenômeno facilmente detectável na manutenção dos votos para vereador e na votação significativa nos grandes centros.
O debate agora é sobre o que o resultado de 2020 projeta para 2022. Com os necessários cuidados, pois não há transposições mecânicas. E falta muito tempo político. Feitas as ressalvas, a dúvida que fica é sobre os possíveis blocos e alinhamentos. E para esse debate é útil a observação do que vai se dar no segundo turno, daqui a uma semana. Pois ficará claro o estágio atual da disposição dos diversos atores para alianças e formação de coalizões. Informação essencial para definir a tática.
Já está explícito, por exemplo, que mesmo as frações mais resistentes a alianças e frentismos na esquerda estão dispostas a votar em qualquer candidato não bolsonarista para derrotar o bolsonarismo. A opção do presidente da República por manter o discurso e a prática alinhados ao que podemos chamar de núcleo ideológico facilita um agrupamento quase automático de forças contrárias quando só há duas opções.
Mas, atenção, desde que o adversário seja palatável aos que em 2018 votaram Bolsonaro ou se abstiveram, e agora procuram outro caminho.
E se em 2022 o presidente for ao segundo turno contra alguém da esquerda? Neste momento, não é excessivo supor que ele deverá arrastar de volta pelo menos uma parte dos arrependidos. Ou será que não? Duas das disputas neste segundo turno são um termômetro para tirar a dúvida. Vitória (ES), onde a o PT está no segundo turno, e Belém, onde o adversário do candidato bolsonarista é do PSOL.
Em Fortaleza, o cirismo parece ter formado com facilidade a frente antibolsonarista. Veremos o resultado na urna. Mas, e em Vitória e Belém, o autonomeado centrismo ficará de que lado?
De todo modo, 2022 projeta forte pulverização de candidaturas majoritárias, pelos menos das forças com pouco acesso a orçamentos públicos. Porque o voto majoritário é uma ferramenta preciosa para puxar o voto proporcional, e não custa lembrar sempre que daqui a dois anos a cláusula de desempenho na votação para a Câmara dos Deputados estará colocada alguns centímetros acima do que em 2018.
E a votação para deputado federal, além de definir se o partido fica na Série A ou cai para a B, acaba também definindo quanto a legenda terá de espaço no horário eleitoral e verba do fundo eleitoral em 2024 e 2026. Não é pouca coisa em jogo.
Portanto, é ilusão imaginar alianças muito amplas na largada. Cada um precisará caminhar com suas próprias pernas. Talvez haja alguma convergência entre MDB, PSDB e Democratas, notam-se ensaios. E entre as legendas do chamado centrão, estrito senso, e talvez em torno do presidente da República. O que dependerá, obviamente, da popularidade de Jair Bolsonaro quando chegar a hora de tomar as decisões.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: A escolha do previsível
Uma leitura inicial dos resultados do primeiro turno da eleição municipal deixa claro que o eleitorado escolheu o previsível, não o imprevisível, e o conhecido, não o desconhecido. As exceções confirmam a regra. Cada um tem sua própria hipótese a provar, e a minha é que o grande eleitor até agora neste processo eleitoral é a Covid-19. Na emergência, a população vem deixando claro não estar muito a fim de experimentação.
Se os políticos e os analistas gostam de olhar os fatos à luz da régua puramente política, os critérios do povão costumam ser de outra ordem. A escolha de um governante se dá medindo em primeiro lugar a relação custo/benefício. E em época de pandemia, com o corolário de dificuldades econômicas, as urnas estão produzindo nomes que prometem menos nas palavras e mais na trajetória, mais identificados com soluções e menos com blábláblá.
O paralelo imediato é com situações de guerra. E não é exagero dizer que estamos no meio de uma, com sua trágica contabilidade de mortes e destruição de forças produtivas. Neste segundo caso, o impacto vem sendo atenuado pelas medidas excepcionais, e que já começam a minguar. Com o esperado efeito na popularidade do governo federal. Ele faturou quando abriu para valer as comportas do orçamento, e agora está ameaçado pelo contrafluxo.
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O espírito prático do eleitor e a desconfiança sobre embarcar no desconhecido ficam também comprovados pelo desempenho apenas relativo, e põe relativo nisso, dos assim chamados padrinhos. Desta vez ter o apoio de grandes líderes políticos não fez tanta diferença assim. Em todos os lados do espectro. Mas, cuidado: se em 2022 a tendência de escolher o certo e não o duvidoso repetir-se, os líderes talvez voltem a pesar mais.
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Há as diversas contabilidades em jogo. Cada um defende a sua. Quem ganhou mais capitais. Quem vai governar mais eleitores. Quem ganhou mais governos e eleitores a governar nas grandes cidades. Quem elegeu mais prefeitos, ou vereadores. Mas novamente cuidado: qualquer conta deve levar em consideração o fato de o sistema partidário vir sendo implodido desde 2014, e esta eleição municipal foi apenas mais uma evidência explícita do fenômeno.
Foi uma eleição que se deu em torno de nomes, e não de siglas. Diferente de movimentos nos ciclos anteriores, não há uma onda partidária crescendo. Em 2018 havíamos tido, pelo menos, ondas de partidos informais, como o da “nova política” e o da segurança pública. Desta vez nem isso. 2018 implodiu o edifício da Nova República. 2020 acaba de exibir o cenário dos persistentes escombros, pois não há qualquer esforço de reconstrução.
Há previsões sobre uma convergência partidária a partir de agora. Mais provável é que o movimento real venha mesmo a partir de 2022. É quando começa a ter peso maior a cláusula de barreira para que os partidos possam ter acesso ao horário eleitoral, às verbas públicas e ao funcionamento parlamentar.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: O que decidiu: a pandemia e George Floyd
Donald Trump ainda não aceitou a derrota, é possível que a luta nos tribunais se arraste, mas a contagem puramente numérica dos votos aponta vantagem decisiva de Joe Biden, o presidente aritmeticamente eleito dos Estados Unidos. A surpresa foi, e ainda vem sendo, a tensão nas apurações, tensão de origem mais política que aritmética. Causada principalmente pelo ineditismo do número de votos pelo correio. “Culpa” da Covid-19.
A luta pelo poder nos Estados Unidos interessa ao mundo, por razões óbvias. Para nós aqui, será particularmente útil tentar fazer alguma análise mais aprofundada, dado o sabido paralelismo entre as duas correntes atualmente no governo nos dois países. Saber o que aconteceu, ou não, por ali, pode dar algumas pistas de eventuais desdobramentos no Brasil nas eleições presidenciais de 2022.
Em primeiro lugar, deve-se notar que Donald Trump não sofreu erosão na sua base desde que se elegeu. Ao contrário, está recolhendo algo da ordem de sete milhões de votos a mais do recebido quatro anos atrás. A maciça campanha democrata pelo voto parece, curiosamente, ter atingido positivamente também o adversário. O problema de Trump: Biden vem recebendo cerca de nove milhões de votos a mais que Hillary Clinton em 2016.
Esse é outro sinal de que Donald Trump caminhava para uma reeleição, se não tranquila, ao menos bastante provável, antes de dois acontecimentos: a pandemia da Covid-19 e a morte de George Floyd. Ambos desencadearam dois movimentos no eleitorado: uma imparável onda pelo registro eleitoral de votantes pretos e um sentimento de urgência que ajudou a convergência de todos os potenciais adversários do incumbente.
As pesquisas ao longo do ano sempre registraram uma tendência dominante de desaprovação, da ordem de 50%, mas um contingente sólido entre 40% e 45% de aprovação para Trump. Bastaria ao presidente, portanto, manter coesa sua base e impedir que a maioria desaprovadora se agrupasse em torno do adversário. Era possível, mas a maneira como enfrentou a pandemia e a morte de Floyd catalisaram com violência a convergência dos opositores.
Poderia ter acontecido sem esses dois fatos? A dúvida ficará. Há alguns meses, o Partido Democrata vinha dividido, pulverizado numa disputa interna sem luz no fim do túnel e com suas alas divididas. Ao final, convergiu para uma solução convencional, contra uma alternativa que se dizia abertamente de esquerda. Mostrou-se adequado. Teria sido assim não fossem os acontecimentos extraordinários que se seguiram? De novo, jamais se saberá.
E no Brasil? Jair Bolsonaro chegará a 2022 com um desafio parecido ao de Trump em 2020: impedir a convergência dos votos que não são em princípio bolsonaristas. Ao contrário dos Estados Unidos, a dispersão partidária por aqui ajuda. E é possível, provável, que até lá a pandemia tenha sido em grande medida controlada. E os conflitos raciais não parecem ter por aqui, até agora, o impacto eleitoral dali.
Qual será o fator decisivo daqui a dois anos? Uma candidata forte vai ser a economia. Mas, como os Estados Unidos acabam de comprovar, nunca é bom subestimar o imprevisível. Ele é sempre muito difícil de prever.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
Alon Feuerwerker: Vai e volta
A polarização nas eleições americanas é permanente, e facilitada por um fato singelo. Ali só dois partidos disputam o poder. É como se todas as eleições fossem um segundo turno. Há situações de candidatos independentes, e mesmo de certo partido lançar mais de um candidato. Mas são residuais, e vão para um segundo turno quando ninguém alcança metade mais um.
Joe Biden é um candidato dito moderado, apoiado por uma ampla aliança que vai do dito liberalismo progressista (ou progressismo liberal, conforme a vontade do freguês) a uma esquerda de raiz. Igualmente do outro lado. Donald Trump é apoiado por uma ampla gama que vai da direita que não se envergonha de si mesma a um conservadoriamo mais liberal (ou um liberalismo mais conservador).
A isso misturam-se recortes de classe, ideologia, gênero e raça. Além da condução errática e desastrosa da Covid, Trump poderá debitar suas dificuldades eleitorais à condução que deu na trágica morte de George Floyd. Acessoriamente, os resultados no Arizona certamente refletem seu tratamento desrespeitoso a John McCain. Tudo que vai, volta.
Descasamento
Enquanto estamos entretidos com o vai-não vai das eleições americanas, nossos problemas permanecem estacionados aguardando solução. Uma delas é alguém dizer concretamente, e de modo factível, como o governo vai cumprir o teto de gastos constitucional em 2021.
O buraco primário em 2020 ficará em mais ou menos dez vezes o previsto no orçamento federal, por causa dos gastos com a pandemia. Eles evitaram uma catástrofe econômica mas deixam um problema: como recolocar o gênio dentro da garrafa assim de repente?
Agora um estudo acrescenta algo novo. Por causa do descasamento entre o índice previsto de correção das despesas e a taxa real de inflação, só por causa disso, o governo precisará cortar uns 20 bilhões de reais do orçamento (leia). Que aliás aguarda a solução da pendenga entre o presidente da Câmara e o centrão.
Em matéria de tecnologia para rolar problemas com a barriga, as exóticas apurações da eleição nos Estados Unidos não dão nem para o começo se confrontadas com o know-how desenvolvido por aqui no quesito de deixar as coisas para depois.
Realidade brincalhona
A principal poêmica sobre as eleições de terça-feira nos Estados Unidos se dá em torno do voto antecipado e do voto pelo correio. Promete pano para manga e uma novela de vários capítulos. O número cresceu exponencialmente este ano por causa do medo da Covid-19.
Ali quem quis votar votou, de um jeito ou de outro. Já por aqui, o único jeito de dar o voto nas eleições municipais deste mês será ir à seção eleitoral e apertar os botões na maquininha. É muito mais seguro no aspecto eleitoral, um modelo a ser copiado, mas exigirá rigor nas medidas sanitárias.
Cada um com seu sistema e seus problemas. Ali, está a confusão a que todos assistimos. Aqui, corremos o risco de um maior absenteísmo, gente deixando de votar, com medo no SARS-CoV-2. As pesquisas mostram que pode ser quase metade do eleitorado.
Mas é melhor esperar para ver antes de concluir qualquer coisa apressadamente. A realidade costuma ser brincalhona com as conclusões muito antecipadas. Eleição após eleição, essa é uma verdade que sobrevive bem com o tempo.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação