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Evandro Milet: A espiral do silêncio sufoca o centro moderado e racional

Em meados da década de 70, a cientista política Elisabeth Noelle-Neumann formulou a Teoria da Espiral do Silêncio, após análise das pesquisas eleitorais na Alemanha. A ideia central é que as pessoas omitem sua opinião quando conflitantes com a opinião dominante devido ao medo do isolamento, da crítica, da zombaria, ou do que se chama hoje de cancelamento. O silêncio enfraquece ainda mais a opinião minoritária, e fortalece a opinião que parece prevalecer.

A propaganda política(e as redes, robôs e fake news) tenta então convencer que determinadas opiniões são majoritárias na sociedade para abafar a opinião contrária, o que nem sempre é verdade. As pessoas que concordariam com os que se calam  ficam constrangidas  e intimidadas e evitam se manifestar, em um crescendo nessa espiral do silêncio. Isso fica perceptível no Facebook em likes discretos que não se transformam em comentários. Há até uma expressão própria para essa síndrome, cunhada pelo psicólogo americano Michael Gervais: chama-se FOPO (“fear of other people’s opinion” ou medo das opiniões alheias)”. 

Durante muitos anos no Brasil, esse silêncio acontecia na direita, sem canais para se manifestar, principalmente nos costumes, onde a Rede Globo despontava com uma pauta civilizatória de avanços, engolida a contragosto por essa ala. O crescimento do número de evangélicos e a violência descontrolada, que desaguaram na eleição de Bolsonaro, desnudou esse pensamento, cujos simpatizantes se acharam maioria e passaram a cancelar o pensamento contrário. O duelo de cancelamentos fez com que a espiral do silêncio atingisse duramente o pensamento de centro, ora classificado como isentão, ora acusado de petista por um lado. Do outro lado, era culpado de ter apoiado o suposto golpe contra Dilma e ter permitido a eleição de Bolsonaro ao deixar de votar no professor Haddad, como se o PT merecesse ser votado, apesar do partido ter comandado o maior roubo da história.

A espiral do silêncio que atinge as posições de centro nas redes sociais libera cada vez mais uma espiral de sandices pouco contestadas, onde mesmo as manifestações mais absurdas sobre terraplanismo, remédios ineficazes, teorias da conspiração e mentiras são propagadas e defendidas vigorosamente. Ao mesmo tempo, o desastre que acontece nas áreas da saúde, educação, cultura, meio ambiente, relações exteriores, ciência e tecnologia e direitos humanos é solenemente ignorado ou justificado. Do outro lado prevalece a espiral da amnésia seletiva e a falta de autocrítica das lideranças petistas, mesmo diante do imenso volume de recursos devolvidos a partir de delações que colocavam tesoureiros do partido recolhendo percentuais de propinas em mochilas.

A suposta atual maioria, que as pesquisas de opinião restringem a no máximo 25%, são turbinadas por uma malha de propagadores, humanos e robôs, centralmente alimentadas. Amigos advertem amigos sobre postagens contra o governo como se não fossem patriotas ou avisam que “está ficando feio”, falando de dentro da sua bolha, supostamente majoritária. A espiral do silêncio provoca também o voto envergonhado que desmoraliza pesquisas ou o voto em quem se imagina que vá ganhar, para “não perder o voto”.

O centro democrático tem o defeito de ser moderado e racional em uma época que valoriza os extremos populistas, os discursos radicais e o ringue do “nós contra eles”. Que 2022 devolva a voz ao centro com a moderação, o racionalismo, o iluminismo, o desarmamento de espíritos para que o país possa crescer forte, com menos desigualdade e mais pacificado.


Evandro Milet: O alambrado e a janela de Overton

O americano Joseph P. Overton, na década de 1990, elaborou uma teoria sobre a zona de conforto das opiniões públicas. A janela de Overton constitui o conjunto de ideias aceitáveis pela sociedade em determinada época. Políticos que defendem posições fora dessa janela podem se eleger para cargos proporcionais, por grupos de interesse, mas têm mais dificuldade de se eleger para cargos majoritários.

A janela se desloca ao longo do tempo, por mudanças naturais de época ou, como costuma acontecer, por manipulação consciente, para o bem ou para o mal. A escravidão passou por esse processo de mudanças ao longo do século XIX, de legal até a abolição em 1888. Neste século percebemos a mudança de opinião sobre casamento gay que foi passando de proibido, para proibido com ressalvas, neutro, permitido com ressalvas, permitido livremente.

Para deslocar a janela de Overton da posição proibido para a menos proibido, neutro e permitido, é preciso desviar o foco do assunto principal para algum outro valor relacionado ao tema. Por exemplo, quem é contra o governo atual, que deslocou a janela para uma direita extremada, pode ser tachado como não patriota, ou acusado de ser contra o país. Mas Mark Twain já dizia que “Patriotismo é apoiar o seu País sempre e o seu Governo somente quando merecer.” O cancelamento e o patrulhamento em cima de ideias contrárias é promovido e alimentado por um exército coordenado por um gabinete do ódio com fake news e teorias da conspiração doentias.

O deslocamento da janela passa pela mudança de posição de muitas das pessoas que partilhavam essas ideias. E quanto mais radicais elas foram, mais penosa é essa mudança. Isso é verdade para todas as crenças. Ex-comunistas não conseguem ter firmeza convincente para condenar os assassinatos de Stalin, de Mao ou a ditadura em Cuba. Há sempre um senão, justificado pelos pecados do outro lado, que faz com que escorreguem e até mudem de assunto. Petistas fazem cara de paisagem até para as evidências dos imensos valores recuperados pela Lava-Jato. Ser chamado de trânsfuga é doloroso, é mais que um palavrão. Ninguém gosta de reconhecer que estava errado, ainda mais quando foi um defensor fanático de uma causa ou uma ideia.

A forma de sair daquele padrão de pensamento ou de comportamento é aos poucos ou como dizia Brizola, costeando o alambrado. Por exemplo, é fácil perceber a mudança de posição de um ex-bolsonarista radical, quando começa a cair em si da roubada em que se meteu acreditando em contos da carochinha sobre pensamento liberal, firmeza contra corrupção, estratégia organizada para problemas de segurança ou exemplos para a família. Uma maneira de começar a sair fora é arranjar alguém do outro lado para nivelar e sair como “esse não, mas aquele também não”. Por exemplo, colocando como inaceitáveis Bolsonaro e Dória. Edward Luce no Financial Times disse bem que “ninguém é tão vulnerável quanto um apóstata”, se referindo aos republicanos que se voltaram contra Trump. Até em pesquisas de opinião essas mudanças acontecem aos poucos. As pessoas não mudam de ótimo para péssimo sem passar pelo regular.

Priscila Cruz, a incansável e competente presidente da ONG Todos pela Educação sugeriu no Twitter que os arrependidos fossem bem-vindos e acolhidos e não agredidos. Um viva para cada um deles! Mestre Tancredo Neves já dizia que é fundamental dar uma saída honrosa para os adversários.

Espiral do silêncio é uma teoria da ciência política e comunicação de massa proposta em 1977 pela alemã Elisabeth Noelle-Neumann. Neste modelo de opinião pública, a ideia central é que os indivíduos omitem sua opinião quando conflitantes com a opinião dominante devido ao medo do isolamento, da crítica, ou da zombaria.

Durante anos a direita ficou adormecida até ser sacudida pelas posições de Bolsonaro e se manifestar a ponto de se considerar maioria. A partir daí com apoio do gabinete do ódio e de uma competente manipulação das redes sociais fazia com que as opiniões contrárias fossem canceladas ou patrulhadas na internet, mas a janela de Overton está se deslocando novamente e não vai haver alambrado para todo mundo.


Evandro Milet: A regra do jogo entre Executivo e Congresso

O julgamento da população em geral sobre o Congresso Nacional traz distorções significativas pela falta de entendimento de como ele funciona e como é o comportamento de cada um dos seus participantes. Prevalece muito a ideia de corrupção generalizada e de que a única maneira de relacionamento entre Executivo e Congresso seria um toma-lá-dá- cá espúrio. Claro que existe corrupção, claro que há interesses espúrios na ocupação de cargos e - é inominável - no lobby para criar ou alterar leis, mas há muitas outras realidades nessa relação.

Além de exercer devidamente o seu mandato, uma grande preocupação de todo político é conseguir se reeleger. Para isso, ele precisa mostrar serviço para sua base eleitoral. Os votos de cada deputado e senador vêm de fontes diferentes. Podem ser apoiados por uma região, uma corporação, uma causa ou por setores econômicos ou sociais. No Congresso eles estão em partidos que se organizam por ideologia, por circunstâncias regionais ou até pela proximidade do poder. Mas eles também se organizam informalmente, por interesses temáticos, como acontece, por exemplo, com as conhecidas bancadas da bala, da bola, do boi ou da bíblia.

As grandes reformas que precisam ser feitas, normalmente têm uma abrangência onde alguns grupos perdem e outros ganham, pelo menos no curto prazo. Quem vai perder ou tem a impressão que vai perder mobiliza os parlamentares que elegeu. Nesse emaranhado de interesses legítimos é fundamental o diálogo, a negociação, o entendimento de cada posição, muitas vezes individual, e exige um trabalho obsessivo do poder executivo para aprovar projetos relevantes.

No passado, o Congresso era composto por uma elite onde predominavam advogados, médicos, engenheiros e jornalistas, elite que de alguma forma partilhava o poder. Houve uma democratização desse poder. Hoje há também pastores, esportistas, professores, agricultores, artistas, técnicos em geral, uma maior diversidade de gênero e raça e uma maior pauta de interesses da população. Isso aumentou a dificuldade de consensos, exigindo mais articulação ainda, além do problema atual do excesso de partidos representados, cada um com uma liderança para ser conversada.

O convencimento dos parlamentares varia. Em alguns temas os partidos conseguem articular uma posição, em outros as bancadas temáticas prevalecem, em outros a articulação é por estado ou região. Nas votações mais sensíveis, as posições individuais são disputadas. Nesse caso há parlamentares que se sensibilizam até por um convite para almoço, uma participação em inaugurações, uma obra em seu reduto, enfim uma atenção especial, com um selfie para divulgar. Outros querem disputar a indicação em cargos, para formar quadros para o partido ou para aproveitar o poder discricionário dos burocratas que conseguem levar a máquina de ministérios e empresas públicas para próximo do interesse dos seus eleitores. Se não for para roubar é legítimo.

Com essa complexidade de interesses e motivações, entende-se que não faz sentido o poder executivo enviar projetos para o Congresso Nacional e esperar simplesmente que julguem e aprovem, e se não aprovarem a culpa é do Congresso. A relação exige um corpo-a-corpo comandado pelo executivo que não necessariamente passa por toma-lá-dá-cá espúrio como muitos imaginam ou usam para justificar a própria inoperância ou inaptidão para o jogo democrático.

As possibilidades de corrupção foram duramente atingidas pela Lava Jato e não se pode relaxar, mas há que se entender que o Congresso é um agregado de interesses e de posições e que os presidentes das Casas têm poder de articulação, mas são coordenadores, não têm poder de dirigir as decisões mais complexas - ninguém manda em ninguém no Congresso. As disputas por posições na mesa e nas presidências e relatorias de comissões dão visibilidade e influência e fazem parte do processo.
Negociações entre Executivo e Parlamento acontecem em todos os países democráticos, é a regra do jogo.

*Evandro Milet é consultor e palestrante em Inovação e Estratégia


Evandro Milet: De João Gilberto a Steve Jobs - Gênios inovadores e excêntricos

Em uma apresentação de João Gilberto, reconhecido mundialmente pela criação da batida da bossa nova, em 2003, numa casa de shows em São Paulo, um convidado perguntou: - “João, existe a perfeição?” - “Não, mas a imperfeição me incomoda muito”. Ele queria aperfeiçoar a perfeição”, afirmou seu biógrafo Ruy Castro. 

A carreira de João Gilberto foi construída de perfeccionismo intransigente e de excentricidades (rejeitava violões onde só ele identificava defeitos no som). Viveu recluso as últimas décadas até o falecimento em 2019. Sobre ele corriam histórias inusitadas como a prática de jogar cartas, por debaixo da porta fechada do apartamento, com o porteiro que ficava no corredor.

Algumas pessoas geniais naquilo que fazem, têm essa mania de perfeição e algumas excentricidades. Steve Jobs foi um deles. Aprendera com seu pai, que fazia móveis, a cuidar do acabamento até das partes escondidas que não seriam vistas. Gostava de citar Leonardo da Vinci, para quem a simplicidade era a máxima sofisticação. Essa concepção ele compartilhou com o designer chefe da Apple, Jony Ive, outro perfeccionista genial e que buscava o simples. Ive dizia: “O fato é que é muito fácil ser diferente, mas muito difícil ser melhor.”

Para contratar designers para o grupo, conhecimentos de engenharia e informática eram um trunfo, mas não eram indispensáveis. “Nós procuramos personalidade, talento arrebatador e capacidade de trabalhar em pequenos grupos. Também queremos um designer que nos impressione a ponto de nos intimidar.”

A preocupação com a contratação de pessoal era permanente: “não faz sentido contratar pessoas inteligentes para depois dizer a elas o que fazer. Nós contratamos pessoas inteligentes para que elas nos digam o que fazer.”
Para Jobs, o design era mais que a aparência. “ A maioria das pessoas comete o erro de pensar que design é o que se vê. As pessoas acham que é a aparência - que os designers recebem uma caixa e a ordem: “Faça isso ficar bonito!”. Mas não é isso o design. Não é só a aparência e a sensação. O design é como funciona.”

A parceria de Jobs com Ive gerou vários ícones do design. O iPod foi um deles e que lançou várias características que seriam utilizadas em produtos posteriores. Bono, do U2, definiu seu charme de forma límpida quando disse que o iPod “é sexy”. Seus produtos ficavam no cruzamento da tecnologia com a arte e são efeitos de uma mania obsessiva de perfeição criando coisas insanamente grandiosas que deixassem uma marca no universo - nas próprias modestas palavras de Jobs.

Jobs também tinha suas excentricidades. Tirando uma imagem da série Guerra nas Estrelas, funcionários da Apple diziam que ele tinha uma campo de distorção da realidade, capaz de convencer as pessoas a fazer coisas aparentemente impossíveis, que o fazia tão esquisitamente carismático que as pessoas quase precisavam ser desprogramadas depois de falar com ele. Sobre isso, ele mesmo se justificava com Alice no País dos Espelhos de Lewis Carrol: "Quando Alice diz que por mais que tente não consegue acreditar em coisas impossíveis, a Rainha Branca retruca: Nossa! Pois eu às vezes acredito em seis coisas impossíveis antes do café da manhã."

Personalidade mercurial, com mudanças de humor que espalhavam medo nos seus funcionários, era capaz de demitir alguém dentro do elevador ou achar idiota uma ideia apresentada por alguém em um dia e, uma semana depois, aparecer com a mesma ideia como se fosse sua. 
A mania de perfeição era tão forte em Jobs que ele passou meses em uma nova casa sem conseguir comprar móveis e eletrodomésticos procurando algo sempre melhor. 

Nem todo gênio é excêntrico, mas parece recorrente a ideia de que a excentricidade acompanha muitas vezes a genialidade.


Evandro Milet: Empreendedores e inovadores sofrem desde sempre no Brasil

Com a perseguição e arbitrariedades por parte de vários membros de diversos governos, no fim da vida o Barão de Mauá era um homem rico, mas tinha perdido quase todos os negócios

Nascido nos pampas gaúchos, Irineu Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, em 1874, aos 61 anos, publicava em jornais europeus anúncios prometendo prêmios aos inventores de algum método de conservar a carne, até que encontrou um: cozinhar no vapor. Criou com isso uma fábrica de carne em conserva de grande sucesso. 

Era um inovador compulsivo já ligado no que chamamos hoje de inovação aberta com desafios lançados. Costumava ler os jornais das principais capitais do mundo e publicações de engenharia, finanças e manuais de produtos de alta tecnologia da época - locomotivas, motores a vapor, teares, fornos siderúrgicos, produtos químicos, aparelhos de precisão.

Era também um empreendedor serial. No dia 22 de junho de 1874, Mauá assistiu dom Pedro II enviar mensagens ao Papa e à Rainha da Inglaterra, inaugurando as transmissões telegráficas entre o Brasil e o resto do mundo, utilizando o cabo submarino, em projeto capitaneado por ele. No início do século 19, entre a Inglaterra e o Brasil, uma carta e sua resposta demoravam cinco meses. Com o telégrafo, a comunicação passou a ser imediata antes do fim do século, uma mudança exponencial.

Vinte anos antes, em 25 de março de 1854 Mauá provocara outra revolução. Chamou à rua a população da cidade do Rio de Janeiro e mandou acender os lampiões. Era sua a empresa que pela primeira vez iluminava a cidade. 
Órfão de pai, Mauá começou a trabalhar com nove anos de idade na empresa comercial do tio no Rio de Janeiro. Aprendeu tudo, tornou-se depois o principal executivo e partiu para voo solo. 

A fuga de dom João VI para o Brasil em 1808, provocada pelas incursões de Napoleão em Portugal, foi escoltada por navios ingleses. A partir daí a Inglaterra teve uma forte atuação na economia local. Mauá percebeu as oportunidades, aprendeu a falar fluentemente a língua e criou pelo menos 17 empresas instaladas em 6 países com sócios ingleses, franceses, norte-americanos e brasileiros. Entre elas: bancos no Brasil, Uruguai, Argentina, Estados Unidos, Inglaterra e França; estaleiros no Brasil e no Uruguai; três estradas de ferro no interior do Brasil; a maior fábrica do país, uma fundição que ocupava setecentos operários; uma grande companhia de navegação; empresas de comércio exterior; mineradoras; usinas de gás; fazendas de criação de gado; fábricas variadas. 

Das indústrias saiam inovações: engenhos de açúcar movidos a vapor; pontes de ferro; canhões para os navios de guerra; navios a vapor completos; fornos siderúrgicos e bombas de sucção.
Em 1867, o valor dos seus ativos era 20% maior que o orçamento do Império.

Mas sua vida de empresário não foi fácil. Travou grandes embates com dom Pedro II e seus ministros e perdeu vários. Pedro II também gostava de novidades. Estudou mais de uma dezena de línguas(do tupi ao sânscrito), conhecia paleontologia, estudava matemática, física e química e correspondia-se com sábios de muitos países. Mas a semelhança acabava aí. Seu interesse era teórico e Mauá era um empreendedor. Mas com isso gerava muito ciúme e inveja. O lucro era um problema. A filosofia da livre iniciativa que mudava o mundo não chegara por aqui. Enquanto a elite brasileira odiava as ousadias do barão, paparicava estrangeiros com as mesmas ideias. 

Com a perseguição e arbitrariedades por parte de vários membros de diversos governos, no fim da vida ele era um homem rico, mas tinha perdido quase todos os negócios, deixara de ser aquele que chegou a pensar em resolver os problemas do país por sua própria conta, mas deixava um legado inestimável de empreendimentos.

Inovação, ousadia, parcerias, empreendedorismo e globalização foram características das ações do barão de Mauá, muito bem retratadas no livro ”Mauá, empresário do império” de Jorge Caldeira, e que não diferem das características necessárias aos empreendedores de hoje.


Evandro Milet: Prefiro a imprensa às redes sociais

A frase é famosa. Thomas Jefferson, um dos pais da pátria americana, escreveu a um amigo em 1787: “Se tivesse de decidir se deveríamos ter um governo sem jornais ou jornais sem governo, não hesitaria em preferir a última opção”.

Nos embates das redes sociais, alguns alegam que a grande imprensa teria perdido a relevância por não ser mais fonte de informações confiáveis. Campanhas para cancelar assinaturas de jornais e revistas se espalharam por grupos ideológicos, insatisfeitos com a cobertura feita de temas políticos e principalmente com os colunistas de opinião. Alguns costumam repetir que determinados assuntos de interesse do governo Bolsonaro não são publicados na grande imprensa ou questionam porque ela não publicava nada contra Lula. Fico pensando como as pessoas se informaram sobre mensalão, petrolão ou lava-jato. Onde aprenderam sobre condução coercitiva, delação premiada ou prisão em segunda instância. Onde souberam da prisão de Lula, Marcelo Odebrecht ou Eduardo Cunha. 

É uma ilusão achar que as pessoas têm mais informações pelas redes sociais que pela imprensa. As redes repercutem as notícias dadas em primeira mão pela grande imprensa com seus repórteres e colunistas de opinião ou pelos blogs de jornalistas que investem na captação de notícias originais mantendo contato permanente com as fontes primárias, os políticos em geral. Nas redes, colunistas de segunda mão, recém alfabetizados em política, apenas tentam reinterpretar as notícias veiculadas à luz de um embasamento precário, pouca história, e um acesso limitado às fontes primárias.

Os veículos de imprensa contratam jornalistas e investem na captação de notícias, e não só de política, mas também de economia, negócios, cultura, entretenimento e esportes. Os colunistas de opinião são isso mesmo, de opinião, e por isso analisam os fatos de acordo com sua interpretação e os colocam em um contexto amplo com base na sua experiência de anos. Gente que nunca leu jornal na vida, ou pelo menos que nunca acompanhou política, acha isso estranho, desconhecendo que funciona assim em todo o mundo democrático. Alguns chegam a afirmar, inocentemente, que os jornais deveriam apenas reportar os fatos e deixar a opinião para os leitores, como se todos tivessem a capacidade de enxergar a história e o contexto.

Quem quer formar a sua própria opinião pode ler ou ouvir vários analistas, de fontes diversas, e tirar sua conclusão, reduzindo eventuais vieses de cobertura, que ocorrem mesmo.

A grande imprensa realmente reduziu bastante a impressão de jornais e revistas, bem como caiu a audiência na TV, não porque perdeu credibilidade, mas porque foi atropelada pela velocidade da internet, que torna as notícias velhas rapidamente, pelas novas opções para entretenimento na TV e pela mudança do mercado publicitário acompanhando a maior presença das pessoas nas redes. 

Os veículos procuram se adaptar às circunstâncias do mundo digital, aprendendo novas formas de se comunicar, seja com podcasts, lives, blogs, agências de checagem, diretamente nas redes ou colunas divulgadas aos pedaços ao longo do dia.

Quando vejo alguma notícia nas redes sociais, corro para os sites da grande imprensa para verificar se saiu ali. Caso contrário há grande chance de ser fakenews, essa praga difícil de ver na grande imprensa - pode até ocorrer -, assim como as doentias teorias da conspiração, que nunca vi na grande imprensa. Além disso, os algoritmos das redes sociais nos transformam em seus produtos, dirigindo nossas vontades subliminarmente, sem oportunidade de ouvir outras fontes como a imprensa permite.

No mais, é lembrar da frase de George Orwell: "Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade." Ou do nosso Millôr Fernandes: “Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados.”


Evandro Milet: Livros, uma vacina contra a ignorância

Steve Jobs vivia e respirava música. Era um fã incondicional de Bob Dylan e dos Beatles e já tinha namorado Joan Baez, cantora famosa na época. Seu interesse pessoal guiou as estratégias da Apple em música, basta lembrar do iPod e iTunes. O interesse pessoal de Jeff Bezos também teve forte influência na Amazon. Bezos não apenas amava livros; ele mergulhava neles, processando cada detalhe metodicamente.

No apêndice do livro A loja de tudo”, que conta a história da Amazon, há a lista de leitura de Jeff incluindo, entre outros, “O dilema da inovação” de Clayton Christensen, “A lógica do cisne negro” de Nassim Taleb, “Empresas feitas para vencer” e “Empresas feitas para durar”, ambos de Jim Collins, que se tornou grande consultor da empresa. Aliás também consultor fundamental da equipe de Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles em seus sonhos grandes na Ambev.

Bill Gates, criador da Microsoft, é outro leitor compulsivo. A imprensa costuma publicar sua lista de recomendação de livros, mais ampla inclusive que apenas obras de gestão e tecnologia.

O livro de Daniel Bergamasco “Da ideia ao bilhão”, conta a história dos unicórnios(startups que atingem valor de mercado de um bilhão de dólares) brasileiros. Em duas das histórias os livros também desempenham papel fundamental nos processos de gestão, incentivados pelos fundadores. Na fintech Stone a seleção de empregos é feita com uma lista de livros com sete títulos à escolha dos candidatos. Em um dos processos constavam o já citado “Feitas para vencer” e “Por que fazemos o que fazemos” de Mário Sérgio Cortella. Até alguns anos atrás só havia uma obra, “Paixão por vencer” , do icônico Jack Welch, ex-CEO da GE.

O objetivo é ler, entender, interpretar e estabelecer conexões entre os conceitos apresentados e as próprias crenças. “Estudar é uma forma de esticar as pessoas” dizem na Stone. Num livro os autores reúnem o aprendizado de uma vida em algumas páginas, diz André Street, fundador da Stone, que até hoje separa duas horas diárias para estudar. Como ele diz, começou lá pelos 12 anos de idade a encarar livros de auto-ajuda, como “Mais esperto que o diabo” de Napoleon Hill e “Como fazer amigos e influenciar pessoas”, de Dale Carnegie.

Na unicórnio Arco Educação, o CEO Oto de Sá Cavalcante, um devorador de livros de diferentes estilos, premia as melhores resenhas sobre títulos indicados a cada ano, que vão de “Foco” de Daniel Goleman, a “O Príncipe” de Maquiavel. Os cinco melhores textos recebem cada um mil dólares. "Líderes também precisam ler”, dizia um folheto que anunciava o livro de 2020: “A marca da vitória”, autobiografia de Phil Knight, criador da Nike.
Além disso, as equipes da Arco participam semanalmente do “método da cumbuca”, disseminado por Vicente Falconi.

Um livro é proposto a um grupo de 4 a 6 pessoas. e a cada semana eles se encontram para falar sobre um capítulo que todos devem ter lido. Os nomes vão para a cumbuca e a pessoa sorteada deve resumir o capítulo. Se ele não tiver lido a reunião é cancelada, para constrangimento do sorteado. Aliás, a inspiração para o nome da empresa veio de uma passagem de um clássico: “As cidades invisíveis'', de Ítalo Calvino.

Atualmente há uma proliferação de clubes de leitura para empresários, como o que é organizado pela empresa de consultoria KPMG, por onde passaram o sempre presente “A lógica do cisne negro” e mais “Miopia Corporativa” de Richard S. Tedlow e “A Regra é Não ter Regras”, de Reed Hastings e Erin Meyer, com o modelo de gestão da Netflix.

Aqui também em Vitória, as organizações de jovens empreendedores Líderes do Amanhã e Ibef Academy usam a ideia de discutir livros entre os associados como forma de aprendizado em empreendedorismo, economia e gestão.

Que 2021 seja um ano sem pandemia, com muitos livros, ficção e não-ficção, clássicos ou atuais, best sellers ou não, técnicos e não-técnicos(menos o do torturador). As experiências mostram que os livros são importantes para o empreendedorismo, mas também representam o tratamento precoce amplo contra obscurantismos ou uma vacina contra a ignorância.


Evandro Milet: As mídias sociais enganariam Alan Turing, o pai da computação

A OpenAI, uma organização fundada por Elon Musk, lançou o mais potente sistema de Inteligência Artificial(IA) para produção e compreensão de linguagem escrita, o GPT-3. Muita gente imaginou que acabaria o emprego de escritores e jornalistas. Cientistas porém estão constatando as limitações da engenhoca. Apesar da sofisticação, o novo sistema não sabe o que fala, embora seja um redator razoável: pode produzir qualquer tipo de texto, mas também pode cometer bobagens ao ignorar semântica, contexto, psicologia, convenções sociais, raciocínio lógico e até leis da física. Falta aquilo que nos torna humanos: bom senso.

Afinal, ao ser alimentado com tudo o que há na internet, o GPT-3 retrata o estágio onde a humanidade se encontra, incluindo vieses racistas e sexistas e uma capacidade de criação e disseminação de fake news. 

Nos anos 50, Alan Turing,um dos pais da ciência da computação e da inteligência artificial criou o teste que leva seu nome. Seu objetivo é descobrir se uma inteligência artificial é inteligente a ponto de enganar um humano, fazendo-o acreditar que se trata de uma pessoa respondendo às suas perguntas. Se 30% dos humanos consultados acreditarem que se trata de outro humano, a máquina passa no teste de Turing.

Ora, mais de 30% dos humanos reconheceriam hoje o GPT-3 como uma pessoa se comunicando nas redes sociais. Afinal é fácil encontrar ali raciocínios tortuosos, negações de verdades científicas, interpretações contorcionistas de textos, elaborações fantásticas para teorias da conspiração, justificativas fora de contexto, vieses racistas e sexistas, fake news esdrúxulas, enfim falta total de bom senso - realmente, um triste retrato da humanidade.

Todos os dias recebemos textos estranhos, supostamente assinados pelo Veríssimo, Jabor ou Clarice Lispector, onde qualquer um acostumado com esses autores percebe imediatamente a fraude. Ou vídeos onde médicos e supostos especialistas, sem nenhuma relevância profissional, glorificam remédios sem efeito ou condenam criminosamente vacinas, máscaras ou distanciamento social. Ou recebemos avisos alarmados sobre uma suposta conspiração internacional globalista soros-sino-gramsciana que amedronta até mentes doentias no governo.

Cabeças estacionadas na década de 1950 enxergam iminentes invasões da Amazônia atrás de nossos recursos naturais sem perceber que os recursos mais valiosos hoje estão no conhecimento. E esse conhecimento está se perdendo no flagelo da educação brasileira, no desprezo da bioeconomia e indo embora na diáspora dos nossos estudantes e cientistas brilhantes contratados no exterior. Por analogia do nome, a Amazon que negocia com bits e bytes e gerencia conhecimento tem valor de mercado 25 vezes maior que a nossa Vale, especialista em minérios.

O GPT-3 deve se sentir em casa com tanta falta de bom senso. Se Turing fosse vivo e se baseasse nas postagens das mídias sociais teria que inventar outro teste, o GPT-3 passaria por humano. 


Evandro Milet: Como governos inovam para captar recursos

Dezessete trilhões de dólares giram no mercado mundial de dívida, remunerados a juros negativos segundo a revista Exame. Então não falta dinheiro, faltam bons projetos que dêem remuneração razoável de forma segura

Claudio Frischtak, consultor de investimentos em infraestrutura, vê o Brasil com necessidade de investir R$ 150 bilhões a mais por ano no setor. Mas a agenda prioritária no momento, ele diz, tem "custo zero" para o Tesouro: pavimentar o caminho institucional para aumentar a participação do setor privado. Diante da impossibilidade de o setor público contribuir com recursos neste momento histórico, é preciso pavimentar o caminho para o setor privado. Um ponto chave é reduzir a insegurança jurídica. Frischtak considera imprescindível um esforço consistente e sistemático de diálogo entre analistas, técnicos e o Executivo com o Poder Judiciário. Decisões recentes, como a do presidente  do STJ, que monocraticamente manteve a retomada da Linha Amarela pela Prefeitura do Rio, são absolutamente destrutivas para a segurança jurídica.

Outro ponto é reduzir a carga regulatória. Frischtak considera que a nova Lei das Agências é positiva. “Outra medida de custo zero é indicar excelentes diretores para as agências reguladoras”, acrescenta.
Um terceiro ponto da agenda é simplesmente tocar para valer a fila do conjunto de marcos legais a ser aprovado. O do saneamento já foi, mas há ainda os marcos do gás natural, da eletricidade e das ferrovias. A agenda é simplesmente fazê-los andar e garantir que mantenham a qualidade, como no caso da aprovação do marco do gás natural pela Câmara.  

Frischtak observa que houve avanços no financiamento da infraestrutura, com a Lei Geral de Concessões, de 1995, a das parceria público-privadas (PPP), em 2004, e o advento das debêntures de infraestrutura em 2010 e 2011.

O mercado se sofisticou, mas ainda falta caminhar mais na direção do “project finance”, os projetos que se financiam a partir do fluxo de caixa, e dos quais há modalidades que até já existem em alguns países latino-americanos e que poderiam ser exploradas no Brasil.

Interessantes modalidades para atração de investimentos privados são o PMI(Procedimento de Manifestação de interesse) e o MIP(Manifestação de interesse privado). O primeiro é instituído e proposto pela própria Administração. Já o segundo, permite a apresentação espontânea de projetos pelo mercado.

As PPP(Parcerias público-privadas) permitem viabilizar projetos onde a cobrança de tarifas não é suficiente para remunerar o investimento e abre-se espaço para uma complementação de receitas pelo setor público. PPP vem sendo utilizadas para vários tipos de empreendimentos: iluminação pública, resíduos sólidos urbanos, saneamento básico, educação(creches), segurança(câmeras de segurança, centros de gestão integrada), saúde(hospitais), mobilidade(gestão de semáforos, terminais de ônibus, estacionamento, serviços de bikes), habitação popular, mobiliário urbano(pontos de ônibus, totens, bancos de praças), turismo(centros de convenções, parques) e redes de dados. A Caixa e o Bndes têm apoiado estados e municípios na formatação de PPP. 

Outra forma de atrair investidores é com as Operações Urbanas Consorciadas, onde o governo municipal faz intervenções buscando requalificar uma área da cidade concedendo aumento do Coeficiente de Aproveitamento ou de modificação dos usos permitidos para o local em troca do investimento privado.

Antes de ir de pires na mão à Brasília é interessante que os novos prefeitos, individualmente ou em consórcio, trabalhem esses formatos mais sofisticados para captar os muitos recursos da iniciativa privada com bons projetos.


Evandro Milet: Na política e fora dela, a lacração nem sempre funciona

Na política, em muitas ocasiões, aqui e fora daqui, a tentação de fazer declarações lacradoras, que encerram discussões, esperando aplausos, elogios da inteligência e reverências pela suposta esperteza, algumas vezes provoca efeito contrário.

Logo depois do golpe de 64, Carlos Lacerda um dos seus principais líderes civis, foi à Europa tentar explicar e defender o movimento. Jornalistas franceses lhe perguntaram se tudo fora feito com apoio dos americanos e ele, lacronicamente(existe isso?), respondeu que havia um engano, o que fora feito com apoio dos americanos tinha sido a libertação da França. E não parou por aí. Perguntaram como era uma revolução - a expressão usada então - sem sangue. Ele, de novo, “assim como os casamentos na França”. Certamente uma ideia já fora do tempo por ali. Resultado: não foi recebido por De Gaulle.

Orador brilhante, a lacração era normal para ele. A um deputado que o aparteou com a expressão “V. Excia. é que é ladrão!”, Carlos Lacerda indagou “Ladrão de quê ?” Da “honra alheia”. “Neste caso fique tranqüilo porque nada tenho a furtar de V. Excia.”.

A suposta esperteza, tentativa de lacração, tosca porém, parece voltar à moda quando Bolsonaro manda Angela Merkel usar o dinheiro que deixava de doar ao meio ambiente brasileiro para cuidar das suas próprias florestas. Mas não chega ao cúmulo da falta de educação e noção das declarações sobre a aparência da primeira dama francesa, aliás reafirmadas pelo Ministro da Economia, a quem supostamente interessaria muito o acordo Mercosul-União Europeia. Alguém consegue imaginar uma visita diplomática do Presidente brasileiro a esses dois países?

Recentemente, Paulo Guedes perdeu a paciência ao ser questionado sobre a política ambiental do governo de Jair Bolsonaro em um evento do Aspen Institute. Num impulso de lacração disparou contra os americanos dizendo que os militares brasileiros entendem "as preocupações de vocês, porque vocês desmataram suas florestas", mas "eles não são como o general Custer, que matou os índios". Vejamos se dirá isso diretamente ao Biden.
Agora, Bolsonaro ameaçou denunciar países europeus - e voltou atrás - que importam madeira ilegal, como se lacrasse dizendo:”Peguei vocês, idiotas, taokey?”. A consequência foi dar argumentos para aqueles protecionistas que querem criar dificuldades para os produtos brasileiros que poderiam, em tese, ter alguma relação com a floresta.

A tentativa de lacração, porém, é universal na política e pode sinalizar, ao contrário, inteligência e presença de espírito. Winston Churchill era um frasista lacrador. Lady Astor da Câmara dos Comuns: “Winston, se você fosse meu marido eu colocaria veneno no seu café”. Churchill: “Madame, se eu fosse seu marido eu o beberia”.

No Congresso Nacional já houve diálogos lacradores bem humorados como o deputado mineiro Último de Carvalho rebatendo um rompante do gaúcho Flores da Cunha que dizia que “no Rio Grande só tem macho”: – “Excelência, em Minas é metade macho, metade fêmea, e nos damos muito bem”.

Fora da política também há lacração. Groucho Marx era comediante lacrador. Ao ser perguntado por um bêbado se não se lembrava dele: “Nunca me esqueço de um rosto, meu amigo. Mas, no seu caso, vou fazer uma exceção”. E também Oscar Wilde ao receber um convite inconveniente: “Infelizmente, devo declinar do seu convite, em razão de um compromisso assumido posteriormente”.

Ficou famosa a frase do carnavalesco Joãosinho Trinta, criticado pelos desfiles luxuosos em contraste com a pobreza dos sambistas: “Pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”. Lacração definitiva, pois nunca mais esse assunto retornou aos comentários de carnaval.
Pelo menos melhor assim do que provocando inconsequentes crises diplomáticas.


Evandro Milet: Educação é a maior das obras de infraestrutura, só que invisível

Uma mãe com um filho doente vai correr para um posto de saúde ou para um hospital. Esse desespero se reflete na pressão nos políticos e nas pesquisas eleitorais que apontam a saúde como o maior problema nas cidades. Se as mães tivessem a real consciência da importância da educação para o futuro do filho correriam para a porta das escolas quando percebessem notas baixas, filhos matando aulas, escolas depredadas ou professores sem preparo. Da mesma forma, pressionariam os políticos e fariam questão de marcar presença em reuniões de pais nas escolas. Muitos, infelizmente, entendem a escola apenas pela merenda oferecida, ou para tirar a criança da rua, o que não é desprezível na situação brasileira, mas é muito, muito pouco.

O resultado da educação não tem a visibilidade de uma bela obra de infraestrutura como uma rodovia, uma ferrovia, uma hidrelétrica ou mesmo um viaduto. Fica mais invisível que uma obra de saneamento ou um problema ambiental. E nem se percebe como uma demanda imediata de um sistema de transporte, rede de iluminação ou de wifi.

Por essa invisibilidade e consequente falta de pressão, aparece pouco nos programas dos candidatos, porém, se infraestrutura significa o conjunto de elementos que estimula o desenvolvimento socioeconômico de uma região, educação é a mais importante delas. E a escuridão na educação do Brasil é maior que um apagão de energia.

Mesmo aqueles que percebem a importância da educação para o futuro dos filhos aceitam como satisfatório, por desconhecimento, um padrão, quando muito, apenas razoável quando comparado com padrões internacionais. A referência no Brasil ainda é Sobral no Ceará - o que é um avanço  extraordinário - mas não é Singapura ou Finlândia, a ponta da educação no mundo.

A má qualidade da educação implica na evasão alarmante, no baixíssimo nível de aprendizado e consequentemente em baixos salários, baixa produtividade e mesmo criminalidade e outras mazelas sociais. E os problemas não são esquerdização, ideologia de gênero, Paulo Freire, plantação de maconha, balbúrdia, banheiro unisex ou mamadeira de piroca. O problema é que as crianças não aprendem o que deveriam aprender na idade certa. Por quê? Municípios pequenos não conseguem administrar sua educação, diretores ainda são escolhidos por indicação política, salário baixo de professores não atrai muitos dos melhores para a carreira e faz com que tenham que atender várias escolas para completar salário, falta de formação dos professores, falta de escolas de tempo integral, falta de creches, escolas depredadas e falta de materiais didáticos padronizados para o professor e para o aluno.

As escolas particulares, frequentadas pela classe de renda mais alta, mantém uma qualidade muitas vezes de razoável padrão internacional. Mas também as escolas federais, públicas, como as escolas técnicas, tiveram resultado comparável com os melhores países na avaliação PISA, que mede o conhecimento em leitura, matemática e ciências em jovens de 15 anos. Mostra que é possível uma escola pública de qualidade. Por que não para todos? O que as escolas técnicas federais têm de diferente? Seria o fato de serem federalizadas? Um dos motivos é que mantém professores de dedicação exclusiva.

Uma grande campanha de conscientização da população, no estilo do "Agro é pop" na TV, "Educação importa", por exemplo, poderia ser o início de uma mobilização, que informasse e motivasse a população a desencadear uma pressão política para colocar a educação no lugar devido de prioridade nacional para se conseguir dar uma grande salto. Educação tem que estar no centro de um projeto de desenvolvimento.


Alexandre Caetano: As eleições de 1970 e as prisões da Operação Gaiola no ES

No início do próximo mês de novembro, exatamente quando o Brasil se prepara para a realização de mais uma eleição, um episódio obscuro e quase esquecido da história política dos país estará completando 50 anos. Trata-se da Operação Gaiola, desencadeada pela ditadura que governava o país para garantir a vitória dos candidatos do partido de sustentação do regime, a Aliança Renovadora Nacional (Arena) nas eleições de 1970. O presidente na época, indicado pelos militares e eleito de forma indireta pelo Congresso Nacional, era o general Emilio Garrastazu Médici.

A ditadura havia sido escancarada desde a decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, quando o Congresso foi fechado, com posterior cassação de mandatos de parlamentares, aposentadoria compulsoria de ministros do STF, a permissão de prisões sem mandados judiciais e o fim dos habeas corpus para presos políticos. Não existem números oficiais, mas pesquisadores como o brasilianista norte-americano Thomas Skidimore e Maria D’alva Kinzo, estimam que entre 5 mil a 10 mil pessoas consideradas adversárias do regime, foram presas entre o final de outubro e a véspera das eleições de 1970. Não houve inquérito, processo, ordem judicial ou intimação. Era o exercício bruto do arbítrio e da truculência de um regime ditatorial.

O Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido da oposição consentida, criado pela própria ditadura em 1965, junto com a sigla governista, estava combalido pelas cassações feitas pelo AI-5 e tinha dificuldades até para montar chapas de candidatos em vários municicípios e Estados. Mas ainda era pouco para o governo militar, que queria uma esmagadora maioria para consolidar a imagem do regime aos olhos do mundo, varrendo para debaixo do tapete o sangue que espirrava das vítimas de torturas, execuções e “desaparecimentos” dentro e fora de instalações oficiais.

O jornalista Rubem Gomes Câmara Gomes, um dos formadores de opinião que foi presos no Espírito Santo naquela, estima em 120 o número de pessoas presas no Estado, entre jornalistas, profissionais liberais, intelectuais, estudantes e formadores de opinião. O médico José Cipriano da Fonseca e o economista Antônio Caldas Brito, acreditam que as prisões podem ter chegado a 200. Os presos chegavam de todo Estado, inclusive do interior, em geral trazidos por políciais federais, e eram levados para Superintendência da Polícia Federal, que na época ficava na Avenida Vitória, sendo depois levadas para o quartel do então 3º Batalhão de Caçadores (hoje 38º Batalhão de Infantaria), na Prainha, em Vila Velha.

Zezinho Cipriano, como é mais conhecido, ex-líder estudantil, foi preso em Barra de São Francisco, no quando atendia pacientes no Centro de Saúde local. “Nenhuma explicação foi dada, nem antes e nem depois. A gente apenas sabia que tinha gente sendo presa em tudo quanto lugar. Um dia, perguntei ao major Anésio o motivo da prisão, e ele me disse apenas que prenderam porque receberam ordem de prender”, relata.

Caldas Brito foi preso por militares do Exército no escritório de sua empresa, no Edifício A Gazeta. Câmara Gomes conta que, depois de três dias, ele e um grupo de presos foi levado para uma ala da Penitenciária Pedra D'Água, o IRS (Instituto de Readaptação Social), na Glória, que havia sido esvaziada com a transferência dos presos comuns até para delegacias do interior. Já Zezinho Cipriano e Caldas Brito permaneceram na enfermaria do quartel, junto com os outros presos de nivel superior.

Entre os presos, eles citam os médicos Aldemar de Oliveira Neves e Caetano Magalhães; o escritor e folclorista Hemorgenes da Fonseca, o advogado Sizenando Pechincha, que mais tarde seria presidente do Vitória Futebol Clube, os jornalistas Vitor Costa e Ewerton Montenegro Guimarães – que estava se formando em Direito -, o ex-prefeito de Colatina, Moacir Brotas, e Cantídio Sampaio, que anos depois seria prefeito de Iúna. Nem candidatos às eleições daquele ano foram poupados, como o médico Gilson Carone, que concorria à Prefeitura de Cachoerio, e Benedito Elias, que disputava em Linhares.

Os presos só começariam a ser libertados nos dois dias que antecederam as eleições. O objetivo da ditadura, em parte, foi atingido, pois a Arena ficou com 87% das cadeiras do Senado, 71% na Câmara dos Deputados e 70,6% nas Assembleias Legislativas. O problema é que também houve aumento dos votos nulos e brancos, que nas eleições proporcionais passaram de 21,1% em 1966 para 30,3% em 1970.

Quatro anos, nas eleições de 1974, o MDB ganhou 16 das 22 vagas em disputa no Senado e dobrou a bancada na Câmara. Mas ainda seriam necessários mais de 10 anos para que a ditadura saísse de cena, em 1985, deixando o legado da modernização conservadora da economia que teve como saldo a hiperinflação, um gigantesco endividamento externo, um crescimento urbano desordenado, aumento da pobreza e da concentração de renda e 434 brasileiros e brasileiras que morreram ou “desapareceram” nas mãos de agentes do Estado.

*Alexandre Caetano é jornalista e historiador.