RPD || Rafael Cortez: Crise política, instituições orçamentárias e desenvolvimento

O enfraquecimento político de Jair Bolsonaro, cada vez mais dependente de aliados no Legislativo, favorece o descontrole orçamentário e afeta a qualidade do desenvolvimento econômico brasileiro
(Rio de Janeiro -  RJ, 23/05/2021) Presidente da República, Jair Bolsonaro durante passeio de moto na cidade do Rio de Janeiro.
Foto: Alan Santos/PR
(Rio de Janeiro - RJ, 23/05/2021) Presidente da República, Jair Bolsonaro durante passeio de moto na cidade do Rio de Janeiro. Foto: Alan Santos/PR

O descontrole orçamentário e a qualidade das finanças públicas estão associados a um quadro de baixo crescimento e longos períodos de inflação elevada. Economias com alto endividamento têm taxa de juros mais elevadas e menores taxas de investimento.

A conjuntura brasileira mais recente traz exemplos abundantes dessa discussão. O país enfrentou o debate sobre a “pec emergencial”, o atraso na construção da Lei Orçamentária de 2021 e a existência de um “orçamento paralelo”, voltado para a execução de emendas definidas por um conjunto de parlamentares.

Todo esse imbróglio alimentou, ainda mais, o debate constitucional sobre instituições fiscais e orçamentárias. Minha leitura é que existe relação entre mudanças nas relações Executivo-Legislativo e a natureza do debate orçamentário. Essa paralisia decisória em torno da alocação dos gastos públicos tem gerado texto constitucional cada vez mais complexo, dificultando, ainda mais, a construção de uma ordem virtuosa para o desenvolvimento econômico de longo prazo. A radicalização política pouco contribui para que as prioridades orçamentárias sejam estabelecidas no sentido de redução das desigualdades e do aumento do crescimento potencial da economia.

A análise das contas públicas, ao longo dos últimos anos, esteve associada à redução das taxas de crescimento econômico e ao quadro de crise política no país, que resultou em um processo de impeachment presidencial.
A relação da dívida bruta/PIB saiu de um patamar de 5,3% em 2011 para 75,8% em 2019, explicando a crise de confiança na economia brasileira , nos anos mais recentes. Esse endividamento é o retrato da incapacidade de o país produzir resultados superávits primário, o que significa basicamente que o Brasil gasta mais do que arrecada. Um simples olhar para as mudanças constitucionais mais recentes mostra o conflito em torno das regras orçamentárias com duas preocupações principais: (1) estabelecer controle para os gastos públicos e (2) aumentar a participação dos legisladores na alocação orçamentária.

Grosso modo, o enredo dos dilemas orçamentários ganha as seguintes linhas. A emenda do teto de gastos tornou o debate orçamentário um jogo de soma zero, ao estabelecer um limite por regra constitucional da correção dos gastos públicos. Esses gastos, contudo, têm status políticos distintos; uma parte das despesas é determinada pelo texto constitucional; uma parte minoritária fica sujeita à decisão discricionária dos tomadores de decisão. A dinâmica das despesas obrigatórias deixa cada vez menos espaço para os gastos discricionários, que incluem, por exemplo, despesas com investimento, rubrica fundamental para o aumento do produto potencial brasileiro.

A combinação entre regras complexas, cada vez mais rígidas, para evitar nova crise fiscal e a falta de apoio político a uma gestão fiscal mais austera desaguam em iniciativas para driblar essas amarras, sejam aquelas voltadas aos gastos em período de crise, tal como as despesas exigidas pela pandemia, ou por mecanismos pouco transparentes de alocação das emendas parlamentares.

Essa maior demanda por participação nas decisões alocativas ocorreu por conta de um enfraquecimento político da Presidência da República, como resultado da radicalização e da falta de um sistema partidário mais estruturado. O orçamento imperativo avançou como resultado da perda do papel de coordenação do chefe do Executivo. Dito de outro modo: a agenda econômica demanda tratamento mais eficiente dos gastos públicos e a política polarizada aponta para um movimento de enrijecimento das regras e pouco espaço para negociações.

Esses subterfúgios dificultam o acompanhamento da eficiência do gasto público, limitando a qualidade da política pública. A agenda de desenvolvimento nos países mais avançados é de construção de uma rede de organizações para permitir o desenho dos programas de governo com bases em evidências.

Esse quadro é desafiador diante da desigualdade de acesso dos grupos sociais ao debate parlamentar. Minorias com capacidade de organização têm mais influência nos tomadores de decisão. Não por acaso, políticas setoriais têm espaço mais privilegiado do que políticas mais universais com impacto mais positivo para o desenvolvimento socioeconômico.

Esse poder das “minorias organizadas” é contrário ao espírito que Tocqueville, talvez de forma pioneira, identificou na história das sociedades, isto é, a busca por igualdade como motor da história e base para o desenvolvimento das democracias.



Saiba mais sobre o autor

Rafael Cortez é doutor em Ciência Política pela USP. Professor do IDP, é especialista em instituições brasileiras, política comparada e economia política. Na Tendências Consultoria Integrada, responde pela área de Macroeconomia e Análise Setorial.

*Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de junho (32ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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