RPD || Eurico de Lima Figueiredo: O Presidente e o “seu” General

Comando do Exército decidiu que Pazuello não cometeu “transgressão disciplinar” ao subir em palanque e andar de moto com apoiadores de Bolsonaro no Rio de Janeiro, o que é proibido para membros das Forças Armadas. Procedimento disciplinar foi arquivado e colocado sob 100 anos de sigilo
Pazuello participa de motociata com o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Agência Brasil

Uma das questões mais importantes na construção das democracias é a subordinação do Estado à vontade dos cidadãos que o mantém e sustenta. Uma das condições para que isso seja alcançado é a estabilidade, a eficiência e a manutenção de um corpo de funcionários, civis e militares, que sirvam ao sistema estatal. O Estado, no sistema democrático, é uma instituição permanente; os governos que o administram, segundo eleições que garantam a rotatividade civil do mando político, são periódicos. Servidores públicos, com ou sem farda, servem a cada governo, mas devem subordinação às leis do Estado que permanece, de acordo com as determinações previstas pelo diploma constitucional que o rege.

Militares, como servidores públicos, distinguem-se dos civis por uma característica ímpar: usam armas. O processo pelo qual as sociedades democráticas conseguiram a lealdade e a obediência das forças armadas perante as instituições da cidadania é um dos capítulos mais complexos na história política de cada sociedade que optou pela democracia como a melhor forma de governo. Gaetano Mosca, ilustre teórico político italiano, dizia que a questão não era saber porque, ao se entregar uma arma a uma instituição ela não a usa contra aqueles que a entregaram. A pergunta seria por qual razão ela não a usa sempre. Cada país que optou pelo caminho democrático precisou contar com conhecimentos precisos sobre a história militar em geral e, em particular sobre sua própria história militar, capítulo essencial de seu trajeto político.

Nas sociedades democraticamente estabelecidas, elites civis mostram-se capazes de cativar as mentes e corações do oficialato. Nelas os militares não usam suas armas à revelia da vontade das instituições por profundas convicções morais. Uma delas: querem ser respeitados pelos cidadãos que tudo pagam pelo que é público, inclusive pistolas e fuzis. Outra: sentem-se honradas e dignificadas por estarem dispostas a dar suas vidas em defesa da soberania nacional. Outra ainda: estão convictas de que a democracia é a pior forma de governo, com a exceção de todas as outras. Identificam-se, sincera e profundamente, com os valores democráticos.

Quando o Presidente Bolsonaro convidou o general Eduardo Pazuello, que está na ativa, para participar recentemente de ato político no Rio de Janeiro, abalou um dos pilares da corporação castrense. O regulamento disciplinar do Exército veda, expressamente, tal possibilidade. O Chefe do Executivo, ao personalizar as “forças armadas”, chamando-as de “suas”, desrespeita a corporação militar, servidora do Estado, e a submete, irresponsavelmente, à reprovação da cidadania. Agride o Estado democrático de direito. Distância os quartéis da sociedade que juraram defender.


Saiba mais sobre o autor

Eurico de Lima Figueiredo é professor Emérito da Universidade Federal Fluminense. Professor Titular de Estudos Estratégicos e Relações Internacionais da mesma instituição (aposentado).

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de junho (32ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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