Revista Política Democrática Online || Eduarda La Roque: Democracia e inclusão

É preciso que saíamos das metodologias setoriais em “caixinhas” para abordagens em rede, para que possamos desenvolver um modelo de desenvolvimento que seja sustentável e inclusivo que garanta a sobrevivência da democracia em nosso país.
Foto: Secom/ES
Foto: Secom/ES

É preciso que saíamos das metodologias setoriais em “caixinhas” para abordagens em rede, para que possamos desenvolver um modelo de desenvolvimento que seja sustentável e inclusivo que garanta a sobrevivência da democracia em nosso país

A sobrevivência da democracia só será possível se conseguirmos desenvolver um modelo de desenvolvimento que seja sustentável e inclusivo, o que requer justamente que saíamos das metodologias setoriais em “caixinhas” para abordagens em rede, que integrem temas através de circuitos integrados.

Antecipei esse ponto de vista em artigo “Democracia e Informação”, constante do livro Política: nós também sabemos fazer, lançado em março de 2018, bem antes do hoje presidente Jair Bolsonaro representar chances reais de ganhar a eleição. Disse, então, que “regimes democráticos só sobreviverão com uma maior coesão social a partir de um alinhamento mínimo com relação a valores – ética e transparência acima de tudo –, ao invés da visão polarizada entre esquerda e direita. A direita culpando o Estado pela ineficiência do sistema, e a esquerda culpando a ganância do mercado pelas mazelas sociais. Ambos com razão. O tecido social fica esgarçado, e aumenta significativamente o risco de ascensão de ditadores”.

Deu no que deu. À margem dos riscos que hoje vivemos no Brasil à democracia, centro-me no tema da “Inclusão”, um termo bem aberto. Inclusão de quem? Trata-se de uma pauta de direitos humanos ou de economia? De ambos, obviamente, e de vários aspectos mais. Em seminário de que participei recentemente[1], foquei minha apresentação na inclusão dos mais pobres na economia e na cidadania, através de um modelo de desenvolvimento territorial baseado no conceito de prosperidade. Mas gostaria de realçar que o Brasil tem de encarar de frente a questão das desigualdades, de renda, de oportunidades. Uma proposta progressista de Brasil deve colocar como prioridade número um o combate às desigualdades estruturais que vivemos, tais como a pobreza, o racismo, o machismo, a homofobia.

Integrar as políticas públicas nos territórios de uma forma participativa é o único caminho viável para o desenvolvimento sustentável, que significa um processo de melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, principalmente para os mais vulneráveis. Um território pode ser uma favela, um bairro, uma cidade, uma microrregião do Estado. Dois casos foram apresentados: o de fracasso da UPPSocial no Rio de Janeiro (relatado em meu artigo “Confronting inequalities”, em Shaping Cities in an Urban Age, LSE, 2018) e o Modelo de Desenvolvimento Regional Sustentável do Espírito Santo, que está em construção.

O modelo de desenvolvimento territorial é composto por três etapas. A composição de um conselho de atores envolvidos e comprometidos com o desenvolvimento do território; a pactuação de metas de desenvolvimento holísticas; e uma matriz de responsabilidades para alcançar e monitorar as metas. Para dar certo, depende de representatividade dos atores, informação qualificada e empoderamento do conselho. Precisamos de uma meta, um guia; daí a importância dos indicadores econômicos e sociais. São eles que pautam toda a informação, a composição do saber da sociedade e os rumos dos países e entes subnacionais.

O PIB per capita não é suficiente para medir o grau de desenvolvimento de um país, muito menos do Estado ou da cidade. É impactado por atividades relacionadas à indústria extrativa, sem penalizar a desigualdade nem o desgaste do meio ambiente, além de não computar adequadamente a economia criativa. A alternativa proposta por Amartya Sen, o Índice de Desenvolvimento Humano, é adequada para ranquear os países ou municípios, mas não tão boa para avaliar os resultados de política pública num prazo mais curto, pois variáveis como renda média, expectativa de vida e nível de escolaridade demoram a reagir. Para avaliar o resultado na ponta das políticas públicas, foi criado pela Rede de Progresso Social, o IPS (índice de progresso social), que aborda aspectos sociais, de direitos e ambientais.

Para além do IPS, propõe-se, no caso do Espírito Santo, a elaboração do IPES, índice de prosperidade do Espirito Santo, para avaliar a melhoria de qualidade de vida dos cidadãos, medida através de uma composição de sete “ativos” da sociedade: econômico, social, ambiental, cívico (que inclui as questões de governança), urbano, cultural e humano.
Ampliar nosso conceito de riqueza para contemplar outros tipos de ativos que não só os econômicos. E considerar métricas que considerem as desigualdades ao invés de adotar como metas variáveis de média tais como o PIB e a renda per capita. Por estes indicadores, o Brasil é um país de renda média, mas, se extrairmos o 1% mais rico da população, somos um país bem pobre. Uma unidade a mais de renda entre os mais pobres certamente geraria mais bem-estar no sistema do que entre os ricos. E consumo também. Para voltar a fazer o bolo crescer, será necessário começar por distribuir.
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[1] “Os Desafios da Democracia: um programa político para o século XXI”, promovido pela Fundação Astrogildo Pereira, em São Paulo, em 24 de agosto de 2019.

 

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