O Brasil mata a Amazônia. Floresta está sendo substituída por uma savana

Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real
Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real

Por Lúcio Flávio Pinto

Principalmente por causa dos desmatamentos e das queimadas, a Amazônia já emite mais carbono do que é capaz de absorver. Da metade do Pará para cima, até o norte de Mato Grosso, a floresta amazônica está sendo substituída por uma savana. Em alguns trechos, a hileia já desapareceu por completo. A Amazônia virou sertão. O período de estiagem se alonga, as temperaturas sobem e as chuvas se tornam irregulares.

Esse diagnóstico foi apresentado por Luciana Gatti, líder de uma equipe em uma pesquisa realizada de 2010 a 2018, medindo os níveis de dióxido de carbono em quatro localidades da Amazônia.  As maiores taxas de liberação do gás de efeito estufa foram registradas justamente nas regiões que mais sofreram desmatamento.

O estudo revelou o que os observadores que viajam pelo interior da região constatam já fazem alguns anos: a parte leste da Amazônia, com aproximadamente 2 milhões de quilômetros quadrados, está 30% desmatada, em média, enquanto na parte oeste o índice é de 11%. A diferença pode parecer significativa, mas não é. O avanço mais massivo sobre a parte ocidental da Amazônia começou na década de 1950. Na parte ocidental, só se intensificou meio século depois. A velocidade, portanto, é espantosamente maior.

Não só por esse fator. A agressividade contra a natureza e os seus mais antigos habitantes da região (de índios a caboclos) é a mesma que orientou a ocupação da Amazônia pela pata do boi, incentivada pela colaboração financeira do governo federal com a formação de fazendas rudimentares, a maioria das quais fracassou sob todos os critérios de avaliação.

Parece que não contam, foram esquecidos ou desprezados os 70 anos de experiência negativa de avanço sobre as florestas densas das áreas mais altas da região, cortadas por longas estradas nas direções sul-norte, como a Belém-Brasília, a Cuiabá-Santarém e a Porto Velho-Manaus, e leste-oeste, como a Transamazônica e a BR-364.

O governo central foi ativo e decisivo no estímulo a essas frentes pioneiras, inclusive através de pesados financiamentos de capital, que nunca retornaram. Mas se omitiu na regulação das relações sociais e econômicas e no combate ás ilegalidades e violências que caracterizam a expansão por áreas novas e isoladas.

Ainda assim, nem nos 21 anos da ditadura militar, para a qual a ocupação acelerada da Amazônia era considerada vital para garantir a soberania nacional, pelo molde da doutrina de segurança nacional, e para a montagem de uma nova base produtiva capaz de chegar ao mercado internacional (com minério, gado e soja), se viu o triste espetáculo proporcionado pelos pioneiros na área de expansão do sudoeste do Pará, em Novo Progresso. Eles escolheram um dia de outubro de 2019, no final do verão, período de mais intensas queimadas, para tocar fogo na floresta.

De rosto limpo, perfeitamente identificados, cheios de sentimentos patrióticos, convencidos de estarem respondendo ao comando do presidente da república, o ex-capitão do Exército Jair Bolsonaro, para expandir a produção agropecuária da Amazônia.

Para tal, esse Brasil está matando a Amazônia. Tem matado com fúria crescente desde então, à palavra de ordem do comandante, el supremo.


Além de colaborar com a agência Amazônia Real, Lúcio Flávio Pinto mantém quatro blogs, que podem ser consultados gratuitamente nos seguintes endereços:

lucioflaviopinto.wordpress.com – acompanhamento sintonizado no dia a dia.

valeqvale.wordpress.com – inteiramente dedicado à maior mineradora do país, dona de Carajás, a maior província mineral do mundo.

amazoniahj.wordpress.com – uma enciclopédia da Amazônia contemporânea, já com centenas de verbetes, num banco de dados único, sem igual.

cabanagem180.wordpress.com – documentos e análises sobre a maior rebelião popular da história do Brasil.

 *Lúcio Flávio Pinto é jornalista desde 1966. Sociólogo formado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1973. Editor do Jornal Pessoal, publicação alternativa que circula em Belém (PA) desde 1987. Autor de mais de 20 livros sobre a Amazônia, entre eles, Guerra Amazônica, Jornalismo na linha de tiro e Contra o Poder. Por seu trabalho em defesa da verdade e contra as injustiças sociais, recebeu em Roma, em 1997, o prêmio Colombe d’oro per La Pace. Em 2005 recebeu o prêmio anual do Comittee for Jornalists Protection (CPJ), em Nova York, pela defesa da Amazônia e dos direitos humanos. Lúcio Flávio é o único jornalista brasileiro eleito entre os 100 heróis da liberdade de imprensa, pela organização internacional Repórteres Sem Fronteiras em 2014. Acesse o novo site do jornalista aqui www.lucioflaviopinto.com.

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