Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense
Logo após a aprovação do impeachment da presidente Dilma Rousseff pelo Senado, por 61 votos a 20, fiz ao então senador Lindberg Faria (PT-RJ), hoje deputado federal, aquela pergunta básica de repórter sobre o “day after” da derrocada petista: “E agora?”. Ele respondeu: “Vamos fazer desse limão uma limonada, estávamos na defensiva, agora já temos um discurso para as eleições: ‘foi um golpe’”. A limonada demorou seis anos; nesse ínterim, o presidente Michel Temer pôs a casa em ordem, e o presidente Jair Bolsonaro, depois, fez uma bagunça muito maior, mesmo.
Agora, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva toma a limonada. Como narrativa eleitoral, a tese do golpe contra Dilma serviu para a unificação da esquerda no primeiro turno; no segundo turno, quando venceu com menos de 1% dos votos, exatamente 0,9%, passou a ser um estorvo para os novos aliados. Depois de eleito, por isso mesmo, chamar o impeachment de Dilma Rousseff de “golpe de Estado” é uma tolice política, além de um desrespeito às regras do jogo do nosso Estado Democrático de Direito.
Impeachment existe para que o Congresso e o Supremo possam destituir um presidente da República por “crime de responsabilidade” e evitar uma tragédia nacional, como a que se desenhava entre 2015 e 2016, ou um “golpe de Estado” daqueles que a gente já conhece. É um processo político, ao qual qualquer presidente da República está sujeito, segundo a Constituição de 1988, pelos mais variados motivos, um deles o crime orçamentário, ou seja, as “pedaladas fiscais”. Quem faz a denúncia é a Câmara; quem julga é o Senado, sob a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF).
De fato, não foi por causa das “pedaladas fiscais” que Dilma Rousseff caiu. Outros presidentes fizeram coisas piores e foram até o fim do mandato. O impeachment ocorreu porque Dilma levou a economia ao colapso e enfrentava uma oposição de massas que “nunca antes” a esquerda conhecera, nem mesmo às vésperas do golpe militar que destituiu João Goulart em 1964. Ela também deu todos os motivos políticos que seus algozes precisavam.
Entender esse processo é importante para evitar que a crise se repita. Houve irresponsabilidade fiscal, sim; e constitucionalidade no julgamento, também. Presidido pelo ministro Ricardo Lewandowski, à época presidente do STF, o impeachment poderia ter sido evitado se a presidente Dilma tivesse abandonado a arrogância como fez política, tivesse um mínimo de sensibilidade para ouvir as opiniões críticas, corrigisse os rumos equivocados e buscasse restabelecer a coesão nacional, dilacerada com os desdobramentos das manifestações de junho de 2013. Chance teve com a reeleição, em 2014, porém imaginou que a sua vitória era um endosso ao rumo que tomara.
A narrativa do “golpe de Estado” também permite a dedução de que o governo Dilma continuaria a usar as pedaladas como forma de encobrir as irresponsabilidades fiscais; que os gastos públicos seguiriam sem respeito aos limites da aritmética; que o eleitoralismo se manteria como lógica fundamental do governo; e que o aparelhamento da máquina pública conduziria à decadência de grandes empresas estatais. Por isso, gera expectativas negativas sobre o terceiro mandato de Lula.
Chumbo trocado
A propósito, entre os petistas, nem a cadelinha Resistência tem dúvida de que Lula deveria ter sido candidato em 2014, em vez de Dilma Rousseff. Mas ela se fez de desentendida e usou a prerrogativa da candidatura à reeleição como fato consumado na convenção do PT. Todos os dirigentes petistas sabem disso. Qualquer repórter de política já ouviu de algum parlamentar petista que Lula se arrependeu de ter escolhido Dilma como sucessora. Outros petistas seriam mais capazes, como Jaques Wagner e Fernando Haddad, por exemplo.
O maior problema de Lula não é o chumbo trocado com o ex-presidente Michel Temer, são os aliados do ex-presidente que destituíram Dilma, sem os quais não teria sido eleito. Por exemplo, a então senadora Simone Tebet (MDB-MS), que foi candidata no primeiro turno, apoiou-o no segundo e, agora, é ministra do Planejamento. Ou os senadores Davi Alcolumbre (União-AP), Eduardo Braga (MDB-AM), Osmar Azis (PSD-AM), Jader Barbalho (MDB-PA) e Renan Calheiros (MDB-AL), que votaram a favor do impeachment. São aliados fundamentais para que Lula possa ter uma retaguarda no Senado.
Temer estava quieto no seu canto. Chamado de golpista, reagiu no Twitter com meia dúzia de verdades: “Mesmo tendo vencido as eleições para cuidar do futuro do Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece insistir em manter os pés no palanque e os olhos no retrovisor, agora tentando reescrever a história por meio de narrativas ideológicas. Ao contrário do que ele disse hoje (anteontem) em evento internacional, o país não foi vítima de golpe algum. Foi, na verdade, aplicada a pena prevista para quem infringe a Constituição. E sobre ele ter dito que destruí as iniciativas petistas em apenas dois anos e meio de governo, é verdade: destruí um PIB negativo de 5% para positivo de 1,8%; inflação de dois dígitos para 2,75%; juros de 14,25 para 6,5%; queda do desemprego ao longo do tempo de 13% para 8% graças à reforma trabalhista; recuperação da Petrobras e demais estatais graças à Lei das Estatais; destruí a Bolsa de Valores, que cresceu de 45 mil pontos para 85 mil pontos”.