Monica de Bolle: Sai Porcina, entra Sassá

A maior parte das medidas depende do Congresso, o mesmo Congresso que tenta a sobrevivência pós outubro.
Foto: Beto Barata/PR
Foto: Beto Barata/PR

A maior parte das medidas depende do Congresso, o mesmo Congresso que tenta a sobrevivência pós outubro

Ah, os anos 80. Década de desarranjos políticos e econômicos, década perdida, de povo em desvario. Década do rock brasileiro engajado, das seleções de futebol que foram sem jamais terem ido, das telenovelas inesquecíveis. O Brasil de Temer é versão apagada dos anos 80, com pitadas próprias de surrealismo.

Em artigo para este jornal publicado em agosto do ano passado, descrevi a agenda Porcina de Temer em alusão à viúva inesquecível. Na ocasião, escrevi sobre as chances de que as reformas de Temer viessem a ser “Porcinadas”, ou, por si, nada: que permanecessem no papel e nas melhores intenções sem os votos suficientes para que fossem a lugar algum.

Como sabemos agora, esse foi o destino da controvertida reforma da Previdência, cujo enterro nem tão prematuro foi anunciado pelo governo na segunda-feira. Vale lembrar que a reforma da Previdência era o pilar de sustentação do teto dos gastos, aprovado com imenso alarde em dezembro de 2016. Disse-nos a equipe econômica na época – mas não era muito difícil chegar à mesma conclusão sem dar ouvidos a Meirelles –, que as reformas estruturais para resolver os problemas fiscais de médio prazo do Brasil seriam feitas em duas etapas, e que a Previdência era fundamental para garantir a sustentabilidade das contas públicas e a solidez da recuperação econômica brasileira.

O problema era a ideia de “duas etapas”: como argumentei em entrevistas e escrevi na época, as chances de que o teto ficasse sem o seu principal pilar eram altas. Depois do episódio no porão do Jaburu em maio do ano passado, era quase certo que a reforma da Previdência seria “Porcinada”. Algumas diluições mais tarde, cumpriu-se a profecia.

Fala-se muito que o governo Temer tirou o País da recessão, e é verdade. O problema é que o governo Temer também prometeu colocar a economia nos trilhos de modo a evitar que os desarranjos dos governos anteriores ressurgissem. Como essa promessa não foi cumprida, o quadro pós-eleições é pouco auspicioso: com as contas públicas destrambelhadas e sem reforma da Previdência, em algum momento a inflação haverá de subir, a turbulência deve voltar, os juros sairão de seu patamar historicamente baixo, e a recuperação esmorecerá. Mas para impedir que muita reflexão seja feita sobre os desmandos permanentes do País, Temer tirou Porcina de cena e a substituiu por Sassá Mutema. Lembram-se dele, o Salvador da Pátria? Sassá era ingênuo boia-fria que acaba sendo usado e manipulado por experientes políticos da fictícia cidade de Ouro Verde.

Enterrada a agenda Porcina, inaugurou Temer com a anuência de seus ministros a agenda Sassá, cujo conteúdo resume-se a retalhos de medidas com a única intenção de desviar a atenção do grave quadro fiscal não resolvido. A açodada agenda Sassá vislumbra a reforma do PIS/Cofins que provavelmente não irá a lugar algum; a privatização da Eletrobras; o aperfeiçoamento do cadastro positivo para reduzir os juros do crédito ao consumidor – déjà vu; o fim do fundo soberano que, na verdade, já não existe faz tempo; a reoneração da folha de pagamentos, que tampouco haverá de prosperar em final de governo; a autonomia do Banco Central, perdida em meio aos farrapos do anúncio.

A maior parte das medidas da agenda Sassá depende da aprovação do Congresso, o mesmo Congresso que estará mais do que ocupado tentando garantir sua sobrevivência pós-outubro. Ainda que fosse possível imaginar que parte das medidas teria alguma chance de aprovação, é equívoco achar que a lista é “plano B” para a reforma da Previdência, como alguns têm se referido a ela. Plano B seria se atacasse os desequilíbrios fiscais de forma menos eficaz do que a reforma que morreu. Não à toa, a agenda Sassá não agradou os mercados ou as agências de risco que ainda não rebaixaram novamente a nota soberana do Brasil como fez a S&P há pouco tempo.

Não à toa, a agenda Sassá deixa em evidência o conflito de se ter uma equipe econômica encabeçada por um ministro presidenciável, ministro que dia desses falava sobre as vicissitudes do tamanho do Estado afirmando que estaria ele desvirtuando os valores das famílias, “ocupando o lugar das igrejas, das comunidades, das organizações comunitárias”. Compreenderam? Eu também não. Viva Sassá.

* Monica de Bolle é economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University

 

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