Míriam Leitão: Trem descarrilado da mineração

Para um setor que dobrou de tamanho em pouco mais de uma década e só no ano passado gerou US$ 20 bilhões em exportação, é inaceitável o jogo de empurra diante dos crimes ambientais em Mariana e Brumadinho.
Foto: Isac Nóbrega/PR
Foto: Isac Nóbrega/PR

Por Alvaro Gribel (A colunista está de férias)

Para um setor que dobrou de tamanho em pouco mais de uma década e só no ano passado gerou US$ 20 bilhões em exportação, é inaceitável o jogo de empurra diante dos crimes ambientais em Mariana e Brumadinho. Em 2015, Vale e BHP tentaram se eximir de responsabilidade pela operação da Samarco, apesar de a empresa ser uma joint venture entre as duas gigantes da mineração, com 50% de participação de cada. Há um ano, o presidente da Vale, Fabio Schvartsman, dizia em um evento para investidores em São Paulo que o trabalho de recuperação do Rio Doce era “uma história extraordinária” e que a “resposta das duas companhias estava à altura do desastre”.

O que as reportagens mostravam era uma realidade diferente: muita reclamação, atrasos e um dano ambiental incalculável. Ontem, a bateção de cabeça envolveu o vice-presidente, Hamilton Mourão, que falou que o comitê de gestão de crise poderia recomendar a destituição da diretoria da Vale, apesar de não ter certeza de que isso era possível. Por se tratar de uma empresa privada com ações em bolsa, a afirmação causou estranheza. Certamente, não é esse o caminho para eventuais punições aos executivos da mineradora.

Logo em seguida, foi a vez do advogado Sergio Bermudes falar que a Vale não reconhecia responsabilidade pelo acidente e que pediria o desbloqueio de todos os seus bens. O sentimento de perplexidade foi generalizado, e a companhia se viu obrigada a soltar dois comunicados oficiais para desdizer o advogado. A Justiça criminal ficou parada após Mariana, os órgãos de fiscalização continuaram esvaziados diante da crise fiscal. A mineração no Brasil cresceu demais, e parece que não há ninguém no controle.

O DOBRO EM 15 ANOS
A produção de minério de ferro da Vale saltou 117% em 15 anos, como mostra o gráfico abaixo. Os relatórios anuais da companhia mostram que a extração saltou de 169 milhões de toneladas, em 2002, para 367 milhões em 2017 (o balanço de 2018 ainda não foi divulgado). O crescimento foi acelerado principalmente nos anos 2000, quando teve início o chamado “boom” das commodities. A demanda chinesa por produtos primários aumentou, e isso fez disparar os preços nos mercados internacionais. A maior parte desse aumento de produção, porém, aconteceu no chamado Sistema Norte, puxado por Carajás, no Pará, que tem um minério mais rico e não utiliza barragens como as de Minas Gerais.

QUEDA LIVRE NA BOLSA
A perda de valor da Vale na bolsa — a maior da história em um único dia segundo a Economática —mostra que o investidor entendeu que ela tem responsabilidade na tragédia. A opinião contrária do advogado da companhia não convenceu. Karel Luketic, analista-chefe da XP, conta que a atenção dos investidores está voltada para as repercussões na Justiça, aqui e lá fora. As perdas não serão só financeiras, já olhadas com lupa pelas agências de classificação de risco. A investigação poderá manchar ainda mais a imagem da empresa. Ontem, a Fitch rebaixou a mineradora.

EM MINAS, PREOCUPAÇÃO FISCAL
Em Minas, além do choque com a tragédia, há a preocupação com a crise fiscal. No ano passado, somente a extração de minério de ferro gerou R$ 914 milhões em receitas ao governo, sem contar os efeitos indiretos sobre a cadeia de fornecedores. Um forte abalo nessa indústria poderia agravar ainda mais as contas estaduais. O orçamento mineiro já prevê R$ 11,5 bilhões de déficit este ano.

Com Marcelo Loureiro

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