Luiz Paulo Vellozo Lucas: O mercado, a política e a cidade

O colapso do projeto de poder lulopetista levou o Brasil para uma crise que se arrasta e se aprofunda em muitas dimensões desde a reeleição de Dilma Roussef em 2014. A necessidade de reformas estruturais no estado brasileiro é reconhecida por todas as forças democráticas que trabalham na politica contra o populismo. Todos sabemos que o abismo fiscal é apenas a ponta visível do iceberg.
Foto: Agência Brasil
Foto: Agência Brasil

O colapso do projeto de poder lulopetista levou o Brasil para uma crise que se arrasta e se aprofunda em muitas dimensões desde a reeleição de Dilma Roussef em 2014. A necessidade de reformas estruturais no estado brasileiro é reconhecida por todas as forças democráticas que trabalham na politica contra o populismo. Todos sabemos que o abismo fiscal é apenas a ponta visível do iceberg.

Um brutal déficit de confiança institucional foi gradativamente tomando conta dos três poderes e das três esferas federativas. A violência do cotidiano urbano escalou e tornou-se pavor para as pessoas de todas as classes sociais, testemunhando a derrota do sistema de segurança publica. As corporações e grupos de interesse que colonizaram o estado brasileiro vivem em permanente disputa por espaços de poder e renda capturada da sociedade. A luta pelo poder foi ficando selvagem e sem princípios ao mesmo tempo em que as fragilidades éticas e contradições do sistema político e jurídico assim como seus principais personagens foram expostas sem pudor `a sociedade perplexa e indignada.

Reconstruir a confiança no voto e nos mandatos eletivos é uma tarefa complexa e sofisticada, comparável `a reconstrução da moeda depois da hiperinflação. Não se trata de aprofundar a faxina moral de expurgo dos corruptos da política afim de purifica-la. A Operação Lava a Jato faz bem ao Brasil e deve ser apoiada mas, definitivamente, não será através dela que vamos nos salvar da crise. Acreditar na faxina moral e na cruzada contra a corrupção como caminho principal é uma perigosa ilusão que nos tira esperança no futuro e desqualifica o esforço politico no rumo das reformas e por conseguinte no resgate da confiança perdida na democracia.

Precisamos buscar inspiração na ultima grande obra de edificação institucional empreendida pela democracia brasileira que foi o Plano Real. A construção de uma moeda confiável e de um sistema de preços livres e estáveis onde a subida ou queda de preços acontecem sempre em função de variações na oferta e na demanda, pareceu ser, por dez anos desde o fim do regime militar, uma tarefa impossível. Aprendemos errando que não seria com controle de preços, com a Polícia Federal caçando boi no pasto, prendendo gerentes de supermercado e criminalizando a atividade empresarial que o Brasil sairia da hiperinflação. Foi aprendendo a confiar no funcionamento dos mercados e aperfeiçoando continuamente sua regulação que saímos da hiperinflação, construímos uma moeda estável e chegamos ao ponto de possuirmos hoje uma economia monetária moderna, integrada a economia mundial sem ameaça de crise de balanço de pagamentos. Tudo isso foi conquistado com um “hardware” econômico precário em termos de infraestrutura e grandes ineficiências sistêmicas que ainda persistem e que compõem o chamado “custo Brasil”.

Sabemos hoje que a hiperinflação não era causada por comportamentos antiéticos tais como lucros abusivos, ganância ou especulação. O padrão moral das pessoas envolvidas nas atividades de produção e comercialização de bens e serviços tampouco era o culpado pela escalada inflacionaria e pelo descontrole da economia. O Brasil soube evitar o caminho populista de culpar supostos sabotadores, especuladores ou outros vilões, reais ou fictícios, das crises de abastecimento e descontrole inflacionário para empreender a exitosa construção de mercados saudáveis a partir do Plano Real.

O voto está para a política assim como a moeda está para a economia de mercado. Ambos são os “tijolos” do sistema. Reconstruir a credibilidade do voto e a confiança nos mandatos eletivos dependem de uma reforma estrutural do sistema político e partidário em nosso país. Penso que deveríamos adotar uma estratégia gradualista, “de baixo para cima”, a partir das cidades, começando pelas eleições municipais de 2020.

O novo sistema político deveria se basear num tripé: Voto distrital para vereador, candidaturas avulsas e financiamento eleitoral privado de pessoas físicas com limites controlados. Vereadores distritais nas cidades mudarão a logica da governança nas prefeituras enobrecendo o papel das Câmaras Municipais e dando capilaridade ao poder publico local. Candidaturas avulsas, registradas a partir de petições assinadas por um percentual mínimo de 1% dos eleitores do distrito atrairão lideranças genuínas da sociedade para a vida publica promovendo uma renovação da política pela base diluindo a força das máquinas partidárias e enfraquecendo o patrimonialismo. Financiamento privado da campanha, exclusivamente por pessoas físicas, reforça o voluntariado e a dimensão comunitária da politica local. A regulamentação eleitoral e o controle pela Justiça deveriam se concentrar na prevenção e na repressão ao empreguismo e `as relações de clientela com os governos locais.

A regulamentação das regiões metropolitanas e das estruturas de governança compartilhada multimunicipais são fundamentais no sentido de conferir protagonismo e resolutividade ao poder local. Se o governo e o Congresso eleito em 2018 forem capazes de reestruturar a politica e as estruturas de governo subnacionais com logica territorial , a reconquista da confiança será imediata e o reformismo se fortalecerá.

A agenda das reformas é extensa. A reforma politica deve prosseguir com o distrital misto nos estados e em nível nacional. Se houver força politica para reformar e fortalecer o poder local, já para as eleições de 2020, as repercussões no processo reformista mais geral serão extraordinárias.
Temos que começar pela cidade. Imediatamente !

* Luiz Paulo Vellozo Lucas é engenheiro de Produção e professor universitário. Ex-Prefeito de Vitória-ES. Candidato a Deputado Federal pelo PPS-ES.

Privacy Preference Center