Hamilton Garcia: Crime e castigo na Universidade Estadual do Norte Fluminense

Crime e Castigo | Imagem: reprodução
Crime e Castigo | Imagem: reprodução

Hamilton Garcia*

No romance Crime e Castigo (1866), Fiódor Dostoiévski aborda questões existenciais, morais e sociais da Rússia do século XIX, através do personagem principal, Raskólnikov, um jovem estudante que abandona a universidade por falta de recursos e vive intensas perturbações emocionais por conta de ideias filosóficas sobre moralidade e poder que o levam a cometer um crime de morte, do qual, mais tarde, se arrependeria por ter vitimado uma inocente.

Na Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), a atitude praticada pela professora politicamente engajada – liderança sindical com influência nacional (ANDES) e Vice-presidente do PT/Campos – não se refere a crime de sangue, mas ao assassinato da reputação e da honra de colegas que tiveram com ela divergências institucionais de diversas ordens, mas sempre dentro da normalidade social e institucional; vale dizer, sem uso de violência de qualquer espécie, muito menos de imputações criminosas contra sua pessoa.

> “Hierarquização social violenta é responsável pelo grande número de analfabetos”, diz Marcos Bagno, da UnB

Da parte dela, como se sabe, as divergências foram trabalhadas de outra maneira e é preciso revisitá-las para podermos entender sua atitude. Especificamente em relação à minha pessoa, notei algo estranho em sua personalidade (mania de perseguição) quando ela, em 2019 e depois em 2021, reiteradamente se referiu à sua derrota numa eleição banal para a Coordenação de Extensão do CCH, realizada em 2012, imputando este desfecho à minha “traição” – eu ocupava o cargo à época e votei no Prof. Rodrigo (uma de suas vítimas em 2024), por considerá-lo uma pessoa mais equilibrada.

Em outro momento, quando da atualização dos Projetos de Curso (PPC) na UENF, em 2022, ela, como Chefe do nosso laboratório (LESCE), desrespeitando o apoio da maioria dos colegas à proposta do PPC-CISO, elaborado por professores do curso (NDE) sob minha liderança como Coordenador de Ciências Sociais (CISO), agiu ostensivamente, junto com o Prof. Marcos Pedlowski (Chefe do LEEA), para derrotar a proposta no Conselho do CCH (CONCEN) com críticas improcedentes à proposta apresentada e centrada na minha condução do processo; inclusive com menção, em reunião laboratorial, a supostos “boatos”de que eu havia “assediado” uma colega opositora de minhas ideias no Colegiado de Curso – cobrada acerca de quem se tratava, ela desconversou.

Com PL 2159, ‘porteira está aberta’ para a devastação ambiental no Brasil, alerta especialista

PT consolidou força com ‘economia do afeto’ e união dos ‘de baixo’, aponta Alberto Aggio

A atitude de desconsiderar seu laboratório nesta questão, com a clara intenção de me atingir, e a iniciativa, em seguida, de se apresentar como candidata à Direção do CCH sem consultar os colegas de trabalho, lhe custou a Chefia do LESCE. Foi quando percebi que sua atitude irresponsável em relação ao curso de CISO se devia ao temor de que eu poderia me candidatar ao cargo que ela ambicionava, o qual nunca pleiteei; na verdade, apoiei, junto com vários colegas de laboratório, o Prof. Geraldo Timoteo (outra de suas vítimas em 2024), ao cabo eleito.

A gota d’água para ela parece ter sido quando, pela segunda vez – a primeira foi em 2023 –, eu recebi uma denúncia de estudantes quanto à conduta improficiente/inadequada do Prof. bolsista de Antropologia, que vinha a ser seu companheiro. Esta denúncia, feita por três estudantes que pediram preservação de identidade, foi recebida por mim em 08/07/2024 e imediatamente comunicada à Coordenadora da Disciplina para a devida apuração junto ao docente, como é de praxe – relato do acontecimento encontra-se na nota do Colegiado&NDE-CISO, publicada pela ASCOM/UENF em repúdio à campanha de calúnia&difamação deflagrada em 10/07/2024 pelos cartazes apócrifos, portanto, dois dias após a denúncia dos alunos.

Assim, fica claro que a iniciativa dos cartazes e das cartas apócrifas encaminhadas à Reitoria, aparentemente lobo-solitária – embora “abafada” por alguns docentes que fazem oposição à Reitoria, inclusive na associação docente (ADUENF) –, intentava conspurcar uma e, quem sabe, por meio da desmoralização interna e externa – com o concurso de uma campanha caluniosa amplificada por coletivos feministas ad hoc –, expurgar três de seus desafetos políticos titulares de cargos eletivos na Universidade – nem todos comprometidos com a atual administração central democraticamente eleita.

Elencadas as prováveis motivações para o crime, vamos aos fatos suscitados pela investigação policial e administrativa, a primeira deflagrada por queixa-crime apresentada por mim e o Prof. Geraldo em 17/07.

A servidora, flagrada por câmeras de vigilância e por um servidor da instituição preparando e carregando cartazes em direção ao banheiro do prédio da Reitoria (E1), com as mesmas características dos que foram ali encontrados reproduzindo a fala de uma “aluna” que teria sido “assediada” pelo Coordenador do Curso de Ciências Sociais, pelo(s) Diretor(es) do CCH (em dois mandatos) e “ignorada” pela (Vice-)Reitora – nominalmente citada –, foi a Profª. Luciane Soares; chamada à delegacia de polícia no dia 23/07, na condição de Autora, para esclarecer sua participação no episódio.

Uma vez em sede policial, acompanhada de seu advogado, a servidora, destacando seu papel de sindicalista – ligada a um “grupo que é oposição à Reitoria” – para embasar sua alegação de “estar sofrendo perseguição”, afirmou que estava colando cartazes de seu projeto de extensão “no mesmo dia em que ocorreu a divulgação da situação do assédio” e que não teria “relação direta com os fatos” a ela imputados. Acrescentou ainda que tinha a “intenção de representar contra as pessoas que envolveram seu nome no procedimento por denunciação caluniosa”.

Tal versão foi logo desmontada pelo depoimento da Reitora que, na condição de Testemunha, compareceu espontaneamente à polícia no dia 30/07 esclarecendo não haver naquele andar do prédio E1 salas de aula, mas apenas gabinetes administrativos, e que “após acesso ao conteúdo das câmeras de segurança” do dia 10/07, foi “possível identificar a professora Luciane entrando no banheiro com papéis na mão e saindo de mãos vazias” – papéis estes que o servidor Vítor Sendra havia visto ela manipular em bancada, no mesmo dia e local.

A alegada colagem do cartaz de extensão (que eram fortemente coloridos) foi registrada pelas câmeras de segurança somente no dia 15/07, sendo eles colocados “pela professora Luciane no espaço destinado a avisos do andar da reitoria”, afirmou a Reitora. Cabe complementar aqui que, neste mesmo dia, o LESCE marcou reunião matinal para discutir a denúncia e Luciane não compareceu alegando, às 10h, ter tido um atraso na chegada à Campos, enquanto as câmeras registram ela afixando os cartazes de extensão no E1 antes disso, o que demonstra sua intenção de embaralhar futuras investigações e de evitar falar sobre o ocorrido com seus colegas de trabalho.

Não fossem os cartazes já muito graves, a Reitoria ainda apensou ao inquérito policial – hoje transformado em processo criminal sob os auspícios do Ministério Público Estadual, em concomitância com os advogados das vítimas –, “três correspondências anônimas contendo conteúdo semelhante ao cartaz afixado no banheiro feminino da reitoria”, cartas que chegaram por canais diversos: uma postada no Largo do Machado (Rio de Janeiro) em 15/07/2024, outra provavelmente em São Fidélis (sem data) e outra em Campos em 16/07/2024.

Apenas uma delas tinha identificação, com um nome fictício que não consta dos registros universitários, e em nenhuma delas foi “possível identificar a vítima de assédio”, afirmou a Reitora, que aduziu que “se tivesse chegado ao seu conhecimento fato de tamanha gravidade teria tomado todas as providências necessárias para prestar auxílio à vítima“. Por fim, ela manifestou sua estranheza com o fato de que os cargos objeto de denúncia no cartaz serem “todos eletivos, como se quisessem colocar em cheque a administração da Instituição”.

Posteriormente, na comissão de sindicância estabelecida internamente para apurar em termos administrativos os fatos ocorridos, Luciane voltou a incorrer em contradições e inconsistências – facilmente identificáveis –, em especial quanto à justificativa de sua presença no prédio da Reitoria (E1) no dia 10/07/2024:

1) A alegação de que esteve no local, neste dia, fazendo atividades relacionados ao projeto de extensão, portando cartazes de divulgação, não se justifica pois ela própria admitiu, ao contrário do que dissera à polícia, que tais cartazes só foram afixados no prédio em outra ocasião;

2) Quanto a ter ido lá para uso do banheiro, como afirmou, a dinâmica de sua passagem pelo balcão na entrada do 1º andar do E1, registrada pelas câmeras em dois momentos, a desdiz por completo, pois, às 10h27min02s, ela chega com os papéis, manipula-os e os deixa ali, descendo a rampa e se dirigindo ao prédio do CCH para, às 10h33min32s, retornar ao E1 e voltar a manipular os cartazes no balcão e se encaminhar ao banheiro carregando-os, o que demonstra que, nestes 6min30s, a centralidade de sua ação estava nos papéis – que não guardam semelhança de cores com os do projeto de extensão –, cujas fitas adesivas aparentes sugerem que seriam afixados em algum local por perto;

3) Em relação ao tempo de sua permanência no banheiro, menos de 50 segundos – as câmeras em frente ao GRH registram sua passagem em direção ao banheiro, com os papéis em mãos, às 10h34min00s e sua volta, sem os papéis, às 10h34min50s –, parece demasiado curto para adentrá-lo, guardar os papéis na mochila como ela alega ter feito (com fitas adesivas!), fazer uso do sanitário feminino, recompor-se, lavar as mãos e novamente passar em frente ao GRH.

Tais contradições e inconsistências diante da polícia e perante a comissão sindicante, assim como seu histórico de perseguição pessoal a mim no LESCE e no CCH, falam por si mesmas, assim como a omissão da ADUENF e a conivência de parte da oposição à Reitoria a tal atitude.

A atual Reitoria, que não está acima de criticas, mudou radicalmente, é preciso admitir, entre vários outros avanços inequívocos, a atitude institucional de leniência com tais práticas corrosivas/destrutivas do ambiente universitário, demitindo duas servidoras e suspendendo outras duas no último ano. Agora ela tem, diante de si, a possibilidade de dar um basta definitivo nestas posturas – a mais grave de todas aqui descrita.

Perto de completar um ano, este lamentável acontecimento precisa ser um divisor de águas em nossa história institucional, até porque, ao contrário do personagem dostoievskiano no início referido, a servidora da UENF não deu nenhuma demonstração de arrependimento ou dor de consciência: muito ao contrário, tenta intimidar vítimas, colegas e estudantes com ameaças veladas de ações judiciais contra o que ela chama de seus “detratores” e age com frieza absoluta, pedindo, no caso de haver punição, “que seja aplicada a Advertência”, visto que os fatos seriam “de menor potencial ofensivo, não havendo gravidade observada”.

Neste sentido, olhando-se a história institucional, a suspensão por 30 dias aplicada à contraventora é um passo importante, mas, temo, insuficiente para coibir tais práticas no futuro.

*Formado em Sociologia e Política pela PUC/RJ, fez Mestrado em Ciência Política na Unicamp e Doutorado em História Contemporânea na UFF, se dedicando ao estudo dos partidos de esquerda. Atualmente leciona na UENF disciplinas de Política voltadas para a compreensão dos processos políticos e sua evolução, dos pensamentos que os inspiram, e seus múltiplos desenvolvimentos, levando em conta tanto fatores genéticos (formação histórico social) como mutacionais (transformações econômico-sociais), além de colaborar com o Blog Opiniões do Grupo Folha da Manhã , o sítio Gramsci e o Brasil , a Fundação Astrojildo Pereira e, a partir de março, o sítio Latinoamérica 21 . Neste blog, pretendo discutir e analisar os fenômenos políticos atuais, ajudando o leitor a, antes de tudo, entendê-los para depois enfrentá-los.

**As opiniões publicadas em artigos no site da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam, necessariamente, o posicionamento da entidade.

Fonte: Blog do Hamilton Garcia/Folha 1

Privacy Preference Center