Vitória dele implica destruição da imprensa livre, declara o professor da USP
Maurício Meireles, da Folha de S. Paulo
SÃO PAULO – O primeiro debate do 3º Encontro Folha de Jornalismo, que aconteceu nesta quarta-feira (19), contou com falas contundentes de Eugênio Bucci, professor da USP e colunista do jornal O Estado de S. Paulo. Bucci comparou o presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores aos bonapartistas do século 19 e aos fascistas do século 20.
“São pregadores do fascismo. São machistas, misóginos, militaristas. Não suportam a ciência. Não suportam o jornalismo. A vitória do projeto dele implica a destruição da imprensa livre, e a vitória da imprensa livre coloca em sítio o projeto de poder autoritário que ele tem”, afirmou.
Com mediação da ombudsman, Flavia Lima, Bucci debateu com Mônica Bergamo, colunista da Folha, e Ana Cristina Rosa, assessora-chefe de comunicação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Como tema da mesa, a pergunta: “Jornalistas são mesmo animais em extinção?”
Flavia iniciou o encontro mencionando levantamento da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), que computou mais de cem ataques à imprensa cometidos pelo governo Bolsonaro em seu primeiro ano de governo. Lembrou alguns, como o insulto com insinuação sexual contra a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha, registrado nesta terça-feira (18).
“É um desprazer discutir uma fala tão desqualificada”, afirmou Bucci sobre o ataque. “É um desprazer considerar essas palavras como passíveis de interlocução. Elas não são, são ultrajes, são golpes verbais. Têm o objetivo de nos calar, nos humilhar.”
Bergamo afirmou que, no começo de sua carreira, a única preocupação era conseguir informações exclusivas. Agora, disse, há maior escrutínio do trabalho dos jornalistas —o que é positivo, ressaltou —, mas também uma rápida disseminação de mentiras e tentativas de desqualificação dos repórteres.
“O fato de haver um governo com essa animosidade contra a imprensa aumenta o número de ataques e a pressão contra nós. Há vários elementos de tensão [profissional], mas não daquela tensão com a qual deveríamos estar nos preocupando. Deveríamos nos preocupar em fazer matérias, não em nos defender de ataques”, afirmou, lembrando que o tempo gasto com tais ataques poderia ser usado, por exemplo, para apurar as circunstâncias da morte de Adriano da Nóbrega, miliciano ligado a Flávio Bolsonaro que foi morto pela polícia na Bahia.
Para Ana Cristina Rosa, do TSE, o papel de órgão públicos é usar as notícias negativas como instrumento para aprender e melhorar sua atuação. “[Mesmo] em relação aos erros, não é aceitável que se demonize profissionais. Erros fazem parte.”
Na parte aberta à plateia, um participante perguntou se a imprensa não teria contribuído para a ascensão de Bolsonaro ao supostamente apoiar o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a Operação Lava Jato.
“O primeiro cuidado que precisamos tomar é saber o que estamos chamando de imprensa”, ressalvou Bucci. “A imprensa tem inúmeras contradições. Ela tem tensões internas, ela têm pluralidade. Não é bem ‘a imprensa apoiou o impeachment’. Podemos dizer que a linha editorial opinativa de alguns veículos aderiu [ao processo] de maneira declarada.”
Mônica Bergamo discordou da avaliação sobre o impeachment que a pergunta embutia, mas afirmou ver tal paradoxo na forma como a imprensa tratou o hoje ministro da Justiça Sergio Moro.
“[Ele] é o centro e o mais importante apoio de um projeto autoritário. Acho que ele foi tratado de maneira não crítica pela imprensa, e ele é o grande suporte de tudo isso. Mas excluo a Folha, que foi o único órgão a ir para cima dele”, afirmou.
O debate integrou evento que marca o início das comemorações dos centenário da Folha, que ocorre em 2021.