Divergências residem em pontos cruciais que alteram a estrutura dos mandatos eletivos e propõem uma mudança profunda no calendário eleitoral
Comunicação FAP
Em um momento crucial para a vitalidade democrática brasileira e a promoção de um debate eleitoral amplo e desimpedido, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que busca encerrar a possibilidade de reeleição para chefes do Executivo emerge como ponto central de discussão no Congresso Nacional. Embora o objetivo principal de extinguir a recondução de governantes encontre apoio majoritário no Senado, a tramitação da matéria na Casa pode enfrentar barreiras. As divergências residem em pontos cruciais que alteram a estrutura dos mandatos eletivos e propõem uma mudança profunda no calendário eleitoral do país.
A PEC, que obteve aprovação simbólica (quando não há registro dos votos) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na última quarta-feira (21/5), delineia o fim da reeleição de forma escalonada. A proibição passaria a valer a partir das eleições de 2028 para prefeitos e, posteriormente, a partir de 2030, para presidentes e governadores.
A proposta vai além, buscando uniformizar as disputas eleitorais municipais e nacionais para ocorrerem em uma única data, com início previsto para 2034. No mesmo ano, o texto estabelece que todos os mandatos eletivos teriam duração padronizada de cinco anos. Isso inclui os senadores, cujos mandatos atuais de oito anos seriam reduzidos em mais de um terço, passando a ter a mesma duração de cinco anos.
Diretor-geral da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Cidadania 23, Marcelo Aguiar diz se preocupar com a possível coincidência de datas envolvendo as eleições federais, estaduais (ou distritais) e municipais. Ele se questiona se a sociedade terá capacidade de refletir com a seriedade necessária diante de tantas escolhas a serem feitas ao mesmo tempo.
“Acreditamos que, se o eleitor tiver de votar, em uma mesma eleição, do presidente da República até o vereador, o prejudicado será o debate local. A eleição nacional vai acabar centralizando as atenções, e as questões das cidades, regionais, ficarão em segundo plano. Isso tende a ser nocivo à sociedade, afinal, é nas cidades que se dá o primeiro atendimento ao cidadão, e essas escolhas precisam de espaço para reflexão”, afirma Aguiar.
A proposta de integrar o calendário eleitoral, unificando as datas das eleições municipais e nacionais, é um dos pontos de discordância que unem críticas tanto de senadores quanto de deputados. Congressistas disseram à imprensa ter colhido impressões de prefeitos presentes na Marcha dos Prefeitos, que consideram que essa mudança seria prejudicial às campanhas municipais.
Na avaliação de parlamentares, a unificação, ao mesmo tempo em que vincularia ainda mais as disputas locais aos rumos da política nacional, poderia dispersar a atenção dos eleitores. Por outro lado, os que defendem a realização conjunta das eleições argumentam que a medida resultaria na redução de custos para o processo eleitoral e colocaria fim ao ciclo de disputa constante, que hoje ocorre a cada dois anos.
Redução do mandato
A redução na duração do mandato dos senadores também provoca insatisfação do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Apesar de ele defender o término da reeleição para o Executivo e ver a proposta como um marco potencial de sua gestão, o texto em sua forma atual não agrada a ele nem a uma parte considerável dos senadores. Por isso, a análise da PEC no plenário pode ser adiada para junho ou até mesmo para o segundo semestre do ano.
Senadores que expressam oposição à redução dos mandatos argumentam que essa alteração faria do Senado uma “Câmara B”, em referência ao fato de que senadores e deputados teriam o mesmo tempo de mandato. Senadores chegaram a questionar a atratividade de se candidatar ao Senado, um cargo que exige eleição majoritária e um volume maior de votos, se o mandato fosse reduzido para apenas cinco anos.
A inclusão da mudança para cinco anos no mandato dos senadores não estava na proposta original apresentada pelo relator, Marcelo Castro (MDB-PI). A decisão de modificar o parecer ocorreu no dia da votação na CCJ, durante a análise de um destaque solicitado pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ).
Portinho, juntamente dos senadores Eduardo Girão (Novo-CE) e Cleitinho (Republicanos-MG), havia criticado publicamente, dias antes, o relatório inicial de Castro, que propunha aumentar os mandatos dos senadores de oito para dez anos. Alguns parlamentares acreditam que a pressão nas redes sociais influenciou a mudança no parecer de Castro para cinco anos, mas esperam que essa duração seja alterada durante a análise no plenário.
O tema foi discutido em uma reunião de líderes partidários do Senado, onde senadores sinalizaram o desejo de retomar a proposta original de Castro, que previa mandatos de dez anos.
Prática da reeleição
No cenário histórico, a reeleição de governantes, apesar das objeções manifestadas nas duas Casas do Congresso, tornou-se prática comum nos níveis municipal, estadual e federal. A permissão para que um chefe do Executivo se candidatasse novamente foi introduzida em 1997, possibilitando que o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) concorresse e vencesse a eleição no ano seguinte. Desde então, os dados corroboram uma tendência de êxito para os ocupantes de cargos executivos que buscam a recondução.
Historicamente, aproximadamente 60% dos prefeitos e governadores que tentam a reeleição obtêm sucesso em seus esforços. Entre os candidatos à Presidência da República, desde 1998, apenas o então presidente Jair Bolsonaro (PL) não conseguiu ser reeleito, sendo derrotado em 2022.
No âmbito municipal, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o índice de sucesso é o mais constante desde o ano 2000, o primeiro em que a reeleição para prefeitos foi permitida. Em média, em cada ciclo eleitoral, mais da metade dos atuais chefes de Executivos municipais buscam a reeleição, e cerca de 64% deles são bem-sucedidos.
Nos governos estaduais, as taxas de sucesso apresentaram variações desde 1998, mas mantêm-se em patamar similar ao das prefeituras. De 1998 a 2022, cerca de 67% dos governadores que buscaram a reeleição conquistaram novo mandato. Esses números incluem tanto os governadores eleitos diretamente quanto aqueles que foram efetivados na função após a saída do titular. Dados do TSE mostram que as taxas de sucesso nos estados oscilaram de 50% a 90% no período.
Dentro do Congresso, tanto parlamentares de oposição quanto da base governista compartilham críticas à reeleição. Eles argumentam que a possibilidade de recondução faz com que o governante em exercício dedique todo o seu mandato a trabalhar para a própria manutenção no poder.