Felipe Salto e Gabriel Barros: Data marcada com a maioridade

O resultado das contas públicas de 2017 reacendeu o debate sobre o real tamanho do problema fiscal. Quão importante continua a ser a contenção das despesas obrigatórias (como salários, previdência e subsídios) e elevação da arrecadação tributária?
Foto: Agência USP
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O resultado das contas públicas de 2017 reacendeu o debate sobre o real tamanho do problema fiscal. Quão importante continua a ser a contenção das despesas obrigatórias (como salários, previdência e subsídios) e elevação da arrecadação tributária?

Ainda que os números do ano passado tenham surpreendido positivamente, o quadro continua bastante desafiador. O déficit recorrente, livre de efeitos extraordinários ou temporários, recuou de quase 3,5% do PIB em 2016, para cerca de 3% do PIB em 2017, desequilíbrio ainda bastante substancial. Em 2017, o volume de receitas atípicas alcançou mais de R$ 90 bilhões. O objetivo de avançar em torno da consolidação fiscal de médio e longo prazo ainda precisa ser alcançado.

Na Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal, revisamos para melhor as projeções macroeconômicas e fiscais em resposta à conjuntura mais favorável. O PIB deverá crescer 2,7%, em 2018, ante taxa de 2,3%, no cenário apresentado em outubro de 2017. Para o médio prazo, as projeções de crescimento também melhoraram. Dados de maior frequência, como a produção industrial e o índice de atividade econômica do Banco Central, ambos crescendo entre 1,5% e 2%, na ótica mensal, reforçam os sinais da recuperação cíclica. O mercado de trabalho, com maior defasagem, também se recupera, ainda que de forma lenta e gradativa.

Dada a sensibilidade da arrecadação ao crescimento econômico, revisado para melhor, as expectativas para a dinâmica das receitas também avançaram e, na presença do teto de gastos, deverão contribuir para a recuperação do primário. Receitas petrolíferas também tiveram destacada influência nessa dinâmica. A virada de déficit para superávit – que, no cenário de outubro do ano passado, ocorreria apenas em 2024 – foi antecipada para 2023.

Os melhores resultados e expectativas para a atividade econômica, o mercado de trabalho e o resultado primário afetaram positivamente a dinâmica da dívida pública. A trajetória mais benigna para os juros também contribuiu, assim como as devoluções de recursos do BNDES para o Tesouro Nacional, esperadas em R$ 130 bilhões para este ano. Dos R$ 450 bilhões destinados ao banco público, de 2008 a 2014, foram devolvidos R$ 100 bilhões em 2016 e R$ 50 bilhões em 2017. Com a expectativa de nova devolução este ano, os pagamentos antecipados alcançarão R$ 280 bilhões ou cerca de 60% dos aportes feitos anteriormente.

A dívida bruta (isto é, sem descontar ativos do governo, como, por exemplo, as reservas internacionais), passará de 74,5% do PIB (final de 2017) para um pico de 86,6% do PIB (2023), caindo então lentamente para o nível de 76,7% até 2030. No cenário anterior, que não levava em conta as devoluções do BNDES, os números eram piores: o pico da dívida chegaria a 93,5% em 2025 para só então iniciar gradativo movimento de queda.

Essa mudança nos cenários é, sem dúvida, positiva. A redução da velocidade da dívida, todavia, não altera sua dinâmica de alta prevista para os próximos anos. No cenário pessimista, a trajetória poderia superar o limite de 100% do PIB em 2023. Ambos os cenários pressupõem o cumprimento do teto de gastos.

Um ponto importante nas simulações para o resultado fiscal é a sensibilidade das receitas à atividade (a chamada elasticidade). No período pós-2008, onde a frequência e magnitude de receitas atípicas, elevações de alíquotas e desonerações tributárias ganharam relevo, os exercícios apontam elasticidade mais reduzida e em torno de um, ante valores acima da unidade para períodos mais longos. A menor resposta da arrecadação ao impulso do crescimento econômico afeta a velocidade de recuperação das contas públicas.

A combinação de um déficit recorrente em torno de 3% do PIB, em 2017, com uma carga tributária de aproximadamente 32% do PIB (ante cerca de 26% há 20 anos), diz muito sobre a magnitude do desajuste das contas públicas, que afeta tanto o governo central quanto os subnacionais. Tomando as duas últimas décadas, o déficit recorrente é o maior já registrado na história fiscal do país.

Não obstante o tamanho do ajuste requerido para equacionar o desequilíbrio fiscal, de 4 a 5 pontos do PIB, há um congestionamento dessa agenda já em 2019. De acordo com as nossas projeções, é possível que no primeiro ano do próximo ciclo político-eleitoral a margem fiscal disponível para cortes de despesas no curto prazo seja muito reduzida, inferior a R$ 20 bilhões. Em 2020, na ausência de reavaliações mais profundas no gasto obrigatório, o grau de liberdade seria nulo. O risco, portanto, de restrições em torno do funcionamento da máquina pública (o chamado shutdown) é elevado.

Também em 2019, será preciso definir a regra de correção para o salário mínimo que vigorará a partir de 2020. A indexação de vários benefícios ao salário mínimo gera rigidez em parte substancial do gasto público: 65% dos benefícios previdenciários e 100% dos assistenciais, assim como o abono salarial. A regra de reajuste terá de levar em conta o teto para os gastos públicos. Tais mudanças devem ainda observar a necessidade de cumprimento da chamada regra de ouro das finanças públicas, que permite endividamento apenas para realização de investimentos.

O cenário para 2019, assim, reserva grandes desafios para o processo de consolidação fiscal. Será preciso promover uma profunda atualização de todo o arcabouço fiscal, de forma harmônica e integrada. Afinal, desde a regulamentação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, já se passaram 18 anos.

O Brasil mudou muito nesse período, assim como o resto do mundo. Houve avanços importantes durante esse período – sociais, político-institucionais e econômicos -, mas ainda há uma ampla agenda que deve ser enfrentada e vencida para que o país consiga sair da armadilha da renda média.

Nosso bônus demográfico está bem perto do fim, as condições de competição global têm se intensificado, sobretudo diante da denominada 4ª revolução industrial, cuja base é intensiva em educação, ciência e tecnologia. Para competir nesse novo cenário global, o país terá ainda que superar os gargalos de infraestrutura, aperfeiçoar a regulação econômica e o ambiente de negócios, bem como avançar na simplificação tributária.

Se vamos ter sucesso ou não só o tempo dirá, mas é inegável que a data marcada para atingir a maioridade está muito próxima.

* Felipe Salto é diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado Federal./ Gabriel Barros é diretor da IFI.

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